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O que muda na vida do brasileiro com a autonomia administrativa e orçamentária da AGU?

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Agenda 15/06/2016 às 13:24

Analisam-se benefícios derivados da aprovação da PEC 82/2007, que estabelece a autonomia administrativa e orçamentária da AGU, apontando pelo menos quatro vantagens para o Estado e a sociedade.

É de conhecimento geral a tramitação, perante o Congresso Nacional, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 82/2007, cujo objetivo é o da concessão de autonomia administrativa, orçamentária e técnica à Advocacia-Geral da União (AGU) e órgãos vinculados, bem como às Procuradorias-Gerais dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Há inúmeros artigos e trabalho de realce, que bem delineiam a importância institucional da Advocacia Pública, bem como registram a importância da aprovação da aludida proposta.[1]

Em acréscimo a relevantes manifestações já confeccionadas e de fácil acesso em periódicos ou na rede mundial de computadores, o presente estudo possui o escopo de trazer à tona quatro benefícios potencialmente trazidos com a aprovação da aludida propositura modificativa, como soluções de problemas verificados cotidianamente na AGU, em face da atual estruturação normativa.

As situações indicadas abaixo são meramente exemplificativas, estando longe de consubstanciar todas as melhorias advindas com a aprovação da referida PEC. Sem embargo, são trazidas essas quatros situações, com o fito de ilustrar o futuro progresso institucional derivado da promulgação da mencionada propositura normativa.


I – Benefícios aos contribuintes – maior acessibilidade e diminuição da concorrência desleal por evasão fiscal

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), braço da AGU responsável, entre outras funções, pela cobrança judicial da Dívida Ativa da União (DAU), cf. art. 131, § 3º, Constituição Federal, arrecadou, durante o exercício de 2014, pouco mais de R$ 20 bilhões[2], conforme o informativo PGFN em Números 2015. Sem embargo, esse percentual de arrecadação representa apenas cerca de 1% da totalidade de créditos inscritos em DAU, porquanto o estoque da DAU em ajuizamento é quase de R$ 1,3 trilhão, consoante o mesmo informativo, relacionados com mais de três milhões de devedores.

A diminuta proporção deriva, entre outros fatores, da estrutura administrativa e de carreira não condizente com a relevante atuação desse órgão jurídico.

Sem embargo, a PGFN também obteve, vale aditar, vitórias no contencioso judicial fiscal que evitaram a perda de mais de R$ 500 bilhões.

Para controlar esse grande rol de informações, não há dúvidas de que sistemas estruturantes de tecnologia da informação devem ser formatados, com a finalidade de controlar e gerenciar o fluxo de dados referentes aos débitos inscritos em DAU.  Há a necessidade de existência, dentro do corpo da PGFN, de um grande número de técnicos especializados, no afã de promover trabalhos de especificações, avaliação de qualidade das soluções em TI desenvolvidas, bem como exame de adequação de segurança, integridade e consistência dos dados.

Nada obstante, conforme informação contida no Relatório de Gestão da PGFN apresentado ao Tribunal de Contas da União em 2013, p. 53-4[3], há enorme carência de pessoal na área de TI, hoje dependente em grande parte de terceiros que não possuem vínculo efetivo com a PGFN (cedidos e empregados de empresas terceirizadas).

Enquanto não há, por exemplo, carreira específica de TI no âmbito da PGFN, que evidentemente depende de recursos tecnológicos para manutenção de sua atividade finalística, o Ministério Público da União, órgão que, como cediço, possui autonomia administrativa e que, com o devido respeito, não administrativa sistemas de TI com robustez de informações existentes no âmbito da PGFN, que influenciam em recursos financeiros de quase dois trilhões de Reais, fez recente concurso[4] para 25 técnicos (mais cadastro de reserva) do MPU com especialidade em TI.

Esse cenário, por si só, evidencia a fragilidade existente neste setor tão importante. Essa área, no contexto da PGFN, é levada por bravos heróis, sem haver uma carreira específica que enseja, por conseguinte, a internalização de tal elevada expertise.

Tal fragilidade enseja inúmeros problemas no cotidiano: (i) demoras nas consolidações de parcelamento; (ii) impossibilidade de desenvolvimento de sistemas mais complexos, que tragam um controle de dados mais moderno; (iii) inviabilidade de aprimoramento de sistemas mais ágeis na rede mundial de computadores.

