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As empresas públicas e as sociedades de economia mista e o dever de realizar concursos públicos no Direito brasileiro

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Agenda 10/08/1997 às 00:00

    5.O CONCEITO DE EMPRESA PÚBLICA E DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA E AS NORMAS LEGAIS

Uma vez obedecidos os conceitos acima delineados pela nossa lei maior para empresas públicas e sociedades de economia mista, como já dissemos anteriormente, nada impede que as nossas leis venham a disciplinar estas particulares espécies de entes da Administração Indireta com o objetivo de definir com exatidão os limites destes conceitos, os seus respectivos contornos societários e o próprio regime jurídico especial a que devem estar sujeitos.

Segundo nos parece, pela própria natureza destas pessoas anteriormente analisada, estas normas legais podem ser pertinentes a dois distintos campos do direito: o direito comercial e o direito administrativo.

O direito comercial disciplinará empresas públicas e sociedades de economia mista sob a ótica do seu próprio objeto, qual seja as regras que regulamentam a atuação destas pessoas enquanto empresas privadas (45). Caberá a ele definir a forma societária que deve ser utilizada para estas pessoas, isto é se devem ser constituídas obrigatoriamente ou não dentro das mesmas tipologias que criou para as empresas privadas comuns; a possibilidade de virem a compor o capital social de outras sociedades comerciais e a tipologia societária que assumirão as pessoas de que venham participar, além de outras regras especiais necessárias para a definição da especificidade do seu regime jurídico em face dos fins a que se destinam.

Já o direito administrativo se ocupará em disciplinar estas empresas estatais a partir da ótica dos controles que devem sobre ela recair, ou seja, na perspectiva de serem cumpridos os princípios gerais que governam todas as atividades da Administração Pública. A este campo do direito, assim, competirá disciplinar as regras que devem governar os procedimentos exigidos para a celebração de seus contratos (licitação) e para a realização de concursos públicos destinados a contratação de seus empregados; a definição das formas e procedimentos de fiscalização de seus atos pelo Poder Executivo, pelos Tribunais de Contas e pelo próprio Legislativo, ao lado de outras regras a estas pessoas impostas para o cumprimento dos princípios acima referidos.

A primeira vista poderá parecer que esta distinção entre o que as regras de direito comercial e as de direito administrativo podem fazer em relação a empresas públicas e a sociedades de economia mista seria própria apenas de um estudo teórico-especulativo, sem qualquer reflexo de natureza prática. Não é verdade. Esta distinção, pouco desenvolvida entre os autores que dentre nós cuidam do tema, tem uma importante conseqüência na realidade jurídica, a saber: a distinção entre as matérias que podem ser objeto de lei aplicável de forma nacional indistintamente às empresas públicas e às sociedades de economia mista criadas ou assumidas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e outras matérias podem ser objeto de lei federal, estadual, distrital e municipal aplicáveis, naturalmente, apenas às entidades estatais relativas ao campo federativo em que se encarta cada um destas espécies de diplomas legislativos.

De fato, como é sabido, apenas a União pode legislar privativamente sobre matérias pertinentes ao objeto do direito comercial (art. 22, I., da Constituição Federal), enquanto que as matérias atinentes ao direito administrativo, salvo expressas exceções firmadas expressamente na própria Constituição, podem ser objeto de leis federais, estaduais, distritais e municipais. Disso, por evidência, decorre que certas matérias relativas a empresas públicas e sociedades de economia mista se inserem no âmbito da competência da União para serem impostas para todo os níveis da Federação (matérias pertinentes ao direito comercial). Outras, porém, devem ser objeto de tratamento legislativo específico pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (matérias pertinentes ao direito administrativo).

Donde a relevância da distinção exposta que, como não poderia deixar de ser, fundamentará a análise que a seguir se fará do tratamento dado pela nossa lei aos conceitos de empresa pública e sociedade de economia mista.

    5. 1.As normas legais de natureza nacional e o conceito de empresa pública e de sociedade de economia mista

Exercendo a sua natural competência para legislar em assuntos de direito comercial para todo o país, cuidou a União de editar a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 ("Lei das Sociedades Anônimas"). Tendo por objeto exclusivo a disciplina das empresas a que denomina companhias ou sociedades anônimas, dedica inteiramente o seu capítulo XIX (arts. 235 a 242) à disciplina das denominadas sociedades de economia mista".

Buscando regular esta particular espécie de entidades da Administração Indireta afirma este diploma legislativo que "as sociedades anônimas de economia mista estão sujeitas a esta lei, sem prejuízo das disposições especiais de lei federal"(art. 235, caput) (grifo nosso).

Com tal determinação, trouxe o legislador uma importante conseqüência para as sociedades de economia mista de todo o país. Obrigou a todas as entidades estatais assim identificadas a se submeter, em princípio, aos ditames da "Lei das Sociedades Anônimas", e por conseguinte, a obrigatoriamente serem constituídas nesta particular forma de sociedade, ou seja, na forma de sociedades anônimas. Com isso, vedou terminantemente a possibilidade destas pessoas estatais de direito privado virem a ser constituídas, em todo o país, sob qualquer outra forma societária.

Dessa forma, tanto as sociedades de economia mista federais, como as estaduais, distritais e municipais devem obrigatoriamente ser criadas na forma de sociedades anônimas (46).

Outra alternativa não dá o nosso direito positivo.

