RESUMO:
O surgimento da desaposentação se deu em virtude de dois fatores fundamentais que são: a) a aposentadoria não mais extingue o contrato de trabalho; b) extinção do pecúlio, que consistia no levantamento de valores depositados à título de contribuição. Desta forma, a desaposentação passou a ser conceituada como sendo a renúncia ao benefício de aposentadoria para fins de aquisição de outro mais vantajosa, no mesmo ou em outro regime de previdência. Visualiza-se assim que a não concessão da desaposentação configura claro esvaziamento do princípio da retributividade. Portanto, o presente artigo conclui pela constitucionalidade da desaposentação frente aos princípios constitucionais previdenciários, com ressalvas.
Palavras-chave: Extinção do pecúlio. Desaposentação. Interpretação. Constituição de 1988. Proteção social. Equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social. Admissibilidade com ressalvas.
ABSTRACT:
The emergence of come out of retirement was due to two key factors are: a) retirement no longer terminate the employment contract; b) termination of the annuity, which consisted in raising amounts deposited to the contribution of title. Thus, the come out of retirement became renowned as the renunciation of the retirement benefit for the purchase of a more advantageous in the same or in another pension scheme. Display up so that the non application of come out of retirement sets clear emptying the principle of retribution. Therefore, this article concludes the constitutionality of come out of retirement front to social security constitutional principles, with caveats.
Keywords: annuity extinction. Come out of retirement. Interpretation. Constitution of 1988. Social Protection. Financial and actuarial balance of Social Security. Admissibility with caveats.
1 INTRODUÇÃO
Hodiernamente, a desaposentação é objeto de análise no STF por meio do RE 661.256/SC, que espera o voto vista da Min. Rosa Weber, estando com o seguinte quadro de votação: dois votos a favor e dois votos contra, sendo os dois primeiros da lavras dos ministros Marco Aurélio e Roberto Barroso e os dois últimos dos ministros Teori Zavasck e Dias Toffoli.
O pretenso instituto jurídico não possui previsibilidade legal, o que acarreta no enfrentamento da questão sob o prisma dos princípios constitucionais previdenciários, insculpidos no capítulo destinado à Seguridade Social.
Nesse espeque de amplo plano conformativo, o presente trabalho destina-se a proceder com uma breve análise acerca da constitucionalidade ou não do instituto da desaposentação frente aos princípios constitucionais previdenciários.
2 NOÇÕES DE DESAPOSENTAÇÃO
O estudo inicial acerca da desaposentação deve necessariamente ser iniciado a partir da redação do parágrafo 2º do art. 453 da CLT, uma vez que a sua redação prevê os seguintes dizeres: “o ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado que não tiver completado 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, ou trinta, se mulher, importa em extinção do vínculo empregatício. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997)”
E não era outro o posicionamento do TST. Vejamos:
OJ N.º 177. APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. EFEITOS - DJ 30.10.2006. A aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar na empresa após a concessão do benefício previdenciário. Assim sendo, indevida a multa de 40% do FGTS em relação ao período anterior à aposentadoria. Histórico: Redação original - Inserida em 08.11.2000
Isso quer dizer que, a par da situações de extinção do vínculo laboral por justa causa, já previstas na legislação consolidada, a lei nº 9.528/1997 criou uma nova situação de extinção do contrato de trabalho, qual seja: a aposentadoria voluntária.
Ocorre que, no ano de 2007, em função da propositura da ADIN 1.770-4, o STF considerou inconstitucional o §2º do art. 453 da CLT, com a seguinte ementa:
PROVISÓRIA Nº 1.596-14/97, CONVERTIDA NA LEI Nº 9.528/97, QUE ADICIONOU AO ARTIGO 453 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO UM SEGUNDO PARÁGRAFO PARA EXTINGUIR O VÍNCULO EMPREGATÍCIO QUANDO DA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
1. A conversão da medida provisória em lei prejudica o debate jurisdicional acerca da "relevância e urgência" dessa espécie de ato normativo.
