O Promotor de Justiça promove a justiça em plenário do júri, não sendo um promotor de acusação, como muitos acreditam.
O Tribunal Popular do Júri é uma instituição secular, que decorre da democratização do poder judiciário, já que esse é o poder menos democrático de todos. Por mais críticas que se faça ao julgamento de réus por pessoas leigas, não se pode negar que o povo tem direito de participar de todos os poderes, incluindo o judiciário. As leis são feitas para o povo e esse tem o direito de participar da aplicação da lei.
Previsto no artigo 5º da Constituição Federal, o Tribunal Popular do Júri tem a competência mínima para julgamento contra a vida, e essa acaba sendo a única competência desse tribunal popular.
E o que se julga o Tribunal Popular do Júri?
Os dois direitos mais sagrados em uma sociedade minimamente civilizada: a vida e a liberdade. A vida, suprimida, através de crimes de homicídio, infanticídio, auxilio a suicídio e aborto. E a liberdade do réu, que está em jogo. Qual dos dois direitos é mais importante? É difícil mensurar direitos fundamentais.
Após uma fase judicial, preparatória para o julgamento, passa-se a esse. A função do promotor de justiça é apresentar o processo e as provas aos jurados, que, após as considerações da defesa, devem julgar a causa.
A função do promotor é acusar? Não. Refuto essa afirmação veementemente. O papel do Promotor é defender. Defender quem e o quê?
Primeiro, defender a vítima, que, em casos de crimes consumados, não está em plenário para se defender. É bastante comum advogados de defesa, usando o direito que a plenitude de defesa lhes permite, destruir a vítima, pintando-a como um monstro, e que não era digna de continuar vivendo, para justificar o ato de ceifar a vida humana por parte do réu. Matou, mas matou um pária, um monstro, etc. E quem pode defender a vítima? O promotor de justiça, já que, invariavelmente, a vítima teve sua voz calada pelo réu.
Digo isso porque em Plenário do Júri costuma-se haver um julgamento cruzado: julga-se não o réu, mas a vítima. É praxe no júri haver condenação de quem mata alguém sério, digno de nota, e absolve-se quem tem alguma mácula. O advogado de defesa, em plenário, costuma acusar mais do que o Promotor. Acusa a vítima. Se o advogado consegue convencer os jurados que a vítima não “prestava”, o réu é absolvido. Ora, pela tese defensiva, o réu fez um “favor à sociedade”. Mas essa premissa tem uma falha: a vítima está viva e presente em plenário para se defender? Não, já que, em regra, está morta, tendo sua vida ceifada e sua voz calada pelo réu. Então, quem dá voz à vítima? Quem defende a vítima da execração pública e, o que é pior, da impunidade de seu algoz? O Ministério Público.
Defende da mesma forma, a família da vítima. Ao ceifar uma vida humana, o réu faz uma família chorar. Mães, pais, filhos, irmãos. Choram uma vez a perda de um ente querido. E choram outra vez quando o responsável pelo crime é absolvido.
É praxe defensiva levar ao Plenário do Júri filhos e esposa do réu, que tem uma única função: comover o corpo de jurados. O jurado, vendo a mãe do réu chorando, apieda-se dele e o absolve, mesmo ciente que está absolvendo um criminoso. Não se está a criticar a técnica defensiva, que decorre da plenitude de defesa. Mas quer-se atentar para um fato: quem chora mais, ou por um motivo mais verdadeiro e profundo? A família do que perdeu a vida ou a família daquele que pode perder a liberdade? Ao responder, considere-se que quem perdeu a vida não se colocou nessa situação, já aquele que pode perder a liberdade é o responsável pelo deflagrar dos fatos.
É justo fazer apenas a família da vítima chorar? E duas vezes, pelo mesmo fato, uma ao perder o ente e outra ao ver o assassino absolvido?
Em segundo lugar, e mais importante, a função do Ministério Público é defender a sociedade. O crime é como fogo em capim seco. Se não for impedido, alastra-se, gerando uma pandemia e uma sociedade do caos. O que leva as pessoas a querer matar? A resposta requer digressões de ordem antropológicas e de ciência criminal, o que não é o objetivo desse artigo. Mas o que leva as pessoas que tencionam matar levar a cabo a sua intenção, colocando em prática a vontade de matar, ou o animus necandi? Certeza de impunidade.
Observemos a seguinte premissa: dez pessoas querem matar. Uma passa da intenção à prática, e ceifa a vida de alguém. Os nove esperam as consequências daquele ato. O que matou é julgado e absolvido. Os nove então recebem a mensagem de que podem matar também, já que possivelmente serão absolvidos. Então mais nove homicídios serão praticados. Por outro lado, se esse primeiro homicida é julgado, condenado e punido, os nove pensarão se vale a pena matar. Certamente nem todos levarão à frente a intenção homicida, já que o medo de ser punido falará mais alto do que a vontade de matar.
O que leva ao aumento dos crimes contra a vida é a certeza de impunidade, aliada a questões sociais agudas. A pena, portanto, tem uma função social, de evitar novos crimes.
Lembre-se que um crime de homicídio não punido gera outro sentimento: aversão pelo sistema legal. Um pai que tem um filho assassinado espera pela justiça. Quando vê que essa falhou, pensa em fazer a sua própria justiça. Uma morte, portanto, gerará outras, em um ciclo de mortes interminável, como podemos ver no belíssimo filme Abril Despedaçado, de Walter Salles, infelizmente reproduzido todos os dias de cidades pequenas a periferias de grandes cidades.
Portanto, quando o Promotor de Justiça defendendo as provas coletadas em Processo Criminal ante o corpo de jurados, pede a sua condenação, está defendendo a própria sociedade. Um crime não punido é um recado a outros possíveis criminosos: o crime compensa.
Assim reafirmo: o Promotor promove a justiça e não a acusação em Plenário do Tribunal Popular do Júri.