Ultimamente essa questão dos crimes contra a honra tem tido muito espaço porque membros de Igrejas Evangélicas têm deflagrado sistematicamente ações contra determinados órgãos de imprensa. Eles não se limitam a narrar o fato.
Ao jornalista cabe reportar, dizer o que aconteceu. Contra fatos não há argumentos, mas contra impressões pessoais existem muitos e muitos argumentos. A imprensa noticia “A Igreja tal arrecada tanto e manda para o exterior”. Isso é fato. Evidentemente que se aquilo não aconteceu, a tal Igreja pode responsabilizar o jornalista pela prática de calúnia, porque enviar dinheiro para o exterior sem pagar é crime. E com isso está se imputando a alguém a prática de um crime.
Mas a imprensa tem dito, por exemplo, “esse dinheiro vem da arrecadação de pobres fiéis que enganados entregam seu dízimo ...”. Com isso o repórter está dizendo que o fiel é um imbecil, está, inclusive, maculando a fé do outro e fé cada um tem a sua. Isso tem se tornado cada vez mais freqüente. E por isso cai cada vez mais em prova.
Para que haja o crime contra a honra a situação é mais complicada, porque todo crime contra a honra é delito de tendência. O que significa dizer que não há crime contra a honra quando atuo com animus narrandi, quando eu atuo com animus jocandi, quando eu atuo com animus criticandi. O crime contra a honra só existe quando se atua com animus injuriandi, e vel difamandi.
Ex.: Dois amigos se encontram na rua e um fala “seu filho disso, seu filho daquilo, pqp, estou te procurando pra irmos almoçar e você não atende essa M desse celular, seu V, vai para a casa do C”. Ele praticou crime contra a honra? Não, porque não estava atuando com animus injuriandi, e vel difamandi., imprescindíveis para a caracterização do crime.
Por que é um delito de tendência? Porque ainda que não esteja escrito em lugar algum, esse elemento subjetivo vem implícito, essa interação específica do dolo é implícita e ela é ditada pela própria natureza do delito. O dolo de tendência é imprescindível a caracterização porque ele é ditado pela própria natureza do delito. Por isso posso chamar o cara de filho de uma beautiful woman e estar praticando um crime como também não estar praticando nenhum crime, vai depender da tendência que eu vá imprimir ao meu dolo.
Os crimes contra a honra não temos apenas no CP. Eles aparecem na Lei de Imprensa, artigos 20 a 22 (Totalmente Revogada pelo STF considerado que não foi Recepcionada pela Constituição de 1988); no Código Eleitoral, artigos 324, 325, 326; na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170). Essas leis guardam entre elas uma relação de especialidade, a mais especial de todas é a Lei de Segurança Nacional. Depois dela, a mais especial é a Lei eleitoral. Depois da Lei eleitoral é a Lei de Imprensa (Esta Última Revogada). E por fim o Código Penal. Essa é a relação de especialidade.
Então devemos primeiro classificar os crimes contra a honra na seguinte ordem: Lei de Segurança Nacional, Lei Eleitoral, Código Penal, ou seja, primeiro vemos se o crime se encaixa nas leis especiais na ordem citada, se não se encaixa, aplica-se o CP. Para isso, olhamos o fato e vamos vendo nesta ordem em qual lei o fato se encaixa.
Exemplo: Um determinado deputado em uma propaganda eleitoral disse que o seu opositor havia praticado um determinado crime, quando ele sabia que o tal opositor não tinha praticado crime algum. Qual o crime que ele pratica? Ele praticou calúnia contra o seu opositor, mas onde está definido este crime? Na Lei Eleitoral, porque ela é mais especial do que o Código Penal.