2. Os valores sociais do trabalho constituem: a) fundamento da República Federativa do Brasil (inciso IV do artigo 1º da CF); b) alicerce da Ordem Econômica, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e, por um dos seus princípios, a busca do pleno emprego (artigo 170, caput e inciso VIII); c) base de toda a Ordem Social (artigo 193). Esse arcabouço principiológico, densificado em regras como a do inciso I do artigo 7º da Magna Carta e as do artigo 10 do ADCT/88, desvela um mandamento constitucional que perpassa toda relação de emprego, no sentido de sua desejada continuidade.
3. A Constituição Federal versa a aposentadoria como um benefício que se dá mediante o exercício regular de um direito. E o certo é que o regular exercício de um direito não é de colocar o seu titular numa situação jurídico-passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que resultariam do cometimento de uma falta grave (sabido que, nesse caso, a ruptura do vínculo empregatício não opera automaticamente).
4. O direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o segurado do Sistema Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Seguro Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse Instituto mesmo, e não às custas desse ou daquele empregador.
5. O Ordenamento Constitucional não autoriza o legislador ordinário a criar modalidade de rompimento automático do vínculo de emprego, em desfavor do trabalhador, na situação em que este apenas exercita o seu direito de aposentadoria espontânea, sem cometer deslize algum.
6. A mera concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego.
7. Inconstitucionalidade do § 2º do artigo 453 da Consolidação das Leis do Trabalho, introduzido pela Lei nº 9.528/97.
(STF - ADI: 1721 DF, Relator: Min. CARLOS BRITTO, Data de Julgamento: 11/10/2006, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-047 DIVULG 28-06-2007 PUBLIC 29-06-2007 DJ 29-06-2007 PP-00020 EMENT VOL-02282-01 PP-00084 RTJ VOL-00201-03 PP-00885 LEXSTF v. 29, n. 345, 2007, p. 35-52 RLTR v. 71, n. 9, 2007, p. 1130-1134)
Em função desse posicionamento do STF, o TST cancelou a OJ nº 177, acima citada, para entender que a aposentadoria espontânea não extingue o contrato de trabalho, vez que se trata de relação jurídica firmada entre o empregado e o INSS, não havendo justificativa razoável que se admite a resolução do contrato de trabalho. Permitindo assim que o empregado continue a laborar, mesmo estando aposentado.
A vantagem que o aposentado, quando retornava ao trabalho, possuía, com as contribuições que vertesse ao INSS, era a de que tinha direito ao benefício de pecúlio, que consistia em pagamento único de valor correspondente à soma das importâncias relativas às contribuições do segurado, remuneradas de acordo com o índice de remuneração básica dos depósitos de poupança com data de aniversário no dia primeiro, conforme o revogado art. 82 da lei 8.213/91.
Ocorre que, como já se deixou antever, com a edição da lei 9.129/95, o pecúlio foi extinto, restando apenas ao aposentado que retornasse ao trabalho os benefícios de: salário-família, salário-maternidade e a reabilitação profissional, conforme §2º do art. 18 da lei 8.213/91.
Entrementes, conforme as palavras de TIAGO FAGGIONI BACHUR (2014, p. 34): “só que o salário-família, a reabilitação profissional ou o salário-maternidade (únicos benefícios que poderiam ser concedidos cumulativamente com a aposentadoria de quem continua trabalhando) são insignificantes”.
E não é só, prossegue explicando o porquê de seu entendimento. Vejamos:
Afinal de contas, o salário-família, ainda que o segurado tenha filhos menores de 14 anos ou inválidos e sua renda seja baixa, normalmente o valor que lhe é descontado a título de contribuição previdenciária quase sempre é superior ao que acaba recebendo.
Já o salário-maternidade é pago apenas para a mulher (segurada), já que o homem, em tese, não pode ser “mãe”. Além disso, se a mulher já está aposentada, certamente não está na idade fértil e dificilmente poderá ser mãe (salvo se adotar). Ainda que se encaixe nessa situação, o período a receber o benefício será ínfimo diante de um possível longo período contributivo.
E conclui sua explanação:
Por fim, a reabilitação profissional só acaba sendo interessante para a Previdência Social. Isso porque o segurado aposentado e agora trabalhador que se encontra lesionado, sem possibilidade de retornar à sua atividade habitual, após ser reabilitado e aprender nova profissão, volta ao mercado de trabalho para continuar contribuindo para os cofres do INSS.
