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Uma visão critica ao papel ontológico da norma penal em relação às suas formas de prevenções

(seu papel social)

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"Conhecer o Direito é conhecer as normas jurídicas em seu encadeamento lógico e sistemático. As normas ou regras jurídicas estão para o Direito de um povo, assim como as células para um organismo vivo".

(Paulo Nader, in Introdução ao Estudo do Direito, 4ª ed, 1987, p. 102).


Sumário: INTRODUÇÃO;I – CONCEITUAÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO DO TEMA;I. 1. A LEI E A SOCIEDADE,1.1. Defesa social x Proteção jurídica, aspectos relevantes quanto ao papel desenvolvido pela norma em relação à sociedade.;2. A LEI E SEU PAPEL.,2. i. A busca da Justiça sob a ótica do direito positivo. ;II - A NORMA NO DIREITO PENAL.,II. 1. Os objetos protegidos sob norma penal. ,2. Formas de prevenções penais doutrinariamente aceitas.,3. A finalidade da norma em âmbito penal.;III. CONCLUSÃO.;IV. BIBLIOGRAFIA.


INTRODUÇÃO.

Vários e célebres estudos já foram realizados, por diversos autores, não só nacionais quanto estrangeiros, sobre a real natureza da norma jurídica. Tal tema já despertou acirrados e palpitantes debates no meio jurídico. O estudo sobre a real natureza da norma, transcende a barreira simplista de que se diferencia a norma penal das demais (normas jurídicas próprias), ou seja, as normas pertencentes a outros ramos do direito, conquanto o seu caráter normativo e imperativo.

Por ser o presente tema de alto valor indagativo, indubitavelmente o acesso a seu núcleo valorativo demandaria sérias e profundas análises filosóficas e sociológicas, por que não, pois a norma se diferencia, a priori, para determinada classe social, ou grupo, assimilando em sua forma características primárias daquela sociedade. Diante deste quadro distanciaria do real desiderato proposto para a realização desta monografia. Por conseguinte, para evitar nos desvirtuarmos do real propósito a realização desta, passamos a analisar somente a norma penal, o que por si só já é um desafio incomensurável, tudo sob um prisma ontológico, ou seja, a sua existência como norma em si, bastando para fixação do problema e buscando na doutrina (pátria e estrangeira) pequenas considerações que nos lance luz sobre o tema em comento.

Traçada a linha delimitadora do presente (e despretensioso) estudo, abordaremos não só a natureza da norma penal, mas empiricamente, como a norma penal serve para coibir as transgressões a ela mesma, por meios de institutos que ao invés de reprimir severamente o delinqüente ocupa-se em o educar para evitar que futuramente tal situação se conclua. Estando ciente do estreito liame que separa a ciência jurídico-penal, esta sob o prisma da reprimenda punitiva legal, da criminologia em si, corremos em inevitável risco de cair em tergiversação fadonha ao leigo do direito criminal, mas isto não será desculpa para não abordar pontos de suma importância para o presente, sendo esta a maior barreira a ser transposta no decorrer deste trabalho, mesmo assim, não podemos se escusar sob pena de recair sob o insuportável manto da omissão.

Feita esta pequena introdução, passamos a adentrar no mérito da problemática e analisar o fato propriamente dito.


I – CONCEITUAÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO DO TEMA

Há tempos que o meio jurídico se preocupa em estudar para caracterizar a real natureza da norma jurídica. Inobstante sabermos que não pode servir como base única, para tal estudo a norma em si. Ora, a norma jurídica, seja de qualquer área ou disciplina, advém de uma resposta legislativa a um certo comportamento que a sociedade pertencente aquele ordenamento jurídico, taxou como atentatório a sua formação. Nesta grosseira e simplista visão, se têm os principais pressupostos de validade da norma tradicionalmente definidos pela doutrina.

De certo, que nem todos os comportamentos humanos podem ser considerados atentatórios a ordem estabelecida, mas tão somente aqueles, em que a lei reputa como maiores agressores dos bens tutelados legalmente. Sabemos que o direito penal resguarda sob sua égide bens sociais que a lei outorga-lhes um caráter de socialmente relevantes e, qualquer agressão a estes, cabe ao Estado e, somente a este, a devida reprimenda punitiva.

