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A localização da teoria da imputação objetiva na teoria geral do delito

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Agenda 13/02/2015 às 11:54

4. Os Critérios de não Imputação Desenvolvidos por Claus Roxin

Tido como um dos maiores expoentes da teoria funcionalista do delito[11], Roxin desenvolve nos idos de 1970 com apoio nas lições de Honing, vários critérios que permitem a adequada imputação de um resultado ao seu causador, o que se dá de maneira objetiva, por intermédio de critérios normativos.

Os critérios de imputação de Roxin são estabelecidos de acordo com casos concretos, e portanto, de modo indutivo. A propósito, tal circunstância é considerada por Luis Regis Prado como um fator negativo a construção de uma teoria geral da imputação objetiva. Nas palavras do autor (PRADO, 2007, p. 338):

A unificação dos critérios que fundamentam a responsabilidade – e, portanto, a construção de uma teoria geral da imputação objetiva – encontra-se dificultada, segundo parte da doutrina, precisamente em razão do método adotado para sua determinação. Claus Roxin emprega um método indutivo, ou seja, os critérios surgem a partir da problemática suscitada por determinados casos concretos.

Antes de tratar especificamente cada critério desenvolvido para o processo de imputação, cumpre salientar, com a poio nas lições de Juarez Tavares, que os critérios a serem estudados em verdade são critérios de não imputação do fato a seu causador. Não se tem propriamente uma imputação, como a rápida leitura da nomenclatura atribuída a teoria poderia sugerir. Segundo afirma Tavares (Apud BITENCOURT, 2006, p. 396):

A teoria da imputação objetiva, portanto, não é uma teoria para atribuir, senão para restringir a incidência da proibição ou determinação típica sobre determinado sujeito. Simplesmente, por não acentuarem esse aspecto, é que falham no exame do injusto inúmeras concepções que buscam fundamentá-lo.

Vencida esta análise preliminar, é preciso ter sempre em mente que na verificação dos critérios de imputação objetiva não se investiga se o agente atuou com dolo ou culpa, o que apenas será realizado a posteriori. O que se perquire, registre-se, é a verificação da possibilidade de atribuição de determinado resultado ao agente como obra sua, o que se dá ex ante da aferição do dolo e da culpa.

Calha advertir, aliás, que imputação objetiva não se confunde com responsabilidade penal objetiva, que ocorre nos casos em que se verifica a possibilidade de responsabilização penal independentemente de ter o sujeito atuado com dolo ou culpa, o que se mostra inadmissível no Direito Penal moderno.

Sem carecer de maiores digressões preliminares, importa detalhar os critérios de não imputação desenvolvidos por Roxin, para em seguida, verificar a localização da teoria em estudo na estrutura geral do delito.

Os critérios de não imputação podem ser organizados na forma seguinte:

a) Diminuição do risco. O exemplo proposto por Roxin é o seguinte: A verifica uma pedra indo em direção a B. Não podendo evitar que o resultado lesivo ocorra, A empurra B de modo a tentar minorar as consequências do dano, de modo que em razão do “empurrão”, B acaba sofrendo lesões corporais.

Nestes casos, defende Roxin que a conduta do agente “significa uma diminuição do risco em relação ao bem protegido e, por isso, não se lhe pode imputar como ação típica”[12].

Deste modo, a conduta dirigida à diminuição de uma lesão que ronda o bem jurídico, não pode ser ao mesmo tempo considerada como proibida, pois tendente a diminuir um risco mais gravoso.

Esta mesma solução pode ser aplicada aos casos em que o médico atua no sentido de salvar a vida de um paciente, e no entanto, só acaba por adiá-la. Se a conduta dirigiu-se à minoração do risco, sua eventual ocorrência não poderá ser imputada ao agente.

Nos exemplos mencionados, parte da doutrina considera destituída de efeitos práticos a teoria da imputação objetiva, tendo em vista que a irresponsabilidade penal do causador poderia se dar pela invocação de uma causa de exclusão da antijuricidade, in casu, o estado de necessidade.

Porém, a aferição da presença das causas de exclusão da ilicitude deve ocorrer somente após a admissão da presença de todos os elementos do fato típico. E aqui reside um dos grandes méritos da teoria em estudo. Pelo processo de imputação, apenas se analisa a antijuricidade do resultado que pode ser atribuído ao agente, como obra sua. Isto por que “só se está diante de um resultado típico se este for objetivamente imputável”[13].

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b) Criação de um risco juridicamente relevante. Para que se admita a imputação deve ser verificado se o agente causou ou incrementou um risco juridicamente relevante do ponto de vista objetivo, independentemente de seu desejo.

