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Danos extrapatrimoniais nas relações de consumo:

a problemática da reparação

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Agenda 15/04/2015 às 10:10

3.DANOS MORAIS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

3.1 Danos morais no Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/1990)

Assim como já mencionado alhures, o Direito do Consumidor é, no Brasil, disciplina de origem constitucional e, nesse sentido, o seu código de defesa (CDC) tutelou a questão dos danos morais de forma ampla. Deixou parte da responsabilidade de proteção, nesse tocante, a cargo do Estado, o qual pode estabelecer sanções administrativas e penais aos fornecedores que, de alguma forma, causem lesões dessa natureza.

De igual forma, prevê o CDC que a reparação do dano moral, bem como o do material, deve ser efetiva, ampla e irrestrita, insuscetível de qualquer tarifamento ou limitação. Além disso, assegura proteção a vida, saúde e segurança, integrantes do princípio da dignidade humana, consagrado no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna.[21]

Isto posto, notamos que a tutela dos danos extrapatrimoniais nas relações de consumo, instituída pelo Código de Defesa do Consumidor, é mais ampla do que a efetuada pelo Código Civil, muito pelo fato de serem situações distintas a serem legisladas, conquanto que o consumidor se coloca em posição de inferioridade, no mais das vezes, se comparado ao fornecedor de produtos ou serviços, seja no sentido econômico, financeiro ou técnico.

3.2 Dano moral por acidentes de consumo

Acidentes de consumo são consequências de defeitos de um produto ou serviço que, além de causarem prejuízo material pela deterioração do bem, geram danos de cunho extrapatrimonial ao consumidor ou utente. É especificamente nesse ponto que diferem dos vícios, haja vista que há uma lesão imaterial em decorrência de um vício ou defeito do bem[22]. Caracterizam-se pela desconformidade com as expectativas legítimas criadas e pela capacidade de provocar acidentes.[23]

O Código de Defesa do Consumidor tutela esse gênero na sua seção II, intitulada “Da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço”, cuja nomenclatura é discutida pela doutrina como inadequada, por reportar-se principalmente ao elemento causador da responsabilidade tratada, havendo sugestão do termo “acidente” ao invés de “fato”, por inserir com mais precisão o fator humano no resultado.[24]

A proteção normativa dada aos acidentes de consumo consagra a necessidade latente de se conservar a segurança e a integridade dos sujeitos que se utilizam dos produtos e serviços disponibilizados no mercado, controlando-lhes, assim, os riscos inerentes da atividade comercial. A periculosidade, de qual por ora se trata, pode ser inerente, quando integrante da essência de sua formação e de seu fim, como uma faca, exemplificativamente; ou adquirida, decorrente de defeitos, sejam eles de fabricação, de concepção ou de informação.

 Em regra, os produtos ou serviços de periculosidade inerente não são indenizáveis, pois falta a eles um dos requisitos necessários para a concretização efetiva do acidente de consumo, qual seja a desconformidade com as expectativas legítimas do consumidor. Dessa forma, não se pode esperar que uma faca, seguindo o exemplo citado no parágrafo anterior, não seja útil para perfurar ou cortar, tendo em vista que essa é a sua função primordial.

Destarte, só há responsabilidade civil nos acidentes de consumo quando existente algum defeito no produto ou no serviço[25]. Como já mencionado, existem defeitos de fabricação, de concepção e de comercialização ou informação.

Como já suscitado, na existência de dano em acidente de consumo, se configura como cabível a reparação tanto por danos materiais, como pelas lesões extrapatrimoniais que houverem ocorrido. São responsáveis solidariamente pela referida compensação os sujeitos elencados nos artigos 12, §3º, e 13 e seus incisos, que são o fabricante, o construtor, o produtor, o importador e, por último, o comerciante, subsidiariamente, nos casos de não serem localizados os anteriormente citados, se não houver clara informação quanto aos sujeitos responsáveis ou se não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Seguindo o direcionamento do instituído pelo Código, a responsabilidade civil de indenizar as vítimas de acidentes de consumo é objetiva, independendo, assim, da existência de culpa do agente. Acerca do tema, discorre com precisão Herman Benjamin:

