CAPÍTULO II-IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
Registre-se nesse ponto, que toda norma jurídica de competência primária (de qualquer ramo do direito) é formada por um termo antecedente, descritor de um sujeito competente e um procedimento a ser utilizado, por ele, com o fim direcionado à enunciação normativa. Este termo é implicado deônticamente a um termo consequente, prescritor de uma relação jurídica em que o sujeito competente figura como o sujeito ativo, detentor do direito de exigir a validade do produto de sua enunciação, e o sujeito passivo é o destinatário da regulação daquela conduta, vale dizer, é aquele que pode ser chamado ao cumprimento da conduta regulada. Esta relação jurídica tem, pois, um objeto, que é a delimitação da matéria (conduta) a ser regulada pela norma inferior, ou, dito de outra maneira, é o delineamento dos âmbitos de vigência subjetivo, espacial e temporal da matéria, com os quais o sujeito competente poderá manusear, quando do exercício da competência.
Em matéria tributária, então, a norma primária de competência – aqui, importante ressaltar, nos referimos somente àquelas reguladoras da instituição de tributos - teria, em seu descritor, a delimitação de um sujeito possuidor da competência tributária e, portanto, apto a instituir determinado tributo, que poderá fazê-lo a partir de um determinado tipo de processo legislativo. Em seu prescritor, a relação jurídica, na qual figuram o sujeito possuidor da competência tributária no polo ativo e todos os destinatários normativos, no polo passivo desta (relação), que versará sobre tributo (conduta) que incidirá sobre determinado verbo mais complemento (matéria) realizado por um sujeito, ou, contribuinte, e condicionado a um tempo e a um lugar. Apontamos nossos esforços investigativos para este último termo da norma de competência tributária, pois é neste que pretenderemos demonstrar o ilícito nomogenético, quer dizer, da enunciação normativa, referente à instituição do IPI sobre a importação.
Ao tratar da competência tributária outorgada à União, nossa Constituição Federal dispõe, no inciso IV de seu art. 153, que compete a ela a instituição de imposto sobre produtos industrializados. A definição da materialidade desse imposto, tomando como base somente o dispositivo constitucional mencionado, é trabalho de difícil conclusão, uma vez que o poder constituinte foi extremamente lacônico ao legislar sobre este tributo. Desse artigo só podemos esclarecer que estamos diante de um imposto incidente sobre produtos industrializados, porém é exatamente desse ponto que se deve partir para determinar sua hipótese de incidência.
Ora, como determina o grande mestre Paulo de Barros[22]: “Haverá, então, uma forma direta e imediata de produzir normas jurídicas; outra, indireta e mediata, mas sempre tomando como ponto de referência a plataforma textual do direito posto”.
Portanto, e como já exposto, o conteúdo significativo atribuído aos enunciados prescritivos do direito, quando tomados isoladamente, nem sempre possibilitam a formação de um sentido deôntico completo, vale dizer, este sentido completo deve sempre partir dos enunciados linguísticos expressos em documentos normativos, independentemente do número de enunciados interpretados para a formação deste.
Aqui entra a importância das chamadas Leis Complementares em matéria tributária. Quando se prescreve competência tributária em que a matéria, a ser legislada sobre, é delineada de forma genérica, o art. 146, III, da CF autoriza ao legislador, de forma complementar (quorum qualificado) à ela, instituir norma jurídica que possibilite a concretização da matéria, tratada de forma mais abstrata na norma constitucional. Aliás, todo o dispositivo citado nesse parágrafo relega a este procedimento legislativo qualificado a validade para que o legislador utilize-o como fonte enunciativa de normas jurídicas complementares às normas de competência constitucionais.
2. MATERIALIDADE
O Código Tributário Nacional, recebido como Lei Complementar pela Constituição de 1988, nos permite, então, avançar o estudo sobre a materialidade em questão e determina, em seu art. 46, parágrafo único, que se considera industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para consumo. Pois bem, vencido o conceito de “produto industrializado” por tal dispositivo, volta-se a atenção agora para o termo “operação”, empregado neste mesmo enunciado, isto é, em que sentido este vocábulo foi utilizado para fins de incidência do imposto em comento.
O termo “operação” positivado no parágrafo único do art. 46 do Código Tributário Nacional conjuga, corroborando a linha de pensamento de José Eduardo Tellini Toledo[23], dois conteúdos significativos, quais sejam: operação como processo de industrialização e; operação como ato ou negócio jurídico. Deste modo, temos que o vocábulo em análise, para fins de incidência do IPI, deve abranger tanto o processo que modifica a natureza ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe, quanto o negócio jurídico (que envolva a transferência da posse ou propriedade desses produtos). Nos termos deste exímio jurista:
“Em outras palavras, a mera existência de um produto industrializado, sem que a saída seja decorrente de um ‘ato’ ou ‘negócio jurídico’, não é suficiente para ensejar a incidência do IPI.