Todavia, não cremos que esta questão relativa a obrigatória forma societária que devem tomar as sociedades de economia mista sirva em qualquer medida para delimitar o conceito destas entidades da Administração Indireta. A exemplo do que rapidamente observamos acerca da necessidade da edição de lei para a sua regular constituição, não cremos que a forma societária seja um elemento delimitador da definição ontológica destas pessoas. Trata-se, isto sim, de um requisito de regularidade para a sua existência.

Assim, se em algum ponto do país uma dada administração vier a constituir uma sociedade que possua as características conceituais indicadas pela Constituição para as sociedades de economia mista, mas esta não tiver sido criada sob a forma de sociedade anônima, isto não será suficiente para que venha a ser definida como uma sociedade comercial comum desvinculada da Administração Indireta, e não sujeita aos controles característicos impostos pelo nosso ordenamento jurídico a estas pessoas. Será uma sociedade de economia mista irregularmente constituída, para qual se imporá ou a imediata correção da sua forma societária ou a sua própria extinção.

Uma outra disposição contida na Lei nº 6.404/76, porém, tem grande relevância para a delimitação do conceito de sociedade de economia mista em âmbito nacional. Trata-se do parágrafo 2º do aludido artigo 235 desta lei.

Afirma este dispositivo que "as companhias de que participarem, majoritaria ou minoritariamente, as sociedades de economia mista, estão sujeitas ao disposto nesta lei, sem as exceções previstas neste capítulo"(grifos nossos).

O que pretende o nosso legislador com este dispositivo legal ?

Inicialmente, ao que nos parece, pretende afirmar que todas as sociedades de que participarem as sociedades de economia mista estão também necessariamente sujeitas "ao disposto nesta lei", ou seja, que devem ter obrigatoriamente a forma de sociedades anônimas e se submeter aos ditames da Lei nº 6.404/76 (47).

Mas e quando afirma que esta submissão deve se dar "sem as exceções previstas neste capítulo", qual é a sua intenção ?

Uma primeira resposta a esta indagação nos parece evidente. Pretende o legislador nesse dispositivo legal determinar que as sociedades de que participarem majoritariamente as sociedades de economia mista, jamais possam ser juridicamente definidas como sociedades de economia mista. Ou em outras palavras: as sociedades submetidas a controle de sociedades de economia mista e que possuam remanescentes acionários em mãos de particulares não devem ser qualificadas juridicamente como sociedades de economia mista, mas apenas como sociedades controladas pelo Poder Público, de modo a que não sejam consideradas como integrantes da Administração Indireta.

Poderia o legislador federal ter fixado tal regra, sem colisão com a Constituição Federal ?

Cremos que sim.

Em primeiro lugar, conforme já sustentamos anteriormente, a própria Constituição da República admite a existência de empresas dotadas de personalidade jurídica de direito privado que sejam controladas pelo Poder Público e não sejam tidas como integrantes da Administração Indireta, isto é, que juridicamente não sejam identificadas como empresas públicas ou sociedades de economia mista. Inexiste, pois, quanto a este aspecto qualquer colidência com os ditames da Constituição da República. Ao contrário: estas regras até acabam, em certa medida, por respaldar a inteligência acima exposta acerca do texto da nossa lei maior

Em segundo lugar , a definição constitucional de sociedade de economia mista apenas afirma que estas empresas devem ser necessariamente instrumentos da ação estatal, submetidas a um regime especial (apesar da sua personalidade jurídica de direito privado), e necessariamente formadas por recursos públicos e privados. Não diz, porém, o que se deve entender de forma rígida por recursos públicos ou privados, como já se frisou anteriormente.

Nesse sentido, o que fez o nosso legislador foi apenas determinar que a participação majoritária de sociedades de economia mista em uma sociedade anônima que possua remanescente acionário em mãos de particulares não qualifique juridicamente que a composição societária desta última empresa seja constituída em qualquer medida pela predominância de recursos públicos, para fins da sua definição tipológica. Os recursos de uma sociedade de economia mista na constituição majoritária de uma sociedade anônima, nestes termos, haverão de ser considerados juridicamente, para tais fins, como privados.

E, deveras, não existe nenhuma incongruência nisso. São as sociedades de economia mista pessoas jurídicas de direito privado que integram a Administração Pública. Tem a lei liberdade de afirmar que os recursos que utiliza na participação de uma empresa são públicos para os fins de proceder à qualificação tipológica desta última pessoa jurídica. Afinal, não deixa de ser a sociedade de economia mista um ente estatal. Por outro lado, também tem, sempre que lhe aprouver, a faculdade de determinar que sejam privados estes recursos por ser uma pessoa dotada de personalidade privada.

Tudo não passa de ser, no caso, uma questão de política legislativa.

Donde ter optado o nosso legislador por entender que os recursos de uma sociedade de economia mista que constituem a composição societária de uma empresa de que majoritariamente participa, e que possua remanescente acionário nas mãos de particulares, são privados para fins da definição da tipologia societária desta mesma empresa. É isto o que em boa exegese nos diz , neste particular aspecto, o dispositivo em comento.

Não vemos, nesta medida, nenhuma inconstitucionalidade neste proceder. Pode-se ver - e assim o vemos efetivamente - inconveniência e uma discutível formulação conceitual a partir da ótica da Ciência da Administração e da prática administrativa brasileira. Mas nunca ofensa a Constituição que se qualifique como capaz de invalidar os efeitos da definição em exame imposta pelo parágrafo 2º do artigo 235 da Lei nº 6.404/76 .