O caso do jornalista americano que disse que o Lula é alcoólatra causou a expulsão desse jornalista. É lógico que dizer que o presidente de um país é um bêbado abala a credibilidade desse país perante a comunidade internacional e realmente é uma questão que tem a ver com a segurança nacional. Nesse caso usa-se a Lei de Imprensa ou a Lei de Segurança Nacional? A Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), porque não existe injúria na Lei de Segurança Nacional, nela ó existem os crimes de calúnia e difamação, não existe o crime de injúria (artigo 26 da Lei 7.170/83). Lembrando-se que no caso em tela a Lei de Imprensa ainda não havia sido revogada.
Art. 26 da Lei 7.170/83 - Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.
Pergunta-se um candidato está em campanha e pratica através do jornal um crime contra honra? Aplica a Lei Eleitoral. Se for em campanha ou para fins eleitorais ou para fins de propaganda eleitoral, aplica a Lei Eleitoral.
Os crimes contra a honram tutelam dois aspectos da honra: a honra objetiva e a honra subbjetiva.
Honra objetiva – é aquilo que se pensa de alguém, é a reputação desse alguém perante o corpo social, é o que as pessoas pensam desse alguém. Ela é objeto de tutela nos crimes de calúnia e difamação.
Honra subjetiva – é aquilo que cada um pensa de si mesmo, dos seus atributos sociais, éticos, morais, religiosos. É tutelada pelo crime de injúria.
Consumação dos crimes contra a honra
Todos os crimes contra a honra, quer se trate da honra objetiva ou da subjetiva, são crimes formais. Por que os crimes contra a honra são crimes formais? O que são crimes formais? E qual é o momento consumativo do crime contra a honra? Crimes formais são aqueles crimes que têm um resultado, mas não demandam a superveniência desse resultado para serem considerados crimes consumados, ou seja, nos crimes formais o agente direciona o seu comportamento a causação de um dano a um bem jurídico, mas esse dano não precisa acontecer para o crime ser consumado. Pergunta-se: crime contra a honra tem resultado? Tem. O resultado do crime contra a honra é macular, ofender a honra. Mas é preciso que se tenha a ofensa a honra para que este crime esteja consumado? Não é preciso ter esse resultado, basta realizar o tipo.
Ex.: Uma pessoa diz: “Vocês sabiam que aquela Madre que todos adoram e que tem uma capelinha pega o nosso dinheiro e manda para o exterior? Ela está rica as nossas custas.”. Aí, aqueles que estão ouvindo dizem isso é impossível acontecer.
Ex.: Uma pessoa diz: “Vocês sabiam que a Claudia Barros está rica porque recebeu um dinheiro grande da quadrilha do Beira-Mar?”. Aí, aqueles que estão ouvindo dizem que não é nada disso, porque ela vive dura.
Pergunta-se: essas pessoas que fizeram esses comentários queriam macular a honra da madre e da professora, mas elas conseguiram? Não. Mas o crime estaria consumado? Estaria. Isso quer dizer que nos crimes contra a honra existe a característica dos crimes formais, porque o resultado, que é a mácula da honra, não precisa acontecer para que ele esteja consumado, basta que se diga, basta que realize o comportamento do tipo, realize o comportamento descrito na norma. Não é necessário que você consiga aquilo que queria conseguir.
Consumação dos crimes contra a honra
Qual o momento consumativo dos crimes contra a honra? É quando a ofensa chega ao conhecimento de terceiros, no crime de calúnia e de difamação, porque eles tutelam a honra objetiva, e quando a ofensa chega ao conhecimento do ofendido, no crime de injúria, porque ele tutela a honra subbjetiva. No crime de calúnia e de difamação quando a ofensa chega ao conhecimento de terceiros, ainda que esses terceiro não “comprem a história”, ainda que não se consiga ofender, o crime está consumado.
Tentativa nos crimes contra a honra
Diante disso, pergunta-se: é possível tentativa no crime contra a honra? Sim. Qual é o momento consumativo da calúnia? Não é quando ela chega ao conhecimento de terceiro? Sim. Não pode acontecer de você proferir uma ofensa e por uma razão alheia a sua vontade essa ofensa não chegar ao conhecimento de terceiros? Pode. Não pode acontecer de você querer macular a minha honra e dizer para mim coisas absurdas, mas isso não chegar ao meu conhecimento por circunstâncias alheias a sua vontade? Pode.