“Não é sequer relevante tenha ele (o fornecedor) sido o mais cuidadoso possível. Não se trata, em absoluto, de mera presunção de culpa que o obrigado pode ilidir provando que atuou com diligência. Ressalte-se que tampouco ocorre mera inversão do ônus da prova. A partir do Código – não custa repetir – o réu será responsável mesmo que esteja apto a provar que agiu com a melhor diligência e perícia”[26]

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De igual forma, as excludentes de responsabilidade podem ser utilizadas pelo agente para se exonerar do ônus de ressarcir financeiramente os danos causados ao lesado, que são as elencadas no artigo 12, §3º, quais sejam a não colocação do produto no mercado, a inexistência de defeito e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.

3.3 Da prova do dano moral

Assim como já levantado anteriormente, a responsabilidade civil do fornecedor de produtos ou serviços pelos danos morais decorrentes de acidentes de consumo é objetiva, ou seja, prescinde da existência de culpa na conduta geradora da lesão. Desse modo, fazem-se necessárias para caracterização do prejuízo as provas da autoria do comportamento lesivo e do nexo de causalidade deste com o dano experimentado pela vítima.

Destarte, o Código de Defesa do Consumidor instituiu um instrumento de defesa que amplia as possibilidades de reparação de danos extrapatrimoniais, qual seja a inversão do ônus da prova, insculpida no artigo 6º, inciso VIII, da legislação consumerista.

Dessa forma, o ônus probatório recai sobre o fornecedor do produto ou serviço que seja eivado de defeito que ocasionou o dano, o qual deve provar a inexistência do defeito alegado ou a carência de nexo causal entre esse e a lesão imaterial sofrida pela pessoa física ou jurídica que figura como consumidora nessa relação.

A medida se justifica pela impossibilidade, na absoluta maioria das vezes, de o consumidor provar a existência do defeito, sobretudo pela falta de conhecimentos técnicos específicos para identificar as causas do acontecido, o que se reflete também na hipossuficiência econômica, haja vista que seria uma barreira de difícil transposição impor à vítima que custeasse a produção de provas especializadas. Ademais, não é incomum que os elementos da prova estejam em poder do fornecedor lesante.

Dessa maneira, alarga-se a possibilidade de compensação do dano causado, impondo, no mesmo sentido, um dever maior de cautela e segurança aos fornecedores tanto na fabricação, como na comercialização e no provimento de informações necessárias ao consumidor quanto ao bem adquirido.

Todavia, a inversão do onus probandi não é automática, dependendo de análise feita pelo magistrado, com base nas regras ordinárias de experiência, quanto à hipossuficiência do consumidor e à verossimilhança das alegações fornecidas por este, prolatando, em regra, no saneamento do Processo, decisão que determina a produção de provas por parte do fornecedor, invertendo a regra geral da processualística baseada no artigo 333 do Código de Processo Civil.[27]


4.DA REPARAÇÃO DOS DANOS EXTRAPATRIMONIAIS

Passamos agora a tratar sobre esse tema que é, talvez, o maior alvo de discussões doutrinárias e jurisprudenciais: a reparação de um dano extrapatrimonial. Inicialmente, a admissibilidade de provimento de compensação financeira por um prejuízo essencialmente não-econômico foi o principal ponto de debates, com destaque para o posicionamento de Savigny, para o qual o patrimônio ideal dos seres humanos não seria suscetível de reparação, pois não estaria disposto no mercado, não podendo, portanto, ser objeto de obrigação jurídica.[28]

Para os filiados à corrente que não aceitava a reparação por danos imateriais, não poderia haver uma quantificação econômica de um dano primordialmente psicológico ou moral, motivo pelo qual não existiria um critério de equivalência para a satisfação do lesado, além de considerarem como imoral a “troca” de um dano por uma quantia em dinheiro arbitrariamente definida.