Assim sendo, temos que as sociedades anônimas controladas por sociedades de economia mista, e que possuam remanescente acionário nas mãos de particulares, não são conceitualmente passíveis de serem enquadradas legalmente na definição de sociedades de economia mista. Serão consideradas, para todos os fins de direito, tanto para a União, como para Estados, Distrito Federal e Municípios, como empresas controladas pelo Poder Público, mas desvinculadas da Administração Indireta (48). Sua sujeição a controles administrativos apenas se dará, por conseguinte, quanto aos dispositivos que fizerem menção a "empresas sob controle do Poder Publico" ou a expressão equivalente, e não a todos os que afirmarem a incidência destes aos entes da "Administração Indireta".

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Este mesmo dispositivo legal, porém, deixa em aberto uma outra indagação. Declara ele que ficariam sujeitas ao disposto na "Lei das Sociedades Anônimas", sem as exceções previstas no capítulo das sociedades de economia mista também as companhias de que sociedades de economia mista participem minoritariamente.

O que pretende agora o nosso legislador dizer com isso ? Que qualquer sociedade anônima, por ter uma minoritária participação de uma sociedade de economia mista perderá necessariamente a condição jurídica de ser também enquadrada como uma sociedade de economia mista ?

Não nos parece que assim seja, ao menos na extensão interpretativa indicada.

Deveras, se esta interpretação radical e extremada fosse atribuída a este comando normativo, indiscutivelmente, acabaria por encontrar óbice instransponível na própria Constituição. Com efeito, como se poderia admitir como razoável, por exemplo, um entendimento que admite que, v.g., uma sociedade anônima criada para ser um instrumento da ação do Poder Público e que cuja maioria das suas ações com direito a voto pertença a União, apesar de possuir substantiva parte do remanescente destas ações sob o domínio de particulares, venha a perder a condição de ser uma sociedade de economia mista pelo simples fato de uma dada sociedade de economia mista, na condição também de acionista minoritário, vir a possuir igualmente uma parcela das ações desta empresa ?

Haveria aqui uma evidente colidência desta interpretação com o núcleo conceitual definido na nossa Constituição para as sociedades de economia mista. Sem dúvida, uma empresa com tal composição reuniria todos os requisitos para ser qualificada como uma verdadeira sociedade de economia mista à luz dos nossos preceitos constitucionais . Primeiro, porque seria uma pessoa de direito privado criada para ser um instrumento da ação do Poder Público. Segundo, porque seria uma pessoa constituída com recursos públicos (não há como possa uma lei dizer que os recursos da União não sejam públicos) e com recursos privados (não há também como possa uma lei dizer que os recursos de particulares não sejam privados).

Realmente, se a lei pode ter alguma maleabilidade diante da omissão da Constituição em definir o que sejam recursos públicos e privados para a configuração jurídica das pessoas privadas que integram a Administração Indireta, esta relativa elasticidade não deixa de ter limites objetivos. Pode, como dito, afirmar o legislador que os recursos advindos de uma pessoa estatal de direito privado, sob certas circunstâncias, são "públicos"(porque não deixam de pertencer à Administração Pública) ou "privados"(porque pertencem a uma pessoa jurídica de direito privado). Mas nunca, em tempo algum, transfigurar o que é induvidosamente público, como os recursos oriundos de uma pessoa de direito público, em privado, ou o que é induvidosamente privado, como os recursos advindos de pessoas particulares, em público. Estes limites estão dados pela própria essência do núcleo conceitual de empresas públicas e sociedades de economia mista afirmado na nossa Constituição. Não podem ser desfigurados.

Cremos, nesta medida, que a exata inteligência que se deve dar à participação minoritária de sociedades de economia mista em outras sociedades anônimas, não é a de que essa situação afasta sempre e em qualquer caso a possibilidade de que esta empresa venha a ter a mesma qualificação de se constituir como uma sociedade de economia mista. A literalidade da afirmação legal deve ceder espaço a uma interpretação que o mais possível proceda a adequação dos seus termos ao disposto na Constituição.

O que devemos entender in casu é que dando seqüência o legislador à qualificação de privados que atribuiu aos recursos de uma sociedade de economia mista quando majoritários em uma sociedade anônima, veio a tratar esta mesma qualificação de forma variável, conforme as circunstâncias por ele valoradas.

Assim, nessa medida, no caso da maioria das ações com direito a voto de uma sociedade anônima vier a pertencer a uma pessoa de direito público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou autarquias) ou mesmo a uma empresa pública, desde que inexista remanescente acionário nas mãos de particulares, a participação minoritária na composição do seu capital pertencente a uma sociedade de economia mista não deverá ser juridicamente qualificada como privada para fins de ser configurada uma sociedade de economia mista. Sua participação será definida, nesse caso, como sendo constituída por recursos públicos, de forma a que se configure no caso não uma sociedade de economia mista, mas uma autêntica empresa pública. Este o alcance que deve ser dado ao dispositivo em comento, segundo nosso entendimento.

A participação minoritária de sociedades de economia mista em sociedades anônimas, portanto, em alguns casos, mas não em todos, serve como um parâmetro de exclusão para a não configuração desta mesma sociedade anônima em sociedade de economia mista.

Donde podermos concluir que para todos os fins de direito o caráter impositivo do artigo 235, parágrafo 2º, da lei nº 6.404/76 jamais poderá ser suficiente para encobrir as conclusões conceituais decorrentes da própria Constituição. Serve apenas para definir como empresa pública a pessoa jurídica de direito privado que tendo a participação majoritária de pessoa de direito público ou da administração Indireta venha a ter como minoritária a participação de sociedade de economia mista sem que qualquer remanescente de capital pertença a pessoas privadas.

