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A constitucionalidade da taxa de juros segundo o Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC) em matéria tributária

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Agenda 01/02/2003 às 00:00

4. A RECOMPOSIÇÃO DO PATRIMÔNIO DO ESTADO

Ao que se nos antolha, a situação em que se encontra o Estado, diante do inadimplemento do sujeito passivo da relação jurídica tributária, é mais gravosa que a do contribuinte que tem parte de seus recursos retidos indevidamente nos cofres públicos. Vejamos o porquê.

É incontroverso que incumbe ao Estado o dever de oferecer, de proporcionar aquilo que configura o objeto de sua atuação moderna, sua finalidade, qual seja o bem comum. No dizer do Papa João XXIII, em sua encíclica Pacem in terris, o conjunto de condições necessárias ao desenvolvimento dos indivíduos.

Ademais, como é sabido, o texto de nossa Carta Magna estabelece o âmbito de atuação do Estado, no que tange aos seus direitos e deveres em relação ao povo. Todavia, para que se torne possível o cumprimento do rol de prestações com que se comprometeu o ente público para com os indivíduos, mister se faz a existência de recursos financeiros. Para tanto, os tributos conformam a forma pela qual se observa a aferição das maiores quantias de que dispõe o Estado, sendo, pois, destinadas ao cumprimento de seus deveres face às pessoas que dele necessitam.

Por conseguinte, não há que se exigir que o Estado experimente o prejuízo de não ver os tributos corrigidos de acordo com as oscilações pelas quais passa o mercado financeiro. E mais, de ter que observá-las quando da restituição de tributos por ele arrecadados indevidamente.

Em síntese, ao Estado é determinada a utilização da taxa SELIC quando restitua valores ao contribuinte. Todavia, almejam alguns ver vedada a utilização de tal taxa de juros quando o contribuinte não cumpra com suas obrigações tributárias na data aprazada.

Ora, é vítreo que tal situação não deve prosperar. O ente público conta com a pontualidade do contribuinte para o oferecimento do mínimo necessário à dignidade dos indivíduos, entre os quais se encontra o próprio contribuinte. Quando este prescinde do pagamento no tempo devido, tais prestações por parte do Estado continuam a ensejar cumprimento e, pois, recursos à sua realização.

Assim, se a quantia dos tributos a serem arrecadados pelo Estado não são cumpridas na data adequada, este se vê compelido a buscar recursos em outras fontes, pois as necessidades dos indivíduos são ilimitadas e, para que sejam devidamente satisfeitas pelo Poder Público, este haverá que dispor de empréstimos, internos ou externos.

Neste compasso, mister se faz aduzir que a devolução das quantias "emprestadas" pelo Poder Público é corrigida por índices utilizados no mercado financeiro. Por vezes, tais índices são dotados de maior "hostilidade" que a taxa SELIC.

Reiterando, o Estado planeja os gastos públicos de acordo com o que se extrai do binômio RECEITA – DESPESA. Se aquela não é auferida a contento, por ocasião da impontualidade dos contribuintes, esta obriga a Administração Pública a emprestar a quantia necessária à sua satisfação, dotada de taxa de juros apurada, no mínimo, segundo o SELIC.

Eis, pois, outro fato pelo qual se vislumbra a necessidade de que os juros de mora sejam corrigidos de acordo com os índices da taxa SELIC.

Portanto, se a taxa é eivada de desconformidade com o que consagra o texto constitucional, em suas regras princípios e valores, deve sê-lo em ambos os casos, quais sejam da aplicação dos juros de mora e da restituição e compensação de tributos. O eminente Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Domingos Franciulli Neto, em ensaio no qual demonstra almejar a inconsitucionalidade da SELIC, corrobora:

"A Taxa SELIC é uma via de mão dupla. Se, de um lado, dela serve-se o Fisco para cobrar tributos, usado o termo em seu sentido amplo, de outro, desembolsa-a o Erário Público, nas hipóteses de compensação e restituição de tributos.."

Entretanto, ao que parece, a opção pela utilização da SELIC em ambas as situações elucidadas se mostraria mais acertada. O que não se pode admitir é a complacência com o fato de o Poder Público experimentar prejuízo por ocasião da falta de pontualidade do contribuinte, uma vez que é compelido a restituir e compensar tributos com a observância de taxa que, por vezes, não pode utilizar na recomposição do erário público encarcerado pela mora do mesmo.


5. PRINCÍPIO DA INDELEGABILIDADE DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Prosseguindo, cumpre abordar a questão no âmbito da indelegabilidade da competência tributária. É, pois, outro dos argumentos utilizados pelos que consideram a taxa SELIC inconstitucional.

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Com efeito, tem-se argüido que a taxa é controlada pelo Banco Central do Brasil. Assim, não seria legítima a delegação de competência para que tal entidade federal, ligada ao Poder Executivo, controle os altos e baixos da referida taxa de juros.