Então, haverá tentativa em qualquer modalidade dos crimes contra a honra quando, embora proferida a ofensa, ela não chegar ao conhecimento de terceiro ou da pessoa por razão alheia a vontade do agente.
Sujeito ativo
Quem pode praticar crime contra a honra? Qualquer pessoa.
Sujeito passivo
Contra quem se pode praticar crime contra a honra? Quem pode ser sujeito passivo dos crimes contra a honra? Morto, pessoa jurídica, débil mental, criança podem ser sujeito passivo dos crimes contra a honra?
. Morto – não tem personalidade jurídica, não é sujeito passivo de crime algum. Entretanto, podem ser sujeito passivo os familiares do morto. Nos construímos uma idéia dos nossos familiares. Se alguém fala alguma coisa maculando a honra desse meu familiar já falecido, essa pessoa não estará maculando a honra dele, mas estará fazendo algo contra a minha família, contra a memória deste familiar e os sujeitos passivos são os familiares.
OBS: Morto é coisa (bem, objeto) e não pessoa. Logo, não pode ser sujeito passivo de nada. Na calúnia contra os mortos o sujeito passivo é a família.
E contra a memória dos mortos existem crimes contra a honra? Sim, no CP temos só a calúnia contra os mortos, art. 138, § 2º CP. Na Lei de Imprensa temos as três modalidades de crimes contra a honra contra a memória dos mortos, art. 24 da Lei 5.250/67.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.
Art 24 da Lei 5.250. São puníveis, nos termos dos arts. 20 a 22, a calúnia, difamação e injúria contra a memória dos mortos.
. Pessoa Jurídica – Ela não pode ser sujeito passivo de injúria, pois não tem honra subjetiva. Mas existe honra objetiva, porque todos nós pensamos alguma coisa de uma pessoa jurídica. Por isso ela é passível de ser sujeito passivo de difamação, pois possui reputação própria independente de seus proprietários. Ex.: Em 1997 o então deputado Eurico Miranda disse que a Parmalat estava manipulando as arbitragens para favorecer o Palmeiras. A Parmalat ingressou com uma ação contra ele e ele teve a cara-de-pau de dizer que como era deputado tinha imunidade de palavras, votos e opiniões. O STF não reconheceu a imunidade, pois entendeu, acertadamente, que ele agiu como dirigente de clube futebol e não como deputado. Isso mostra que a pessoa jurídica é passível de ser sujeito passivo de difamação.
No caso do crime de calúnia ela pode ser sujeito passivo? Ela só pode ser sujeito passivo de calúnia, no caso de crime ambiental.
. Inimputáveis – Inimputável pode ser sujeito passivo dos crimes contra a honra? Para pessoa ser passiva de crime de injúria, a pessoa tem que ter consciência do que pensa sobre si, ainda que a mais rudimentar das idéias, ou seja, ela tem que ter capacidade para entender a ofensa.
Ex.: Se eu chego para um bebê e digo: feioso. Ele vai entender alguma coisa? Não, então crime não há.
Ex.: O cunhado de um professor chama o filho dele de cabeção. Aí ele pede que ele que não fizesse isso, mas o menino estava perto e falou: “chama sim, eu sou cabeção mesmo”. Ele entendeu o que o tio estava fazendo? Não, pelo contrário, ele achava o máximo ser chamado de cabeção. E neste caso nem injúria seria porque havia o animus jocandi.
Ex.: Eu fiz uma viagem em que estava uma menina Síndrome de Down, que era muito bem tratada e com bastante desenvolvimento diante dos tratamentos a que era submetida e do amor que a família dispensava a ela. Dentro de uma loja em Buenos Aires a menina perguntou a vendedora como era determinado produto. A outra vendedora, que era brasileira, disse para a colega: “não responde não, ela é doentinha”. A menina ouviu isso e respondeu: “eu não sou doentinha, eu sou portadora de Síndrome de Down e entendi direitinho o que você falou”. O que é que está caracterizado neste caso? Houve ofensa a honra subjetiva? Houve, pois a menina entendeu.
