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Limites ao poder de polícia

Agenda 17/04/2015 às 00:30

O Poder de Polícia é um dos poderes que auxiliam o Estado, por meio da Administração Pública, a atingir a finalidade de todo o sistema, qual seja, o interesse público. Portanto, deve-se atentar para as diversas peculiaridades deste poder.

RESUMO:

            O poder de polícia é um dos poderes que auxiliam o Estado, por meio da Administração Pública, a atingir a finalidade de todo o sistema, qual seja, o interesse público. Portanto, deve-se atentar para as diversas peculiaridades deste poder e, sobretudo, aos limites que devem ser observados a fim de evitar abusos ou até mesmo desvios que vão na contramão do interesse público. O poder de polícia se mostra como uma importante ferramenta do Estado na sociedade moderna e deve ser analisada a fundo sobre seus benefícios e limites para o avanço do bem estar social.

Palavras-chave: abuso de poder; poder de polícia; limites; legalidade; moralidade.

ABSTRACT:

            The Police Power is one of the powers that help the state through the Public Administration, to achieve the purpose of the whole system, namely the public interest. Therefore, attention should be paid to the various peculiarities of this power, and above all the limits that must be observed in order to avoid abuses or even deviations that go against the public interest. The police power is shown as an important tool of the state in modern society and must be analyzed in depth about their benefits and limits to the advancement of social welfare.

Key-words: abuse of power; police power; limits; legality; morality.

Sumário: Introdução. 1. Justificação e fundamentação do Poder de Polícia. 2. Características do Poder de Polícia. 3. Espécies de polícia. 4. Meios de atuação do Poder de Polícia. 5. Confrontos em relação ao Poder de Polícia. 6. Limites ao Poder de Polícia. 7. Instrumentos contra os abusos no Poder de Polícia. 8. Conclusão. 9. Referências.

INTRODUÇÃO:

Remontando a história das civilizações, podemos observar as primeiras manifestações do atualmente conhecido poder de polícia. Na Idade Média, durante o período feudal, o príncipe tinha o poder da jus politiae que ditava tudo que era bom e necessário para a ordem da sociedade civil, já no fim do século XV, o jus politiae, na Alemanha dizia respeito a toda atividade do Estado, a partir de um amplo poder do príncipe. Destarte, percebemos a grande história que se observa em torno desta atuação de polícia do Estado, por isso que se revela bastante interessante este presente estudo. Entretanto, o poder de polícia pode ser avaliado a partir de vários enfoques e contextos, de modo a perceber sua importância e influência em toda a sociedade, mas vamos nos ater às características e limitações deste poder, ou seja, quais os limites devem ser respeitados na intervenção do Estado na vida privada, seja individual ou coletiva. Este conhecimento se revela importante quando da possibilidade de uma resposta da sociedade em decorrência de abusos de poder, pois apesar da finalidade do poder de polícia ser bastante nobre – busca do interesse público – este não pode ser utilizado como uma ferramenta para excessos injustificáveis. Portanto, dada a devida importância ao tema, trataremos sobre as suas justificativas, suas características, os objetos a que incide, mas, sobretudo, aos seus limites como uma maneira de valorizar o Estado, mas também valorizar os cidadãos que fornecem poder ao Estado através do voto e, sendo assim, só devem sofrer limitações benéficas ao verdadeiro interesse público. Visto que, infelizmente, nos deparamos nos noticiários com denúncias de abuso de poder das mais variadas formas e isso é flagrantemente lamentável, pois, como veremos, o poder de polícia quando bem usado é um instrumento de coordenação de toda sociedade em prol do interesse público e não apenas na área de segurança pública, como o termo pode fazer induzir, mas também nas áreas de vigilância sanitária e fiscalização do trânsito, entre tantas outras.  Sendo assim, percebemos a riqueza do tema, que não se esgota em apenas um enfoque de estudo, mas que deve ser levado às suas mais variadas maneiras de observá-lo com o fim primordial de fazer do papel da Administração Pública um papel bem visto pela sociedade, que as limitações à liberdade e às propriedades sejam bem vistas e compreendidas, claro que quando justas, proporcionais e razoáveis e quando a atuação da Administração Pública não assim o for, que seja devidamente reprimida e punida, já que nenhum cidadão deve ser restringido sem o devido benefício tanto para ele como para a sociedade, mesmo que de forma indireta. Deste modo, passaremos ao estudo.

