Conforme preconiza o art. 5º, inciso “III”, da Medida Provisória 664, publicada no dia 30 de dezembro de 2014, todos os dispositivos trazidos no texto da medida passariam a vigorar a partir do primeiro dia do terceiro mês subseqüente à data de sua publicação.
Ou seja, no domingo passado (dia 01.03.2015) entraram em vigor todas as inovações apresentadas pela MP editada pelo Poder Executivo, o que demanda atenção de todos os operadores do direito, especialmente aos que militam no ramo do direito previdenciário, uma vez observado que os atos jurídicos novos devem se submeter às alterações.
Neste contexto, pertinente lembrar que o pacote de medidas trouxe significativas modificações no procedimento das perícias médicas administrativas, no cálculo do auxílio-doença e especialmente no instituto da pensão por morte, que acabou sendo drasticamente modificado.
Não obstante a intenção do governo, que alegou serem necessárias tais alterações (muitas delas de duvidosa constitucionalidade) para efetivar o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial no âmbito Regime Geral de Previdência Social - RGPS e no RPPS dos servidores públicos federais, não se pode deixar de questionar que a seriedade e gravidade das medidas demandariam maior cautela para sua instituição.
Cumpre lembrar que a MP, de tão impopular, foi publicada e editada no apagar das luzes do dia 30 de dezembro de 2014, no último dia útil do ano, pegando todos os cidadãos brasileiros de “guarda baixa” no período entre festas, o que resulta em desalento e ruptura no postulado da confiança jurídica.
Como se não bastasse, pertinente enfatizar que as inovações foram implantadas mediante Medida Provisória, ato privativo de competência do Presidente da República, que deveria ser adotado tão somente em casos de relevância e urgência.
O que se pretende esclarecer é que, independentemente dos objetivos pretendidos, mudanças tão significativas não poderiam ser impostas pelo poder executivo, de maneira unilateral, sem discussão parlamentar ou procedimento legislativo adequado, sob pena de ofensa ao princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica.
A instituição de Medida Provisória tem sido constantemente mal utilizada, sendo fruto do desvio de finalidade do poder executivo, que acaba por usurpar a competência legiferante atribuída ao Congresso Nacional, em total desrespeito ao estado democrático de direito.
Embora a Medida Provisória comece a vigorar imediatamente após os prazos determinados em sua edição, fica pendente de aprovação pelo Congresso Nacional. Daí surge a importância de democraticamente nos insurgirmos contra estas medidas que reduzem e suprimem direitos previdenciários, na esperança de que nossas insatisfações ecoem no parlamento.
No caso sob exame, a própria Constituição Federal já estabelece procedimento – mais consentâneo com os postulados democráticos – que consiste no pedido de urgência para apreciação de projetos de lei (art. 64, da CF) efetivamente urgentes, mas não legitimam a edição de uma Medida Provisória, cuja excepcionalidade do ato normativo deve ser empregada com moderação e razoabilidade, sobretudo em momentos de conflitos e desencontros entre os Poderes Executivo e Legislativo.
Eis a lição de Carrazza (MAIA, Cleusa Aparecida da Costa. Medida Provisória: controle jurisdicional dos pressupostos que a legitimam – relevância e urgência. Revista Imes – Direito, Ano 7, n. 12, jan. dez. 2006. p. 137-172., p. 159), assim se manifesta sobre o pressuposto urgência:
[...] só há urgência, a autorizar a edição de medidas provisórias, quando, comprovadamente, inexistir tempo hábil para que uma dada matéria, sem grandes inilidíveis prejuízos à Nação venha a ser disciplina por meio de lei ordinária. Ora, é perfeitamente possível, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 64 da CF, aprovar-se uma lei ordinária no prazo de 45 dias contados da apresentação do projeto. Logo, em nosso direito positivo só há urgência se realmente não se puder aguardar 45 dias para que uma lei ordinária venha a ser aprovada, regulando o assunto [...].
Lamentavelmente o Congresso Nacional não tem exercido a contento sua função constitucional de exame dos requisitos de admissibilidade da MP, ou seja, antes mesmo de adentrar no exame do mérito dessa famigerada Medida Provisória, o ato normativo deveria ser abortado por contrariar os pressupostos para o seu processamento.
As Medidas Provisórias que tenham sido convertidas em Lei também devem ser controladas pelo Poder Judiciário quanto a vícios nos requisitos de admissibilidade, ou seja, mesmo a MP sendo convertida em Lei não elide o Pode Judiciário de reconhecer sua inconstitucionalidade pela ausência dos requisitos de admissibilidade, porquanto a discricionariedade do Poder Executivo não está imune ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.