INTRODUÇÃO
O presente trabalho de pesquisa faz uma análise da forma de inclusão social e a efetivação dos direitos humanos aos reclusos em cárceres, por meio de políticas públicas direcionadas a este fim, o qual impõe ao Estado o dever da atuação, tendo em vista que este se fundamenta no princípio da dignidade humana.
O trabalho objetiva refletir sobre políticas de ressocialização, demonstrando a importância das medidas afirmativas aplicáveis aos reclusos para prepará-los à retornar ao convívio social, tornando-os, novamente, produtivos e não reincidentes em práticas delituosas, com vistas a coexistência harmônica.
Para tanto, em um primeiro momento se discutirá o papel do Estado frente à efetivação dos direitos humanos, para logo em seguida tratar da vulnerabilidade dos encarcerados dignos de respeito, pois são seres humanos e por fim, estudar ações afirmativas para aplicação em casas penitenciárias como forma de reeducação e ressocialização dos detentos.
Considerando o cenário prisional na contemporaneidade pode se afirmar que o mesmo se tornou um lugar de violência e opressão, onde a dignidade da pessoa humana só existe na lei e não na prática. Torna-se importante mostrar para os profissionais do direito que o princípio da dignidade humana existe para ser cumprido, uma vez que, todas as pessoas têm direito de viver de forma digna na sociedade. Perante essa situação, o Estado criou mecanismos para ajustar as deformações sociais, tentando incluir socialmente os menos favorecidos e, no caso em foco, os reclusos.
Neste contexto, busca-se ascender o debate acerca da importância das políticas de ressocialização como ações afirmativas, para condenados e ex- condenados, tendo-se como propósito a eliminação da inequidade. É através dessas políticas que o Estado objetiva transcender suas ações pontuais e garantir a efetivação dos direitos humanos e a cidadania, pois deve buscar a justiça social como horizonte buscando corrigir as situações em que os direitos sociais são negados.
PAPEL DO ESTADO FRENTE A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Historicamente muitos pensadores encorajam-se em construir alternativas aos múltiplos problemas que a humanidade encara. Em meio a estes se sobressaíram Heráclito, Aristóteles, Sócrates e Platão, na tentativa de ultrapassar a decomposição moral do homem e a quebra da vida tribal, com desígnio de situar uma sociedade justa, com uma política voltada a constituir um Estado que aprove as manifestações humanas, ou seja, suas demandas.
Contudo, cada cultura constrói seus princípios, o alicerce que dará base a todas as decisões a serem tomadas naquele espaço e tempo, tanto políticas quanto jurídicas, dando ênfase ao momento da experiência humana que a mesma vive. Sendo capaz por si própria, conduzir seu aperfeiçoamento para um bem estar coletivo, porquanto encontra barreiras e deve superá-las com apoio na cooperação e na solidariedade.
A sociedade na atualidade vive num momento onde as questões humanas e sociais manifestam-se como controvertidas, paradoxais e ofuscadas pelos ditames do mercantilismo. Neste cenário de liberdades, se engloba o poder de decisão de grandes empresas multinacionais que dificilmente, em suas deliberações vão atender as questões peculiares dos humanos. O que faz germinar grande reflexão e, principalmente, ressignificação e reconstrução de novos enigmas sociais.
A única via para escapar à ausência de significado em um mundo estritamente utilitário, no qual existem apenas meios e nenhum fim, de modo que o significado de algo sempre demanda algo outro, incessantemente- é recuo a subjetividade do homem como usuário, tornando então um paradoxal fim em si mesmo[1].
Este panorama de incertezas, dentre elas econômicas desperta na sociedade certo desconforto, um verdadeiro descompasso, pois, não se sabe o percurso que deve percorrer, devido às múltiplas oportunidades de escolha. Escolhas que muitas vezes, não conduzem a lugar promissor, mas são eleitos devido à facilidade de execução e comando midiático, sendo este último, apenas o porta-voz mercado.