Nesse diapasão, verifica-se assim que houve um enfraquecimento na proteção social dos aposentados que retornavam ao trabalho e, consequentemente, a contribuir com a previdência, uma vez que já não lhes era garantido os mesmos benefícios dos trabalhadores em geral. Surgindo assim, o que se convencionou chamar de desaposentação. Sendo compreendida, conforme FÁBIO ZAMBITTE IBRAHIM (2011, p.35) como a: “reversão do ato que transmudou o segurado em inativo, encerrando, por consequência, a aposentadoria (...), significando tão somente o retrocesso do ato concessivo de benefício almejando prestação maior”.
E para fins das espécies de aposentadorias do RGPS, cumpre mencionar que são de quatro espécies: a) por tempo de contribuição; b) por idade; c) especial; d) por invalidez.
A espécie de aposentadoria que possui maior interesse para os fins deste trabalho é a aposentadoria por tempo de contribuição. Uma vez que é mais comum, o segurado da previdência se aposentar proporcionalmente e continuar trabalhando, para, em momento posterior, pleitear a aposentadoria por tempo de contribuição integral.
E ainda, aquele aposentado por idade que continua trabalhando e, em momento posterior, vem a requerer a aposentadoria por tempo de contribuição.
Já as aposentadoria por invalidez e especial, a hipótese de desaposentação se afigura mais rara, vez que o art. 69 c/c 48 do Decreto nº 3.048/1999 proíbe o retorno ao trabalho, sob pena de cassação do benefício. Contudo, não é impossível, como se verá mais adiante, conforme sustentam alguns.
Passemos agora à análise da desaposentação nos princípios previdenciários constitucionais.
3 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PREVIDENCIÁRIOS
3.1 Princípio da solidariedade
O princípio da solidariedade é responsável por guindar todo o sistema protetivo nacional, possuindo maior proeminência nas vertentes securitárias não contributivas (assistência - SUAS e saúde - SUS).
Possui incidência também na vertente previdenciária, contributiva, fazendo-se materializar na forma de um fundo comum a ser custeado por toda a sociedade civil, inclusive pelo Estado.
Constitui-se como um dos princípios gerais da Seguridade Social, sendo ainda considerado como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (cf. inciso I do art. 3º da CRFB).
Nas palavras de FREDERICO AMADO (2014, p. 45):
Essencialmente a seguridade social é solidária, pois visa a agasalhar as pessoas em momentos de necessidade, seja pela concessão de um benefício previdenciário ao segurado impossibilitado de trabalhar (previdência), seja pela disponibilização de um medicamente a um pessoa enferma (saúde), ou pela doação de alimentos a uma pessoa em estado famélico (assistência).
E prossegui, esmiuçando o termo solidariedade:
Há uma verdadeira socialização dos riscos com toda a sociedade, pois os recursos mantenedores do sistema provêm dos orçamentos públicos e das contribuições sociais, onde aqueles que pagam tributos que auxiliam no custeio da seguridade social, mas hoje ainda não gozam dos seus benefícios e serviços, poderão amanhã ser mais um dos agraciados, o que traz uma enorme estabilidade jurídica no seio da sociedade.
Como se vê, no âmbito da previdência social, a solidariedade imprime no regime de custeio a regre de repartição simples, que significa dizer que o fundo securitário comum será custeado por todos. Em contraponto ao regime de repartição simples, temos o regime de capitalização puro, que, ao contrário do de repartição simples, consiste na constituição de um fundo securitário individual, funcionando assim como uma espécie de “poupança”. O regime de capitalização não é adotado no sistema social brasileiro, vez que não se mostra forte o suficiente para o custeio do inativo, como se verá mais adiante (IBRAHIM, 2011, p. 64/65).