Em que pese o posicionamento supramencionado, discordamos de tal corrente de pensamento, fundamentalmente por levar em conta o sofrimento, a humilhação ou o abalo psicológico causado à vítima de lesão extrapatrimonial, a qual não deve restar impune em virtude da inexistência de formas reparatórias diversas da monetária.

Por conseguinte, a satisfação ou compensação da vítima, tendo em vista a mormente impossibilidade de retorno ao status quo ante, é feita por meio de verba indenizatória, com o fim de dirimir o mal que lhe foi causado e impor, a um só tempo, uma sanção ao agressor, visando, com isso, o reestabelecimento da paz nas relações sociais.

4.1 Princípio da reparação integral dos danos extrapatrimoniais

A reparação integral dos danos extrapatrimoniais constitui-se em princípio basilar da responsabilidade civil, insculpido na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, incisos V e X, direcionando-a no sentido da busca pela mais ampla e completa compensação possível pelos danos sofridos pela vítima, com o objetivo, primeiro, de diminuir ou amparar o sofrimento gerado e, também, para inibir a reiteração da prática danosa.

Enquanto o dano patrimonial é indenizado em equivalência monetária ao prejuízo sofrido, a lesão extrapatrimonial, por não ser passível de mensuração econômica, é dotada de cunho mais aberto, cuja valoração passa pela compensação do sujeito lesado, pela sanção que deve ser imposta ao agente causador e pela prevenção ou inibição que deve ser dada com vistas para a sociedade.

4.2 Da reparação monetária

A despeito de correntes que asseveram não ser a reparação monetária moralmente adequada para compensar uma lesão psicofísica sofrida por uma pessoa, ela é considerada, pela doutrina e pela jurisprudência majoritárias, como a forma possível mais apropriada para tal fim. Se olharmos com atenção, a impossibilidade de se retornar ao status quo ante, quando não havia acontecido o dano – situação ideal – remete a algum modo ressarcitório, pois, a título de exemplo, não pode uma empresa responsável por um produto eivado de defeitos e que cause danos à incolumidade física ou psíquica dos consumidores restar impune quanto a isso.

Nesse caso, o dinheiro não é visto como “um fim em si mesmo, mas como meio de obtenção de sensações positivas”[29] pela utilidade no âmbito social, bem como para sancionar o causador do dano economicamente, do que trataremos mais adiante.

Apesar dos pontos positivos que lhe são atribuídos, a praxis atual gera, por diversos fatores, o fenômeno da indústria do dano moral, pela qual se multiplicam as ações indenizatórias por questões das mais variadas, principalmente dissabores comuns à vida social moderna, visando unicamente a obtenção da quantia financeira a ser provida em juízo.

Nessa esteira de pensamento, vale o questionamento: será mesmo a indenização monetária a melhor solução para a reparação de danos extrapatrimoniais? Existiria, pois, uma solução ideal? Há de se ressaltar aqui a subjetividade do conceito de reparação, tendo em vista que cada caso traz consigo suas peculiaridades, assim como os sujeitos lesados, os quais podem se satisfazer até com uma mera retratação formal ou, por outro lado, exigirem obrigações de maior exigência. Portanto, a solução ideal varia topicamente e nem sempre pode ser alcançada, deixando, assim, um vazio a ser estudado para essa questão.

4.2.1 Problemática da fixação do quantum reparatório

A questão da quantificação do valor arbitrado para fins de reparação monetária é um dos principais temas de debate e divergência na doutrina e na jurisprudência brasileiras. O fato de não haver critérios objetivos legais para a mensuração da quantia que deve ser estipulada para a sanção do agente causador implica na importância fundamental do magistrado para tal fim.

A esse respeito, saliente-se que a valoração da reparação não pode ser tabelada ou ter limites a si estipulados, pois a deliberação do Código Consumerista foi no sentido de o juiz analisar o caso conreto e a ele imputar um valor específico que atinja as metas de compensação do dano sofrido pela vítima, sanção do agente causador e prevenção com efeitos pedagógicos para a sociedade.