JUSTIFICATIVA E FUNDAMENTAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA:

O poder de polícia deve ser entendido, primeiramente, por sua justificativa, ou seja, qual o motivo que leva à atuação deste poder. De início, para melhor elucidação, podemos citar a definição dada por Marcelo Caetano apud José dos Santos Carvalho Filho (2009, p.72) ao explanar que poder de polícia é:

[...] “o modo de atuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objetivo evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que a lei procura prevenir.”

            Dada tal definição, notamos que o poder de polícia se justifica ao coibir comportamentos, comissivos ou omissivos, que, nas palavras do nobre autor, trazem perigo ao interesses gerais e públicos. Sendo assim, o poder de polícia deve vedar os comportamentos que violam qualquer interesse público. Interesses individuais que não respeitam os anseios de toda a coletividade não podem ser permitidos, e a “mão do Estado” pode e deve alcançá-los de modo a coibi-los e também para servir como exemplo que para todos os cidadãos compreendam que tem como limite de suas liberdades privadas o bem estar da sociedade.

            Lado a lado da justificativa, temos o fundamento para o poder de polícia, qual seja: o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Através deste princípio, a utilização da propriedade e o exercício da liberdade devem estar entrosados com a utilidade pública e os anseios e necessidades da sociedade. Sobre este princípio, é válido trazemos uma citação da obra de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p.66-67):

“O princípio do interesse público está expressamente previsto no artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99, e especificado no parágrafo único, com a exigência de “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei” (inciso II). Fica muito claro no dispositivo que o interesse público é irrenunciável pela autoridade administrativa”.

            Deste modo, percebemos que a autoridade administrativa não pode renunciar o interesse público e, por este motivo, todas as vezes que se tem um caso de afronta ao princípio da supremacia do interesse público, a autoridade deverá repreendê-lo através das medidas cabíveis. Para tanto, as medidas podem se mostrar preventivas, como é o caso de ordens, licenças e notificações ou se mostrarem repressivas através de medidas coercitivas.

            Diante de sua justificativa, torna-se fácil encontrarmos vários exemplos de poder de polícia espalhados pela legislação brasileira. Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, temos vários casos de limitações às liberdades individuais como no caso do direito de propriedade que deve atender a função social, ao exercício das profissões, ao direito de reunião, aos direitos políticos etc. No Código Civil Brasileiro há, como exemplo, as limitações ao direito de construir que deve respeitar os regulamentos urbanos do município e os direitos da vizinhança. E ainda há a conceituação de poder de polícia trazida pelo Código Tributário Nacional Brasileiro em seu artigo 78:

“CTN. Art. 78. “Considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único: Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.”

            Ainda, para finalizar este tópico, o doutrinador Alexandre Mazza (2012, p.267)  faz a seguinte exposição pertinente:

“A doutrina costuma tratar do conceito de poder de polícia empregando a expressão em duas acepções distintas:

Poder de polícia em sentido amplo: inclui qualquer limitação estatal à liberdade e propriedade privadas, englobando restrições legislativas e limitações administrativas.

Poder de polícia em sentido estrito: mais usado pela doutrina, o conceito de poder de polícia em sentido estrito inclui somente as liberações administrativas à liberdade e propriedades privadas, deixando de fora as restrições impostas por dispositivos legais.”

            Sobre este enfoque dado pólo doutrinador Alexandre Mazza, percebemos a importância de conhecê-lo e diferenciá-lo, mas neste presente estudo, tentaremos abordar o poder de polícia em sua maior abrangência, dando mais destaque então ao poder de polícia em sentido amplo, ao averiguarmos qualquer forma de limitação estatal ao indivíduo.