Ainda sobre os regimes de gestão da verba securitária, vejamos as palavras de KERLLY HUBACK (2012, p.7):
A solidariedade está na base dos regimes de financiamento da previdência social na modalidade repartição simples, pois as cotizações individuais formarão uma poupança coletiva ao dispor de todos. Se assim não fosse, caso as contribuições se destinassem a fundos individuais, como nos regimes de capitalização, o beneficiário ficaria ao sabor da sorte nos curto e médio prazos, já que seus aportes seriam insuficientes para garantir seu sustento em face de contingências que o impedissem de trabalhar. Por isso, em que pese o crescimento de sistemas de previdência complementar, assentados de forma individual, é imprescindível a manutenção da previdência pública básica, de caráter solidário.
Verifica-se assim que o regime de capitalização não se mostra adequado porque não possui tempo suficiente para o aporte de recursos necessários para o custeio do segurado a longo prazo. O risco que existe é a possibilidade de o fundo individual esgotar os recursos antes do falecimento do segurado.
O especial interesse sobre esse princípio, por parte daqueles que se posicionam contrariamente à desaposentação, é a lógica de que se o fundo é regido pela solidariedade e o segurado, já aposentado, que tornar a trabalhar e a verter contribuições ao sistema de seguro social, estará agindo no sentido de se custear os benefícios de outros segurados, não podendo assim requerer qualquer outro benefício, uma vez que já goza de certo benefício (ROCHA; BALTAZAR JR., 2011, p. 104/105).
3.2 Princípio da preservação do poder aquisitivo e da irredutibilidade dos benefícios
Inicialmente, cumpre esclarecer que as aposentadorias, em função de substituírem as verbas salariais ou remuneratórias, possuem caráter alimentar (IBRAHIM, 2011, p. 7). Dessa forma, é dever do Estado e da sociedade manter e preservar o poder aquisitivo dos benefícios, uma vez que se trata de prestação que visa a assegurar a subsistência do segurado.
Ligado umbilicalmente a esse princípio, temos ainda o da vedação à redução do valor dos benefícios. O que significa dizer que os benefícios não poderão sofrer redução, já que se pretende preservar o poder aquisitivo do benefício, com a finalidade de que o segurado usufrua do benefício de modo a mantê-lo imune às contingências sociais (SERAU JR., 2013, p. 31).
Com base na preservação do poder aquisitivo, a desaposentação, em tese, encontraria guarida, vez que a finalidade deste novel instituto é a majoração do benefício em função de novo período contributivo a ser computado em conjunto com o já jubilado.
3.3 Princípio da equidade na forma de participação no custeio e diversidade da fonte de custeio
A equidade na forma de participação no custeio da seguridade, significa dizer que os segurados com maior capacidade econômica devem contribuir mais para o custeio do sistema securitário do que aqueles que possuem menor capacidade econômica; ao passo em que, aqueles que não possuem capacidade de participar no custeio não farão aportes para a Seguridade Social, apenas usufruindo dos benefícios (SERAU JR., 2013, p. 31).
De forma mais clara, a partir desse princípio, é possível afirmar que o sujeito que participa no custeio do sistema protetivo, o faz de forma equânime, isto é, com alíquotas de contribuição adequadas à sua realidade patrimonial ou econômica.
Nesse diapasão, o que se verifica atualmente é uma certa ausência de comutatividade ou equidade no valor dos benefícios, vez que o segurado, não raramente, de baixa renda, passa a verter contribuições ao fundo e, quando do momento da aposentadoria, a recebe em valor insuficiente para o custeio de sua subsistência.
O princípio na diversidade da fonte de custeio determina que o fundo de seguridade deve ser custeado pelas empresas, empregados e pelo Estado, através das receitas tributárias.
Em se tratando de custeio por parte do empregado, surge aqui a noção de acerca do princípio da contrapartida, que deve retribuir ao segurado contribuinte benefícios, de forma comutativa.
A desaposentação é reflexo do princípio da retributividade porque deriva do cômputo de novo período contributivo. Tal situação, atualmente, é negada pela autarquia previdenciária com base no §2º do art. 18 da lei 8.213/91[1].
3.4 Princípios da contributividade, da filiação obrigatória e do equilíbrio financeiro e atuarial da previdência social
Resguardados na letra da CRFB/88, os princípios da contributividade, da filiação obrigatória e do equilíbrio financeiro e atuarial da previdência, possuem previsão na seguinte redação:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial (...).