Por isso quando se fala em crime contra a honra do inimputável é preciso que ele entenda a ofensa.
O inimputável pode ser sujeito passivo do crime de difamação? Pode, porque todo mundo tem honra objetiva.
O menor pode ser sujeito passivo do crime de calúnia? A doutrina diz “depende”. Para ser sujeito passivo do crime de calúnia é porque se está dizendo que este sujeito praticou um crime, então só pode ser sujeito passivo de calúnia quem possa ter praticado um crime.
1ª Corrente - para quem acha que crime é fato típico e antijurídico, o menor pode praticar crime, então pode ser sujeito passivo de calúnia, pois alguém pode ter dito que ele praticou um crime sem que ele o tenha praticado.
2ª Corrente - para quem entende que é fato típico, ilícito e culpável, como o menor nunca pratica fato culpável, o menor não pratica crime, então ele nunca pode ser sujeito passivo do crime de calúnia.
3ª Corrente - Nenhuma das duas correntes está certa, diz Bittencourt, pois essas correntes se fundam em premissa equivocada: que calúnia só pode ser praticada contra quem puder praticar um crime, pois calúnia é uma falsa imputação de um crime a alguém. Só que a calúnia não é a falsa imputação de um crime a alguém. A calúnia é a imputação falsa da prática de um fato que a lei define como crime. Sendo assim, não importa se você acha que crime é fato típico e antijurídico ou se você entende que crime é fato típico, ilícito e culpável. Sabe por quê? Porque o menor sempre pode praticar um fato que a lei define como crime. O menor não pode matar, roubar, furtar? Pode. Então ele pode praticar um fato definido como crime, independente de você entender que é crime ou não. Por isso que o menor pode ser sujeito passivo de calúnia, uma vez que ele pode praticar uma imputação falsa a prática de um fato que a lei define como crime.
Diferença entre calúnia, difamação e injúria
Qual é a diferença que existe entre os três crimes, além da questão do bem jurídico tutelado?
Vimos que na calúnia há a falsa imputação de um fato definido como criminoso. A calúnia, para existir, é preciso que a imputação seja falsa e que o fato que você impute seja definido como crime. Na calúnia tem que haver a mácula da honra objetiva.
A imputação não tem que ser falsa e o fato que se atribui não é crime, diferentemente da calúnia em que a imputação tem que ser falsa e tem que ser uma imputação de um fato que a lei defina como crime. Na difamação a imputação do fato não importa se é falsa ou verdadeira, e o fato não pode ser criminoso, porque se for criminoso cai na calúnia.
Mas tanto a calúnia quanto a difamação, além de terem em comum a ofensa a honra objetiva, elas importam a imputação de um fato. Ex.: Plínio é ladrão. É crime de calúnia? Não, porque eu não estou imputando um fato. Mas se eu disser que o Plínio subtraiu as galinhas do seu Manoel, eu estou imputando um fato. Ex.: Fulana é a maior periguete. Isso é difamação? Não, porque isso não é fato, isso é adjetivo.
Já na injúria pode haver a imputação de uma mera qualidade ou de uma mera ausência de qualidade. Ex.: Você é ladrão. Isso é injúria. Você é safado. Isso é injúria.
Questão de prova para o MP. Uma funcionária de uma fábrica chega para a outra em um canto, sem ninguém perto, e diz: você é safada, eu estou sabendo que foi você quem subtraiu os bens do almoxarifado. Ela sabia que isso não era verdade, que a outra não tinha furtado nada. Que crime ela praticou? É injúria. Mas por que não é calúnia? Porque para ser calúnia tem que haver a mácula da honra objetiva. Ela não queria macular a honra objetiva da outra, porque se ela quisesse, ela teria dito “tá vendo essa aqui? Foi ela que levou os bens do almoxarifado”.
