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Juros no Sistema Financeiro de Habitação

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JUROS E O C.D.C.

Lei nº 8.078 (C.D.C.), de 11 de Setembro de 1990:

"Art. 42. Na cobrança de débitos o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou com excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável."

O caput do artigo acima veda que o credor cause ao devedor qualquer constrangimento no momento da cobrança. Tal fato, por lógico, exclui o regular exercício do direito, que não constitui qualquer constrangimento ou ameaça, fato que, por si só, estabelece os contornos da cobrança, que sempre deve ser feita dentro desses limites.

Embora o Código não tenha previsto sansão específica para o descumprimento desse dever por parte do credor, por vedada que foi a pena pecuniária prevista, originalmente no art. 45 ("As infrações ao disposto neste Capítulo, além de perdas e danos, indenização por danos morais, perda dos juros e outras sanções cabíveis, ficam sujeitas à multa de natureza civil, proporcional à gravidade da infração e à condição econômica do infrator, cominada pelo juiz na ação proposta por qualquer dos legitimados à defesa do consumidor em juízo") não se pode olvidar do disposto no art. 6º, VI, que prevê a reparação de danos patrimoniais e morais sofridos pelo consumidor.

Conforme nos ensina Cláudia Lima Marques, em exigindo o Código de Defesa do Consumidor um tratamento mais leal e transparente dos fornecedores e sua cadeia de auxiliares em relação aos seus clientes, impôs o Judiciário brasileiro através de interpretação teleológica do C.D.C. um novo paradigma de boa-fé nas relações de consumo contratuais, caracterizado pela aceitação do dever de cuidado do fornecedor ao cobrar suas dívidas ou movimentar seus auxiliares, suportando o risco profissional de ter causado dano moral ao consumidor em caso de cobrança indevida, registro indevido de seu nome no S.P.C., ou de protesto indevido de título abstrato. Nesse sentido o STJ já foi chamado várias vezes a interpretar o art. 43, §§ 1º e 5º do C.D.C., concluindo que "não podem constar em sistema de proteção de crédito anotações relativas a consumidor, referentes a período superior a 5 anos ou quando prescrita a correspondente ação de cobrança."

Especificamente acerca de seu parágrafo único, pela robustez, ainda nos valemos de lição da eminente professora supracitada, nos seguintes termos:

"Tratando-se, portanto, de contratos entre consumidor e fornecedor, duas hipóteses podem ser pensadas. Se ocorrer a cobrança de quantia indevida, o fornecedor não só fica obrigado a restituir o que cobrou em demais, como seria normal através da aplicação do art. 964 do C.C., como também fica obrigado legalmente a restituir o dobro, corrigido monetariamente, para evitar qualquer dano ao consumidor e, em última análise, para evitar a negligência no cálculo do valor a ser cobrado do consumidor. A restituição em dobro serve, assim, como uma espécie de multa, de sansão legal. Mas pode ser ilidida se o fornecedor provar que o engano foi justificável. O ônus da prova cabe ao fornecedor e esta será uma prova muito difícil, pois no sistema do C.D.C. o fornecedor deve, como profissional, dominar todos os tipos de erros prováveis em sua atividade, erros de cálculo, impressão de valor errado por computador, troca de nomes nas correspondências, etc. Em nossa opinião não basta que inexista má-fé, dolo ou mesmo ausência de culpa do fornecedor (negligência, imperícia e imprudência), deve ter ocorrido um fato externo à esfera de controle do fornecedor (caso fortuito ou força maior) para que o engano (engano contratual, diga-se de passagem) seja justificável. Em matéria contratual a noção de "ausência de culpa" fica deslocada, pois o que há é dever, obrigação de fazer, de cumprir o que se vinculou, O vínculo contratual exige cumprimento dos deveres principais, mas também dos chamados anexos, entre eles o de respeito, de cooperação e também o de cuidado e vigilância. O próprio vínculo contratual entre fornecedor (cobrador) e consumidor (devedor) impõe que a cobrança seja correta; sendo assim, as falhas serão imputadas ao fornecedor.

OC.D.C. teria assim instituído uma imputação objetiva do erro na cobrança do fornecedor, semelhante àquela que imputou com referência ao defeito do produto ou do serviço. Esse parece ter sido o caminho utilizado pelo C.D.C. brasileiro, que estipulou uma regra especial no art. 42 para a falha na cobrança de contratos de consumo, isto é, para o descumprimento do dever contratual de correção na exigência das prestações contratuais, impondo uma sansão, o pagamento em dobro da quantia paga a mais. A ratio da devolução não seria o princípio do enriquecimento ilícito (ato ilícito do fornecedor ou de seus prepostos), mas o descumprimento de um dever contratual (e o enriquecimento sem causa contratual). Se não houver este descumprimento do dever anexo ao contrato de consumo, a devolução será simples, seguindo a regra comum do C.C. do pagamento indevido, que não distingue da obrigação (tributária, contratual, extracontratual, natural)."