Com o empobrecimento da sociedade e sua desestruturação cada vez mais evidente, a destruição da espontaneidade dos indivíduos tornando intercambiáveis e supérfluo a dignidade dos seres humanos, pelo qual é colocada em cheque, pois cada pessoa deve ser considerada um edificador de um mundo comum. Portanto, faz-se necessário a criação de novos modelos comportamentais e sua implementação no âmbito social, visando à criação de novos valores[2].
Quando as oportunidades são ofertadas e executadas de maneira ineficaz, causa no ambiente social diferença e principalmente alimenta um caminho de ódio entre pessoas, que mais tarde são traduzidas em um grande embate social. Essa luta entre pessoas, classes, favorece tão somente a política comandada por grandes empresas, que muitas vezes olvidam os valores humanos em detrimento dos valores econômicos.
Os seres humanos são produtores de sua própria história, mas nem sempre esta projeção de futuro conduz a uma verdadeira evolução social e humana, haja vista, as grandes interferências sofridas de toda a natureza e grau. Estas interferências, por sua vez deveriam ser filtradas pela poder do Estado, mas este se mostra ineficaz e impotente frente às pressões econômicas internacionais e principalmente de grandes empresas detentoras de um poder imensurável, capaz de gerenciar todo o sistema social.
A sociedade clama por melhores condições de vida e de oportunidades de acesso aos bens e serviços do Estado. Esse paradigma social nos dias atuais caminha de passos lentos e descompassados, devido à fragilidade do ente estatal, que se apresenta indefeso, deslocando suas decisões políticas para melhor atender a demanda das classes dominantes.
Observa-se que com o enfraquecimento da soberania estatal a desproteção social é evidente. Com isso, o sistema econômico global emerge de forma avassaladora, criando novos produtos cada vez mais perecíveis, e porque não dizer criando um homem novo consumista domesticado de acordo com as ideologias patronais de grandes operadoras de capital.
Com a ascensão culminante de grandes empresas e o florescimento do consumismo de forma exacerbada, os valores humanos estão sendo transformado em emoções humanas. Dito isso, diagnostica-se que os humanos influenciados pelos regramentos que lhe são impostos pelas redes que comandam a sociedade, usam os seus semelhantes e amam cada vez mais as coisas.
Diante das questões locupletadas é necessária a construção e reconstrução de novos paradigmas sociais, onde o cidadão se torna um ator participante das questões políticas, pois com sua colaboração é possível concretizar novas direitos no ambiente social, visto que no sistema atual o Estado está impedido de colocar esses benefícios sociais em prática devido ao transnacionalismo preponderante. Pelo qual o ser humano é considerado apenas um escravo, ou um objeto de manipulação pelo mercado devasso.
O debate acerca do papel do Estado, frente à efetivação da segurança em todos os níveis, sendo esta a função para a qual foi edificado o poder público. Assim, a questão da desigualdade social tornou-se um fenômeno pautado em diversos segmentos, sejam privados ou públicos. Dentro das disparidades sociais existem diversos tipos, entre elas: de oportunidade, de escolaridade e de renda. Assim, as ações governamentais atuais são importantes, pois servem de ponto de partida para correção das supressões de direito em uma sociedade balizada por diferenças em todos os seus segmentos e que, indubitavelmente, podem conduzir à desarmonia social.
A importância da proteção dos direitos dos seres humanos está alicerçada nas constituições democráticas de diversos Estados. A paz, por sua vez, é pressuposto para a efetiva proteção destes direitos. Não se pode falar de democracia onde não há condições mínimas para solução pacífica de conflitos[3].
O mesmo autor[4] salienta que os “direitos do homem são os que cabem ao homem enquanto homem. Direitos do homem são aqueles que pertencem, ou deveriam pertencer, a todos os homens.”
Assim sendo, o Estado Democrático de Direito, busca assegurar as conquistas modernas e resgatá-las naquilo que ainda está incumprido, enfrentando enormes dificuldades frente às transformações sociais, operadas por novas formas e perceptivas de bem estar social, ou seja, resgatar a paz.