Por fim, observemos que outros aspectos pertinentes ao regime das sociedades de economia mista são indicados pela lei nº 6.404/76. Nenhum, porém, com a característica de poder ser utilizado para a delimitação do conceito destas pessoas da Administração Indireta.

De fato, este diploma legislativo, em caráter inovador, sujeita ainda as sociedades de economia mista às normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários (art. 235, parágrafo 1º); fixa regras quanto ao direito dos acionistas na hipótese de sua aquisição por meio de desapropriação (art. 236, parágrafo único); delimita o campo de atuação destas sociedades aos empreendimentos ou atividades previstas "na lei que autorizou a sua criação"(art. 237, caput); determina que as instituições financeiras de economia mista possam participar de outras sociedades, desde que obedecidas as normas estabelecidas pelo Banco Central (art. 237,parágrafo 2º); assegura que "a pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e a responsabilidades do acionista controlador (...), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação (art. 238); impõe que tais empresas tenham obrigatoriamente "Conselho de Administração, assegurado à minoria o direito de eleger um dos conselheiros, se maior número não lhes couber pelo processo de voto múltiplo" (art. 239, caput), e ainda que "os deveres e responsabilidades" dos seus administradores sejam "os mesmos dos administradores das companhias abertas" (art. 239, parágrafo único); determina que devem ter estas empresas seu Conselho Fiscal funcionando de forma permanente (art. 240); e, finalmente, que "as companhias de economia mista não estão sujeitas a falência mas os seus bens são penhoráveis e executáveis, e a pessoa jurídica que a controla responde subsidiariamente, pelas suas obrigações" (49). Nada, pois, que possa ser utilizado como acréscimo ao já referido em relação ao conceito destas entidades estatais.

No que concerne, porém, às empresas públicas, silenciou inteiramente a lei nº 6.404/76. Não lhe exigiu a forma de sociedade anônima, nem determinou que a sua participação em outra empresa lhe retiraria necessariamente a qualidade de ser efetivamente um membro da Administração Indireta.

Podemos, portanto, concluir que em relação às empresas públicas não existe qualquer imposição legal aplicável a União, Estados, Distrito Federal e Municípios de que a sua participação majoritaria ou minoritária em outra sociedade mercantil implique necessariamente na exclusão desta última empresa da Administração Indireta, seja por poder assumir também a forma de empresa pública, seja por poder ser qualificada igualmente como uma sociedade de economia mista

5.2. As normas de direito administrativo e o conceito de empresa pública e de sociedade de economia mista

Conforme já salientado anteriormente, nada impede que normas legislativas pertinentes ao objeto do Direito Administrativo sejam estabelecidas com o objetivo de disciplinar as sociedades de economia mista e as empresas públicas.

Naturalmente, desde que respeitado o conceito constitucional de empresas públicas e de sociedades de economia mista, bem como as regras nacionais acima analisadas, nada impede que em cada âmbito da Federação, para fins de melhor precisar as formas de controle destas pessoas, as regras legais atinentes ao direito administrativo busquem melhor delimitar o campo de incidência das suas respectivas definições. Da mesma maneira, caberá a estas mesmas regras legais também o necessário detalhamento da caracterização do regime especial aplicável a estes entes da Administração Indireta, seja por buscarem dar aplicação ou melhor definição às regras constitucionais já existentes acerca dos controles a que devem estar submetidas, seja por estabelecerem novas formas de atuação deste controle.

5.2.1. As normas legislativas federais

Buscando redefinir a Administração Federal, em 25 de fevereiro de 1967, foi editado o Decreto-Lei nº 200, comumente designado pela denominação de "Reforma Administrativa Federal". Este diploma legal, como não poderia deixar de ser, dedicou alguns dispositivos ao tratamento das empresas públicas e das sociedades de economia mista.

Indispensável dizer que estes dispositivos se dirigem exclusivamente a União, não sendo em qualquer medida aplicáveis de forma obrigatória a Estados, Distrito Federal e Municípios. Seu campo material de abordagem é próprio do direito administrativo que, como visto, deve ser objeto de leis próprias de cada um destes entes.

Iniciando a análise do texto do Decreto-Lei nº 200/67, naquilo que particularmente interessa a este estudo, podemos dizer que já no seu artigo 4º tratou de dizer este diploma legal que a Administração Federal compreende a "administração direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos ministérios" e a "administração indireta", que compreende as "autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas".

Logo a seguir se ocupou no seu artigo 5º em definir cada um dos entes da Administração Indireta. E nisso, como habitualmente reconhecem os doutos, andou muito mal. Graves imprecisões, má técnica legislativa, disposições colidentes com outros mandamentos do seu próprio texto, caracterizam as definições apresentadas neste texto legislativo imposto pelo governo militar da época (50).

Mas, nos ocupemos dos conceitos de empresa pública e de sociedade de economia mista.

5.2.1.1. O conceito de empresa pública no âmbito federal

Define o Decreto-Lei nº 200/67 (51) como sendo empresa pública "a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de quaisquer das formas admitidas em direito (art. 5º, II)".

Analisemos este conceito.

De pronto a afirmação de que empresas públicas são pessoas dotadas de personalidade jurídica de direito privado, "com patrimônio próprio" e "criada por lei", não traz qualquer novidade, ao menos em face do texto da nossa vigente Constituição (52). As novidades residem, contudo, nas afirmações de que estes entes da Administração Indireta:

  1. tenham "capital exclusivo da União";
  2. sejam criadas unicamente para a "exploração da atividade econômica";
  3. possam revestir-se "de qualquer das formas admitidas em direito".