Segundo o princípio da contributividade, para que o indivíduo se torne segurado da previdência social, basta verter ao fundo comum um montante pecuniário a título de contribuição previdenciária. Tendo assim, a partir de então, respeitados os prazos de carência, acesso aos benefícios e serviços da previdência.
Segundo MARCO AURÉLIO SERAU JR (2013, p. 23), o princípio da contributividade possui incidência direta na desaposentação, uma vez que também deve permitir a melhora da situação dos segurados ou de seus dependentes, por meio do recálculo da aposentadoria, elevando assim o valor da renda mensal inicial – RMI.
Tal interpretação se baseia no princípio da retributividade (§11 do art. 201 da CRFB), que consiste numa retribuição prestada pelo INSS ao segurado, em função deste ter contribuído com o fundo securitário (ZARZANA; JÚNIOR, 2014, p. 50).
O Supremo Tribunal Federal, na ADI 2.010-MC/DF, DJ 12.04.2009, na relatoria do Min. CELSO DE MELO, entendeu que:
ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO. O REGIME CONTRIBUTIVO É, POR ESSÊNCIA, UM REGIME DE CARÁTER EMINENTEMENTE RETRIBUTIVO. A QUESTÃO DO EQUILÍBRIO ATUARIAL (CF, ART. 195, § 5º). CONTRIBUIÇÃO DE SEGURIDADE SOCIAL SOBRE PENSÕES E PROVENTOS: AUSÊNCIA DE CAUSA SUFICIENTE. - Sem causa suficiente, não se justifica a instituição (ou a majoração) da contribuição de seguridade social, pois, no regime de previdência de caráter contributivo, deve haver, necessariamente, correlação entre custo e benefício. A existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correção da fórmula segundo a qual não pode haver contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição. Doutrina. Precedente do STF.
(ADC 8 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/1999, DJ 04-04-2003 PP-00038 EMENT VOL-02105-01 PP-00001)
Tecendo assaz críticas a respeito do regime atual, dissertando acerca da contributividade, pondera DÁVIO ZARANA e de DÁVIO ZARANA JÚNIOR (2014, p. 7) que:
Ora bem, o motivo de trazer esses comentários aqui neste campo de contribuições para a Previdência Social, foi o de destacar que o Estado sempre quer aproveitar as oportunidades máximas e completas de que possa dispor, para arrecadar mais dos aposentados, sem conferir, nenhum direito pertinente a essa maior arrecadação deles exigida. E faz questão de ignorar que o aposentador já luta para sobreviver com seu benefício previdenciário.
E prosseguem:
Por isso, o mínimo que se pode pensar é requerer, ao Poder Judiciário, que dê uma justa e correspondente nova aposentadoria em valores, computadas as contribuições após a jubilação, para evitar uma “espécie de confisco”, evidentemente aqui mencionado com a finalidade apenas de cotejo e exame comparativo com o termo tributário, mas que acaba tendo uma espécie de estrutura igual à da ofensa ao art. 150, não sendo errôneo afirmar que talvez uma próxima Constituição impedirá tal contribuição dos aposentados. Enquanto isto, porém, recorramos à desaposentação.
Além da contributividade, encontra amparo na redação acima, o princípio da filiação obrigatória, que segundo exame do diploma jurídico (lei 8.213/1991) próprio extrai-se, duas espécies de segurados da previdência social: os que se filiam obrigatoriamente e os que se filiam facultativamente.
O regime jurídico da filiação obrigatória, consta no art. 12 da lei 8.212/91, que traz a figura do empregado, do doméstico, do contribuinte individual, do trabalhador avulso e do segurado especial.
Já o regime jurídico da filiação facultativa, consta no art. 14 desta mesma lei, que descreve o segurado facultativo como “o maior de 14 (quatorze) anos de idade que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante contribuição, na forma do art. 21, desde que não incluído nas disposições do art. 12”.
E, por fim, previsto no mesmo dispositivo, consta ainda o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial da previdência, que, em palavras comezinhas, “assegura a incolumidade das contas previdenciárias para as presentes e futuras gerações” (AMADO, 2014, p. 164).
