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A possibilidade da compensação do dano moral na separação conjugal

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SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Responsabilidade e dano moral. 3. Do dano moral na separação. 3.1 Do casamento e seus deveres. 3.2 A admissibilidade do pedido 3.3 União Estável. 4. Reparação e quantificação. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

         A partir do final do século XX, tornou-se corriqueiro as separações conjugais, as quais ocorrem pelos mais variados motivos, sendo certo, portanto, que o principal deles é a infidelidade. Porém, há na doutrina e jurisprudência a polêmica quanto à aceitação do pedido indenizatório por danos morais na separação conjugal quando um dos cônjuges violar o dever de fidelidade, o qual é essencial para a manutenção do casamento. Por isso, faz-se necessária a produção de um estudo que esclareça tal discussão.

         Num primeiro momento, levanta-se algumas considerações quanto ao conceito de responsabilidade e dano moral para um melhor entendimento do tema tratado. Posteriormente, vislumbra-se o ponto nodal da questão, tomando-se posicionamento face aos argumentos costumeiramente levantados. Por fim, analisa-se a forma e quantificação da eventual compensação.


2. RESPONSABILIDADE E DANO MORAL

         O homem se organiza em sociedade objetivando suprir suas necessidades, que não alcançaria se vivesse de maneira isolada. Em virtude do complexo social, precisa-se estabelecer diretivas legais para a coexistência pacífica dos seus membros. Portanto, ao viver em sociedade o homem tem o dever de não praticar atos que possam prejudicar a outros indivíduos; dos quais resultem ou possam resultar-lhes prejuízos. Assim, uma vez que produza o ato danoso, o indivíduo fica obrigado a reparar o desequilíbrio causado à ordem estabelecida pelo ordenamento jurídico.

         A noção básica de responsabilidade funda-se no dever de respeito dos indivíduos ao direito alheio, acarretando reparabilidade caso este não seja observado. A melhor acepção de responsabilidade nos é passada por Maria Helena Diniz, que a define como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial, causado a terceiro em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva). [1]

         O resultado lesivo a um bem juridicamente protegido, decorrente da ação ou omissão de alguém, é o dano em sentido amplo. Por isso a concepção de responsabilidade traz em seu interior a de dano. Muitas são as classificações oferecidas pela doutrina, destacando-se, de maneira especial, a feita por Limongi França, [2] na qual as espécies de dano estariam divididas em oito critérios e, levando em consideração o objeto, subdivide o dano em patrimonial e moral.

         O dano patrimonial é aquele que traz um reflexo negativo no patrimônio de quem sofre a ação, sendo passivo de avaliação pecuniária. De maneira oposta, dano moral relaciona-se com uma lesão que fere valores físicos e espirituais do homem, que acarretam aflição, inquietação mental e perturbação da paz. Não era consenso na nossa doutrina a reparação do dano moral. Todavia, o advento da Constituição Federal de 1988 através do artigo 5º, incisos V e X, pôs fim a essa discussão.

         O dano moral deve ser reparado, e que o seu fundamento está no fato de que o indivíduo é titular de direitos de personalidade que não podem ser impunentemente atingidos. A Constituição de 1988 não deixa mais dúvida aos que resistiam a reparação do dano moral, pois os direitos constitucionais não podem ser interpretados restritivamente. [3]

         Ressaltando-se que ainda reforçam a tese da indenização do dano moral o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 6º, incisos VI e VII, e o Código Civil/2002, que em seu artigo 186, estabelece:

         Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (grifo nosso).

         Portanto é plenamente aceita a indenização por dano moral, decorrente de ofensa à integridade física, estética, a saúde em geral, a liberdade, a honra, a manifestação de pensamento etc.


3. DO DANO MORAL NA SEPARAÇÃO

         3.1 DO CASAMENTO E SEUS DEVERES

         A família foi a primeira forma de organização social a ser conhecida pelos homens. Inicialmente possuía sua própria religião e rituais, sendo guiada pelo pater familias, que era representado pela figura do pai, o soberano e responsável pela continuação do culto e a vida de seus familiares. Ela era mais uma associação religiosa que uma associação natural.

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         Conforme um maior número de famílias foi se reunindo em torno de um mesmo fogo sagrado, surgiu uma organização social mais complexa, conhecida como cidade, na qual continuava sendo a família o núcleo principal. Com o passar do tempo a família adquiriu um sobrevalor moral-social, especialmente através do Direito Canônico, influenciando a grande maioria dos ordenamentos jurídicos existentes. No direito pátrio não foi diferente, podendo ser encontrada no artigo 226 da Constituição Federal a noção de que a família é a base da sociedade, tendo especial proteção do Estado.

         Na sociedade moderna, a família monogâmica baseia-se no casamento de um só homem com uma só mulher, constituindo esta coabitação exclusiva e fiel seu elemento essencial. Em outras palavras, o casamento é o vínculo jurídico pelo qual se dá a constituição de uma família. Costumava-se identificá-lo como instituição, porém com a adoção do divórcio no direito brasileiro adquiriu natureza de contrato, com características e modalidades especiais, pondo fim a sua natureza institucional baseada na inadmissibilidade de sua dissolução.