Acerca da função sancionatória da indenização pelos danos extrapatrimoniais, há uma corrente no direito brasileiro, da qual faz parte Antônio Jeová Santos, que defende uma espécie de sanção exemplar, a exemplo do que ocorre, por exemplo, no Estados Unidos, onde além da quantia fixada a título de reparação do dano, há outra, cumulada, chamada de punitive ou exemplary damages, cujo objetivo é punir o ofensor para que ele não repita o ato e, a um só tempo, dissuadir a sociedade da idéia de agir de forma semelhante.[30]

Embora não haja oficialmente modo estabelecido para valoração do quantum da indenização, doutrina e jurisprudência estabeleceram critérios que devem, em tese, ser usados para isso. São eles a análise da gravidade e da repercussão do dano no seio social; a intensidade dos efeitos danosos na vítima; o grau de culpa ou do dolo, caso haja; e, por fim, a situação econômica do agente causador.

Na prática, o Superior Tribunal de Justiça, buscando certa coerência e proporcionalidade nos casos práticos, utiliza-se do chamado método bifásico, composto por uma primeira fase de análise dos valores arbitrados em situações semelhantes na jurisprudência, obtendo daí um valor-base, o qual é aumentado ou diminuído em uma segunda fase, que observa as nuances de cada caso topicamente para se chegar ao valor final.[31]

Em análise, nos parece válida a intenção da Corte em buscar um mínimo de coerência entre os valores arbitrados, porém, não se deve fugir do princípio da reparação integral do dano, o qual preceitua a instituição de quantia mediante as particularidades de cada caso, tutelando amplamente a lesão e almejando sua reparação máxima possível.

4.3 Da busca de efetividade na compensação

A compensação, como já mencionado alhures, não se trata apenas de pagamento de indenização pela lesão a direitos da personalidade, haja vista que eles são insuscetíveis de quantificação econômica, mas também, e principalmente, de uma reparação integral do dano, buscando a completude e a efetividade, principalmente.

Nesse sentido, o juiz, ao valorar o caso concreto, deve sopesar a punição a ser dada ao ofensor com a compensação oferecida à vítima, baseado em critérios de razoabilidade. Impõe-se, pois, que o magistrado, na fixação do quantum reparatório, não atribua valor excessivamente baixo, pois, agindo assim, além de possivelmente reforçar o dano já causado ao ofendido, pode estimular a prática da conduta lesiva por parte do agente causador, bem como de terceiros.

Assim como ocorre no direito estadunidense, em que vigora o já citado exemplary damages, no qual o agente lesivo recebe um plus condenativo[32], poderia ser implantada no Brasil, respeitadas as diferenças existentes entre os países, tal prática, de forma que houvesse uma espécie de punição exemplar para sujeitos que reiteradamente são causadores de lesões extrapatrimoniais por acidentes de consumo.

O que está em foco aqui é a segurança e a incolumidade física e psíquica dos consumidores, os quais encontram-se expostos a danos de diversas majorações, muitas vezes, por falta de preocupação de fornecedores de produtos e serviços de manterem uma qualidade na produção e comercialização desses. No mais, não são raras as empresas que calculam valores projetados de indenizações, inserindo-os no custo do produto ou serviço oferecido no mercado, tendo em vista as poucas e quase insignificantes indenizações ou compensações as quais são impelidos judicialmente a pagar.

Pensando dessa forma, Nehemias Domingos de Melo[33] propõe a instituição de um “fundo judiciário” de proteção ao consumidor, para o qual esse plus, caso inserido no direito pátrio, seria destinado, diferenciando-o, assim, do que ocorre no direito americano, no qual a vítima é a beneficiária também da condenação exemplar. Caso ocorresse, afirma o doutrinador, haveria um certo medo dos fornecedores pelas quantias altas a serem pagas, que refletiria diretamente na maior vigilância quanto a qualidade e a solução de defeitos de produtos e serviços postos no mercado.

Sobre o autor
Bruno Terra Barbosa

Advogado, formando pela UFRN.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Bruno Terra. Danos extrapatrimoniais nas relações de consumo:: a problemática da reparação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4305, 15 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37991. Acesso em: 22 dez. 2024.

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