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Janot, entre Ovídio e Giorgio Del Vecchio

Agenda 06/03/2015 às 14:03

A conduta do PGR no processo da Lava Jato merece ser apreciada com cuidado.

Mesmo tendo sido citado pelo operador do esquema financeiro investigado na Lava a Jato, Aécio Neves não foi denunciado por Janot. O procurador inocentou o ex-candidato a presidente do PSDB prévia e preventivamente. Em ato contínuo, a imprensa disse que o PGR entendeu que também não existiam provas contra Dilma Rousseff , dando a entender que a presidenta foi inocentada como parte de um acordo partidário que garantiu imunidade a Aécio Neves.

O enredo do caso me fez lembrar alguns versos de Ovídio:

"Aurea prima sata est aetas, quae, vindice nullo

Sponte sua, sine lege, fidem rectumque colebat.

Poena metusque aberant; nec verba minacia fixo

Aere legebantur; nec supplex turba timebant

Judices ora sui; sed erant sine judice tuti, etc"

Metamorfose, Livro I, v. 89/93

"Na primeva idade de ouro, sem tirano nem lei,

O direito e a fé eram cultivados espontaneamente.

Na ausência de pena e de medo, em bronze

não se liam ameaças, nem, suplicando, a turba temia

um juiz; mas, sem tirano, todos se sentiam seguros."

Refletindo sobre a passagem do estado de natureza (referido por Ovídio) à civilização,  Giorgio Del Vecchio afirma que:

“...Las varias  doctrinas concuerdan en afirmar que en un cierto punto el estado natural fenece y los hombres convienen en abandonarlo para unirse en sociedad. Se pasa así del status naturae al status societatis; y este tránsito sobreviene merced a un contrato, en fuerza del cual los hombres se obligan a respertarse mutuamente y convivir pacíficamente (pactum unionis). En el acto mismo, o bien en un momento sucesivo, el pueblo (que de una situación de multitud disgregada, ha llegado a ser tal pueblo gracias al pactum unionis) se subordina a un gobierno designado por él; y esto ocurre también en la forma de um contrato (pactum subiectionis). Este puede ser, pues, ya simultáneo, ya posterior al pactum unionis.

El sentido essencial de esta doctrina del contrato social consiste en demonstrar cómo el poder político es emanación del pueblo, y em reivindicar para éste su derecho soberano. Efectivamente, si se admite que el gobierno recibe su autoridade del pueblo será fácil sostener que este puede siempre que le plazca revocar el poder conferido; y esto sobre todo, em el caso que el gobierno no cumpla las obligaciones asumidas en el supuesto contrato. Por outra parte, cabía además sostener también (y lo hicieron algunos escritores) que en virtud del contrato social el pueblo hubo de perder irrevocablemente su liberdad y soberania (en cuanto que la cedió a un gobierno): y entonces, de esta guisa, el contrato social conviértese en un medio o argumento para fundar el poder absoluto.” (Filosofia del Derecho, Giorgio Del Vecchio, sexta edición corregida y aumentada revisada por Luis Legaz y Lacambra, BOSCH, Casa Editorial, Barcelona, Espanha, 1953, p. 83/84)

A conduta do PGR é curiosa. Por um lado ele sustenta o contrato social ao obrigar algumas pessoas (os denunciados ao STF) a responder por seus atos. Por outro, ele trata outras pessoas (Aécio Neves; Aécio Neves e Dilma Rousseff segundo a versão da imprensa) como se não estivessem submetidos ao contrato social, como se eles pudessem viver numa Aurea prima sata est aetas, quae, vindice nullo sem temer a lei, o julgamento e a pena que corresponderiam à sua conduta.

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Distinção estranha esta a feita por Janot, de quem se esperava o estrito cumprimento de seu dever funcional. As garantias que lhe foram atribuídas ao PGR pela CF/88 (o nosso contrato social) não são privilégios dos quais Janot pode declinar ou usar de maneira discricionária. Se Aécio Neves foi citado na Lava Jato ele deveria ser denunciado. Caso seja inocente ele será absolvido após o devido processo legal.

A imprensa sugeriu que Janot homologou informalmente um acordo partidário para isentar Aécio Neves e Dilma Rousseff. Se este for o caso a atitude do PGR é ainda mais grave. No Brasil todos são iguais perante a mesma Lei e ninguém deve ter imunidade penal em decorrência de sua condição pessoal ou do cargo que exerce. Ao deixar a política corromper a atividade do Ministério Público Federal o próprio PGR estaria se colocando fora da Lei como se ele pudesse escolher quem deve responder por seus atos e quem vive num tempo mítico ondeSponte sua, sine lege, fidem rectumque colebat.

O poder absoluto, como disse Giorgio Del Vecchio, geralmente não é, mas também pode ser fundamentado no contrato social. A CF/88 permite a responsabilização de qualquer agente público sem exceção (seja ele eleito, concursado ou nomeado). Se o PGR pode escolher entre submeter alguns denunciados ao império da Lei e deixar outros viverem como se Poena metusque aberant; nec verba minacia fixo devemos concluir que ele é, em última instância, o tirano ao qual todos os cidadãos estão submetidos. Somente um tirano pode punir e inocentar quem quiser segundo seu próprio critério de justiça.

A injustiça da conduta de Janot para com Dilma Rousseff é evidente e ignominiosa. Ao inocentar Aécio Neves sem desmentir a versão da imprensa de que isto foi feito como parte de um acordo partidário que livraria a Presidenta da República, o PGR garantiu que a imagem de Dilma Rousseff fique eternamente maculada. Em pouco tempo, ela não será apenas suspeita de ter obtido a inocência mediante uma artimanha, mas culpada de obrigar Janot a inocentar dois culpados (ela mesma e Aécio Neves). Igualar suspeitos e inocentes para o deleite dos jornalistas não é tarefa do PGR. O que a CF/88 lhe impõe é algo bem diferente.  

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

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