Comentando acerca da importância da contributividade, da filiação obrigatória e do equilíbrio financeiro e atuarial, são as palavras de FREDERICO AMADO (2014, p. 46):
De fato, o que essa norma busca é uma gestão responsável da seguridade social, pois a criação de prestações no âmbito da previdência, da assistência ou da saúde pressupõe a prévia existência de recursos públicos, sob pena de ser colocado em perigo todo o sistema com medida irresponsáveis.
Por conseguinte, antes de criar um novo benefício da seguridade social ou majorar/estender os já existentes, deverá o ato de criação apontar expressamente a fonte de custeio respectiva, através da indicação da dotação orçamentária, a fim de se manter o equilíbrio entre as despesas e as receitas públicas.
Com vistas à aplicabilidade em matéria de desaposentação, FÁBIO ZAMBITTE IBRAHIM (2011, p. 59) sustenta que não há se falar em desequilíbrio da revidência com a concessão da desaposentação, uma vez que se o segurado, que já possui período de contribuição já jubilado e que posteriormente voltar a contribuir, renunciar ao benefício de aposentadoria não provocaria desequilíbrio, já que as novas contribuições assegurariam seu direito de retribuição. Conforme se pode notar, em suas próprias palavras:
Do ponto de vista atuarial, a desaposentação é plenamente justificável, pois se o segurado já goza de benefício, jubilado dentro das regras vigentes, atuarialmente definidas, presume-se que neste momento o sistema previdenciário somente fará desembolsos frente a este benificiário, sem o recebimento de qualquer cotização, esta já feita durante o período passado.
E prossegui:
Todavia, caso o beneficiário continue a trabalhar e contribuir, esta nova cotização gerará excedente atuarialmente imprevisto, que certamente poderia ser utilizado para a obtenção de novo benefício, abrindo-se mão do anterior de modo a utilizar-se do tempo de contribuição passado. Daí vem o espírito da desaposentação, que é a renúncia de benefício anterior em prol de outro melhor.
Ademais, fator ainda que milita em favor da desaposentação é a notícia veiculada no no sítio da Previdência em 06 de junho de 2013[1], onde é possível se dessumir que o setor urbano é superavitário:
Da Redação (Brasília) - Em abril de 2013, o setor urbano registrou o terceiro superávit urbano do ano: R$ 743,2 milhões. O resultado é 285,5% maior que o registrado no mesmo mês do ano passado. A arrecadação foi de R$ 24,7 bilhões – crescimento de 8,8% em relação a abril de 2012. O repasse para compensar a desoneração das folhas de pagamento de alguns setores da economia foi de R$ 1,9 bilhão. Já a despesa com o pagamento de benefícios urbanos ficou em R$ 24 bilhões – crescimento de 6,5% em relação a abril de 2012. O aumento da despesa ocorreu, principalmente, por causa do pagamento de R$ 2,3 bilhões em precatórios e sentenças judiciais. Além disso, há impacto da Compensação Previdenciária (Comprev) entre o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e os regimes próprios de Previdência Social (RPPS) de estados e municípios.
Os números são do fluxo de caixa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com informações de arrecadação e despesa com benefícios. O resultado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) é apresentado considerando as duas clientelas da Previdência: urbana (empregados, domésticos, contribuintes individuais, facultativos) e rural (empregados rurais, trabalhadores rurais que produzem em regime de economia familiar, pescador artesanal e índio que exerce atividade rural). O secretário de Políticas de Previdência Social, Leonardo Rolim, apresentou os dados à imprensa na manhã desta quinta-feira (6), em Brasília (DF).
Excluindo-se os gastos com passivo judicial, a Comprev e as revisões administrativas de benefícios, o resultado do setor urbano seria um superávit de R$ 3,2 bilhões.
Rural – A arrecadação no setor rural, em abril, foi de R$ 532,5 milhões – caiu 11,4% em relação a abril de 2012. Se comparada a março deste ano, houve crescimento de 9,5%.
A despesa com o pagamento de benefícios rurais foi de R$ 7,5 bilhões – crescimento de 14,9% se comparado a abril de 2012.
A diferença entre arrecadação e despesa gerou necessidade de financiamento para o setor rural de R$ 6,9 bilhões – 17,6% mais que no mesmo mês do ano passado.