CARACTERÍSTICAS DO PODER DE POLÍCIA:

O poder de polícia apresenta algumas características que são deveras importantes de serem analisadas, sobretudo, para sua melhor compreensão. Neste aspecto, a doutrina traz como características ou atributos do poder de polícia: a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade.

Em relação à discricionariedade temos que o legislador deixa certa margem de liberdade na atuação do poder de polícia, quanto ao motivo ou ao objeto. Assim, o aplicador poderá dosar a pena, a  sua exigência ou algum outro aspecto diante do caso concreto. Por assim dizer, o aplicador terá um benefício dado pelo legislador para poder adequar a gravidade da sanção ou exigência à repercussão do fato incorrido. Entretanto, há em outras hipóteses o caso de vinculação deste poder, nos quais a lei já estabelece, previamente, todas as circunstâncias que deverão nortear a atuação do poder de polícia. Diante disso, temos que em grande parte o poder de polícia é discricionário, mas em menor abrangência o poder de polícia será ato vinculado. Desta maneira, devemos ter bastante atenção ao analisá-lo para verificar se há algum aspecto de vinculação em seu exercício, pois isto está diretamente ligado à sua validade. Sobre este cenário há uma ótima passagem de Alexandre Mazza (2010, p. 271) em sua obra:

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“De fato, a análise da maioria das hipóteses de sua aplicação prática indica discricionariedade no desempenho do poder de polícia. Todavia, é preciso fazer referência aos casos excepcionais em que manifestações decorrentes do poder de polícia adquirem natureza vinculada. O melhor exemplo é o da licença, ato administrativo vinculado e tradicionalmente relacionado com o poder de polícia. [...] pode-se asseverar, isto sim, que a polícia administrativa se expressa ora através de atos no exercício de competência discricionária, ora através de atos vinculados.”

Outra característica importante diz respeito à autoexecutoriedade, que aduz sobre a possibilidade de a própria Administração, utilizando-se de seus meios, dar execução às suas decisões, independentemente de provocação ao Poder Judiciário. Sobre esta característica é salutar trazer o esclarecimento e entendimento da doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p.120-121):

“Alguns autores desdobram o princípio em dois: a exigibilidade e a executoriedade. A exigibilidade resulta da possibilidade que tem a Administração de tomar decisões executórias, ou seja, decisões que dispensam a Administração de dirigir-se preliminarmente ao juiz para impor a obrigação ao administrado. A decisão administrativa impõe-se ao particular ainda contra a sua concordância; se este quiser se opor terá que ir a juízo.

A executoriedade consiste na faculdade que tem a Administração, quando já tomou decisão executória, de realizar diretamente a execução forçada, usando, se for o caso, da força pública para obrigar o administrado a cumprir a decisão. [...] A autoexecutoriedade não existe em todas as medidas de polícia. Para que a Administração possa se utilizar dessa faculdade, é necessário que a lei autorize expressamente, ou que se trate de medida urgente, sem a qual, poderá ser ocasionado prejuízo maior para o interesse público. [...] Em resumo, pode-se dizer que a exigibilidade está presente em todas as medidas de polícia, mas não a executoriedade.”

          Quanto à coercibilidade entende-se que esta é a possibilidade de as medidas adotadas pela Administração serem impostas de forma coercitiva, se necessário utilizando-se até do emprego de força para o seu cumprimento, nos casos em que o particular resiste impedindo a atuação do Estado. Porém, esta coercibilidade poderá ser discutida em via judicial, caso o administrado alegue ilegalidade, desvio ou excesso de poder, casos nos quais poderá ensejar a nulidade do ato ou o dever de a Administração reparar ou indenizar pelos atos sofridos pelo particular.