Mas para que o próprio Estado cumpra seu papel, mister se faz, que o mesmo, já tenha previamente determinado; os bens relevantemente protegidos; o modo como poderá ocorrer tal agressão e; como se dará a devida reprimenda sancionadora. Tudo isso para que o Estado ao assumir o papel de guardião da sociedade haja estritamente pelos ditames que o próprio traçou evitando em incorrer em arbitrariedades ou ilegalidades contra aqueles que deveria resguardar.

Todo este intricado sistema social, como dito, deve estar previamente determinado para surgir efeitos. Por entanto, ai se insere o papel da norma jurídica lata.

Já dizia o mestre Bobbio que:

"É impossível que o Poder Legislativo formule todas as normas necessárias para regular a vida social; limita-se então a formular normas genéricas, que contêm somente diretrizes, e confia aos órgãos executivos, que são muito mais numerosos, o encargo de torná-las exequíveis" [1].

Neste sentido é de ponderar qual o órgão fiscalizador da conduta do Estado e quais são os meios que este deve utilizar-se para cumprir seu papel. Mais uma vez a resposta é a norma jurídica.

Diante das linhas supramencionadas, é de se observar que dependendo da situação fática, a norma, se apresenta com uma característica diferenciada. Podemos até fazer uma inusitada comparação entre a norma e um caleidoscópio, sendo o cristal a norma e a luz que se projeta sobre ele às situações fáticas e, os espectros coloridos que se formam como resultado da exposição do cristal à luz, a natureza da norma, ou seja, sua projeção para aquela situação. Tantas quantas forem às luzes, seram as naturezas da norma.

É com total acerto que Bobbio leciona, no sentido de ser impossível diagnosticar a norma por si só. Devendo observa-lá em conjunto com todo o ordenamento jurídico daquela sociedade para auferi-la uma natureza. [2]

I. 1. A LEI E A SOCIEDADE.

Frise-se que ao nos referirmos a norma, referimos a norma jurídica em sentido estrito - lei, pois como sabido existem normas não jurídicas. Mesmo assim, tais normas regem situações de fato e de direito.

A guisa de exemplo, as normas de conduta, ou sociais e religiosas, cuja inobservância ou suas eventuais agressões não impõe uma censura maior, uma crítica mais acentuada que uma admoestação social.

Entender o caráter da norma é de suma importância na medida de ser esta o veículo em que o Direito se perfaz. É através da norma que o Direito se cristaliza, se materializa e torna-se apto a impingir validade frente à sociedade. Mais o que é a norma? Ou em sentido estrito lei?

Não encontraremos em toda a literatura jurídica uma definição exata que abranja a imensidão deste vocábulo. Conceituá-la foi tarefa ardorosamente tentada por vários doutrinadores e renomados juristas sem que, ao certo, houvesse um consenso final nas definições apontadas.

É certo que a sociedade necessita de Leis para resguardar seus bens e estabelecer a segurança jurídica em seu âmago.

Com total acerto já diziam os romanos no adágio; "lex est quod populus atque constituit" em uma tradução livre seria que; "Lei é o que o povo ordena e constitui". Como também; "lex est commune praeceptum" (a lei é o preceito comum). Logicamente é de se promover pequenas arestas em tais conceitos para torná-los mais próximos a atual conceituação do que seria Lei, apesar de se encontrar nestas definições o cerne maior, ou seja, que a lei deve atender a vontade da população que se destina.

I.1. i. Defesa social x Proteção jurídica, aspectos relevantes quanto ao papel desenvolvido pela norma em relação à sociedade.

Tradicionalmente ao papel que o Direito exerce sobre a proteção da sociedade, existem duas correntes na doutrina clássica em acentuar o modo como se dá esta guarida pelo Direito. Indiscutível é que há uma efetiva proteção realizada pelo Direito em relação à sociedade, mas como se dá ou como se define este papel? Há duas teses sobre este enfoque; a que o Direito exerce uma Defesa social e que o papel de atuação do Direito restringe-se apenas a realizar uma Proteção jurídica.

Apesar de ser para alguns Doutrinadores como um falso dilema, distingui-las, posto que o direito penal como ciência tuteladora de valores, não pode ter outra meta a não ser prover a segurança jurídica. O cerne da questão é saber de que forma esta proteção se desenvolve e para quem esta dirigido o enfoque normativo, Zaffaroni [3] admite apenas a existência de uma proteção jurídica assumida pela norma penal, sendo esta:

"A função de segurança jurídica não pode ser entendida, pois, em outro sentido que não o da proteção de bens jurídicos (direitos), como forma de assegurar a coexistência".