Sansão civil de idêntica proporção, encontra-se inserta na Medida Provisória nº 1.820/99, art. 1º, e reedições, que, com a finalidade de coibir a exigência de juros onzenários ou vantagens excessivas nos negócios de mútuo e não comerciais, cominou, como pena civil, a devolução em dobro do que exceder o teto legal dos juros.

O art. 52 trata da obrigatoriedade da adequada informação ao consumidor quando da outorga de crédito ou concessão de financiamento. Segue a sua transcrição:

"Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

1 — preço do produto ou serviço em moeda corrente

II — montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

III — acréscimos legalmente previstos;

IV — número e periodicidade das prestações;

V — soma total a pagar, com e sem financiamento.

§ lº As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a 2% (dois por cento) do valor da prestação. (Redação dada pela Lei n~ 9.298, de 01/08/96).

§ 2º É assegurada ao consumidor a liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos."

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Pelo seu inciso II, o fornecedor está obrigado a informar qual o montante dos juros de mora a ser cobrado em caso de atraso nas prestações, bem como o montante dos juros compensatórios efetivamente cobrados. Cabe deixar expresso que o limitativo da incidência dos juros de 12% (doze por cento) a.a. também se aplica aqui.

Temos no § lº a limitação em 2% (dois por cento) sobre o valor da prestação à multa de mora, e, no § 2º, o consumidor tem assegurado o direito, caso quite antecipadamente o seu débito, à redução proporcional dos juros e demais acréscimos cobrados no momento da pactuação.

Interessante é a visualização da tratativa por parte do C.D.C. à questão dos juros, já que este código é um elemento inovador introduzido pela constituição de 1988 na busca de regular e trazer mais eqüidade às relações de consumo. Sendo a cobrança de juros abusivos neste tipo de relação um grande problema a ser enfrentado pelos juristas brasileiros.

Trazendo a questão para o campo do Sistema Financeiro de Habitação, entendemos que a relação de consumo está caracterizada, incidindo os dispositivos do C.D.C. também nos contratos oriundos do S.F.H.


Usura e capitalização

A capitalização dos juros consiste na operação matemática de contagem de juros, dos juros já contados. Trata-se, na prática, de método que faz aumentar o valor do capital tomado, acrescendo-lhe valores que somente podem ser obtidos pela aplicação composta dos juros. Vê-se, por um primeiro ponto de análise, a exorbitação da característica principal dos juros, a assecuração do risco assumido pelo credor, sobrevalorizando a remuneração do credor através dos juros e possibilitando a caracterização da usura.

Culturalmente, essa extrapolação da liquidez monetária passou até por condenações da igreja à chamada prática de usura do crédito, e no direito brasileiro foi objeto de apreciação do art. 253 do Código Comercial e o tema mereceu a anotação de repúdio do comercialista TULLIO ASCARELLI, comentando as vendas e pagamentos feitos em prestações:

"É justamente nas vendas em prestações que se escondem hoje, às vezes, juros e práticas usurárias, contra os quais as leis começam a dispor na justa luta contra a usura".

Entretanto, é no campo jurídico que deverá ser cuidadosamente observada essa espécie de lucratividade. Importante dividir em ordinário e especial, para melhor didática, o âmbito de incidência dos juros.

O regime ordinário de incidência tem aplicação a todos os atos jurídicos civis e comerciais praticados por sujeitos de direito que não se configurem como instituições financeiras. Sua normatividade implica afirmar que a taxa aplicável é aquela arrolada pelos arts. 1.062 e 1.063 do CC, nos limites legais de 6% a.a. ou convencional até o dobro (12%, conforme o disposto no Decreto nº 22.626/33 e incidentemente § 3º do Art. 192 da CF/88), incidindo sempre na modalidade de cálculo simples. A capitalização, nesses casos comuns, é terminantemente vedada, com incidência do art. 4º do Decreto 22.626/33 e dos arts. 39 e 51 do CDC (consultar o capítulo especial sobre o tema: Juros e o CDC) para a anulação das cláusulas contratuais extorsivas e, na esfera penal, a abusividade nos juros tipifica o delito de usura (art. 13 da Lei nº 1.521/51).

Pelo princípio da especialidade das disposições normativas, as instituições financeiras têm tratamento diferenciado nos regimes de estipulação de juros. Esse o ponto maior de debate e discussão na ceara do S.F.H. A Caixa Econômica Federal têm aplicado elevadas taxas e variações às cláusulas acessórias de juros nos contratos de financiamento imobiliário, seguindo a orientação do enunciado nº 596 da Súmula do STF, inspirado nos art. 4º, cumulado com os arts. 17 e 18 da Lei nº 4.595/64, consolidando compreensão que:

"As disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional".

É de se convir, como pressuposto, que a inexistência de efeito vinculante na Súmula do STF permitiu com que os Tribunais interpretassem de forma diversa o entendimento do Excelso Pretório, e com maior consonância com realidade, diga-se de passagem. O primeiro argumento que se usa é que a lei que disciplina o sistema financeiro nacional (4.595/64) não revogou expressa, nem muito menos tacitamente os dispositivos contrários à usura em relação às instituições financeiras, embutidos no Decreto 22.626/33. Por segundo, coloca-se que a atual Constituição revogou delegação que se julgava implícita na Lei nº 4.595/64 do Banco Central para regulamentação dessa matéria, e com o art. 192 da CF/88, transferiu-a completamente para o Congresso para que regulamente a norma. Derradeiro sustentáculo é a aplicabilidade do dispositivo constitucional do § 3º do art. 192, para limitar os juros em 12% a.a. Outrossim, as práticas usurárias poderão também ser atribuídas às instituições financeiras.