Ilustre-se com o seguinte exemplo fornecido por Damásio (2010, p. 319): Um filho, com o desejo de que seu pai morra para se investir na posse da herança, o convence a visitar um bosque no Bairro de Zahringen, em Freiburg, na Alemanha, local conhecido pelo alto índice de descargas elétricas ocorridas durante tempestades. Suponha-se ainda, que durante a visita um dos raios atinja o pai visitante, ocasionando sua morte.

Em casos como o narrado, não obstante o agente desejasse a ocorrência do resultado lesivo morte, este não lhe poderá ser imputado, pois não houve domínio do resultado através da vontade humana. Ademais, o simples fato de convencer alguém a visitar um bosque não pode ser considerado um risco proibido, pelo contrário, permitido. Observe-se, que a análise do elemento subjetivo (dolo) é realizada apenas depois de se constatar a possibilidade de atribuir ao agente o evento danoso, o que em caso negativo, restará prejudicado.

Este mesmo critério de não imputação aplica-se aos casos de desvio do curso causal, como no clássico exemplo da pessoa que, ferida por outrem, é encaminhada ao hospital, vindo a falecer no trajeto em razão de acidente envolvendo a ambulância que o transportava. Trata-se de causa superveniente relativamente independente que, por si só, produziu o resultado, e que segundo o art. 13, § 2º, CP, leva o agente a responder apenas pelos atos até então praticados. É justamente por este motivo que parte da doutrina afirma, com razão, que o dispositivo mencionado contempla uma regra/critério de imputação objetiva.

Tal constatação deve ser tida como verdadeira, e demonstra a possibilidade de convivência entre as teorias da equivalência dos antecedentes causais e a imputação objetiva, sistemática aplicada no projeto de lei 236/2012, que está de acordo com a ideia traçada pela doutrina de que a teoria em estudo tem caráter suplementar à conditio sine qua non, e não substitutivo.

c) Aumento do risco permitido. O exemplo fornecido por Roxin é o seguinte: Um industrial adquire matéria prima infectada e, sem proceder a esterilização do material antes de entregá-lo aos seus operários, acaba causando a morte de quatro deles. Posteriormente, descobre-se que mesmo tivesse procedido à desinfectação, não poderia ter evitado a infecção fatal, haja vista que os bacilos de carbúnculo já estavam resistentes.

Em casos tais, observe-se que ainda tivesse o agente pautado sua conduta na estrita observância de seu dever de cuidado, o resultado ainda assim teria ocorrido, motivo pelo qual este não lhe pode ser imputado, tendo em vista que sua conduta não incrementou a ocorrência do risco proibido.

É a análise a ser feita no caso do incêndio ocorrido na Boate Kiss, em Santa Maria – RS, em janeiro de 2013. A tragédia matou 242 pessoas, e deixou outras 116 feridas[14].

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina denunciou os proprietários da Boate pela prática do crime de homicídio doloso qualificado por motivo torpe e pelo emprego de fogo por 242 vezes, bem como pela prática de homicídio tentado, com as mesmas qualificadoras, por 636 vezes.

No fatídico caso, se aplicado o critério de imputação ora analisado, o exegeta deverá se questionar se a realização de show pirotécnico no interior de uma boate constitui risco proibido ou permitido. Em sendo permitido, há que se questionar ainda, se ao não disponibilizarem as saídas de emergência recomendadas pelos órgãos de fiscalização competentes, os proprietários da boate incrementaram este risco. Se a resposta for positiva, o resultado deverá ser imputado aos agentes, independentemente se atuaram com dolo ou culpa, o que como visto, será aferido em momento posterior.

Noutro turno, se concluir-se que mesmo tivessem os proprietários tomado todas as providências recomendadas pelos órgãos de fiscalização competentes o resultado ainda assim ocorresse, este não lhes poderá ser imputado, uma vez que a conduta negligente não incrementou o risco de sua ocorrência.

d) âmbito de proteção da norma. Pela aplicação deste critério, desenvolveu-se a ideia de que o resultado lesivo deve ser decorrência direta da conduta causadora de risco proibido do agente.

Ilustre-se com a seguinte situação hipotética: A mata B. A mãe deste último, ao ser informada do falecimento do filho, sofre um colapso cardíaco e morre. Questiona-se: A deve responder pela morte da mãe de B?

A resposta só pode ser negativa, pois nas palavras de Fernando Galvão (Apud, GRECO, 2011, p. 237):

A relevância jurídica que autoriza a imputação objetiva ainda deve ser apurada pelo sentido protetivo de cada tipo incriminador; ou seja, somente haverá responsabilidade quando a conduta afrontar a finalidade protetiva da norma. Existem casos em que o aumento do risco para além do permitido não acarreta imputação, pois a situação está fora do alcance da norma jurídica incriminadora.

Como se percebe, se o resultado lesivo não for decorrência direta do risco criado ou incrementado pelo agente, não poderá ser atribuído como obra sua, devendo ser tido como obra do acaso.