Desse modo, a autonomia administrativa e orçamentária viabilizaria a criação de uma carreira específica de TI nessa área da AGU, trazendo soluções imediatas aos problemas acima trazidos. Com efeito, não se estabeleceriam óbices elevados, de cunhos administrativo e orçamentários, para se apresentar um projeto de lei para atingir tal desiderato, bem como não se promoveriam contingenciamentos manifestamente restritivos ao alcance do aludido fim.

E quais seriam os benefícios aos contribuintes? Além do desenvolvimento de sistemas mais modernos, que possibilitariam um maior conforto a contribuintes que quisessem fazer parcelamentos e/ou pagamentos, uma expertise interna na área ensejaria a construção de modernas engenharias de business intelligence (BI), que permitiriam a confecção de complexos elos entre credores, patrimônios, fraudes etc, induzindo um efetivo aumento de arrecadação e um efeito mediato de diminuição da sonegação fiscal, uma vez que recuperação do crédito mais efetiva ocasiona uma tendência de diminuir o impulso do sonegador em inadimplir tributos. É de se lembrar que, como reconheceu o próprio Supremo Tribunal Federal (RE 550.769), o combate da inadimplência sistemática tributária é elemento importante para salvaguardar a livre concorrência.

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Percebe-se, apenas nesse exemplo, que a aprovação da PEC 82/2007 traz facilidades aos contribuintes para adimplemento de tributos, possibilita uma ampliação da arrecadação fiscal, sem aumento de tributos, e traz benefícios à livre concorrência entre as empresas.


II – Benefícios aos jurisdicionados. Estruturação e  maior integração dos sistemas informatizados com o Poder Judiciário

A AGU possui inúmeros órgãos de execução ao redor do Brasil (Procuradorias-Regionais, Procuradorias da União e Seccionais), responsáveis pelo contencioso judicial da União e de suas autarquias e fundações públicas.

Nesse tocante, a AGU participou de 13,5 milhões de ações judiciais, conforme informação constante no Panorama da AGU-2014, o que bem delineia a sua importância no contexto judicial brasileiro.

Para o custeio das despesas pertinentes a tais projeções, bem como para promoção de investimentos importantes ao avanço institucional da AGU (especificamente o projeto e-AGU, Advocacia Pública Eletrônica), a AGU, no ano de 2013, teve três ações orçamentárias específicas[5], tombadas sob o nºs 2020.10TN (Implantação da Advocacia Pública Eletrônica e-AGU), 2038.2674 (Representação Judicial e Extrajudicial da União), e 2101.1156 (Implantação de Unidades da Advocacia-Geral da União), que totalizaram o montante de R$ 253.292.200,00. Sem embargo, logo após a aprovação da Lei Orçamentária de 2013, implantou-se uma limitação de empenho em mais de onze por cento, por intermédio do Decreto nº 8.021, de 2013, Anexo I, o que ensejou um contingenciamento orçamentário que prejudicou a execução de projetos perante a própria AGU.

Como delineado em seu próprio Relatório de Gestão do ano de 2013[6], a gestão orçamentária e financeira do órgão sofreu, em 2013, efeitos prejudiciais provocados pelas limitações de empenho e movimentação financeira ocorridas no exercício, causando consequências sobre os resultados planejados, o que determinou o pagamento das despesas de funcionamento em detrimento de outras tais como, locação, reforma, tecnologia da informação e capacitação de servidores, de sorte que, conforme o próprio Relatório de Gestão, p. 214, a previsão orçamentária, com contingenciamento, abarcaria apenas nove meses de despesas orçamentárias.

A autonomia administrativa e orçamentária da AGU permitiria que as ações orçamentárias a serem alocadas na Lei Orçamentária aprovada pelo Congresso Nacional fossem condizentes com as necessidades da instituição, não sofrendo, assim, contingenciamentos manifestamente restritivos, que tornassem inviáveis projetos de relevo no âmbito da Instituição. Como dito no próprio Relatório de Gestão, investimentos na área de TI foram suspensos, a fim de manter o custeio da “máquina”.

Desse modo, metodologias de interoperabilidade com sistemas eletrônicos dos juízos federais, por exemplo, não avançam na velocidade pretendida, o que acaba dificultando os trabalhos dos advogados públicos federais e ensejando, por consequência, uma maior demora na tramitação de processos judiciais.