            Sobre as características do poder de polícia, Maria Sylvia Z. Di Pietro (2009, p. 121) traz a abordagem sobre uma quarta característica:

“Outro atributo que alguns autores apontam para o poder de polícia é o fato de ser uma atividade negativa, distinguindo-se, sob esse aspecto, do serviço público, que seria uma atividade positiva. Neste, a Administração Pública exerce, ela mesma, uma atividade material que vai trazer um benefício, uma utilidade, aos cidadãos: por exemplo, ela executa os serviços de energia elétrica, de distribuição de água e gás, de transportes etc.; na atividade de polícia, a Administração apenas impede a prática, pelos particulares, de determinados atos contrários ao interesse público; ela impõe limites à conduta individual. [...] Há que se lembrar, porém, que alguns autores consideram como inseridas no poder de polícia as obrigações de fazer impostas ao proprietário, compelindo-o a usar o imóvel de acordo com sua função social. Nesse caso, não se pode falar que o objetivo do poder de polícia seja uma abstenção, uma atividade negativa.”

ESPÉCIES DE POLÍCIA:

O poder de polícia pode ser dividido em duas espécies de atuação: a polícia administrativa e a polícia judiciária. A doutrina aponta como maior diferença entre as duas o momento de atuação, pois a polícia administrativa aponta um caráter preventivo ao impedir ações que afrontem o bem público, enquanto que a polícia judiciária apresenta um caráter repressivo, tendo em vista que tem como objetivo punir os infratores. Entretanto, esta diferença não pode ser tida como absoluta, já que a polícia administrativa pode também agir de forma repressiva. E, em relação à polícia judiciária, entende-se que ao punir o infrator, estará também atuando preventivamente no sentido de evitar que o mesmo volte a praticar a infração.

Sobre essa divisão em polícia administrativa e polícia judiciária há algumas interessantes abordagens. Para Álvaro Lazzarini apud Maria Sylvia Z. Di Pietro (2009, p. 118): “A linha de diferenciação está na ocorrência ou não de ilícito penal. Com efeito, quando atua na área do ilícito puramente administrativo (preventiva ou repressivamente) a polícia é administrativa. Quando o ilícito penal é praticado, é a polícia judiciária que age.”

Sobre esta passagem de Álvaro Lazzarini, Maria Sylvia Z. Di Pietro (2009, p.118) complementa:

“A primeira se rege pelo Direito Administrativo, incidindo sobre bens, direitos ou atividades; a segunda, pelo direito processual penal, incidindo sobre pessoas. Outra diferença: a polícia judiciária é privativa de corporações especializadas (polícia civil e militar), enquanto a polícia administrativa se reparte entre diversos órgãos da Administração, incluindo, além da própria polícia militar, os vários órgãos de fiscalização aos quais a lei atribua esse mister, como os que atuam nas áreas de saúde, trabalho, previdência e assistência social.”      

Da citação da obra de Maria Sylvia Z. Di Pietro, podemos ainda destacar os bens a que o poder de polícia recai. Portanto, o poder de polícia administrativa recairá sobre todo bem, direito ou atividade individual que tenha o condão de afetar a coletividade ou até mesmo de representar um risco para a segurança púbica. Desta maneira, toda e qualquer conduta advinda de pessoas naturais ou jurídicas, que importem em repercussões prejudiciais para a sociedade, estarão sujeitas ao poder de polícia, seja administrativo ou judiciário, seja de forma preventiva ou  de forma repressiva.

MEIOS DE ATUAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA:

            O Estado para impor o seu poder de polícia se utiliza de alguns atos, como os atos normativos e os atos administrativos. Os atos normativos representam, em geral, as leis criadas para limitar administrativamente o exercício das liberdades individuais. Enquanto que os atos administrativos representam a aplicação da lei em concreto, através de medidas preventivas como vistorias, fiscalizações, licenças ou repressivas, como interdições e apreensões.

            Sobre os atos normativos temos a passagem de Celso Antonio (2010, p. 837):

“Cabe realizar, ainda, uma diferenciação entre o poder de polícia em sentido amplo e em sentido estrito. O primeiro é conceituado como a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (“non facere”) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo.”