         A união do homem com a mulher sob a égide da lei faz com que ambos tenham deveres e obrigações recíprocos elencados no art. 1566 do Código Civil/2002, quais sejam: fidelidade recíproca; vida em comum no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos; respeito e consideração mútuos (lembrando que este foi acrescentado na nova redação do código civil, como inciso V do referido artigo). Destacamos dentre estes o dever de fidelidade recíproca, cujo presente estudo tem objetivo de analisar o dano moral decorrente da não observância deste, visto o caráter monogâmico do casamento brasileiro. Donde se conclui que a infidelidade atinge a honra da pessoa.

         3.2 A ADMISSIBILIDADE DO PEDIDO

         Há discussão na doutrina e jurisprudência sobre a possibilidade de reparação dos danos morais provenientes do descumprimento grave do dever de fidelidade conjugal ocasionado pelo cônjuge culpado. Já são encontradas na jurisprudência decisões que acolheram o pedido de indenização pela parte prejudicada, embora este posicionamento continue sendo adotado por uma minoria. [4] Também, na doutrina encontramos alguns autores admitindo a possibilidade de tal pedido.

         Primeiramente, para viabilizar o pedido de indenização, deverá um dos cônjuges infringir o dever de fidelidade recíproca (art. 1566, I do CC/2002). Devendo o cônjuge inocente ingressar com a ação de separação judicial litigiosa. É de inferir-se, pois, que não caberá o pedido na separação judicial sem culpa, como nos casos de mútuo consentimento e se algum dos cônjuges estiver acometido de doença mental manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum.

         Um dos argumentos utilizados contra tal indenização é que o alicerce do casamento está no amor e cessando este, a manutenção da relação seria mera questão temporal, sendo o amor insuscetível de quantificação financeira. É o levantado pelo Des. Eliseu Gomes Torres, em acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

         Da inicial, infere-se que o autor sente-se moralmente diminuído porque a mulher o traiu com um de seus amigos e companheiro de festas. É a velha questão do macho ferido, que confunde sua honra com a da companheira. Só que, antanho, o macho vingava-se, matando a mulher amada ou seu parceiro. Hoje, o traído quer reparação financeira para a honra ferida. No fundo de tudo, mais do que a intenção do ressarcimento, o que emana destes autos é o ciúme. [5]

         Porém, tal argumento está fundamentado numa visão equivocada da reparabilidade. Esta não objetiva a vingança do traído, mas sim recompensar o dano imaterial sofrido pela vítima, como também afirma o Promotor de Justiça Belmiro Pedro Welter, para quem

         não se está reclamando pecúnia do amor, e sim pagamento contra aquele que se aproveitou da relação jurídica que envolvia o amor para causar graves ofensas delituosas, morais e dor martirizante, justamente contra aquele que jurou amar, mas, ao contrário, com a sua conduta tóxica, confiscou-lhe a honra e a própria dignidade humana, princípio elevado à categoria de fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III, da CF). [6]

         Percebe-se também que a omissão da lei tem sido perquirida para se negar o pedido indenizatório. Na Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77), infelizmente, não existe dispositivo referente à uma sanção pecuniária contra o causador da separação, por danos morais sofridos pelo cônjuge inocente. [7] Tampouco pode ser aceita esta opinião. A aplicabilidade da indenização não pode ser reduzida pela falta de boa vontade do legislador de estabelecer uma disposição expressa. Pois seu papel é nortear soluções para os conflitos sociais, sendo impossível exigir deste que regule taxativamente cada ato da vida em comunidade.

         Mesmo não existindo um dispositivo expresso que autorize a indenização por danos morais na separação, infere-se tal princípio autorizante do artigo 5º, X da Constituição Federal, através da utilização de um dos princípios de interpretação constitucional, o dos poderes implícitos. O referido princípio reza que tudo quanto for necessário para tornar efetivo qualquer dispositivo constitucional deve ser considerado implícito ou subentendido no próprio dispositivo. Portanto, quando o artigo acima estabelece que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano moral decorrente de sua violação, engloba qualquer lesão ao intimo do ser humano independente da origem da conduta do agente.

         Porém, devido nossa tradição legalista a omissão do texto dá margens a interpretações divergentes dos juízes, havendo na jurisprudência um grande número de sentenças que indeferem tal pedido. Por essa razão tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei [8] visando inserir no artigo 5º da Lei 6.515/77 um parágrafo que dispõe:

         Art. 5º...............................

         § 4º Nos casos mencionados no caput, a indenização por danos morais poderá ser requerida nos autos da separação judicial.

         Assim, tornar-se-á mais evidente a possibilidade da indenização em uma ação de separação litigiosa, com pedido indenizatório cumulado. Ou depois de uma sentença que condene o cônjuge pelo descumprimento de um dever conjugal, fazendo-se o pedido de indenização posteriormente, como assevera Regina Beatriz Tavares da Silva em entrevista cedida ao jornal Folha de São Paulo em 2001.