O direito brasileiro não autoriza a convenção de juros acima da taxa legal, o que não se deve confundir com a cumulação de juros e correção monetária.

Com efeito, outro enfoque, afirmando com a autoridade merecida pelo enunciado 121 da Súmula do STF, é a vedação do anatocismo consubstanciado na capitalização dos juros, ainda que expressamente convencionado. Assim julgou o STJ:

"CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS - É vedada, inclusive para instituições bancárias, salvo nas hipóteses expressas em lei. Recurso especial conhecido e provido, em parte".

Isto não quer dizer que a lei não possa estipular a capitalização como essencial ao acessório contratual dos juros. É o caso da Cédula de Crédito Rural, regulamentada pelo Decreto-lei nº 167/67, que em seu art. 5º faculta ao financiador a capitalização dos juros, lógico que dentro dos limites constitucionais. Curioso notar que a mesma disposição não é encontrada no art. 5º do Decreto-lei 413/69, que regula a Cédula de Crédito Industrial, afastando-se a possibilidade de capitalização, sem que se caracterize a usura e até mesmo as violações às disposições do CDC.

Portanto, de acordo com o acima exposto, entendemos ser vedada a capitalização, exceto nas exceções previstas legalmente (Cédula Industrial, comercial e Rural). Esta vedação incluindo, logicamente, os contratos oriundos do Sistema Financeiro de Habitação.


CONCLUSÃO

No desenvolvimento deste trabalho, analisamos o Sistema Financeiro de Habitação, sempre dando um enfoque mais direcionado a capitalização de juros neste processo financiatório.

Inicialmente analisamos os juros, seu conceito e sua natureza jurídica, assim como suas aplicações e subdivisões. Exploramos, também, diversas partes do ordenamento jurídico brasileiro que trazem disposições no que tange este instituto, isso nos permitindo chegar a uma visão crítica acerca da problemática dos juros abusivos cobrados muitas vezes, acontecendo, assim, uma exploração da parte mais forte sobre a mais fraca em determinadas relações jurídicas.

Investigamos, juntamente, a estrutura legislativa que regula a matéria optando pela elevação da Lei 4.595/64 a materialmente complementar, em virtude do art. 192 da Constituição Federal. Assim, entendemos que o Banco Central do Brasil é o órgão competente para disciplinar as operações de crédito, inclusive dos financiamentos habitacionais. Salientamos a importância da Lei 8692/93 que define o reajustamento dos saldos devedores, e das Medidas Provisórias nº 2223/01 e 2197-43/01 alteradoras desta Lei.

Em seguida, fizemos um breve relato histórico sobre o financiamento para a aquisição da casa própria e, por conseguinte, analisamos o estado atual da questão. Dando especial atenção às decisões jurisprudenciais e o posicionamento dos nossos Tribunais Superiores.

No capítulo Juros Constitucionais e a Autoaplicabilidade do art 192 da C.F., fizemos uma análise doutrinária e jurisprudencial desta questão tão controversa. Depois de detida análise, entendemos a possibilidade de autoaplicabilidade do art. 193, §3º da C.F., nos juntando, com isso, a corrente majoritária no Direito brasileiro.

Durante a análise do C.D.C. no que tange a aplicação de juros, notamos quão protetor do consumidor este Código é, chegando ao ponto de ser possível a afirmação de que o C.D.C. está para o consumidor assim como a C.L.T. está para o empregado. A possibilidade de aplicação das regras do C.D.C. nos contratos do S.F.H., na nossa opinião, é uma realidade com fins protetivos e amparadores, amenizando, com isso, vários aspectos negativos desse Sistema.

Com relação à capitalização, entendemos esta estar vedada no sistema jurídico brasileiro, existindo, porém, algumas poucas e específicas exceções. Assim, o anatocismo consubstanciado na capitalização dos juros, ainda que expressamente convencionado, não é permitido e se configura como hipótese de usura.

Concluímos, por derradeiro, com a afirmação de que alcançamos os objetivos desta pesquisa, pois formulamos uma opinião crítica e racional frente à aplicação de juros, especialmente nas questões do financiamento à moradia no Brasil.


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Sobre os autores
Guilherme Acosta Moncks

Advogado sócio do escritório Moncks, Zibetti & Cagol Advocacia S/S; -Professor de Direito Empresarial na Faculdade Anhanguera de Pelotas/RS;-Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pelotas;-Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET;-Doutorando em Direito pela Universidad de Buenos Aires - UBA.

Diogo Lima Neves

acadêmico de Direito na Universidade Federal de Pelotas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONCKS, Guilherme Acosta; NEVES, Diogo Lima. Juros no Sistema Financeiro de Habitação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 62, 1 fev. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3758. Acesso em: 23 dez. 2024.

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