            Já em relação aos atos administrativos temos a passagem de Maria Sylvia Z. Di Pietro (2009, p. 119):

“Atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao caso concreto, compreendendo medidas preventivas (fiscalização, vistoria, ordem, notificação, autorização, licença), com o objetivo de adequar o comportamento individual à lei, e medidas repressivas (dissolução de reunião, interdição de atividade, apreensão de mercadorias deterioradas, internação de pessoa com doença contagiosa), com a finalidade de coagir o infrator a cumprir a lei.”

CONFRONTOS EM RELAÇÃO AO PODER DE POLÍCIA:

            Diante deste cenário gerado pela atuação do poder de polícia há a presença de alguns confrontos. O principal e mais revelador é o confronto entre a liberdade do indivíduo e a autoridade do Estado. Portanto, em diversas situações do dia a dia, observamos agentes constituídos em um poder outorgado pelo Estado exercendo funções que limitam a liberdade e a autonomia do indivíduo. Um exemplo clássico e corriqueiro deste confronto é o ato do guarda de trânsito ao multar o indivíduo por estacionar seu veículo em local inadequado.

            No exemplo supracitado, vemos que o guarda de trânsito faz o papel do agente que, devidamente constituído no poder outorgado pelo Estado, pode e deve restringir a liberdade do indivíduo ao aplicar-lhe uma multa sancionatória pelo descumprimento da regra de trânsito. Logo, resta explicitado que o indivíduo deve abrir mão do seu livre agir em benefício de toda a coletividade, por exemplo, o local para estacionamento era destinado para ambulâncias ou idosos.

Neste ínterim, não podemos dizer que a limitação à liberdade do indivíduo seja uma afronta aos seus direitos. Muito pelo contrário, esta limitação feita pelo poder de polícia, de forma proporcional e justa, gera a satisfação do bem geral, respeitando os direitos individuais e coletivos. Portanto, podemos verificar que algumas limitações são bem vindas e trazem importantes conseqüências para uma convivência harmoniosa entre o Estado, os direitos individuais e os coletivos.

LIMITES AO PODER DE POLÍCIA:

            Ante o exposto, é inegável a constatação da importância do papel do poder de polícia na sociedade. Principalmente na sociedade moderna, na qual vivemos, pois revela vários fatores que podem ser prejudiciais ao interesse público, como o respeito à função social da propriedade particular, seja urbana ou rural, o respeito às questões ambientais etc. Entretanto, este poder não poder ser utilizado de forma indiscriminada, muito pelo contrário, o poder de polícia deve ser limitado de forma a ser usado de maneira justa, proporcional e coerente aos seus objetivos.

            O principal limitador do poder de polícia é a lei, pois embora, como visto, seja um poder eminentemente discricionário, isto não autoriza a Administração a extrapolar aquilo que a lei autoriza e em alguns casos incorrer em excesso ou desvio de poder. Neste contexto é rica a afirmação de Cretella Jr apud José dos Santos Carvalho Filho (2009, p. 79) que aduz que “a faculdade repressiva não é, entretanto, ilimitada, estando sujeita a limites jurídicos: direitos do cidadão, prerrogativas individuais e liberdades públicas asseguradas na Constituição e nas leis.”

            Destarte, temos que o aparato jurídico que disponibilizamos deve ser utilizado de modo a frear qualquer tentativa de avançar e extrapolar daquilo que a lei permite e considera razoável. Assim sendo, o administrador deve estar adstrito a vontade da lei, já que sua legalidade é diferente da legalidade dos particulares, pois enquanto que os particulares podem fazer tudo aquilo que não está proibido em lei, a Administração Pública só pode fazer o que estar permitido em lei, daí temos a adstrição à lei.

            Além do sentido da legalidade, podemos trazer mais dois aspectos limitadores ao poder de polícia: a moralidade e a proporcionalidade. A moralidade, por si só, já representa um limitador natural das ações dos homens. Sendo assim, ao atuar com poder de polícia, o administrador deve agir de forma moral, que abarca a conduta de probidade administrativa. Por isso, a conduta do agente ao exteriorizar o poder de polícia deve ser manifestada de forma proba, ou seja, moral, de modo a atuar com equidade.