No entanto, é hialino que não incumbe ao Poder Legislativo a tarefa de exercer o efetivo controle sobre índice de juros que acompanha as oscilações do mercado financeiro. Nem seria razoável eventual atribuição neste sentido.

Resta, pois, à Administração Pública atuar na fixação da SELIC, uma vez que a ela é que se encontra vinculado o BACEN. Ademais, é o órgão apropriado para o trato da questão, conforme o que consagra o dispositivo do § 2º. do artigo 164 da Constituição Federal, in verbis:

"Art. 164 – (...)

§ 2º O Banco Central poderá comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros."

Não há falar, pois, que tal prerrogativa atribuída ao Banco Central e, por conseguinte, ao Poder Executivo, decorre do que estatui o dispositivo do artigo 2º. da Constituição Federal [4]. Nele se encontra consagrada a separação de funções, preconizada por Charles de Secondat (Barão de Montesquieu).

Conforme o exposto, resulta inoperante a argüição de ofensa à indelegabilidade da competência tributária, por ocasião de competir ao Poder Executivo regular o regime das taxas de juros que, por sua vez, conforme supra esclarecido, não conformam a espécie de tributo referente à taxa.


6. O ARTIGO 161 DO CTN

Ponto finalizando, cumpre verificar eventual divergência referente ao exame do que dispõe o artigo 161 do Código Tributário Nacional, em seu § 1.º. Reza o referido dispositivo:

"Art. 161 – O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.

§ 1º. Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês." (grifo nosso)

Ao analisar o dispositivo supra, extrai-se que o legislador de 1966 previu a possibilidade de estipulação diversa à da que institui os juros de um por cento. Mormente, autorizou que tal disposição divergente seja veiculada por meio de lei ordinária, uma vez que não se reportou exaustivamente ao diploma complementar, visto, também, que grande parte dos tributos atualmente recolhidos foram instituídos pro lei ordinária.

Neste sentido, a Subprocuradora Geral da República, já citada, continua a corroborar com nossa exegese:

"20) A sua vez, o Código Tributário Nacional, que é lei complementar dos princípios gerais tributários por força do ADCT, art. 34, § 5º, estabelece em seu artigo 161, § 1º, que a taxa de juros é de 1% ao mês, se de modo diverso não dispuser a lei.

E aqui não previu lei complementar, deixando à legislação ordinária a fixação de outro percentual. Como se vê, as taxas de juro podem ser alteradas para mais ou menos por lei ordinária, diria até, salvo exame mais aprofundado em questão específica, da acumulação de juros nas hipóteses admissíveis na doutrina e jurisprudência."

Assim, não há que se falar que não é absoluta a previsão da aplicação de juros moratórios até o limite de um por cento constante do CTN. A lei pode modificar tal quantificação, como o fizeram os diplomas legais supra mencionados e transcritos, tanto na esfera federal quanto na estadual.


7. CONCLUSÃO

Seja sob o prisma do princípio da legalidade tributária, da indelegabilidade da competência desta natureza, de sua atribuição ao Poder Executivo; seja sob o paradigma do que estabelece o artigo 161 do CTN, exsurge o fato de restar por resolvidas as questões constantes das atuais críticas à utilização da SELIC como taxa de juros incidente em caso de não pagamento de tributos.

É o próprio interesse público que enseja o extermínio da incerteza emergida da mora do contribuinte, uma vez que prejudica a arrecadação da receita necessária à liquidação da despesa Estatal. Para tanto, o instrumento que ameniza tal incerteza é a aplicação de juros segundo o regime de apuração atualizado, recompondo, assim, efetivamente, o patrimônio lesado do Estado.

Por conseguinte, é de se almejar que vigore o objeto do presente estudo, qual seja o que prima pela constitucionalidade da taxa de juros segundo o SELIC. Pelos fundamentos acostados a esta exegese, espera-se que a taxa continue sendo passível de ser utilizada, vez que condiz com exatidão à realidade das intempéries do mercado financeiro. É como já dizia o eminente Konrad Hesse: "a constituição é uma via de duas mãos. De um lado, conforma a realidade; de outro, pois, é também pela realidade conformada".


NOTAS

01. http://www.justica.sp.gov.br/noticias/noticia77.htm

02. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988, 3ª. ed., revista e ampliada, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 17.

03. NOGUEIRA, Ruy Barbosa, Curso de direito tributário, 10ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1990, p. 164.

04. CF, "Art. 2º. – São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

Sobre o autor
Gustavo Marcondes Cesar Affonso

bacharelando em Direito pelas Faculdades Jorge Amado, em Salvador (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AFFONSO, Gustavo Marcondes Cesar. A constitucionalidade da taxa de juros segundo o Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC) em matéria tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. -151, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3700. Acesso em: 22 dez. 2024.

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