No que concerne ao "capital exclusivo da União", esta exigência legal nos conduz literalmente a falsa idéia de que em âmbito federal seria impossível a existência de empresas públicas nos casos em que a União majoritariamente detivesse capitais em conjugação com outros capitais minoritários de pessoas de direito público ou de direito privado de Estados, Distrito Federal e Municípios.

Não é, todavia, o que ocorre. O próprio Decreto-Lei nº 900, de 29 de setembro de 1969, responsável por fixar esta redação acima referida do inciso II do artigo 5º do Decreto-Lei nº 200/67 (53), desmente essa interpretação.

Com efeito, afirma o artigo 5º do Decreto-Lei nº 900/69 que "desde que a maioria do capital votante permaneça de propriedade da União, será admitida no capital da empresa pública (art. 5º, inciso II, do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967), a participação de outras pessoas jurídicas de direito público interno, bem como de entidades da Administração Indireta da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios"

Temos, pois, que no âmbito da legislação federal as empresas públicas se configuram sempre que o capital de uma pessoa jurídica de direito privado pertencer a União de forma exclusiva, ou for compartilhado, de modo a que esta possua a maioria do capital votante, com capitais oriundos de outras pessoas de direito público, ou mesmo de pessoas de direito privado integrantes da Administração Indireta de quaisquer dos entes da Federação.

Disto decorre uma conseqüência importante. Tendo deixado em aberto a Constituição da República o conceito de "recursos públicos" e de "recursos privados" para fins da conceituação jurídica dos entes de direito privado da Administração Indireta, como já se reiteradamente afirmou ao longo deste estudo, tratou a legislação federal de fixar o sentido de tais expressões para fins de melhor delimitar o conceito de empresa pública. Com isso implicitamente estabeleceu que se devem entender como "recursos públicos", para fins de qualificação jurídica de uma empresa pública controlada pela União, os remanescentes que integram o capital social de pessoa jurídica privada oriundos tanto de pessoas jurídicas de direito público como de pessoas de direito privado, desde que estas últimas integrem a Administração Indireta. Basta assim que a maioria do capital votante de uma empresa pertença a União para que o restante dos recursos que integram o seu capital social, uma vez pertençam a autarquias, a empresas públicas, a sociedades de economia mista e fundações governamentais ou estatais, sejam considerados como igualmente públicos.

Assim, uma empresa não perderá a possibilidade de ser uma autêntica empresa pública se parcela do seu capital social pertencer ao patrimônio de uma das pessoas de direito privado da Administração Indireta (empresas públicas, sociedades de economia mista ou fundações estatais ou governamentais de direito privado). Isto porque pela legislação federal, é suficiente que o restante do capital social de uma empresa cuja maioria do capital votante pertença a União esteja integrado ao patrimônio de uma pessoa da Administração, seja ela direta ou indireta, para que a totalidade dos recursos que o constituem sejam definidos como "públicos". Mesmo que estas pessoas da Administração Indireta - repita-se - sejam pessoas jurídicas de direito privado.

Nisto, aliás, existe total correspondência entre o Decreto-Lei nº 900/69 e a interpretação que acima levamos a efeito acerca do artigo 235, parágrafo 2º, da Lei nº 6404/67, no que concerne a definição de serem públicos os recursos que constituem a participação minoritária de sociedades de economia mista em sociedades anônimas controladas por pessoas de direito público ou empresas públicas (V. item 5.1., supra).

Em certa medida esta constatação nos impele a um novo e grave problema. Como devem ser identificadas à luz da legislação federal as empresas constituídas exclusivamente ou apenas com a maioria do capital votante pertencente não a União, mas a entes da Administração Indireta, na hipótese em que o remanescente deste capital venha a estar integrado ao patrimônio da própria União ou ao de qualquer outro ente da Administração Indireta federal, estadual, distrital ou municipal ?

Seguindo-se literalmente as mal talhadas letras em que se esculpiu a legislação federal em comento, não haveriam de ser estas pessoas em nenhuma hipótese conceituadas como empresas públicas. Afinal, segundo os artigos 2º do Decreto-Lei nº 200 e 5º do Decreto-Lei nº 900/67, uma sociedade só se qualificaria como "empresa pública" no caso de ter o seu capital exclusivamente integrado ao patrimônio da União, ou na hipótese da própria maioria do seu capital votante se encontrar em poder desta. Se este capital - seja exclusivamente, seja majoritariamente - estiver nas mãos de uma pessoa da Administração Indireta e não da União propriamente dita, de antemão restaria desqualificada a hipótese de estarmos diante de uma empresa pública. Mesmo que - observe-se - o remanescente do seu capital pertença a uma pessoa jurídica de direito público ou a um outro ente da Administração Indireta.

Mas estão que espécie de empresa seria esta ? Uma sociedade de economia mista ?

Impossível. Seria adequado afirmar-se, v.g., que uma autarquia federal que possuísse a maioria do capital social de uma pessoa jurídica de direito privado cujo remanescente deste capital estivesse em mãos de outra autarquia seria uma sociedade de economia mista ? Evidentemente que não, uma vez que a composição integral do seu capital, por definição seria pública. Por outro lado, seria correto afirmar-se que uma pessoa cujo capital social é controlado por uma autarquia ou por uma empresa pública e tivesse seu capital remanescente nas mãos de uma sociedade de economia mista seria uma sociedade de economia mista ? Não, por força do já analisado parágrafo 2º, do artigo 235, da Lei nº 6.404/76. E o que dizer-se ainda da empresa controlada por uma autarquia ou por uma empresa pública que tivesse o remanescente do seu capital social em mãos de uma outra empresa pública ? Dentro de uma análise sistemática e lógica, à luz das próprias respostas anteriores, seria absurdo que tivéssemos in casu uma sociedade de economia mista. A mesma ratio que motivou a configuração da resposta às duas primeiras indagações deve fundamentar também o equacionamento da solução desta nova questão.