         Diferentemente do que ocorre no direito brasileiro, há legislações que prevêem expressamente a reparação do dano moral no caso em análise. Exemplo é o direito peruano, no art. 351 do moderno Código Civil (1984) e o direito francês, com o art. 301, alínea 2ª, também do Código Civil.

         Há, ainda, aqueles juristas que desconsideram a pretensão de indenização por entender que a imposição do encargo alimentar em favor do cônjuge inocente já abarcaria o quantum indenizatório relativo ao prejuízo moral. Mais uma vez não procede tal argumentação, pois o objetivo da pensão alimentícia é garantir a subsistência do cônjuge que com o fim da sociedade conjugal não teria meios para suprir suas necessidades, enquanto a indenização procura compensar os prejuízos provenientes dos danos morais sofridos. [9]

         Por último, ressalva-se a possibilidade de tal pedido através de artigos do Código Civil, combinado com o Código Penal. Os dispositivos civis trazem o entendimento de que quem causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (art. 186 CC/2002); por conseguinte, aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo (art. 927 CC/2002). Para reforçar a ilicitude da conduta infiel o artigo 240 do Código Penal tipifica como crime o adultério.

         Encerrando a discussão, fazemos de nossas palavras as de Yussef Said Cahali, que com prioridade afirma:

         Parece não haver a mínima dúvida de que o mesmo ato ilícito que configurou infração grave dos deveres conjugais posto como fundamento para a separação judicial contenciosa com causa culposa, presta-se igualmente para legitimar uma ação de indenização de direito comum por eventuais prejuízos que tenham resultado diretamente do ato ilícito para o cônjuge afrontado. [10]

         3.3 UNIÃO ESTÁVEL

         Por interpretação extensiva acreditamos a efetividade do pedido indenizatório na separação culposa grave na união estável, uma vez que o §3º do art. 226 da Constituição Federal estende a proteção do Estado à união estável do homem e da mulher, reconhecendo-a como entidade familiar. Na mesma diapasão o artigo 1º da Lei 9.278/96 reconhece como entidade familiar a convivência duradoura, pública e continua, de um homem e uma mulher estabelecida com o objetivo de constituição de família.

         Portanto, quando um dos conviventes violar, de maneira culposa grave, o dever de respeito e consideração mútuo (artigo 2º, I da referida Lei) também ensejará a indenização por danos morais, tendo por base os mesmo pressupostos elencados acima com referência ao casamento.


4. REPARAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO

         Fez-se presente em nosso direito, por longo período, a existência de correntes doutrinárias ora negando, ora afirmando a possibilidade de ressarcimento do dano moral. Com a vinda da Constituição Federal de 1988 esta questão não tem mais razão de ser, pois a intenção de admissibilidade está fixada de forma clara no artigo 5º, X da CF.

         O ponto mais sensível da discussão era que a dor não admite uma valoração pecuniária. Mas no dano moral não podemos afirmar que há uma reparação no prejuízo, sendo preferível considerá-lo como uma compensação pelo abalo da paz interior. [11] Esta compensação do dano moral deve exercer duas funções, uma de pena imposta ao causador da lesão e outra de satisfação para com o ofendido.

         A primeira dificuldade a surgir é relativa a fixação da forma de compensação. Devido ao caráter de denominador comum que ostenta o dinheiro na vida moderna e proporcionando toda sorte de utilidades e satisfações interiores e econômicas, este assume o meio mais fácil de quantificar o restabelecimento do status quo ante.

         A pena pecuniária constitui uma penalidade das mais significativas ao lesionador em nosso mundo capitalista e consumista, já que "o bolso é a parte mais sensível do corpo humano". [12]

         Estabelecido o dinheiro como a forma mais utilizada de pagamento, passamos agora a analisar sua quantificação. Existem várias leis esparsas no campo civil que prevêem limites para a fixação da quantificação do dano moral. Porém nossos tribunais, inclusive o Supremo Tribunal de Justiça, têm defendido a tese de que não mais se aplicam tais limites.

         Para alcançar-se a mais justa fixação utiliza-se de maneira mais uniforme o arbitramento do juiz. A este caberá determinação do valor com base em critérios subjetivos (posição social ou política do ofendido, intensidade do ânimo de ofender: culpa ou dolo) ou em critérios objetivos (situação econômica do ofensor, risco criado, gravidade e repercussão da ofensa), segundo classificação de Maria Helena Diniz. Portanto, para o estabelecimento eqüitativo, se baseará na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável, de maneira que o valor seja suficiente para se traduzir em uma punição a quem paga e uma justa compensação para quem sofreu o dano moral. Somente assim seriam atendidas as duas funções essenciais da reparação do dano moral.

Sobre os autores
Fernando César Belincanta

acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Londrina (PR)

Fernando Augusto Montai y Lopes

acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Londrina (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BELINCANTA, Fernando César; LOPES, Fernando Augusto Montai y. A possibilidade da compensação do dano moral na separação conjugal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3743. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Os autores agradecem ao colega e professor Marcello Pereira Costa pelo auxílio prestado com a revisão do presente trabalho.

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