Mesmo discordando daqueles que entendem ser distintas estas duas metas do direito penal, Zaffaroni [4] salienta que:

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"[...] a defesa social bem entendida não pode ser algo distinto da segurança jurídica, salvo que se entenda a primeira em sentido organicista ou antropomórfico e a segunda como um conceito puramente formal, ambas pretensões que desembocam em uma legislação que aniquila os direitos humanos, por desconhecimento de todos os limites à sua ingerência".

Damásio E. de Jesus [5] lança a seguinte lição sobre a Teoria da defesa social:

"Depois da II Guerra Mundial, surgiu um movimento no campo penal denominado a Nova Defesa Social, impulsionado por Felippo Grammatica. Noticia Cuello Calón que essa concepção rechaça a idéia de um direito penal represivo, que debe ser substituído por sistemas preventivos e por intervenções educativas e reeducativas, postulando não só uma pena para cada delito, mas uma medida para cada pessoa.

Para a Defesa Social, a pena possui três finalidades:

1.ª) não é exclusivamente de natureza retributiva, visando também a tutelar os membros da sociedade; 2.ª) é imposta para a ressocialização do criminoso; 3.ª) a máquina judiciária criminal deve ter em mira o homem, no sentido de que a execução da pena tenha conteúdo humano.

Essas idéias tiveram repercussão em todo o mundo, inclusive no Brasil, uma vez que puseram em xeque a função retributiva da pena, substituindo-a por regimes de reeducação social".

Diante disto, como bem salientar Damásio na lição supra, resta superado, estando pacificado na nossa doutrina o entendimento que a norma atua como um guardião da sociedade exercendo uma verdadeira defesa social.

I. 2. A LEI E SEU PAPEL.

Qual o papel da Lei? Delimitado a pouco a forma como o Direito resguarda à sociedade realizando uma defesa social desta, a pergunta realizada reveste-se de inteira pertinência para o estudo enfocado. A interrogação realizada, mesmo composta de poucos vocábulos desafiou e desafia qualquer estudioso da matéria jurídica, não tendo resposta segura a esta indagação - salvo melhor juízo.

Neste sentido, com acerto já dizia Paulo Nader [6]:

"O Direito não é um produto arbitrário da vontade do legislador, mas uma criação que se lastreia no querer social. É a sociedade, como centro de relações de vida, como sede de acontecimentos que envolvem o homem, quem fornece ao legislador os elementos necessários à formação dos estatutos jurídicos".

Portanto, é importante trazer à colação esta pertinente lição, para ilustrar que a sociedade busca através da Lei a aplicação da JUSTIÇA. A Lei é o instrumento pelo qual a Justiça busca atingir o seu desiderato maior. Por sermos um País cujo ordenamento jurídico se baseia em uma fusão do romano e germânico nosso maior meio de expressão legal é o escrito, que se manifesta nos Códigos e Leis [7].

Antes de incorremos no temerário mundo da Filosofia do Direito, desviando nosso norte de enfoque, com redobrada atenção cumpre-nos esclarecer que a Justiça não é uma visão utópica, uma verdade absoluta, nem mesmo um axioma completo a ponto de ser inquestionável. A Justiça que mencionamos não é a que se reveste de manto absoluto e inatingível, mas tão somente aquela que corresponde aos interesses da própria sociedade, pois tal verdade sobreleva à opinião de todos prevalecendo independentemente das opiniões contrárias. Tudo para garantir o equilíbrio social. Ademais, um certo comportamento pode parecer justo em determinada sociedade e para outra ser tida como arbitrária e imoral, o que de certo remonta à velha doutrina Kelsiana onde este taxa o ideal de Justiça como utópico e um sonho a ser alcançado.

Orlando Gomes [8] já assinalava que:

"A essência do Direito está, à evidência, no seu caráter normativo obrigatório. Direito é a norma que vige numa determinada sociedade, impondo-se, pela força da autoridade, às pessoas que a constituem".