Data a máxima vênia, o que a imprensa mais faz é macular a honra das pessoas. Ex.: o repórter escreve assim: “Suzana Vieira, no papel de atual, está tendo o pior desempenho de sua carreira”. Outro repórter escreve: “Suzana Vieira não vem conseguindo imprimir à sua personagem a característica desejada pelo autor, razão pela qual vem havendo conflitos internos...”. Isso é crítica televisiva e não caracteriza crime de imprensa, por mais que a Suzana Vieira fique aborrecida com isso. Mas se eu vou pra TV e digo: “Suzana Vieira em uma festividade carnavalesca no RJ: olha que ridículo o cabelo dela!!!” este último é crime contra a honra. O que os repórteres podem fazer é falar do desempenho das atrizes e dos atores, mas não pode ficar dizendo que são antipáticas, etc. O Pânico na TV não pode ser acusado de crime porque eles tem o animus jocandi. “calça as sandálias da humildade, Luana!!!”. Mas nas revistas de fofoca tem muito crime contra a honra. A Luana Piovanni ganhou uma indenização do Pânico na TV, mas foi na esfera cível.
A injúria pode ser qualificada por ter conotação racista, é a injúria do § 3º do art. 140 do CP. Não confundir este tipo de injúria com racismo.
Art. 140 § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Lembram do caso do jogador Grafite do SP? O jogador argentino o chamou de “macaquito”. Isso é crime contra a honra do Grafite e é crime do § 3º do art. 140 do CP, porque se refere ao elemento relacionado a cor. Muita gente questionou porque o argentino saiu da prisão pagando fiança, já que o racismo é inafiançável. Mas aquilo não é racismo. Não confundam o crime de injúria de conotação racista com o crime de racismo.
Importante: quando falamos de racismo não estamos falando só da cor. Pode ser cor, religião, etnia, procedência nacional. Por exemplo, se eu me referir a aspectos religiosos, isto é racismo também.
Qual a diferença do crime de racismo e entre o crime de injúria de conotação racista?
Se eu falo assim: “nesta escola, não estudam judeus”; “neste clube não entram negros”; “nesta praça não entram muçulmanos”; “americanos aqui não!”. Isso é crime de racismo, Lei 7.716/89. Para ser considerado crime de racismo, que é inafiançável e imprescritível, tem que se subsumir a qualquer das descrições da Lei 7.716/89.
Ex.: “Aqui não entram macumbeiros”. Mas se eu olho pra pessoa e digo: macumbeira sem-vergonha. Que crime é esse? Injúria, com conotação racista.
Por exemplo, se você diz “sua negrinha safada nesta casa você não entra” é injúria com conotação racista, uma vez que você se refere a uma pessoa e não aos negros em geral. Mas se você disser: “neste clube não entram negros”, isso é racismo.
Que crime estaria praticando a pessoa que chuta macumba? É crime do art. 208 do CP, não é racismo e nem injúria com conotação racista.
Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Se tiver uma freira passando pela rua com aquele chapéu que parece uma asa e o cara diz: “aí, freirinha, vai voar, hein?!” que crime é esse? É injúria com conotação racista por causa da religião, é racismo ou é o crime do art. 208? É o crime do art. 208. O cara que chutou a santa respondeu por este artigo.
A objetividade jurídica é distinta, o que se quer no art. 208 é escarnecer da religião da pessoa, não é ofender a honra dela.
Sabem aqueles evangélicos que ficam pregando na rua? Quando passa alguém e fica debochando deles (e isso acontece muito), “aí, otário, maior calor”, isso é contra o sentimento religioso dele, não é ofensa a honra dele.
Até o Zeca Pagodinho canta uma música que se refere ao Delegado Chico Palha, que não prendia, só batia naqueles que faziam macumba. Ele era muito arbitrário, entrava nos terreiros de santo e chutava tudo, acabava com a macumba. Que crime cometia o Chico Palha? Não é o crime do art. 208, é abuso de autoridade, Lei 4.898/65, art. 3º. Ele cometeu abuso de autoridade, porque usava a autoridade dele para impedir que as pessoas professassem a fé delas.
