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Precisamos de líderes e não de chefes – Parte I

Agenda 02/03/2015 às 21:50

Uma das diferenças mais importantes na política refere-se ao conceito de líder e chefe. Enquanto este tende a comandar pessoas, impor ordens e ser autoritário, o primeiro conceito conduz as pessoas e as inspira.

Uma das diferenças mais importantes na política refere-se ao conceito de líder e chefe. Enquanto este tende a comandar pessoas, impor ordens e ser autoritário, o primeiro conceito conduz as pessoas e as inspira. Os chefes são temidos, e não respeitados, enquanto os líderes são conhecidos pelo poder de motivar, mostrando a direção a ser seguida e, mais importante, caminhar junto.

O mundo atual carece de líderes de destaque na política e o Brasil, infelizmente, segue essa tendência. Mas nem sempre foi assim. Para este artigo, selecionei um líder  na história mundial que se destacou pela busca incessante de dois objetivos: defender e influenciar o seu povo.

Os britânicos lembraram recentemente o cinquentenário da morte de Winston Churchill, o “Velho Leão” que desafiou Adolf Hitler e cuja coragem, ousadia e combatividade ainda são citadas como exemplos no Reino Unido e em todo mundo.

“Nesse dia, foi o Império Britânico que morreu com ele”, escreveu recentemente o jornal Daily Telegraph, sinal da marca gigante que o ex-Primeiro-Ministro e líder da guerra deixou para seus compatriotas.

Sua história revela a saga de um líder que não abriu mão de seus ideais e lutou com tenacidade pela defesa de seu povo.

 “Nada tenho a oferecer senão sangue, trabalho, lágrimas e suor.”

Com essa frase, o inglês Winston Churchill eternizaria seu discurso inaugural como Primeiro-Ministro, em 1940. Poucos anos antes, no entanto, Churchill experimentara os piores tempos de sua carreira política. No curso da década de 1930, sua carreira foi de fracasso em fracasso, enquanto Hitler somava sucesso a sucesso – resultados que não deixavam de estar relacionados. A reputação de Churchill nos anos de 1930 sofreu, entre outras razões, por sua insistência em alertar sobre o perigo alemão.

Churchill era, acima de tudo, um visionário e essa é uma importante qualidade de um líder. Em outubro de 1930, ou seja, 9 anos antes do início da guerra, Churchill jantou na embaixada alemã, em Londres. À mesa, ele disse que estava apreensivo em relação a Hitler.

Já como Primeiro-Ministro, Churchill escrevia seus próprios discursos e tinha outra característica de extrema importância para um líder: sabia cativar seu povo, transmitindo-lhes palavras de superação e pensamentos positivos, aumentando o moral dos britânicos e dos povos subjugados pela ocupação nazista.

Houve tempos em que acumulavam-se catástrofe atrás de catástrofe. A  indústria, o exército, a força aérea dos alemães eram mais modernos que os de seus adversários. Ainda assim, Churchill fazia de tudo para levantar os ânimos britânicos, e o conseguiu num de seus mais famosos discursos:

“Mesmo que grandes regiões da Europa e muitos velhos e famosos Estados tenham caído ou possam cair nas garras da Gestapo e de toda a odiosa aparelhagem do domínio nazista, não haveremos de afrouxar ou fracassar. Continuaremos até o fim. Lutaremos na França, lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com crescente confiança e crescente força no ar, defenderemos nossa ilha qualquer que possa ser o custo. Lutaremos nas praias, lutaremos nos campos de pouso, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nos morros; nunca nos renderemos, e, mesmo que, coisa em que não acredito nem por um momento, esta ilha ou grande parte dela estivesse subjugada ou passando fome, então nosso Império além-mar, armado e guardado pela Frota britânica, continuaria a luta, até que, quando Deus assim quiser, o novo mundo, com todo seu poder e pujança, se disponha a acorrer a salvação e a libertação do velho”.

O efeito desse famoso discurso foi imenso e a aprovação da liderança de Churchill estava próxima da unanimidade nesse período.

A população acreditava em seu líder e isso acontecia por uma razão muito simples. Churchill era honesto com seu povo, não os enganava e nem os subestimava.

Em um trecho da obra o Diário de Anne Frank[1], há uma passagem que demonstra a forma como Churchill reagia aos acontecimentos da guerra:

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“A maior surpresa veio do Sr. van Daan, que informou imediatamente que os ingleses haviam desembarcado em Tunis, Argel, Casablanca e Orã.

– É o princípio do fim – dizia todo mundo, mas Churchill, o primeiro-ministro inglês, que devia ter ouvido a mesma coisa sendo repetida na Inglaterra, declarou: “Isto não é o fim. Não é nem mesmo o princípio do fim. Mas talvez seja o fim do princípio”. Vê a diferença? Não há motivo para otimismo”.

Numa ocasião, em outubro de 1940, ele mencionou: “Sempre hesito em dizer qualquer coisa de natureza otimista, porque nosso povo não se opõe a ser informado do pior”.

E esse espírito de luta e de superação do líder permaneceu durante toda a guerra. Pequenos gestos foram capazes de demonstrar a grandeza de Churchill. Suas palavras ecoaram por toda a Europa ocupada levando esperança para milhões de pessoas. Anne Frank ainda diria em seu famoso diário:

“Mas onde há esperança há vida. Ela nos enche de coragem renovada e nos torna fortes outra vez. Teremos de ser bravos para suportar os medos, as dificuldades e os sofrimentos ainda por vir”[2].

Ao final da guerra, em 8 de maio de 1945, na sacada do Ministério da Saúde em Londres, Churchill sente o reconhecimento do seu trabalho. O discurso “Esta vitória é de vocês” sacramenta o espírito de união e reciprocidade entre o líder e o seu povo:

“Espontaneamente, Londres inteira foi às ruas celebrar. Churchill e os seus principais assessores apareceram na sacada do Ministério da Saúde, acima da vasta multidão que amontoava em Whitehall. Foi quando Churchill declarou “Esta vitória é de vocês”, e a multidão urrou de volta: “Não, é sua”. Como comentou o historiador Robert Rhodes James: “Foi um momento inesquecível de amor e gratidão”[3].

Ali se encerrava um ciclo político que traria diversas consequências para todas as nações. Todos sabem o desfecho da guerra e o surgimento da polarização capitalismo/socialismo, o primeiro liderado pelos Estados Unidos e o segundo pela extinta União Soviética.

Churchill foi um homem à frente de seu tempo e, mesmo tendo fracassado em várias de suas ações, nunca se deixou abater pelo pessimismo e pelas dificuldades naturalmente advindas em um dos períodos mais tormentosos da existência humana. Deixou um legado que pode ser resumido nesta frase de sua autoria:

Qual é o valor de tudo isso? O único guia para o homem é sua consciência; o único escudo para sua memória é a retidão e a sinceridade de suas ações.


[1] O Diário de Anne Frank. Tradução de Ivanir Alves Calado. 34. ed. Rio de Janeiro: Record, 2012. p. 72.

[2]Ibidem. p. 321.

[3] Jamais ceder!: os melhores discursos de Winston Churchill. Winston S. Churchill (Org.) Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. p. 268.

Sobre o autor
Rafael Simonetti

Promotor de Justiça do Estado de Goiás. Pós-graduado em direito público. Autor de artigos e livros jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo publicado originariamente no jornal Gazeta de Limeira, ano 84 - n. 17.820 - Domingo, 1º de março de 2015, p. 2.

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