Por outro lado, essa evidente fragilidade estrutural traz prejuízo à defesa da União, uma vez que parte do tempo que o advogado público federal poderia dispender no seu trabalho no contencioso judicial acaba sendo empregado para solução de questões administrativas internas derivadas dessa restrição orçamentária.


III – Benefícios aos segurados do Regime Geral de Previdência Social. Impulso às ações de ressarcimento acidentárias.

O art. 120 da Lei 8.212, de 1991, prevê que nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene de trabalho indicados para proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

Em tal caso, a PGF, órgão vinculado à AGU que possui o mister de representar judicial e extrajudicialmente as autarquias, ajuíza ações regressivas acidentárias para ressarcimento das despesas com as prestações sociais implementadas em face dos acidentes do trabalho ocorridos por culpa dos empregadores que descumprem as normas de saúde e segurança dos trabalhadores.[7]

Como se vê pela norma, há a necessidade de avaliação da culpa do empregador pelo acidente de trabalho e, por isso, um procedimento de instrução prévia (PIP) é instaurado, com a finalidade de analisar a culpa da sociedade empresária, examinando a observância das normas de saúde e segurança dos trabalhadores. Para tal empreendimento, é imprescindível a existência de servidores especializados, com conhecimentos dos mais diversos (segurança do trabalho, medicina laboral, engenharia etc.), a fim de atestar a aludida responsabilidade do empregador.

Conforme o Relatório de Gestão da AGU de 2013, p. 130[8], houve o ajuizamento de 536 ações de tal natureza, com expectativa de ressarcimento de cerca de R$ 113 milhões, uma vez que abarcaria despesas de pensões/aposentadorias ocorridas em exercícios anteriores. Esse número é cerca de 5 vezes superior ao de 2007, o que bem denota o trabalho assertivo empreendido pela PGF na área.

Sem embargo, isso é bastante distante do que pode ser obtido. Com efeito, segundo o Anuário Estatístico da Previdência Social (AEPS) de 2013[9], p. 116, foram concedidos benefícios acidentários em importe superior a R$ 350 milhões, enquanto que, conforme a própria cartilha do CGCOB, despesas de pagamento, pelo INSS, de benefícios derivados de acidente e doença do trabalho totalizam R$ 11,6 bilhões/ano, cem vezes superior à expectativa de ressarcimento das ações propostas no ano de 2013.

Há grande espaço para acréscimo no número de ações regressivas, portanto. Sem embargo, como já dito, há de se registrar a necessidade de um amplo corpo de carreira auxiliar, com o fito de subsidiar o procurador federal na instrução e propositura do aludido feito. Esse cenário, contudo, não ocorre no âmbito da PGF, uma vez que, conforme PGF em Números 2013[10], há uma proporção de 0,4 servidor de carreira de apoio para cada procurador federal, registrando-se, por oportuno, que a extrema maioria do corpo da carreira do apoio não é de servidores do quadro da PGF, mas de outras áreas da Administração Pública. Só para se ter ideia dessa diminuta proporção, a Lei nº 12.011, de 2009, que criou 230 varas federais, utilizou a razão de criação de 10 auxiliares para cada cargo de juiz federal criado, proporção essa que pressupostamente foi considerada como adequada ao perfeito andamento dos novos juízos federais então implantados.

Uma avaliação estatística apurada evidencia cenários mais desfavoráveis. O Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho de 2013[11], por exemplo, apontou que, em Marabá-PA, a existência de 696 acidentes de trabalhos, localidade em que pode ser fonte, portanto, de vários tipos de ações regressivas. Sem embargo, naquela localidade[12] não há qualquer servidor da carreira de apoio em exercício, o que dificultaria sobremaneira a atuação da PGF na matéria em comento.

A autonomia administrativa na AGU, neste ponto, fomentaria a criação de carreira específica no âmbito da PGF, adequada com o potencial número de ações regressivas a serem propostas no Brasil, com conhecimento específico para subsidiar a atuação dos procuradores federais em tal relevante demanda judicial.  A massificação de tal tipo de feito ensejaria uma perene fonte de recursos destinados à Previdência Social, além de trazer um evidente caráter pedagógico, no sentido de induzir os empregadores a promoverem uma maior segurança laboral e diminuir, por conseguinte, o número de acidentes de trabalho.