Com inteiro acerto é a honrosa lição supra. A Justiça nada mais é, que a incessante busca de dar a cada um o que lhe é seu por direito. Conforme o brocardo Justiniano: "Justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi". Por ser o nosso Direito descendente, normativamente falando, do direito romano, a idéia de Justiça é ainda a declinada acima, pelo qual busca a Lei apenas coibir ou sanar a ofensa sofrida, devendo ser encarado o brocardo de forma a abarcar todo o conjunto de valores que possam adquirir uma relevância seja patrimonial ou moral a alguém. Longe do que pretendeu apregoar Locke, quando sustentava que só poderia haver justiça aonde houvesse patrimônio.

É diante deste quadro fático, que a norma apresenta-se para saciar a Sociedade de sua sede por Justiça. Neste sentido o prof. Paulo Nader [9] leciona:

"A Justiça se torna viva no Direito quando deixa de ser apenas idéia e se incorpora às leis, dando-lhes sentido, e passa a ser efetivamente exercitada na vida social e praticada pelos tribunais".

I. 2. i. A busca da justiça sob a ótica do direito positivo.

Para entendermos melhor como se projeta a busca da Justiça através do Direito, nos força a tecer comentários sobre o entendimento Aristotélico de igualdade ou eqüidade como forma de Justiça.

Miguel Reale [10] comenta que:

"Para o autor da Ética a Nicômaco, a equidade é uma forma de justiça, ou melhor, é a justiça mesma em um de seus momentos, no momento decisivo de sua aplicação ao caso concreto. A equidade para Aristóteles é a justiça do caso concreto, enquanto adaptada,"ajustada" à particularidade de cada fato ocorrente. Enquanto a justiça em si é medida abstrata, suscetível de aplicação a todas as hipóteses a que se refere, a equidade já é a justiça no seu dinâmico ajustamento ao caso".

Segundo Aristóteles a Justiça se bifurcaria em duas correntes próprias, denominadas: distributiva e corretiva. A primeira seria a distribuição proporcional levando-se em consideração as qualidades e méritos de cada um (proporção geométrica). A segunda dizia respeito às relações entre os homens nas quais deveriam ser levadas em consideração as iguais distribuições do que seriam objetos do acerto entre os homens (proporção aritmética).

È no dizer de Reale [11] que:

"[...]implica uma compreensão melhor da idéia de igualdade. A justiça é, em última análise, uma expressão ética do principio de igualdade. Se há a idéia de liberdade como uma das fundamentais do Direito, existe, também, completando-a, a de igualdade. Ser justo é julgar as coisas segundo o principio de igualdade".

Embora tal concepção tenha sido adotada em boa parte da Doutrina, a "régua de lesbos" [12], como se denominava exemplificadamente tal definição, a Doutrina atual tende a rejeitar tal entendimento, pois segundo o prof. Reale, Aristóteles via apenas um lado da questão, que muitas vezes não disciplina ou se aplica aos casos concretos postos a apreciação pelo julgador. Conforme aponta o próprio Reale [13]:

"Mas tanto na justiça social, como na distributiva e na comutativa, temos sempre uma proporção abstrata que não se achega ao caso particular que o administrador tenha de resolver ou o juiz deva julgar".


II - A NORMA NO DIREITO PENAL;

II. 1. Os objetos protegidos sob norma penal.

Ultrapassada a fase de discussão filosófica e adentrando ao estudo empírico da norma jurídico-penal em si, mister se faz, contudo, ainda apontar e tecer alguns comentários a certos pontos de suma importância para a conceituação e desenvolvimento deste trabalho.

Antes de adentrarmos no mérito deste, é de assinalar que cabe ao Direito Penal a proteção a bens que o Estado reputa como juridicamente relevantes, sendo o objeto primordial de existência deste, o resguardo daqueles bens.

É nos dizeres de Luiz Régis Prado [14] que:

"[...] a missão primordial do Direito Penal reside na proteção de bens jurídicos. Para lograr tal finalidade, o legislador tipifica determinados comportamentos que lesionam ou expõem a perigo de lesão semelhantes bens jurídicos. Tem-se, portanto, que o tipo penal desempenha uma função de seleção dos comportamentos relevantes".

Portanto o direito penal visa resguardar sob a sua égide bens socialmente relevantes, sejam patrimoniais ou não, que detenham valores monetários auferíveis ou não, como nos casos dos crimes contra a honra, objeto de proteção do Direito penal sem, contudo se revestirem de caráter eminentemente econômico.