Art. 3º da Lei 4898/65 - Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
Por exemplo, praticaria crime de racismo uma autoridade que impedisse a prática de determinados rituais religiosos? Sim, praticaria o abuso de autoridade.
Teve inclusive um julgado recente do STF que fazia a diferença entre a injúria com conotação racista e o racismo mesmo.
A lei do racismo, Lei 7.716/89, define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. É racismo impedir o ingresso em locais públicos, criar dificuldade para casamento, etc. Nesta lei tem algum artigo que mencione criar impedimento para a prática de cultos religiosos? Não. Isso vai para Lei de abuso de autoridade, Lei 4.898/65, art. 3º, no caso de a autoridade vedar a prática de cultos religiosos.
Ação penal nos crimes contra honra
A regra insculpida no art. 145 caput CP é que é ação penal privada, só se procede mediante queixa. Entretanto, no caso de injúria qualificada (art. 140, § 2º), o próprio artigo diz que é ação penal pública incondicionada. Isso porque quando o código foi feito, a lesão corporal era sempre de ação penal pública incondicionada. Em 1995, com a Lei 9.099, a lesão corporal de natureza leve passou a ser de ação penal pública condicionada a representação (art. 88 da Lei 9.099/95). Por isso hoje esse dispositivo tem que ser lido à luz das informações trazidas por artigos posteriores. E se olharmos as alterações trazidas por leis posteriores, o crime de injúria real, quando dela resultar lesão corporal de natureza leve, não pode ser de ação penal privada, é de ação penal pública condicionada à representação.
Resumindo: se do crime de injúria real resultar lesão corporal de natureza leve é ação penal pública condicionada a representação, mas se resultar lesão corporal de natureza grave ou gravíssima é ação penal pública incondicionada.
E se for injúria real praticada por vias de fato, qual é a ação penal? Ação penal privada, pois a única exceção é a da injúria qualificada (art. 140, § 2º).
Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º (ínjúria qualificada), da violência resulta lesão corporal.
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Problemático é o parágrafo único do art. 145.
Art. 145 parágrafo único - Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do n.º I do art. 141, e mediante representação do ofendido, no caso do n.º II do mesmo artigo.
Diz a regra deste parágrafo que nos casos de crime contra honra do Presidente da República a ação penal é condicionada a requisição do Ministro da Justiça.
E em se tratando de crime contra honra do funcionário público em geral no exercício das suas funções, diz a lei que a ação penal é pública condicionada a representação. Mas temos um problema em relação a isso. Muitas vezes um funcionário público se julga vítima de um crime contra a honra e assim ele representa ao MP, só que nas ações penais de natureza pública, a opinio delict é ministerial. Por mais que você se julgue ofendido, se o MP entender que não houve crime, ele promove o arquivamento. Isso gerava muita revolta, pois se o funcionário fosse o ofendido na qualidade de particular, a ação era dele, dependia da vontade dele, mas sendo ele o ofendido na qualidade de funcionário público, ele ficava a mercê da vontade do MP. Por isso criou-se o entendimento que vem estampado na Súmula 714 do STF. Súmula essa totalmente contra legen, em total desconformidade legal. Mas ela está aí e deve ser obedecida, pois foi feita de acordo com a jurisprudência do STF.
Súmula 714 STF - É CONCORRENTE A LEGITIMIDADE DO OFENDIDO, MEDIANTE QUEIXA, E DO MINISTÉRIO PÚBLICO, CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO, PARA A AÇÃO PENAL POR CRIME CONTRA A HONRA DE SERVIDOR PÚBLICO EM RAZÃO DO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES.
Ou seja, criou-se a esdrúxula figura da ação penal que ao mesmo tempo é pública e privada. Logo, ainda que o MP entenda que não houve crime, o particular pode deflagrar a ação penal pelo crime contra honra.