A aprovação da PEC 82/2007, portanto, beneficia o segurado da Previdência Social.


IV – Benefícios aos gestores públicos. Diminuição na rotatividade dos membros da AGU.

Tematicamente, a AGU, em toda a sua estrutura, promove três grandes atividades: a representação judicial da União; a representação extrajudicial da União e a consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo Federal. Observa-se a existência de grande transversalidade na sua atuação, porquanto, entre duas das suas três atividades, o advogado público federal promover seu labor relacionando-se com membros de quaisquer dos Poderes ou funções do Estado. Uma defesa judicial de um ato administrado praticado, por exemplo, no âmbito do Poder Judiciário Federal é defendido por um membro da AGU. Por sua vez, ainda à título de ilustração, as tratativas relacionadas com uma operação de crédito externo de interesse do Poder Legislativo Federal têm participação decisiva de um membro da AGU.

Ademais, o trabalho de consultoria e assessoramento jurídicos do Poder Executivo Federal é mister de importante realce no labor cotidiano da AGU. Todos os procedimentos licitatórios, por exemplo, ocorridos no âmbito da Administração Pública Federal deverão possuir o devido parecer da AGU (art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666, de 1993).

A atuação da AGU, portanto, faz com que os advogados públicos federais tenham contato com os gestores públicos, de sorte que, muitas vezes, estes fazem consultas jurídicas com o fito de promover uma melhor conduta em sede administrativa. Não há dúvidas também acerca do importante papel do advogado público na etapa de formatação de políticas públicas, enaltecido à saciedade pela doutrina específica[13].

Desse modo, um baixo índice de rotatividade de membros na instituição é imprescindível para a manutenção da qualidade desse trabalho. Com efeito, a realização de defesas judiciais adequadas, a implementação de uma representação extrajudicial da União e o trabalho de consultoria jurídica, mormente em políticas públicas, pressupõem elevado conhecimento jurídico mas, também, bastante experiência, no afã de avaliar vicissitudes e atuar de forma mais adequada com o interesse público.

Sem embargo, o índice de rotatividade de carreiras da AGU é bastante acentuado, bem superior ao de outras carreiras jurídicas. Fazendo o cálculo de turnover[14], extrai-se que o aludido índice em relação aos membros do Ministério Público do Trabalho em 2013, por exemplo, foi de 1,27[15], enquanto que aos membros do Ministério Público Federal, no mesmo ano, foi de 1,77[16], e o índice de rotatividade dos juízes do Tribunal Regional Federal da 5ª Região foi de 2,22[17]. Por sua vez, o turnover dos membros da PGFN, uma das carreiras da AGU, foi de 6,82, mais de cinco vezes superior ao dos membros do Ministério Público do Trabalho no mesmo ano, o que denota a evidente rotatividade do corpo laborativo de carreira de escol na AGU.

Isso traz evidentes prejuízos concernentes à perda de produtividade, porquanto há sempre a reiterada necessidade de adaptação laborativa, bem como em relação à experiência que acaba sendo exaurida por força da abrupta desvinculação do membro da AGU. Isso ocorre pela falta de estrutura, já evidenciada pelos problemas aventados anteriores, e pelas notórias diferenças salariais verificadas em face de carreiras jurídicas congêneres, o que traz uma evidente desmotivação em continuar na carreira.

A autonomia administrativa da AGU tenderia a infirmar tal problema, porquanto possibilitaria a plena execução de ações orçamentárias que lhe são imputadas, possibilitando a restruturação da instituição e das suas carreiras principais e de auxílio. A aprovação da PEC 82/2007, portanto, infirmaria a saída abrupta do corpo laborativo da AGU, expurgando os problemas aventados acima, e trazendo assim maior segurança à formatação de políticas públicas e à salvaguarda do contencioso judicial. Haveria evidente benefícios a todos, inclusive aos gestores públicos, mormente pela transversalidade de atuação da AGU já delineado outrora.

Sobre o autor
Fabiano de Figueirêdo Araujo

Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília. Especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas. Professor Universitário. Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Fabiano Figueirêdo. O que muda na vida do brasileiro com a autonomia administrativa e orçamentária da AGU?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4732, 15 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37816. Acesso em: 26 dez. 2024.

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