O direito, como é sabido, se coloca diante dos fatos ocorridos na sociedade, julgando-os; adequados ou inadequados à convivência social. Esta função seletiva e julgadora, referida especificamente ao direito penal, está bem explicitada nas palavras de Rogério Greco e Fernando Galvão [15]:

"Além da função garantidora, podemos dizer também que ao tipo cabe uma outra, qual seja, a função de selecionar as condutas que deverão ser proibidas ou impostas pela lei penal, sob ameaça de sanção. Nesta seleção de condutas feitas através do tipo penal, o legislador, em atenção aos princípios da intervenção mínima e da adequação social, traz para o âmbito da proteção do direito penal somente aqueles bens considerados de maior importância, deixando de lado, ainda, as condutas consideradas socialmente adequadas. Desta forma a seleção das condutas a serem proibidas ou impostas caberá ao tipo penal"

Em modesto trabalho apresentado e posteriormente publicado pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) expus que:

"A dogmática penal moderna, sempre se preocupou em analisar a estrutura do direito penal como um todo, indivíduo, sociedade, crime e seus reflexos. Analisando o Direito Penal, podemos seguramente afirmar, que o mesmo, tem como escopo principal proteger um determinado objeto de uma agressão ilícita, portanto o objeto de proteção por parte do mesmo há de ser específico e determinado. O crime em uma visão lato é uma agressão a um bem tutelado pelo Estado e prevista em lei como tal" [16].

Desta feita, para cumprir seu papel de proteção e mantença da paz social, o Direito necessita ter em seu poder instrumentos hábeis que proporcionem o fiel cumprimento de suas disposições e não somente dar a sociedade que lhe outorgou esta incumbência, uma resposta platônica desprovida de real necessidade a não ser a vingança.

Embora sabedor que para uma efetivação plena e uma boa aplicação destes preceitos, não basta apenas se ter uma boa consolidação normativa, é preciso, sobretudo, uma maior interação de todos os ramos da sociedade na busca deste ideal.

A sociedade deve trabalhar em sintonia com o Direito para melhor prover reformas e aplicar as suas Leis. Não adianta se ter uma excelente teia legal, se o Estado não tiver condições de pô-las em prática, neste caso o ideal de Justiça não passará de um sonho longínquo e utópico, no melhor estilo Kantiano.

II. 2. Formas de prevenções penais doutrinariamente aceitas.

Antes de continuarmos, faz-se necessário tecer alguns comentários acerca de quais são os modos de prevenção realizados pela norma e como se interagem para alcançar satisfatoriamente sua função. Partamos do princípio de se estudar nesta oportunidade a norma conquanto seu caráter de pena, pois as antinomias desta, e suas polêmicas são indispensáveis para a compreensão dos modernos problemas do Direito Penal.

Muñoz Conde [17] resume as teorias da pena (a saber: as teorias absolutas, teorias relativas e da união).Em síntese podemos dissecar tais teorias segundo seus próprios meios de autuação e de aplicação.

Segundo a teoria absoluta que teve entre seus maiores defensores KANT, este pregoava que a pena seria apenas uma conseqüência justa e necessária para o crime perpetrado, uma imposição imperativa, até mesmo uma necessidade ética. Tal teoria baseava-se no simples fato da pena subsistir como uma conseqüência lógica contra aqueles que atentaram contra a lei, subsistindo sem qualquer outra necessidade e devia ser desprendida de qualquer outro fundamento, seria a vingança pura e simples, ou seja, poena absoluta ab effectu. São evidentes as severas críticas da doutrina sobre esta teoria.

A teoria relativa, cujo principal baluarte foi e ainda é FEURBACH, subdividia-se em duas espécies distintas, voltadas para: a prevenção especial e a teoria da prevenção geral.

Albergaria [18] sucintamente distingue estas duas subdivisões teóricas em perfeita análise:

"As teorias relativas ao fim da pena distinguem-se em teorias da prevenção especial e teorias da prevenção geral. Para as teorias da prevenção geral, o fim da pena consiste na intimidação da generalidade dos cidadões, para que se afastem da prática de crimes. Seu principal representante foi FEURBACH, que considera a pena como uma coação psicológica sobre os cidadões.

As teorias da prevenção especial consideram o fim da pena ao afastar o delinqüente da prática de futuros crimes, mediante sua correção e educação, como custódia. Seu principal representante foi VON LISZT".