Claro, pois, que em todos estes casos, a análise lógica do nosso ordenamento impõe que o conceito adequado para qualificar tais pessoas seja o de empresa pública. Diante da falta de comando legal explícito esta é a única possibilidade a ser logicamente admitida.

Um problema, todavia, ainda remanesce em aberto. E na hipótese da maioria do capital votante pertencer a uma sociedade de economia mista federal, ficando o remanescente submetido a titularidade de ente da Administração Indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios ? Estaríamos diante também de uma empresa pública, ou o citado artigo 235, parágrafo 2º, da Lei nº 6.404/76, a afirmaria necessariamente como uma mera empresa controlada pelo Poder Público ?

Entendemos, com a devida vênia, que deva se tratar de uma empresa pública.

Indiscutivelmente, diante de todo o exposto o parágrafo 2º do artigo 235 da Lei nº 6.404/76 tem um caráter nitidamente excepcional diante dos demais dispositivos da legislação federal em vigor. A regra é, sem dúvida alguma, que os recursos advindos de entes da Administração Indireta para a formação do capital social de uma empresa sejam considerados como públicos para fins da identificação da tipologia societária desta empresa. O artigo em referência, portanto, no que concerne às sociedades de economia mista acaba por fugir a este comando geral ao atribuir a qualificação de privados a estes recursos quando vierem a integrar majoritária ou minoritariamente uma sociedade anônima. Deve, pois, ser interpretado restritivamente.

E interpretar restritivamente no caso deve ser considerar que no caso de participação de uma sociedade de economia mista majoritariamente de uma sociedade anônima, esta última empresa não possa ser qualificada apenas como sociedade de economia mista. Apenas - repita-se -como sociedade de economia mista. Se o remanescente do capital desta empresa não pertencer a particulares, mas tão somente a pessoa privada da Administração Indireta, sua identidade deverá ser, assim, de autêntica empresa pública. O preceito legal em comento em nada obsta esta qualificação.

Desta forma, nos cabe concluir que quando diz a legislação em exame que uma empresa pública federal se configura apenas nos casos em que a União detém a exclusividade ou a maioria do capital votante, o que devemos interpretar é que tais empresas se definem juridicamente nos casos em que a Administração Direta ou Indireta detenham a exclusividade ou o controle do capital votante desta empresa privada (54), restando também o remanescente deste capital social nas mãos da Administração Direta ou Indireta da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios.

Desta forma, podemos afirmar com segurança que de acordo com a vigente legislação federal, e tomando-se por base a questão específica da composição do capital social, existem em adequada interpretação jurídica as seguintes possibilidades lógicas de configuração de uma empresa pública federal :

a) empresa constituída com capital exclusivamente da União;

b)empresa constituída com maioria do capital votante pertencente a União e o restante pertencente a autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação governamental federal, estadual, distrital ou municipal;

c) empresa constituída com capital exclusivo de ente da Administração Indireta federal;

d) empresa constituída com maioria do capital votante pertencente a ente da Administração Indireta Federal, e com o restante do seu capital pertencente a pessoa de direito público ou a ente da Administração Indireta federal, estadual, distrital ou municipal.

Quanto ao fato de afirmar também de forma literal o artigo 5º, II, do Decreto-Lei nº 200/67 que as empresas públicas são criadas para a "exploração da atividade econômica", cumpre ponderar que também aqui o legislador federal incorreu em grave imprecisão técnica. Com efeito, como é sabido e registrado por nossos doutrinadores, muitas empresas públicas foram criadas em âmbito federal para prestarem serviços públicos e não para realizarem atividade econômica. E isto, não é vedado pela Constituição da República.

Disto decorre, por conseguinte , que a expressão exploração da atividade econômica" não pode juridicamente assumir qualquer conotação restritiva à configuração das empresas públicas em âmbito federal. Tanto as entidades criadas para prestar serviços públicos como as constituídas para exercerem atividade econômica propriamente dita podem ser enquadradas no âmbito de tais entidades da Administração Indireta da União.

Finalmente, devemos examinar a determinação contida no artigo 5º, II, do Decreto-Lei nº 200/67 no sentido de que as empresas públicas podem "revestir-se de quaisquer das formas admitidas em direito".

Tal determinação se encontra inteiramente adequada aos mandamentos da Lei nº 6.404/76 ("Lei das Sociedades Anônimas"). Como já observamos anteriormente esta lei não indica nenhuma forma societária específica para as empresas públicas, contrariamente ao que estabelece para as sociedades anônimas cuja forma societária obrigatoriamente imposta é a de sociedade anônima.

Nessa medida, esta determinação da legislação federal deve ter indiscutível aceitação no âmbito da União. A administração pública federal pode livremente optar ao constituir uma empresa pública por quaisquer das formas societárias admitidas em direito.

