3 ISONOMIA TRIBUTÁRIA
O princípio da isonomia tributária está contido no art. 150, II da Constituição Federal, nos seguintes termos:
É vedado [...] instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por ele exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
Se o princípio da isonomia tributária preconiza que é proibido dar tratamento desigual a contribuintes que se encontrem em situação equivalente, mostra-se que tal princípio é uma importante cláusula de defesa do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado, aproximando-se da isonomia na lei.
O princípio da igualdade tributária também é denominado “princípio da proibição dos privilégios odiosos”, à medida que procura impedir a odiosidade tributária, manifestada em atos normativos discriminatórios, pregando favoritismos através da tributação.
No momento que sucedeu à ditadura, notava-se que as odiosidades tributárias foram dando lugar a critérios mais baseados na razoabilidade, na concessão de benefícios, no intuito de evitar a ofensa de um preceito constitucional. O princípio da isonomia, então, passou a ser uma espécie de escudo garantidor, protegendo das discriminações em razão de classe e/ou condição social do indivíduo.
Partindo-se da premissa de que a faculdade de discriminar é da essência do poder tributário, é induvidoso que o princípio da isonomia tributária se revela como mandamento de difícil aplicabilidade, pois deverá ser burilado em meio a conflituosos e múltiplos interesses convergentes, que aglutinam antagônicos elementos volitivos: a vontade do Estado tributante, a vontade do particular tributado e a vontade dos setores econômicos beneficiados por dada política desonerativa (benefícios e isenções) (SABBAG, 2010, p. 133).
O princípio da isonomia tributária é um postulado vazio, recebendo o conteúdo de outros valores, como liberdade e justiça, ou, “justiça tributária”, como utiliza o STF (RE 423.768/SP). Trata-se, então de um desafio, pois o mesmo não está imune a mandos e desmandos dos poderes políticos, que, maquiavelicamente, ofertam remédios exegéticos “seguros”, sob a premissa de justificar um dado tratamento que, na verdade, apenas dissemina desigualdades reprováveis.
A isonomia tributária não aceita contextos absolutos, pois o legislador pode impor critérios razoáveis de discriminação. O questionamento que se faz presente é que tal atitude do legislador faz emergir uma afronta à isonomia. Obviamente, no Estado de Direito, a igualdade jurídica não pode ser meramente superficial, sem uma interação com as peculiaridades concretas da realidade social, que lhe permitem, de fato, voltar a atenção à efetiva correção das desigualdades. Daí se diz que o legislador infraconstitucional, quando busca o efetivo princípio da isonomia tributária, deve levar em consideração as condições reais de todos os envolvidos (cidadãos e grupos econômicos), evitando a incidência da mesma carga tributária àqueles com capacidade econômica diferenciada, sob risco de macular as camadas mais pobres, que passariam a contribuir além do que suportam, enquanto os detentores de maior poderio econômico suportariam cargas tributárias menores das que realmente devem.
3.1 CAPACIDADE CONTRIBUTIVA
O princípio da capacidade contributiva diz que os cidadãos detentores de um maior poderio financeiro devem ter alíquotas maiores no pagamento de seus impostos, fazendo com que a perda econômica seja sentida por eles numa proporção maior do que aqueles economicamente mais frágeis. Todos os impostos devem, a priori, ser progressivos, pois é graças à progressividade que atendem ao princípio da capacidade contributiva.
A progressividade traduz-se em técnica de incidência de alíquotas variadas, cujo aumento se dá à medida que se majora a base de cálculo de gravame. O critério da progressividade diz com o aspecto quantitativo, desdobrando-se em duas modalidades: a progressividade fiscal e a progressividade extrafiscal. A primeira alia-se ao brocardo “quanto mais se ganha, mais se paga”, caracterizando-se pela finalidade meramente arrecadatória, que permite onerar mais gravosamente a riqueza tributável maior e contempla o grau de “riqueza presumível do contribuinte”. A segunda, por sua vez, fia-se à modulação de condutas, no bojo do interesse regulatório (SABBAG, 2010, p. 160).
A proporcionalidade que se obtém através da aplicação de apenas uma alíquota sobre uma base tributável variável, é um meio fiscal imparcial, pelo qual se busca realizar plenamente o princípio da capacidade contributiva. A proporcionalidade faz com que a alíquota se mantenha invariável, ou seja, desse modo, a alíquota é constante e a base de cálculo variável.
Vale ressaltar que a proporcionalidade não está descrita expressamente na matéria constitucional, como a progressividade.
O STF já se pronunciou no sentido de que o princípio da capacidade contributiva é prestigiado, no caso dos impostos ditos reais, pela mera técnica da proporcionalidade. Assim, eles serão progressivos somente no caso de uma expressa previsão no texto constitucional (SABBAG, 2010, p. 174).
Deste modo, pode-se afirmar com segurança que cada cidadão deverá pagar seus impostos de acordo com sua renda auferida. A capacidade contributiva possui dois elementos: objetivo e subjetivo. O objetivo diz respeito a que o Estado deve tributar o cidadão de acordo com a riqueza que este auferiu, bastando apenas a prática do ato, portanto entende-se que este possa ser decorrente tanto de práticas lícitas, como de ilícitas. O subjetivo infere que, para aferir o exato tributo que deverá ser cobrado de determinado contribuinte, basta se medir a riqueza deste, assim entendendo-se que ela pode provir de qualquer origem.