            Quanto à proporcionalidade, o poder de polícia deve ser manifestado de maneira a respeitar os liames da necessidade e da adequação. Em relação a isto, há a importante passagem de José dos Santos Carvalho Filho (2009, p.80):

“O princípio da proporcionalidade deriva, de certo modo, do poder de coerção de que dispõe a Administração ao praticar atos de polícia. Realmente, não se pode conceber que a coerção seja utilizada indevidamente pelos agentes administrativos, o que ocorreria, por exemplo, se usada onde não houvesse necessidade. Em virtude disso, tem a doutrina moderna mais autorizada erigido à categoria de princípio necessário à legitimidade do ato de polícia a existência de uma linha proporcional entre os meios e os fins da atividade administrativa.”

            A atuação do poder de polícia quando não respeita os seus limites, transforma-se em grande vilão para o interesse público, pois retira a eficiência e a confiança dada a um instrumento de limitação legitimado por sua condição de priorizar o coletivo versus o individual.

Outro limitador do poder de polícia diz respeito ao seu fim, ou seja, a sua finalidade de atuação. Neste sentido, o poder de polícia está restringido em função de atender ao interesse público. Neste caso, a autoridade que não visa o interesse público na utilização do poder de polícia está afrontando um de seus limites e poderá acarretar em conseqüências civis, penais e administrativas.

            Após essa análise dos limites de atuação do poder de polícia, notamos que deve haver uma adequação entre os direitos individuais assegurados na Carta Magna e o interesse da coletividade ajustado por uma boa atuação da Administração Pública. Pois o cidadão concede parcela de seus direitos visando que o Estado lhe ofereça em troca garantias como segurança, ordem, higiene, bem estar, entre outros. Sendo assim, o uso dos direitos individuais continua normal, embora relativizado em algumas circunstâncias em prol do social, porém estas restrições não autorizam nenhum tipo de abuso pela Administração Pública.

Neste diapasão, passamos a analisar a seguir os instrumentos que os cidadãos podem se valer quando tais limites não forem respeitados.

INSTRUMENTOS CONTRA OS ABUSOS NO PODER DE POLÍCIA:

            Quando ocorre o desvio ou abuso de poder, o cidadão pode se valer de algumas ferramentas para coibi-los. Em relação ao Poder Judiciário, este pode apreciar os atos administrativos em relação aos seus aspectos da legalidade e moralidade. Entretanto, entende-se que o Poder Judiciário não pode apreciar o mérito dos atos administrativos, pois isso se tornaria uma afronta à separação dos poderes.

            Logo, em relação à moralidade de um ato administrativo que exerça o poder de polícia, temos como ferramenta, que os cidadãos podem se valer contra abusos deste poder, a ação popular que visa a defesa do interesse público, estando prevista no art. 5º, LXXXIII, da CF/88. Sobre tal instrumento Gilmar Mendes (2012, p. 497) diz:

“A ação popular é um instrumento típico da cidadania e somente pode ser proposta pelo cidadão, aqui entendido como aquele que não apresente pendências no que concerne às obrigações cívicas, militares e eleitorais que, por lei, sejam exigíveis. A ação popular, regulada pela Lei n. 4.717, de 29-6-1965, configura instrumento de defesa de interesse público. Não tem em vista primacialmente a defesa de posições individuais. É evidente, porém, que as decisões tomadas em sede de ação popular podem ter reflexos sobre posições subjetivas.”

            Portanto, se aduz que a ação popular embora não possa ser utilizada para defender casos em que o poder de polícia extrapole a razoabilidade em relação à apenas um indivíduo, esta ferramenta poderá ser utilizada quando a repercussão do desvio de poder atingir muitas pessoas, tratando-se assim, de um prejuízo para a coletividade, como o que se observa por uma conduta imoral de agentes públicos se beneficiando do poder de polícia.