Agregado – Considerando-se as duas clientelas (urbano e rural), o resultado de abril de 2013 ficou negativo em R$ 6,2 bilhões – diferença entre arrecadação de R$ 25,3 bilhões e despesa de R$ 31,4 bilhões. A necessidade de financiamento é 8,5% maior que a registrada em abril de 2012. Entre as razões para o crescimento da despesa, está o pagamento de precatórios e sentenças judiciais: R$ 3 bilhões.
No resultado agregado, excluindo-se os gastos com o passivo judicial, a Comprev e as revisões administrativas de benefícios, abril fecharia com necessidade de financiamento de R$ 3 bilhões.
No acumulado dos últimos 12 meses, a necessidade de financiamento está em R$ 48 bilhões – resultado de arrecadação de R$ 294,4 bilhões e despesas com benefícios de R$ 342,4 bilhões.
Benefícios – Em abril de 2013, a Previdência Social pagou 30,364 milhões de benefícios, sendo 26,298 milhões previdenciários e acidentários e, os demais, assistenciais. Houve elevação de 3,7% em comparação com o mesmo mês do ano passado. As aposentadorias somaram 16,9 milhões de benefícios.
Valor médio real – O valor médio dos benefícios pagos pela Previdência, entre janeiro e abril de 2013, foi de R$ 907,00 – crescimento de 22,3% em relação ao mesmo período de 2006.
A maior parte dos benefícios (69,7%) – incluídos os assistenciais – pagos em abril de 2013 tinham valor de até um salário mínimo, contingente de 21,2 milhões de benefícios.
Contudo, conforme salienta FREDERICO AMADO (2014, p. 165), quando conjugados a arrecadação das contribuições sociais e os gastos com as concessões de benefícios, do setor urbano e do rural, percebe-se que há desequilíbrio financeiro e aturial. Vejamos, segundo suas palavras:
Ao menos, a arrecadação deverá cobrir o pagamento dos benefícios previdenciário, sob pena de inexistência de equilíbrio financeiro, o que ocorre atualmente no RGPS, quando, somados os números urbanos e rurais, as receitas não fazem frente às despesas, conquanto o déficit tenha sido reduzido nos últimos anos.
Por exemplo, em 2009, o prejuízo ficou no patamar dos 36,4 bilhões, diferença entre o montante arrecadado e o despendido com o pagamento de benefícios previdenciários, valendo ressaltar que se houvesse a divisão dos regimes, a previdência urbana teria um superávit de 3,6 bilhões (primeiro desde 1985), enquanto a rural um prejuízo de cerca de 40 bilhões.
Apesar da melhoria em comparação ao ano de 2008, pois neste ano o déficit total foi cerca de 37,2 bilhões, o cenário é preocupante em razão do benefícios rurais, cujo custeio não faz frente ao pagamento das prestações, merecendo uma urgente revisão legislativa, pois de fato se trata de um assistencialismo disfarçado de relação previdenciária.
Todavia, ante a dinâmica social, não basta a existência de boas reservas no presente para a garantia de uma previdência solvente no futuro, devendo ser monitoradas as novas tendências que possam afetar as contas da previdência, a exemplo da maior expectativa de vida das pessoas, a menor taxa de natalidade, o “efeito viagra” (os aposentados se casam com pessoas cada vez mais novas e instituem pesões por morte a serem pagas por décadas), o número de acidentes de trabalho e aplicação aos benefícios no valor de um salário mínimo índices de reajuste anual acima da inflação.
Logo, uma previdência poderá estar equilibrada financeiramente no presente, mas com perspectivas de não estar no amanhã, sendo também imprescindível o seu equilíbrio atuarial, onde serão traçados cenários futuros para a manutenção ao alcance do equilíbrio financeiro, com o manejo da matemática estatística.
E foi com base nesse desequilíbrio financeiro e atuarial da previdência que a Comissão de Tributação e Finanças da Câmara dos Deputados, quando da tramitação projeto de lei 2.687/2007, de autoria do Deputado Federal Cléber Verde – PRB/MA, que destinava-se ao reconhecimento e regulamentação da desaposentação, por meio do voto de relatoria do Deputado Zeca Dirceu, destacou que a admissibilidade da desaposentação impactaria a previdência social num valor de 69 bilhões de reais[2].