Ainda com relação ao tema, importante asseverar que as ações afirmativas demonstram, na sua metodologia de preparação e implantação e, principalmente, em seus resultados, formas de exercício do poder político, englobando a distribuição e remanejamento do poder, com o escopo de adequar-se as necessidades das demandas sociais, visualizando o bem-estar da coletividade.
Sendo um objetivo da justiça proporcional, instaurar a igualdade de condição a todos os seres humanos, é óbvio, segundo Comparato[5] que estas somente possam ser alcançadas por meio das políticas públicas ou programas de ação governamental.
De fato, toda política pública é uma forma de intervenção nas relações sociais, esse é o entendimento de Grau apud Spengler[6] que estando sempre condicionada pelos interesses expectativas dos integrantes de tais relações. Por conseguinte, ela pode ser definida como a busca explicita e racional de um objetivo graças à alocação adequada de meios que, mediante uma utilização razoável, devem produzir consequências positivas.
Dentro da conjuntura social, muitas pessoas não possuem oportunidade de escolhas, e muito menos, espaço para poder questionar um acesso às atuais políticas. Entende-se que uma mudança de pensamento é necessária. Segundo o entendimento de Feltrin[7] “toda atenção é a de fazer com que pessoas diferentes tornem-se parte da sociedade, e tornar-se parte da sociedade quer dizer participar de sua estrutura e desempenhar nela um papel social”.
Nesse diapasão, oportuno balizar que se faz necessário dar força/poder ao vulnerável para que o mesmo sinta-se sujeito de direito e responsável pela paz social, sendo, pois uma ferramenta para um viver pacífico, podendo assim, dar sua contribuição para o desenvolvimento da comunidade.
Assim também, já se proclamou em diversas Declarações, tratados e Convenções internacionais, como é o caso da Carta de Buenos Aires sobre Bioética e Direitos Humanos[8], a qual diversos organismos governamentais e não governamentais de Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Cuba, Chile, República Dominicana, México, Paraguai, Uruguai e Venezuela assinaram a mesma. Logo, expressam o seu empenho na mudança social por meio das ações afirmativas restando apenas colocá-las em prática.
Neste sentido, com o crescente clamor da população por segurança, igualmente o aumento do número de detentos recolhidos às penitenciárias, se faz cogente o aperfeiçoamento do sistema, tendo por intento a ressocialização dos condenados, visto a sua condição de estar à margem da sociedade em qualidade de vulnerabilidade, tema este que será estudado no próximo ponto de pauta.
DA VULNERABILIDADE DOS CONDENADOS
O direito penal do inimigo utilizado como método de luta contra a criminalidade classifica os seres humanos em duas classes, ou seja, o cidadão de bem e o inimigo- o mal. Postulando separar os indivíduos pela sua periculosidade frente ao desejo de ordem na sociedade.
Ao começar uma contenda sobre o sistema criminal é muito difícil de se observar alguma pessoa falar de emprego, miséria, povo, presença estatal para propiciar condições mínimas de vida. Pelo contrário, o que se debate é quanto tempo o sujeito deve ficar afastado da sociedade, o perigo que ele representa que deve ser separado “os maus dos sujeitos de bem”.
Todavia, o sistema implantado só não é mais perverso devido aos limites que encontra na maioridade penal e na pena máxima, senão ter-se-ia casas prisionais com maior número de detidos, sem que isso significasse uma redução da criminalidade eficaz. Assim, presencia-se um direito penal que possui apenas uma dimensão simbólica, um eco da tragédia do modelo vigente e que viola direitos humanos consagrados universalmente. Recebem-na como a hedionda naturalidade.
O que se torna notório no contexto prisional são as dificuldades com a superlotação, carência de verbas, agentes penitenciários corruptos, valorização dos malandros, do poder expressado dentro das casas prisionais nas quais o dinheiro manda e o evidente "pagará" por sua infração um valor muito maior do que o delito cometido.
As classes dominantes guardam diante dos menos favorecidos pelo sistema, um desprezo vil, ou seja, um olhar de arrogância como se constituísse mera coisa ou força energética, que a qualquer momento pode ser substituída por outra. Todos são tidos como os únicos responsáveis por sua desgraça.