Por último resta a teoria da união, como preceitua a sua própria grafia, esta se apresenta como um divisor de águas, sendo uma posição intermediária entre as duas teorias precedentes. Socorro-me, mais uma vez, da lição de Albergaria [19] para conceituá-la:

"Parte da idéia da retribuição como base, acrescentando os fins preventivos e gerais. Aparece como uma solução de compromisso na luta das escolas. Retribuição e prevenção são dois pólos opostos de uma mesma realidade, que se coordenam mutuamente, e não podem subordinar-se um ao outro.

Na teoria da união, em cada um dos estágios ou fases da pena, cumpre ela funções distintas: no momento da ameaça da pena (legislador) é decisiva a prevenção geral: no momento da execução da pena, prevalece a prevenção especial, porque então se pretende a reeducação e socialização do delinqüente".

Podemos afirmar seguramente que o sistema adotado no Brasil é a teoria da união. Doravante adentraremos mais nestas teorias para aplicá-las no entendimento sufragado neste trabalho, por ora fazia-se necessário abrir este ponto para melhor entendimento no decorrer coerencial dos fatos frêmitos.

2.i. A finalidade da norma em âmbito penal.

Para a obtenção de um ideal de Justiça, tem que se levar em conta uma intricada soma de fatores e de probabilidades. De certo, é que a Justiça não se trata de um axioma pleno, mas tal teoria posterga ao Direito como seu ideal maior.

No campo empírico, várias vezes chegamos a nos satisfazer com a idéia que a Justiça fora alcançada quando o Direito exerce eficazmente o papel a que se propõe. Como expusemos no início deixaremos de adentrar profundamente no cerne da questão, por necessitar, evidentemente de profundas indagações filosóficas sobre o assunto.

Longe de querer abarcar todas as vertentes que cruzam o assunto em apreço, postergaremos a um segundo plano na teoria de HART, acerca da norma jurídica, alguns pontos desta, pois caso não se ativermos ao tema central deste trabalho incorreríamos em profundas análises no eixo central da norma, desvirtuando, assim, do real propósito deste estudo.

Por ser o nosso sistema penal descendente próximo do germânico, é uma ciência basicamente normativa escrita, que agrega e apregoa valores a determinados bens, sem menosprezar seu papel finalista sendo basicamente detentor de um caráter abstrato. Preocupa-se, apenas, em coibir o delito enquanto fenômeno individual ou coletivo, não se preocupando com a prevenção social ou primária, como uma forma eficaz para prevenir a ocorrência de delitos.

Diante deste quadro é que incorreremos mais no seleto campo da criminologia que propriamente no Direito Penal em si. Dos grandes juristas que se preocuparam em destrinchar a cadeia normativa, destaca-se os estudos de Herbet Hart, que está para o estudo da norma jurídica, assim como o compositor clássico Paganini esta para o violino na música erudita.

Segundo a mestra paulista Lauren Paoletti Stefanini [20] este filósofo:

"[...] combate a idéia de Austin, segundo a qual a ordem jurídica é sustentada pela ameaça, afirmando que esta somente é a chave para o Direito Penal que é, por excelência, o modelo de ordem mantida pela ameaça, contudo não alcança todo o ordenamento jurídico.

Para Hart existem normas que impõem às pessoas, independentemente dos seus desejos, inclusive ignorando-os, deveres (ou obrigações) de absterem-se de uma certa conduta (definição restrita de norma primária). Tais deveres são negativos ou de abstenção.

Por outro lado, existem normas que não impõem deveres ou mesmo obrigações e que exercitam uma função social completamente diversa (norma secundária). Tais normas dão aos indivíduos a possibilidade, colocando à sua disposição oportunos instrumentos, de realização dos seus desejos.

Portanto, segundo tal filósofo, a norma primária cria um dever (é proibitiva, imperativa) e a norma secundária dá um poder (é autorizadora). O dever é uma situação jurídica passiva e o poder uma situação jurídica ativa. Ambos constituem modos de intervenção do direito nos relacionamentos dos homens entre si. Os deveres se impõem e os poderes são concedidos ou atribuídos".

Diante desta análise é de se observar que o poder que o Estado detém para impor sua vontade, deriva unicamente da norma, ameaçando aqueles com esta para evitar seu próprio desrespeito, agindo preventivamente.