            Como foi dito anteriormente, o Poder Judiciário também poderá ser provocado quando os atos de polícia não respeitam a legalidade, ou seja, não respeitam os limites, condições e hipóteses impostas na lei. E em relação a esta realidade temos previsão na Carta Magna em seu artigo 5º, II, CF: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

            Mas, ainda como instrumento contra os abusos em sede de poder de polícia, existe o controle feito pela própria Administração. Essa importante característica surge do princípio da autotutela da Administração Pública. Este princípio dita que a Administração Pública tem o poder-dever de controlar seus próprios atos, assim deve revê-los e anulá-los quando houver ocorrido alguma ilegalidade. Destarte, observamos que a autotutela liga-se com a legalidade administrativa, que como dito, assevera que a Administração Pública só pode agir dentro do que a legalidade admite, portanto, qualquer ato que não siga esta legalidade deverá ser revisto e anulado.

            Sobre a possibilidade da própria Administração Pública rever seus atos, remontamos às palavras de José dos Santos Carvalho Filho (2009, p.25):

 “A autotutela envolve dois aspectos quanto à atuação administrativa: 1) aspectos de legalidade, em relação aos quais a Administração, de ofício, procede à revisão de atos ilegais; e 2) aspectos de mérito, em que reexamina atos anteriores quanto à conveniência e oportunidade de sua manutenção ou desfazimento.”

            Desta maneira, o controle feito pela Administração além de averiguar a legalidade dos atos administrativos também pode averiguar o mérito das questões. A autotutela está expressa no art. 53 da Lei nº 9.784/99: “A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos”, assim como na Súmula nº 473 do STF: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

            Assim, podemos utilizar de meios judiciais ou administrativos para invalidar atos administrativos de poder de polícia que ao invés de assegurar o interesse público representam desvios de poder prejudiciais à coletividade.

CONCLUSÃO:

            Após todo o estudo realizado, percebemos a necessidade do poder de polícia. É inegável a importância da limitação de alguns direitos individuais em benefício de toda a coletividade. Isso se mostra fundamental para toda a organização da sociedade, priorizando diversos aspectos, como a saúde pública, trânsito, higiene, bem estar social etc.

Essa limitação dos direitos individuais não quer dizer que tais direitos serão aniquilados ou desrespeitados, mas apenas relativizados em específicas situações previstas em leis. Situações estas que demonstram que os interesses individuais são englobados pelo interesse coletivo. Desta forma, em algumas situações, os indivíduos não terão uma autonomia da liberdade plena em decorrência do equilíbrio entre toda a sociedade.

            No entanto, apesar da necessidade e da importância do poder de polícia, notamos que este detém grande força, e que quando não utilizado de forma correta pode representar uma perigosa arma nas mãos dos agentes. E, devido a isto, o poder de polícia deve ser limitado, com limites em relação ao seu fim, ao modo de agir e a previsão dada em lei.

            Demonstramos aqui, então, a necessidade de uma atuação em conjunto dos cidadãos e da Administração Pública. Os cidadãos podem e devem denunciar abusos de poder, o cidadão deve está consciente de que aceita certas limitações em benefício de todos, mas não pode sofrer abusos de poder, logo deve procurar as vias adequadas para a denúncia, seja na Justiça ou na própria Administração. Já a Administração Pública deve valorizar cada vez a sua autotutela beneficiando todas as atitudes probas e revogando ou convalidando os atos que merecem ser invalidados ou revistos.

Diante disto, notamos que a discussão, o estudo sobre o poder de polícia e sua atuação está longe de ser saneada e nem deve cessar. Pois, deve ser mantido como um estudo diário da atuação da Administração, as sujeições impostas aos cidadãos e os benefícios concretos que estão sendo verificados para toda a coletividade. E que o conhecimento seja alastrado por toda a população para uma cooperação e fiscalização mútua entre cidadão e Estado a fim de beneficiar toda a sociedade em todas as suas searas.

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ROSA, Marcio Fernando Elias. Direito Administrativo – parte 1. 13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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Sobre a autora
Karina Costa Freitas

Advogada. Graduada pela Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC.

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Artigo apresentando para conclusão da pós graduação em Direito Público pela rede LFG

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