De outro lado, a existência de um ‘ato’ ou ‘negócio jurídico’, sem que se esteja diante de um produto resultante de um processo de industrialização, também não dará ensejo à incidência do IPI.”
De posse de tais premissas, podemos afirmar que a materialidade do Imposto sobre Produtos Industrializados (sob uma ótica constitucional) consiste na realização de operação em que resulte um produto industrializado mais a sua saída decorrente de negócio jurídico que envolva a transferência de sua posse ou propriedade.
Assim, ao verbo mais complemento “industrializar produtos” disposto na Constituição e complementado pelo art. 46 do CTN, é possível conjugar dois critérios definidores. Isso é perfeitamente possível, tomando o termo em análise como conceito que é e, portanto, formador de uma classe, cujas propriedades seriam duas: ser operação que resulte produto industrializado e; promover a saída deste por negócio jurídico que envolva a transferência da sua posse ou propriedade.
Em relação a este aspecto semântico da matéria definida na norma de competência, não posso deixar de transcrever a precisa e crucial lição de Tácio Lacerda Gama[24], citando Humberto Ávila, ao afirmar que:
“A prescrição do aspecto material das competências legislativas passa pela indicação de complementos verbais. Esses complementos verbais formam núcleos semânticos que não podem ser desconsiderados por normas inferiores. Neste sentido, Humberto Ávila afirma que:
A Constituição Federal de 1988 (adiante CF/88) atribuiu poder de tributar aos entes federados por meio de regras de competência. Estas regras descrevem fatos tributáveis, de modo que só há poder de tributar sobre fatos cujos conceitos se enquadrem nos conceitos previstos nessas regras e, inversamente, não há poder algum de tributar sobre fatos cujos conceitos não se emoldurem nos conceitos previstos nessas regras. Daí serem intrasnponíveis os limites conceituais previstos nas regras de competência. Fora deles não há poder de tributar. A respeito das regras de competência já decidiu o Supremo Tribunal Federal, ao asseverar que o intérprete ‘... não deve ir além dos limites semânticos, que são intransponíveis’’.
Definido aqui o aspecto semântico da norma de competência tributária, que delega a aptidão para instituir o Imposto sobre Produtos Industrializados, temos, então, que o legislador competente não pode enunciar norma jurídica que tenha fato hipotético (termo antecedente, descritor, como queira) indutor de conteúdos significativos que extrapolem aos limites semânticos dispostos no consequente daquela primeira (norma de competência), o que será analisado pormenorizadamente ainda no decorrer do presente trabalho.
3. SUJEIÇÃO PASSIVA NO IPI
Como explanado alhures, a regra-matriz de incidência tributária necessita também do critério pessoal, já que é neste que se encontram estabelecidos os sujeitos da relação jurídica tributária. O art. 121 do CTN, em seu parágrafo único, dispõe que o sujeito passivo da obrigação principal diz-se: o contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador e; o responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.
Repito, trata-se aqui dos contribuintes do Imposto sobre Produtos Industrializados elencados tanto pelo Regulamento do IPI em seu art. 24, quanto pelo Código Tributário Nacional em seu art. 51, porém, mais especificamente, do importador, com o intuito de criticar e demonstrar a flagrante inconstitucionalidade na eleição deste último, ou, em outros termos, analisar a relação entre os limites delineados pelas normas que delegam a competência tributária (no caso, para o IPI) e a regra-matriz de incidência tributária instituída pelo legislador infraconstitucional. Isso porque, observando a lição precisa da professora Regina Helena Costa[25], “no Estado de Direito, a tributação há de comportar-se dentro de certos limites, para que possa ser legitimamente exercida. Assim, a noção de competência tributária corresponde ao ‘poder de tributar’, juridicamente limitado pela própria Constituição”.
Assim, por puro instinto didático, passamos agora a uma breve digressão sobre os contribuintes do Imposto sobre Produtos Industrializados, dispostos na legislação instituidora deste tributo, para depois seguirmos no exercício crítico, de maneira mais concreta.
3.1. Do industrial
Industrial é aquele que realiza o processo de industrialização de determinado produto e a operação relativa a saída deste do seu estabelecimento, a partir de negócio jurídico que resulte na transferência de sua (do produto) posse ou propriedade.
De acordo com José Eduardo Soares de Melo[26], o industrial:
“Também qualificado como ‘fabricante’ (art. 518, II, c/c art. 8º do RIPI/2002), é a pessoa que executa quaisquer das operações de industrialização, utilizando matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem, e executa quaisquer das operações de industrialização (transformação, montagem, beneficiamento, acondicionamento, ou recondicionamento, e renovação ou recondicionamento)”.
3.2. Do equiparado a industrial
O estabelecimento equiparado a industrial é regulado pelo art. 9º do Regulamento do IPI/2002, que diz respeito àqueles estabelecimentos que promovem a saída de produtos que foram industrializados por terceiros.
3.3. Do importador
O importador é aquele que realiza o desembaraço aduaneiro do produto industrializado que venha nas operações de importação, em razão da transferência de sua posse ou propriedade.