Diante disso nos encontramos aptos a apresentar agora a definição apropriada de empresa pública federal. Formulada a partir do núcleo constitucional deste conceito, e dos complementos estabelecidos pelas normas legislativas atinentes ao campo do direito comercial e administrativo, podemos dizer que esta pode ser afirmada no sentido de que empresa pública federal é a pessoa jurídica de direito privado criada ou assumida com a exclusividade ou com a maioria do seu capital votante integrada a União ou a ente da Administração Indireta Federal, com o objetivo de ser um instrumento da ação do Poder Público na prestação de serviços públicos ou na exploração de atividade econômica, estando sempre submetida a um regime jurídico especial e tendo, necessariamente, o eventual remanescente do seu capital social pertencente a pessoa jurídica de direito público ou a ente da Administração Indireta da própria União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios. (55)

5.2.1.2. O conceito de sociedade de economia mista no âmbito federal

Também se ocupa o Decreto-Lei nº 200/67 da definição de sociedade de economia mista. Nos termos deste diploma legislativo "sociedade de economia mista é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria, à União ou a entidade da Adminitração Indireta." (art. 5º, III).

Diante do conceito decorrente da nossa Constituição para estas empresas, esta definição apresenta os seguintes aspectos inovadores para as sociedades de economia mista:

a) seriam criadas para a exploração de atividade econômica;

b) possuiriam necessariamente a forma de sociedades anônimas;

c) suas ações devem pertencer na sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.

Quanto ao fato de ser criada para a "exploração de atividade econômica", se aplica aqui o que se acabou de afirmar para as empresas públicas. Esta afirmação só pode ser interpretada como uma verdadeira imprecisão do legislador federal. A exemplo do que ocorre com as empresas públicas, sempre se admitiu a criação de sociedades de economia mista destinadas a prestação de serviços públicos. Seria descabido, por conseguinte, que a idéia do legislador fosse atribuir a esta expressão uma finalidade restritiva da identificação conceitual de tal espécie de entidades estatais (56).

Já no que concerne ao fato de que devem ser criadas na forma de sociedades anônimas, a regra sub examine se coloca em plena adequação com a anteriormente estudada norma contida no artigo 235 da Lei. Deveras, uma sociedade de economia mista dentre nós apenas poderá ser regularmente criada se for constituída na forma de sociedade anônima.

Por fim, devemos nos defrontar com o problema da composição de capitais de uma sociedade de economia mista. Diz o referido artigo 5º, III, que uma sociedade de economia mista para se configurar exige apenas que suas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à União ou a entidade da Administração Indireta.

Esta afirmação apresenta três graves problemas exegéticos.

O primeiro, e mais fácil de ser elucidado, reside na inexistência de qualificação federativa na expressão "entidade da administração indireta". Evidentemente, este diploma legislativo no dispositivo em comento só poderá estar se referindo a Administração Indireta "Federal".

Deveras, ao Decreto-Lei nº 200/67 não cabe estabelecer qualquer tipo de definições, por sua própria natureza, a qualquer outra órbita que não seja a exclusivamente federal. Assim, para que estejamos diante de uma sociedade de economia mista federal devemos entender que deseja a lei que necessariamente as ações com direito a voto de uma sociedade anônima pertençam na sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta "Federal".

O segundo problema se liga a ausência de qualquer exigência de que o remanescente acionário da sociedade de economia mista se coloque em poder de pessoas privadas comuns. Realmente, a definição em questão cuida apenas de dizer que a maioria das ações com direito a voto pertençam a União ou a entidade da Administração Indireta Federal. Mas não de dizer que as demais ações, total ou parcialmente, devem estar submetidas a titularidade privada.

Com isso, parece prescindir a legislação federal da idéia de que as sociedades de economia mista devem se caracterizar pela conjugação de capitais públicos e privados. E isto é, data maxima venia,, inaceitável.

De fato, já observamos que o núcleo constitucional do conceito de sociedade de economia mista exige de forma irretorquível que estas pessoas se configurem por meio da conjugação de capitais públicos e privados. Jamais poderiam, por conseguinte, normas inferiores à Constituição ignorar este aspecto.

Devemos, pois, entender que apesar da omissão do art, 5º, III, do Decreto-Lei nº 200/67 as sociedades de economia mista federais exigem para a sua configuração jurídica que a maioria das suas ações com direito a voto pertençam a União ou a ente da Administração Indireta Federal e que o remanescente destas ações pertençam total ou parcialmente a pessoas estritamente privadas.

Já o terceiro e último problema interpretativo não se prende a questões intrínsecas à redação do precitado dispositivo do Decreto-Lei nº 200/67. Ao contrário se liga com a sua compatibilização com o disposto no artigo 235, parágrafo 2º, da lei nº 6.404/76.

Em larga medida já analisamos nesse estudo este último dispositivo legal. Vimos que ele tem o condão de impedir que as empresas de que participarem, majoritaria ou minoritariamente, as sociedades de economia mista venham receber também esta mesma qualificação de sociedades de economia mista.

O conceito firmado no artigo 5, III, do Decreto-Lei nº 200/67 parece, todavia, marchar em outra direção, uma vez que estabelece que qualquer pessoa cuja maioria das ações com direito a voto pertença a ente da Administração Indireta Federal (onde se incluem as sociedades de economia mista federal), e que tenha o seu remanescente acionário nas mãos de pessoas privadas (por força do esclarecido acima) deva ser enquadrada como sociedade de economia mista federal.

Esta aparente antinomia, todavia, pode ser sem dificuldade resolvida.

Deveras, cumpre observar que a Lei nº 6.404/76 é posterior ao início da vigência do Decreto-Lei nº 200/67. Donde ser natural que quanto ao aspecto em referência tenha sido derrogado o artigo 5º, III, deste último diploma legislativo.