Em um Estado no qual se tem a supremacia do dinheiro, o uso da força para controlar a competitividade acaba por se tornar imperativa, ou seja, a concorrência aumenta o egoísmo e o individualismo, como consequência, aumenta também a violência entre os competidores.
Para exercer a competitividade em estado puro e obter o dinheiro em estado puro, o poder (a potência) deve ser também exercido em estado puro. O uso da força acaba se tornando uma necessidade. Não há outro telos, outra finalidade que o próprio uso da força, já que ela é indispensável para competir e fazer mais dinheiro; isso vem acompanhado pela desnecessidade de responsabilidade perante o outro, a coletividade próxima e a humanidade em geral[9].
Essa condição se amplia com aumento do número de pessoas desempregadas e a crescente na violência, majorando igualmente a cifra dos aprisionados. A conjuntura das penitenciárias é nefasta, cárceres superlotados, em qualidades degradantes, afetando toda a coletividade quando recebe os indivíduos que voltam desses lugares, como adentraram ou piores. Portanto, trata-se de pessoas expostas, incapazes de prevenir impactos potenciais, necessitando de interferência estatal para proteger sua condição humana.
A retórica da mudança é foco de diversos governos, todavia, sem alcançar a classe mais marginalizada da sociedade, ou seja, a mais pobre, que sofre com alto índice de desemprego, natalidade alta (principalmente mães solteiras), degradação ambiental, violência entre os membros da comunidade e tráfico de entorpecentes. Porém, indubitavelmente, tudo isto é sequela do imperialismo e da exploração de um povo classificado involuntariamente, descendentes de trabalhadores escravos, povos indígenas e de grupos separados por sua condição financeira. Um modelo típico do neoliberalismo, que agrava a desproteção social e é instituidor de insegurança, considerado por este modelo como algo natural intrínseco ao próprio processo de desenvolvimento econômico.
A ideologia dominante no sistema capitalista é a de que a pessoa é pobre devido ao seu desejo de evitar o trabalho, contudo, as práticas governamentais, até então vislumbradas, não atingem os modos de vida desenhados pela classe explorada, sua interação e sua cultura passam despercebidas. Neste contexto, a cautela pressupõe a coerência para análise do tipo de evidencia que está sendo analisado, o sujeito recluso, que pode ser refém de um sistema opressor, excludente e que não teve acesso a educação, o que pode ser o motivo maior de sua condição atual. Talvez por resistir às instituições imperiais, ou não se sentir parte delas.
Embora essas sejam as condições gerais de sobrevida da sociedade marginalizada, o processo de educação e reeducação, particularmente forte aos desfavorecidos, contestando as visões elitistas, pode salvaguardar a sociedade como um todo, tendo em vista que se aplica, de modo notável, a uma perspectiva de interação e convivência pacífica.
Assim, a imperatividade da reintegração dos detentos à sociedade, precisa ser reexaminada como forma de ajudar na recuperação do sistema esgotado, que já não serve mais para a ressocialização, necessitando de aperfeiçoamento, no que tange as condições humanas de vida, essencialmente no tocante a educação.
A vulnerabilidade aqui pode ser entendida como condições políticas do aprisionado, ou seja, não possui mínimos atributos decisórios e, por subsecutivamente isso refletirá na sua capacidade de voltar a ser um sujeito ativo, preocupado com o bem estar da sociedade, enfrentando barreiras socioculturais para expressão da liberdade e principalmente o exercício da cidadania, o que é da maior relevância. Sendo retirados estes atributos, mesmo poucos e não lhe dado à condição de retorno a sociedade no momento de sua saída. A casa de detenção é tida como local de efervescência do errado e o detido como "enjaulado" que desgraçaram seu potencial de ser humano e, por esse motivo não lhe é permitido mais viver em comunidade.
Destaca-se que a exposição ao crime, com restrições ao exercício da cidadania, somente aumenta a vulnerabilidade social dos encarcerados, tornando-a uma epidemia, sobretudo, por falta de atuação estatal e a proliferação do narcotráfico, o que aumenta a criminalidade e a degradação do sistema.