Hart ao subdividir a norma jurídica em duas espécies, critica a utilização unicamente desta ameaça utilizada pelo Estado, como meio de se auto proteger, pois desrespeitando esta ameaça (norma estrita - lei) o Estado fará cumprir seu papel de guardião da sociedade aplicando ao infrator uma sanção, daí avulta neste segundo caso (ocorrência do ilícito) a característica repressiva do Estado.

Neste diapasão assentamos-nos no abalizado escólio de Carnelutti [21] que assim define as finalidades do direito penal:

"[...[ la finalidad Del derecho penal, que quiere decir la finalidad Del proceso penal, esto es, la razón por la cual al delito se hace seguir la pena, se distingue en dos fases o sectores, a los cuales convienen los nombres de prevención y de represión del delito".

Ao discorrer sobre o tema em apreço, o citado mestre, distingue estas duas finalidades da norma penal, ou seja, prevenção e punição como partes autônomas e distintas. Salientamos, a fim de não cairmos em contradição, que a finalidade maior do direito penal é assegurar a paz social, sendo a prevenção e punição derivações ou materializações utilizadas pelo Estado para fazer cumprir seu desiderato. Em poucas palavras o que se destaca da lição de Carnelutti [22]:

"Por tanto, si la finalidad Del derecho em general consiste em asegurar la paz a la sociedad, la finalidad Del derecho penal está en excluir la resolución de los conflictos de intereses mediante la guerra (y, a su vez, la finalidad del derecho civil en garantirzar un modo de resolución de los conflictos diverso de la guerra).

Reflexionando que, en cuanto está prohibida por el derecho, la guerra se convierte en delito, la finalidad del derecho penal está, pues, en excluir o en combatir el delito".

É lógico que a sociedade a que se destina a norma penal, mantém rigoroso controle desta. Atualmente é fácil observar pelos veículos de comunicação a insatisfação da sociedade com os institutos criminais pátrios. Diante desta falta de perspectiva, a solução mais rápida para atender os reclamos da sociedade que vem sendo adotado pelo legislador é exasperar as penas ou tipificar certas condutas como crimes, tudo na vã e ilusória tentativa de conter os altos índices de ocorrência de delitos.

No nosso ordenamento legal penal, temos inúmeros casos perfilhados na situação descrita supra. Basta atentarmos para as recentes alterações ocorridas no nosso Código Penal (Decreto-lei n.º 2.848 de 7.12.1941), mormente a alteração de produtos terapêuticos ou medicinais que comprovada a sua adulteração, corrupção, falsificação ou alteração enquadra-se como crime hediondo [23], tudo para dar a sociedade uma satisfação imediata aos casos surgidos à época. Nesta esteira lógica, ficou celebre o seqüestro do empresário carioca Abílio Diniz que resultou na lei n.º 8.072 de 25.7.1990, ou seja, a lei de crimes hediondos.

Nosso brilhante jurista Alberto Silva Franco [24], com bastante propriedade assim descreveu a lei dos crimes hediondos quando esta chegou como solução no início da década passada:

"sob o impacto dos meios de comunicação de massa, mobilizados em face de extorsões mediante seqüestro, que vinham vitimizando figuras importantes da elite econômica e social do país, um medo difuso e irracional, acompanhado de uma desconfiança para com os órgãos oficiais de controle social, tomou conta da população, atuando como um mecanismo de pressão ao qual o legislador não soube resistir. Na linha de pensamento da Law and Order, surgiu a Lei 8.072/90 que é, sem dúvida, um exemplo significativo de uma posição político-criminal que expressa, ao mesmo tempo, radicalismo e passionalidade.

Dissemos a pouco que para alcançarmos uma concepção jurídica aceitável de Justiça, é preciso que a Sociedade Civil, Estado e o Direito trabalhem em comunhão de ideais, como uma perfeita e bem ajustada máquina. Pois somente agindo em plena harmonia, estes elementos sociais, um subsidiando o outro, complementam suas funções atingindo o que deveriam ser as funções básicas de cada.

Ao contrário o que se observa, é que diante da desenfreada escalada da violência a sociedade esta acuada, exigindo e forçando ao Estado a utilizar do Direito somente o seu caráter repressivo, descuidado do caráter preventivo. Isto de certa forma chega a ser cômodo ao Estado, pois com medidas preventivas iria efetuar gastos maiores que com a criação de leis mais severas e de impacto imediato.