Esta é a opinião de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, com a qual concordamos, neste lanço, integralmente. Diz a conceituada administrativista ao se referir ao conceito de sociedade de economia mista firmado pelo Decreto-Lei nº 200/67 que "essa possibilidade de uma entidade da Administração Indireta ser acionista majoritária de uma sociedade de economia mista foi parcialmente derrogada pelo artigo 235, parágrafo 2º, da Lei da S.A, pois ali se diz que as companhias ´de que participarem, majoritária ou minoritariamente, as sociedades de economia mista, estão sujeitas ao disposto nesta lei, sem as exceções previstas neste capítulo; em resumo, não são consideradas sociedades de economia mista para os fins dessa lei. Se a entidade que detém a maioria do capital votante for de outra natureza, como uma empresa pública ou uma autarquia, ela não deixará de ser sociedade de economia mista e continuará a reger-se pelo capítulo que lhe é concernente" (57).

Concluímos, pois, que não devem ser consideradas como sociedades de economia mista federal as sociedades anônimas que possuírem a maioria das suas ações com direito a voto pertencentes a sociedades de economia mista federais. Serão estas pessoas consideradas como meras empresas controladas pelo Poder Público, e não propriamente como entes integrados à Administração Indireta.

Com isto, nos encontramos aptos a fornecer a definição de sociedade de economia mista federal. Partindo-se do núcleo conceitual decorrente da nossa lei maior e das normas legais federais pertinentes ao campo do direito comercial e do direito administrativo, podemos dizer que sociedade de economia mista federal é a pessoa jurídica de direito privado criada ou assumida com o objetivo de ser um instrumento da ação do Poder Público na prestação de serviços públicos ou na exploração de atividade econômica, submetida a um regime jurídico especial e constituída por ações com direito a voto que pertençam, em sua maioria, a União ou a autarquia, empresa pública ou fundação integrada a Administração Indireta Federal, de modo a que se configure também a existência de remanescente acionário em propriedade de particulares.

    5.2. O conceito de empresa controlada pelo Poder público em âmbito federal

Fixados os conceitos de empresa pública e de sociedade de economia mista em âmbito federal, cumpre que venhamos a firmar algumas breves considerações sobre o conceito de empresa controlada pelo Poder Público.

Já observamos anteriormente que a Constituição da República admite a existência de empresas que embora submetidas a controle por parte do Poder Público não estejam integradas a Administração Indireta. Naturalmente, estas empresas só podem ser configuradas enquanto entes que não se enquadram nos conceitos de empresas públicas ou de sociedades de economia mista.

Nesta medida, por tudo que restou exposto ao longo destas linhas, cremos que por empresas controladas pelo Poder Público federal devemos entender as pessoas jurídicas de direito privado que não foram criadas ou assumidas como instrumentos da ação do Poder Público, ou sendo constituídas na forma de sociedades anônimas para serem instrumento da ação estatal não integram a Administração Indireta federal, em face de possuírem a participação majoritária de sociedade de economia mista federal e remanescente acionário em propriedade de particulares.

    5.3. As normas legislativas estaduais, distritais e municipais

Indiscutivelmente, Estados, Distrito Federal e Municípios possuem competência para legislar no âmbito do direito administrativo. Por isso, nada existe a impedir que possam editar normas legais próprias objetivando a exata delimitação do conceito de empresas públicas e sociedades de economia mista no âmbito de suas respectivas esferas.

Seria despiciendo observar, todavia, que estas leis em nada podem colidir com o núcleo conceitual imposto pela Constituição da República para a definição destes entes, nem com as normas de direito comercial fixadas pela União neste campo. Deveras, como já se assinalou em relação a este último aspecto, apenas a este ente da Federação compete editar leis sobre este particular campo do direito, sendo vedado a Estados, Distrito Federal e Municípios a iniciativa de tratar legislativamente qualquer matéria a ele pertinente.

Isto posto, somos obrigados a concluir que:

a) as definições de empresas públicas e sociedades de economia mista produzidas por leis estaduais, distritais e municipais não podem, em nenhuma medida, fugir do alcance esboçado para o conteúdo destes conceitos estabelecido na nossa lei maior;

b) em hipótese alguma as leis estaduais, distritais e municipais podem pretender introduzir no conceito de sociedade de economia mista sociedades anônimas que tenham a participação majoritária de uma sociedade de economia mista. Estas empresas quando tenham o remanescente do seu capital social nas mãos de particulares deverão ser consideradas, a nível nacional, como empresas controladas pelo Poder Público e que não integram a Administração Indireta, por força do disposto no artigo 235, parágrafo 2º, da Lei nº 6.404/76;

c) em hipótese alguma as lei estaduais, distritais e municipais podem pretender definir como sociedades de economia mista empresas que tenham a participação minoritária de uma sociedade de economia mista e o seu controle societário pertencente a pessoa de direito público ou a ente da Administração Indireta, desde que inexista nesta pessoa qualquer remanescente acionário de propriedade de pessoas privadas. Estas serão obrigatoriamente qualificadas como empresas públicas, por força do disposto no mesmo artigo 235, parágrafo 2º, da Lei nº 6.404/76.

No mais, terão as leis estaduais, distritais e municipais liberdade para proceder à formulação de definições e enquadramentos que julgarem oportunos, obviamente, no estrito campo da sua competência, ou seja, no âmbito do direito administrativo.

Sobre o autor
José Eduardo Martins Cardozo

Ex-ministro da Justiça, professor de Direito Administrativo da PUC/SP e da pós-graduação da Unisantos, procurador do Município de São Paulo, ex-secretário do Governo, ex-vereador.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOZO, José Eduardo Martins. As empresas públicas e as sociedades de economia mista e o dever de realizar concursos públicos no Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 17, 10 ago. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/386. Acesso em: 15 nov. 2024.

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