A causa deste descompasso é justamente a ordenação da sociedade, que possui uma estrutura contrária aos interesses da maioria da população, onde a massa trabalhadora sempre sangra para servir aos desígnios da massa dominante e esta última sempre está preparada para esmagar qualquer sinal de ameaça do seu reinado, ou ascensão social dos marginalizados. Faz-se necessário compreender que o presídio nada mais é que uma expressão da sociedade, com ritos e símbolos intramuros, no entanto, é um espelho do que acontece fora das celas, ou seja, reflete o ódio da sociedade contra pobre.
Neste aspecto, faz-se mister a coalizão intersetorial e interinstitucional governamental e não governamental, para levantamento de estatísticas acerca da realidade de cada local, experiências, estruturas e meios utilizados, para a partir destes, sugerir atitudes e práticas que possam engrandecer o ser humano, capaz de retornar a sociedade apto a alguma atividade que lhe gere renda e estabilidade no meio social.
De outro turno, observa-se a partir do sistema vigente que quase 80% da população carcerária é descendentes da política de combate ao narcotráfico e de pequenos delitos, ou seja, resultado de uma guerra contra as drogas. Uma política criminal que resulta em exclusão, em humilhação social crônica, onde se coloca sujeitos nas penitenciárias sob juízo de acabar com a criminalidade, quando ao contrário, a realidade mostra o crescimento destas práticas e o crime talvez seja o grito dos oprimidos.
De acordo com Santos[10] a competitividade, o consumismo, a confusão dos espíritos constituem baluartes do presente estado das coisas. Cada indivíduo briga por ordem e reclama por sua demanda, ou seja, um individualismo possessivo arrebatador que acaba por constituir o semelhante apenas como coisas. É a ideia do triunfo da vida econômica em detrimento do social, o que justifica o desrespeito ao ser humano.
As pessoas pobres são definidas na sociedade como “contrárias ao progresso, ao sistema vigente e, por isso, mereceriam sanção criminal, pois o bem material da elite deve ser protegido.” Para isso tem suas bases voltadas à punição exaustiva do ser humano considerado transgressor, embora esse castigo fuja das finalidades pretendidas, no caso, a reeducação, que acaba por piorar sua situação fática na comunidade.
No cotejo analítico e fático prisional atual, a saída para problemática pode estar na educação, sendo este um dever do Estado e que deve ser oferecido aos aprisionados de forma contínua, para que o mesmo ao sair do sistema carcerário tenha uma profissão, possa atuar na sociedade, para garantir renda à si e sua família.
Talvez o caminho possa estar num modelo simples, ou seja, o ser humano voltar a suas raízes e assumir o seu papel de humano frente aos demais, buscando construir espaços plurais e transformadores, abertos a diversidade, onde cada ser é respeitado pelo simples fato de ser humano e, logo, valorizado por isso. Não se pode desconstituir um ser humano pelo fato de o mesmo ter transgredido normas, mas fazer o possível para que ele volte a fazer parte do todo e se sinta bem no meio destes. O que impõe rupturas no movimento retilíneo da sociedade, porquanto está pervertida em suas práticas. As pessoas devem se reencontrar e buscar o que o dinheiro não compra, para deixar de ser mesquinhas.
Por conseguinte, será tratado das ações afirmativas que representam um grande desafio, pois através dela que as pessoas se tornam mais eficientes, capazes de decidir e julgar a partir de princípios e valores. Desafiar comportamentos, atitudes em um ambiente de liberdades, não depende somente de capacidade técnica, mas também, de um novo modelo de ética comportamental e princípios oriundos de uma consciência criada pela educação, responsabilidade esta assumida pelos Estados.
DAS AÇÕES AFIRMATIVAS COMO FORMA DE INCLUSÃO SOCIAL
Dentro da conjuntura social, o Estado possui forma de intervenção nas relações humanas para corrigir distorções. Assim sendo, as ações afirmativas importam um grande desafio, pois por meio delas que os indivíduos se tornam mais competentes, capazes de decidir e julgar a partir de princípios e valores. Provocar comportamentos, costumes em um ambiente de liberdades, não acoplado somente de aptidão técnica, mas também de um padrão de ética comportamental e princípios oriundos de uma consciência que brota a partir da educação do ser.