O ordenamento jurídico de um estado revela características inerentes a sociedade emanadora daquele. Data vênia aos que entendam ao contrário, o nosso ordenamento esta arraigado numa clara predileção vingativa, que propriamente falando, uma prevenção.

Ora, aqui reside o ponto nevrálgico da questão. Há tempos que já foi superada a alegação sobre a real natureza do delito, havendo inteira percepção e aceitamento a teoria de se tratar de um fenômeno social e não jurídico, como pensavam alguns, sendo destaque Lombroso.

O que difere o caráter preventivo do repressivo é a quem se dirigi a norma penal.

No primeiro caso a norma penal é dirigida àqueles que não a transgrediram, ameaçando estes com uma sanção caso atrevam-se a incorrer nas condutas expostas e tipificadas como atentatórias à sociedade. No segundo caso, visa a norma, apenas outorgar uma sanção legalmente instituída aqueles que transgrediram ou que desrespeitaram a ameaça desta.

Embora tais assertivas pareçam satisfazer aos fins que se destinam, é lógico que ambas se chocam frontalmente. Por isso na doutrina contemporânea é unânime a aceitação de uma combinação entre ambas.

Para efetuar uma distinção melhor destas finalidades, socorro-me à honrosa lição de Zaffaroni [25] quando o mesmo discorre que:

"Conforme as opiniões mais generalizadas atualmente, a pena, entendida como prevenção geral, deve ser retribuição, enquanto, entendida como prevenção especial, deve ser reeducação e ressocialização. A retribuição deve devolver ao delinqüente o mal que este causou socialmente, enquanto a reeducação e a ressocialização devem prepara-lo para que não volte a reincidir no delito. Ambas as posições costumam ser combinadas pelos autores, tratando de evitar suas conseqüências extremas, sendo comum em nossos dias a afirmação de que o fim da pena é a retribuição e o fim da execução da pena é a ressocialização (doutrina alemã contemporânea mais corrente)".

O que se cobra do Estado é que este cumpra seu papel de reeducar socialmente e, tornar apto a ingressar novamente na Sociedade, os indivíduos que de qualquer forma atentaram contra ao sistema, ajustando-os ao pleno convívio social. Daí que, frustrando a ressocialização ou reeducação do delinqüente, apenas isolando-o do convívio social, desrespeita, o Estado, o papel imposto pela norma penal, quanto ao seu dever de prevenir a ocorrência de delitos futuros daquele indivíduo que, dada a situação dos nossos presídios bem como dos cárceres como um todo, advém uma cruel realidade de ser apenas fomento ao ódio e conseqüentemente à sociedade que o isolou.

Com inteiro acerto é o que diz o mestre Paulo Lúcio Nogueira [26], senão vejamos:

"Se a sociedade precisa de meios defensivos – o que não se discute – há necessidade de que sejam criadas armas eficazes para combater a criminalidade, que não seja simplesmente a prisão, que, dada sua ociosidade e promiscuidade, só deseduca e revolta o criminoso".

Para se pensar em uma política séria de prevenção à ocorrência do delito, temos que abandonar, a priori, a definição legal de prevenção penal e partimos para uma prevenção social ou primária, como preferem alguns. Esta se consubstancia pragmaticamente falando, nas causas originárias do delito, cuidando do delinqüente antes mesmo dele assumir tal papel, ou seja, de sujeito ativo do delito, antes que este venha a suplantar sua conduta ilícita.

Ela ataca o "mal pela raiz", digamos assim. Ao contrário da prevenção penal propriamente dita, pois nesta o delito já se encontra consumado, cuidando, o Estado, apenas do agente (delinqüente) para que o mesmo não volte a reincidir. Como bem pondera Molina [27]e Flávio Gomes, ao definir esta prevenção social ou primária da criminalidade:

"[...]educação e socialização, bem-estar social e qualidade de vida são âmbitos essenciais para uma prevenção primária, que opera sempre a longo e médio prazos e se dirige a todos os cidadãos."

Sobre o autor
Cecílio da Fonseca Vieira Ramalho Terceiro

advogado criminalista, aluno da Escola Superior da Magistratura da Paraíba, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMALHO TERCEIRO, Cecílio Fonseca Vieira. Uma visão critica ao papel ontológico da norma penal em relação às suas formas de prevenções: (seu papel social). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3868. Acesso em: 24 dez. 2024.

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