Vistos os critérios basilares desenvolvidos por Roxin, donde podem ser extraídas outras várias normas gerais de imputação[15], cumpre passar à análise do cerne deste estudo, qual seja, a verificação da localização da imputação objetiva na estrutura analítica do delito.


5. Proposições Acerca da Localização da Imputação Objetiva na Teoria Geral Do Delito

Inicialmente, cumpre informar ao leitor que não há divergência doutrinária na afirmação de que a imputação objetiva exclua o fato típico. A questão cinge-se mesmo em saber, em qual dos elementos que integram o fato típico a teoria está alocada, ou se ao revés, constituiria um elemento autônomo dentro do fato típico.

Damásio (2010, p. 320), assevera que a teoria da imputação objetiva “é uma teoria autônoma, independente da doutrina da causalidade objetiva ou material”.

O jurista citado entende que ao se falar em imputação objetiva, deve-se averiguar a imputação objetiva da conduta e do resultado. Pela primeira, é averiguado se o agente criou ou incrementou um risco proibido juridicamente relevante. Pela segunda, verifica-se a realização do perigo típico, ou seja, a transformação do risco em resultado jurídico.

Segundo o entendimento de Damásio, quando se concluir que a conduta do agente não criou ou incrementou um risco juridicamente relevante, ter-se-á a atipicidade da conduta. Noutro bordo, se o resultado lesivo em questão não puder ser tido como decorrência direta da conduta causadora do risco proibido (âmbito de proteção da norma), falar-se-á em atipicidade do resultado.

Na visão do autor, a imputação objetiva consiste em um elemento normativo do tipo, que se encontra de modo implícito nas figuras típicas, tal como o dolo. Em suas palavras: “Cuida-se de uma exigência típica. De maneira que, ausente a imputação objetiva da conduta ou do resultado, a consequência é a atipicidade do fato” (DAMÁSIO, 2010, p. 324).

Analisando a teoria em estudo, Damásio reestrutura o fato típico com a inclusão da moderna teoria da imputação objetiva no fato típico de forma autônoma, e para tanto, exclui a tipicidade, que no seu entender, não é propriamente um elemento do fato típico. Em suas palavras:

A imputação objetiva da conduta e do resultado jurídico deve ser apreciada depois do nexo de causalidade material (doutrina alemã dominante). Assim, o fato típico, nos delitos materiais, passa a conter: 1) conduta voluntária ou culposa; 2) resultado material; 3) nexo de causalidade objetiva; e 4) imputação objetiva. A tipicidade configura uma qualidade do fato material e não propriamente um elemento do fato típico (DAMÁSIO, 2010, p. 324).

Por sua vez, ao estabelecer a denominada teoria constitucionalista do delito, Luiz Flávio Gomes também procurou sistematizar a teoria da imputação objetiva na teoria geral do crime.

Luiz Flávio Gomes analisa a teoria em estudo de forma sistemática, dogmática e estrutural, considerando a imputação objetiva inserida no interior da tipicidade material. Para o autor: “típica, agora, só pode ser a conduta que, além de ser adequada à letra da lei, cria ou incrementa um risco proibido” (GOMES, 2009, p. 196).

O autor fraciona a aplicação da teoria da imputação objetiva em dois blocos: i) imputação objetiva da conduta; e ii) imputação objetiva do resultado. Pela primeira, importa saber se a conduta do agente criou ou incrementou um risco juridicamente proibido. Pela segunda, investiga-se se o resultado decorre diretamente do risco criado pelo agente, e se este está inserido no âmbito de proteção da norma.

Após estabelecer tal premissa, Luiz Flávio Gomes sistematiza a teoria em estudo dentro da tipicidade material. Segundo afirma, a tipicidade penal agora exige tríplice verificação:

(a) primeiro a causalidade natural ou mecânica, isto é, a causação (conduta, resultado naturalístico – nos crimes materiais – nexo de causalidade e subsunção do fato à letra da lei); (b) num segundo momento são exigidos dois juízos valorativos diferentes: 1.º) juízo de valoração (desaprovação) da conduta (criação ou incremento de riscos proibidos relevantes) e 2.º) juízo de valoração (desaprovação) do resultado jurídico (ofensa desvaliosa ao bem jurídico); (c) no terceiro momento reside a dimensão subjetiva do tipo (dolo e outros eventuais requisitos subjetivos especiais). (GOMES, 2009, p. 196).

Deste modo, entende Luiz Flávio Gomes que a tipicidade penal é formada pela soma da tipicidade formal, tipicidade material ou normativa e tipicidade subjetiva, estando a imputação objetiva subsumida dentro da tipicidade material.

Sobre o autor
Fernando Costa Martins

Pesquisador da Ciência Jurídica. Advogado.

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