Incluso a esta conjuntura aparecem preocupações nas alocuções postas, no que tange o perecimento dos centros de referência humana que se abalaram no decorrer do sistema explorador que se instalou entre a humanidade, pois abalou o alicerce e, por conseguinte, toda a estrutura permanece comprometida, perdendo-se assim, base de um caminhar longínquo e prosperador, com dignidade e sabedoria.
É tamanha a transformação nos centros humanos, que poder ser entendido como uma perda em si, ou muitas vezes, entendida como o deslocamento e a desconcentração do indivíduo, tanto no mundo social, como no próprio sujeito.
Neste mesmo panorama, observa-se que a crise que rodeia os seres humanos é tendenciosa e contraditória, visto as identificações estarem continuamente deslocadas em direções diversas, sem que o sujeito possa seguir o seu propósito e implementar uma identidade própria que possa valorizar o eu e, consequentemente, valorizar o seu semelhante. Tudo isso, pode ser entendido como um processo de transformação humana, onde ninguém sabe o certo a sua identidade.
É incontestável que o reconhecimento humano somente funciona se for mútuo, mas para que isso posa ocorrer, é preciso ser reconhecido por alguém que reconheço como humano, ou seja, necessita-se do olhar de outra pessoa para ser visto como sujeito dotado de valor. Nesta linha, entra a importância do reconhecimento comum, entre sujeitos dotados de estima.
Apesar desse quadro exposto é possível estampar novos rumos no atual curso, procurando resgatar os valores que se dissiparam ao longo da peregrinação. Para que ocorra a concretização dos direitos humanos e suas subjetividades faz-se cogente e urgente buscar a alteridade horizontal, onde os sujeitos podem encontrar-se consigo mesmo, tornando-se seres dignos de reconhecimento, respeito, autocriador e livre de qualquer preponderância.
Pode-se afirmar que as ações afirmativas visam à implantação de uma nova concepção societária, pois implicam na democratização das oportunidades, adaptando os cidadãos a capacidade de abrir os olhos para novas condições de vida digna, provindas das referidas. As posições aqui defendidas se assemelham a teoria habermasiana vinculada à filosofia kantiana em relação ao dever de beneficência, onde a ação afirmativa seria um meio a ser empregado em benefício comum, decorrentes dos valores do respeito à humanidade, diante do desrespeito ao ser humano, da supremacia do individualismo e da opressão, com objetivo de pacificação social.
A cooperação e a solidariedade entre os conglomerados poderiam constituir possibilidades de desenvolvimento, desconstituindo as amaras sobrepostas na atualidade, dando voz aos despossuídos para que estes participem da ceia, celebrada pelo coletivo. Neste rumo negando a esperteza e ostentando a sinceridade, recusando a avareza e praticando a generosidade, principalmente com o mais necessitado, ou seja, o enfermo, o preso, o pequenino, o despossuído, o faminto e o estrangeiro.
Neste foco, o que se pretende é abrir horizontes, mostrar caminhos para uma sociedade, que apesar de livre busca o desenvolvimento, vida digna, todavia, com cada um tendo sua parcela nesta qualidade de vida em benefício da coletividade.
E é por esse motivo que as ações afirmativas abrangem um conjunto de elementos que combatem a segregação de direitos sociais, gerada por diferenças, que podem ser as mais diversas, como de classe, de cor, de sexo e principalmente de oportunidades.
Deste modo, essas ações precisam abarcar também os encarcerados, tendo em vista estarem isolados da sociedade em geral e sua visível vulnerabilidade, como explanado anteriormente, pode ser percebida como um atentado a segurança, o que precisa ser afrontado de forma direta o mais rápido possível, permeando batalhas positivas que permitam a pessoa humana sair desta situação degradante.
