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Cleptocracia matou Nova República

Agenda 29/07/2015 às 15:36

A cleptocracia, como se vê, não significa qualquer tipo de corrupção ou de roubalheira (que é uma experiência nacional antiga). Trata-se da alta corrupção, da corrupção praticada por quem tem o poder de comandar grande parcela do orçamento público.

A Nova República (pós-ditadura) está morta! Morreu no dia em que completou 30 anos (1985-2015). A massa rebelada nas ruas (mais de 2 milhões de pessoas, segundo estimativa das polícias militares) falou em impeachment, fora PT e muito (muito mesmo!) em "fim da corrupção". A causa mortis da Nova República decorre de uma série de complicações (econômicas, políticas, sociais, educacionais, eleitorais, "teatrais" etc.), mas a doença de maior eficácia mortífera chama-se cleptocracia, que significa o Estado governado por ladrões pertencentes às classes dominantes ou reinantes, ou seja, as que dominam o poder econômico, financeiro, político e administrativo do País (esses 4 núcleos serviram de base para o Procurador-Geral dividir a criminalidade organizada "complexa" no petrolão).

A cleptocracia, como se vê, não significa qualquer tipo de corrupção ou de roubalheira (que é uma experiência nacional antiga). Trata-se da alta corrupção, da corrupção praticada por quem tem o poder de comandar grande parcela do orçamento público (do Estado brasileiro). Todos os governos da Nova República (governos de Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma) ostentam a imagem de cleptocratas, ou seja, de ladrões (uns mais, outros menos, mas todos os governos receberam essa pecha ou pelo menos todos foram assim percebidos pela população).

Praticamente todos os grandes partidos políticos estão envolvidos com essa mais nefasta corrupção, que é praticada por quem tem o domínio da nação (econômico, financeiro, político e administrativo). Só com base na delação premiada do Delator-Geral da República (cleptocrata), que é o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa, já são 7 (sete) os partidos dos políticos investigados pelo escândalo: PP, PMDB, PT, PTB, PSDB, SD e PSB. Considere-se, no entanto, que, até o momento, já foram 15 delações. Nas outras 14, feitas por Sub-Delatores-Gerais da República (cleptocrata), muitos outros políticos e partidos estão fartamente citados (já incluindo-se corrupção em outros setores, como o da energia).

Qual a grande farsa que a cleptocracia (especialmente a brasileira) derrubou? A de que haveria ruptura entre a economia (ciência econômica) e a política (ciência política). A tese é do final do século XIX e foi defendida por William Stanley Jevons, León Walras, Anton Menger e Antoine Augustin Cournot, na onda da revolução marginalista (veja Jaime Osorio, El Estado en el centro de la mundialización: 128-129). Para a economia política clássica, que se cristaliza na segunda metade do século XVIII e primeira do século XIX, com François Quesnay, Adam Smith e David Ricardo, a reflexão econômica era inseparável da política, das classes sociais, das formas de apropriação da riqueza social. O que essa farsa tem a ver com a roubalheira na pátria mãe gentil?

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Enquanto prosperou a velha tese da separação entre economia e política (entre o mercado e a democracia) só eram visíveis os corrompidos (funcionários públicos e políticos), não os corruptores (os donos do dinheiro e, em consequência, do poder econômico e financeiro). Com a cleptocracia abundantemente evidenciada nos mensalões (do PT e do PSDB) e, agora, no petrolão (acontece a mesma coisa no cartel do metrôSP), passaram a ganhar imensa visibilidade também os corruptores de alto calibre do mundo econômico e financeiro, que se unem frequentemente com o poder político e administrativo para, juntos, numa Parceria Público/Privada entre Poderosos (das classes dominantes ou reinantes) promover a Pilhagem do Patrimônio Público.

Trata-se da criminalidade organizada P7 (Parceria Público/Privada entre Poderosos para a Pilhagem do Patrimônio Público), cujos protagonistas ladrões sempre foram beneficiários do silêncio obsequioso de todos os criminosos do grupo (a máfia chama isso de omertà). Esse silêncio mafioso foi rompido pela primeira vez de forma sistemática pelos membros da criminalidade organizada P7. O resultado (ainda preliminar) já começou a aparecer: 16 empreiteiras atuavam em cartel na Petrobras (segundo o MP), 24 ações já foram iniciadas (19 penais e 5 cíveis), 11 empreiteiros estão presos (além de vários diretores e funcionários da Petrobras), 15 acordos de delação premiada já foram firmados, 54 pessoas estão sendo investigadas, dentre elas 35 parlamentares, dois governadores (Pezão-RJ e Tião Viana-AC) e um ex-governador (Sérgio Cabral) etc. Desfraldados os véus farsantes dos verdadeiros donos do poder (poder econômico e financeiro), sabe-se que o mundo da corrupção cleptocrata (corrupção de alto nível, dos poderosos) é muito mais imundo e profundo do que o povo brasileiro poderia imaginar.

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Cleptocracia matou Nova República. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4410, 29 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37251. Acesso em: 19 nov. 2024.

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