3.2 RAZOABILIDADE
De acordo com Eduardo Sabbag (2010, p. 246):
A razoabilidade é conceito jurídico indeterminado e elástico, podendo variar no tempo e no espaço. Como o próprio termo prenuncia, o ser “razoável” significa atuar com bom senso e moderação, ponderando com equilíbrio as circunstâncias que envolvam a prática do ato.
A razoabilidade na ação estatal justifica-se na veiculação de ações coerentes, que levem em conta o equilíbrio no binômio “meios empregados e fins alcançáveis”. O princípio vem moldar a conduta da Administração que, atuando com a racionalidade necessária, adotará critérios aceitáveis por qualquer pessoa equilibrada, afastando-se das condutas desarrazoadas e bizarras que se distanciam das finalidades da lei atributiva da discrição manejada.
Em resumo, o princípio da razoabilidade, em harmônico convívio com o postulado da proporcionalidade, apresenta-se no cenário em que o excesso e as atitudes incongruentes são proibidos à Administração, disposta a homenagear a prudência no nobre exercício da função estatal.
Nesse passo, deve o intérprete, no intrincado trabalho de aquilatar até que ponto o tributo é ou não confiscatório, valer-se da razoabilidade que lhe servirá de “bússola” para diferençar aquilo que se põe como confiscatório, em dada conjuntura, sob certa cultura e condição de cada povo, e o que se mostra “razoável”, do ponto de vista da tributação.
Portanto, infere-se que a razoabilidade deve incidir sobre todos os atos, pois estes, mesmo que ilícitos, podem ser a única fonte de renda do indivíduo, configurando um confisco tributário.
3.3 PROPORCIONALIDADE
O princípio da proporcionalidade, também denominado “princípio da proibição ao excesso”, guarda semelhança com a razoabilidade, pois está fadado a servir como um instrumento controlador dos atos estatais.
A aplicabilidade do princípio da proporcionalidade do Direito Tributário será feita à luz da casuística, inexistindo uma padronização limitadora de seu espectro de abrangência. Somente o caso concreto demarcará a adequação de seu uso. Entretanto, tem-se visto sua suscitação, de modo iterativo, no campo das sanções políticas, por meio das quais se almeja garantir a arrecadação tributária a toda força, em detrimento das garantias constitucionais fundamentais, em frontal ofensa ao postulado ora analisado. [...] Em suma, o postulado da proporcionalidade desponta como inafastável instrumento de limitação da ação estatal, tendente a inibir o excesso de poder cometido por toda e qualquer pessoa que atue em nome do Estado (SABBAG, 2010, p. 247).
Entende-se que a proporcionalidade, de um lado, atua como limitadora do poder público e, por outro, atua como juízo de adequação entre o interesse público, através de atos estatais, e as ocorrências destes sobre os particulares.
3.4 EQUIDADE E TRIBUTAÇÃO JUSTA
O princípio da capacidade contributiva, apesar de estar atrelado ao da isonomia, não pode se confundir com este.
A capacidade contributiva ressalta uma das dimensões da isonomia, qual seja, a igualdade na lei. Assim, diz-se que o principio da capacidade contributiva está crucialmente ligado ao da igualdade, porém com ressalvas. Enquanto a isonomia oferece um caráter relacional, a capacidade contributiva abre-se para a busca de um efetivo sentimento de justiça para o Direito Tributário.
O sentimento efetivo da justiça busca a equidade na tributação. Esta correlaciona-se à maneira como os recursos são distribuídos na sociedade, dividindo-se em duas dimensões:
a)Equidade Horizontal: os contribuintes que possuam igual capacidade de pagar deverão contribuir com a mesma quantidade pecuniária, destinada aos cofres do Estado. É a ideia do “tratamento igual para os iguais”;
b) Equidade Vertical: os contribuintes que possuam desigual capacidade de pagar deverão contribuir com diferentes quantidades pecuniárias, destinadas aos cofres do Estado. É a ideia do “tratamento desigual para os desiguais”. Aqui despontam os critérios de concretização do postulado da capacidade contributiva, a progressividade, a seletividade, entre outros. Assim, indivíduos com rendas maiores deverão contribuir, proporcional e equitativamente, com mais recursos do que aqueles que possuem menores rendimentos. O objetivo dessa forma de tributação não é o de inverter a posição das classes de renda, mas reduzir a diferença entre elas, por sinal, exageradamente grande no Brasil. (SABBAG, 2010, p. 147).
Como visto, se valer de critérios de distinção, como meio de aferir a real capacidade contributiva, está atrelado à maneira como o Estado recebe recursos e como os utiliza no atendimento das necessidades da coletividade. Assim, precisa-se arrecadar a receita que a justiça exige.
Logo, a capacidade contributiva deve ser analisada, na maioria das vezes, ao lado de outros postulados, os quais devem ser ponderados.
Deve haver a tributação da capacidade contributiva que apenas esteja prevista em lei; deve haver o afastamento, pelo Poder Judiciário, de uma certa lei isentiva, cujo benefício se traduz em privilégio odioso; deve haver o reconhecimento de que, conquanto o tributo esteja previsto em lei, é possível que dado segmento de contribuintes não possua capacidade contributiva para suportá-lo (SABBAG, 2010, p. 148).