A grande baliza de afrontamento do problema pode ser a reeducação social, através de ensino técnico, profissionalizante e superior, igualmente aos presos, porquanto esses são oferecidos pelo Estado à sociedade em geral, também precisam ser oferecidos de maneira mais efetiva aos condenados, até com maior ênfase, em vista a habilitação do encarcerado ao mercado de trabalho, posto que assim poderá diminuir a reincidência aos crimes.
Destarte, a educação exerce papel fundamental no desenvolvimento de uma nação, sendo a fonte da inovação e das transformações da sociedade, fundamentalmente da economia e da qualidade de vida dos sujeitos da comunidade, tendo reflexos diretos na produtividade, na valorização do ser humano. No contexto do sistema prisional, poderá significar uma redução da reincidência e consequentemente da violência em geral, pois qualificará o condenado para encarar a vida em sociedade.
O momento é de por em prática as virtudes, seja individual ou coletiva, que beneficiam os menos abastado, ou seja, pensar uma forma sem corrimão de enfrentar uma sociedade fragmentada, enfraquecida que ao longo do tempo se esvaziou de certezas em seus julgamentos e porque não aduzir na questão da valorização dos seres humanos.
A educação tem um papel fundamental na construção de uma sociedade liberta e principalmente no que tange ao poder de cada ser humano crescer dentro de padrões éticos e morais, ou melhor, crescer dentro de uma realidade onde há respeito entre os semelhantes. Portanto, a mesma pode ser compreendida como meio dinâmico de ressocialização de presos e porque não dizer de bem estar da sociedade.
A identidade humana pode ser resgatada por meio da educação, tendo em vista que esta é uma descrição característica de cada pessoa que permite diferenciar um indivíduo de outro, pelas suas particularidades e subjetividades e está obscura frente ao modelo atual adotado pela sociedade.
Apesar de o modelo educacional ser inserido na vida da classe trabalhadora no século XIX com intuito de intervenção estatal para regular e assumir a educação das crianças, ela é reconhecida como forma de enfrentamento da miséria e superação do modelo paradigmático exploratório. Assim sendo, tendo em vista os avanços nas técnicas e nos recursos educacionais, na atualidade a educação objetiva construir e reconstruir um ser livre, que não apenas reproduz, mas que produza desenvolvimento e bem estar.
Daí o dilema pungente de educar o aprisionado para o enfrentamento da opressão e possivelmente da diminuição da criminalidade, mas que depende para o seu êxito, dar oportunidade para aquele que não teve em seu ambiente doméstico, proporcionando a este, uma educação libertadora e portadora de esperanças.
Destarte, as ações governamentais para construir e reconstruir uma sociedade fragmentada em pedaços, transpondo os limites naturais e individualistas, através de um processo contínuo de educar e reeducar a si próprio, para que o ser humano seja valorizado pelo simples fato de existir, com a proposta de reafirmar a cultura destruída, incorporando esperanças aos seres excluídos.
Desta forma, se construirá a realidade com o desafio permanente de controlar a natureza monocultural e exploratório do ser humano sobre seu semelhante, superando as tragédias, construindo novas sociedades através da educação.
O dilema das ações afirmativas é que estas possuem alvo específico e que talvez possam ser menosprezadas por atacar os benefícios universais, como a promoção da igualdade, entretanto, possui uma agenda mais extensa de reverter hostilidades ou injustiças praticadas que operam no âmbito dos mecanismos universais conhecidos, sendo que estão dirigidos especificamente à solucionar questões sociais pontuais compensatórias, como meio de combater cenários de segregação de seres humanos.
Esta solução poderia ser percebida no médio-longo prazo, no momento em que o condenado colocar em prática o estudo lhe fora proporcionado. Necessitará inexoravelmente, da aliança social para que possa ser o autor da transformação social no ambiente em que vive, acendendo luzes políticas pulsantes ao desenvolvimento comum, sendo um participante que aspira influir para que as pessoas encontram-se em si mesmo e se tornem mais humanas.