Conclui-se dessa forma que muito embora a arrecadação urbana venha possuindo superávit, o mesmo não pode ser dito quando somados as receitas e despesas totais dos regimes urbanos e rurais, uma vez que, neste cenário, a previdência encontra-se desequilibrada, isto é, com despesas maiores que a arrecadação. Forçando o governo assim, a desviar recursos de outras fontes arrecadatórias para a satisfação dos benefícios previdenciários e, ainda, a instituir mecanismos redutores do valor dos benefícios como, v.g., o fator previdenciário. Portanto, qualquer avanço protetivo deverá ter como pressuposto a boa gestão dos recursos da previdência, uma vez que as normas que regem o plano de custeio da previdência social devem basear-se em regras de matemática atuarial, com vistas na sobrevivência do sistema protetivo.
4 CONCLUSÃO
Ante todo o exposto, foi possível visualizar que a desaposentação possui seu nascedouro, em duas mudanças fundamentais no plano jurídico: a primeira mudança, foi a referente ao entendimento do TST sobre as causas extintivas do contrato de trabalho, no sentido de que a aposentadoria não mais poria fim ao contrato laboral; a segunda mudança, foi a proporcionada pela lei 9.129/1995 que revogou o instituto do pecúlio, que representava o levantamento da quantia acumulada após anos de serviço por parte do aposentado.
Desta feita, com a extinção do pecúlio, o aposentado que retorna ao trabalho e, consequentemente, a verter compulsoriamente contribuições à previdência social não possui qualquer forma efetiva de aproveitamento de tais contribuições, apenas lhe restando os benefícios de salário-maternidade, salário-família e a reabilitação profissional, que, como se pôde ver, são de pouca efetividade.
Em face desta realidade, os segurados contribuintes passaram a propor ações judiciais com o intuito de aproveitar o novo período contributivo com vistas à implementação da RMI.
Sendo assim, a desaposentação passou assim a ser conceituada como o ato de renúncia ao benefício de aposentadoria com o intuito de obter outra mais vantajosa, em razão de novo período contributivo a ser apostilado, no mesmo ou em outro regime de previdência.
Entretanto, foi visto que, para alguns, esse novo apostilamento encontra óbice no princípio da solidariedade, vez que não estaria efetuando as contribuições para a obtenção de novo benefício, mas sim para o custeio de benefícios de outros segurados.
Esse posicionamento, numa abordagem sistemática, não nos parece o mais consentâneo com os princípios previdenciários, vez que quando confrontado com a vertente retributiva do princípio da contributividade, padece de perfeita adequação.
Isso porque, a retributividade, inclusive já agasalhada pelo próprio STF, imprime a determinação de que o sistema previdenciário retribua ao segurado, em forma de benefícios ou recálculo destes, todo o esforço financeiro investido pelo segurado.
Ademais, indo mais adiante, a desaposentação ainda encontra amparo na preservação do poder aquisitivo do benefício, já que com o recálculo da renda mensal inicial, há a atualização do valor do benefício recebido pelo segurado, com incremento de novo valor do benefício.
Mas, em arremede de conclusão, é mister destacar que, por ventura, a desaposentação seja considerada constitucional pelo STF, este deverá adotar regras provisórias de regulamentação da concessão, a fim de que não se ponha em risco o equilíbrio financeiro da previdência, já que, como foi visto anteriormente, o fundo da previdência social possui déficit, quando somados a arrecadação e os gastos com a previdência urbana e rural.
Portanto, nada obstante a advertência acima, conclui-se assim que a desaposentação possui ares de constitucionalidade, devendo ser aceita no ordenamento jurídica e sujeita a posterior regulamentação.
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{C}[1]{C} Informação disponível em: <http://blog.previdencia.gov.br/?p=7814>. Acessado em: 02/11/2014.
[2] A informação contida no sítio oficial é a seguinte: “Aguardando Deliberação do Recurso na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA)”. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=381947> Acessado em: 02/11/2014.
[1] Art. 18. (...) § 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.