Por derradeiro, anota-se que maior campo de batalha do ser humano está em si mesmo, portanto, elevar o padrão crítico-reivindicatório de cada indivíduo e, por conseguinte da coletividade na soberania popular é essencial para a consolidação democrática, com um Estado justo. Um ser livre que pensa é sábio, não se deixa explorar, mas constrói uma sociedade de bem-estar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto conclui-se que os seres humanos carecem de novas garantias, especialmente no que tange ao respeito à dignidade humana, sendo esta, o sustentáculo da hegemonia da sociedade atual. O Estado somente guarda sentido quando garante os direitos humanos e é o que as ações afirmativas pretendem.
Cada ser humano, independente de sua condição deve ser considerado como um sujeito que pode dar um novo encaminhamento social, com sua capacidade de agir e dar novo sentido traduzindo isso em benefícios a coletividade que clama por mudanças.
O ser humano não deixa sua condição humana pelo simples fato de transgredir normas, mas a este devem ser oferecidas novas oportunidades para que ele volte a fazer parte do todo e se sinta bem no meio destes, podendo o mesmo contribuir para o desenvolvimento e bem estar grupal.
Pontua-se, que as ações afirmativas parecem ser injustas quando visualizadas sob foco do imediatismo, porquanto beneficiam uns e desprezam outros, porém são necessárias para promover a retribuição dos bens. Mesmo que tenha ares de prejuízo hoje, é preciso cortar na própria carne agora para evitar um mal maior à sociedade futura.
Nesse diapasão, as políticas públicas inclusivas possuem o condão de libertar sujeitos subalternos e dar voz aos despossuídos. Tendente à descolonizar e emancipar as pessoas que em virtude de carência de oportunidades não possuem acesso aos bens e serviços da nação e no caso em comento, podem ter transgredido normas, porém podem voltar a sociedade para garantia do bem estar.
Assim sendo, pode ser compreendida como uma medida temporária, mas vertebradora da cidadania, propiciando a efetivação dos direitos humanos destruídos, tanto para o aprisionado quanto para a sociedade que somente perde com as penitenciarias lotadas.
Por fim, ressalta-se que a desigualdade social é a grande vilã da criminalidade, portanto, tolerá-la é um equívoco. As pretensões das pessoas devem ser amplas o suficiente para abranger as aspirações e necessidades dos outros, pelo bem deles e pelo próprio bem estar.
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa. São Paulo: Malheiros, 2001.
CATANI, Antônio David. A ação coletiva dos trabalhadores. Porto Alegre: SM Cultura- Palmarinca, 1991.
COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
FELTRIN, Antonio Efro. Inclusão social na escola: quando a pedagogia se encontra com a diferença. São Paulo: Paulinas, 2011.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 19 ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.
SPENGLER, Fabiana Marion. A mediação comunitária como política pública em prol da cidadania. (Coleção direito, política e cidadania, 27). In: BEDIN, Gilmar Antonio (org.). Cidadania, direitos humanos e equidade. Ijuí: Unijuí, 2012.
UNESCO. Carta de Buenos Aires sobre Bioética y Derechos Humanos. Disponível em: <http://www.unesco.org.uy/ci/fileadmin/shs/redbioetica/CartaBuenosAires-RED.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2014.
NOTAS DE RODAPÉ
[1] ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013, p. 29.
[2] ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.
[3] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
[4] Ibid., op., cit., p. 17.
[5] COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
[6] SPENGLER, Fabiana Marion. A mediação comunitária como política pública em prol da cidadania. (Coleção direito, política e cidadania, 27). In: BEDIN, Gilmar Antonio (org.). Cidadania, direitos humanos e equidade. Ijuí: Unijuí, 2012, p. 69.
[7] FELTRIN, Antonio Efro. Inclusão social na escola: quando a pedagogia se encontra com a diferença. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 65.
[8] Art. 15.- Promover esta perspectiva abierta, crítica y contextualizada de la bioética, en los ámbitos académicos, cívicos y gubernamentales, donde se gesta la opinión pública o se manifiestan los criterios que luego inspiran la formulación y puesta en marcha de normas bioéticas y acciones afirmativas de derechos con estatuto legal, a nivel nacional y internacional.
[9] SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 19 ed. Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 58.
[10] SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 19 ed. Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 46- 47.