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Estelionato estatístico – as mortes que o desarmamento (não) evitou.

Agenda 06/05/2015 às 23:26

Os dados fantasiosos utilizados para defender o estatuto do desarmamento contra o projeto que propõe sua reformulação.

Apresentado em abril de 2012, o Projeto de Lei 3.722, que reformula o estatuto do desarmamento, teve, apesar da elevada aprovação popular, uma tramitação discreta até o final de 2014 - talvez pela descrença no avanço da proposta, sobretudo do lado desarmamentista. Em novembro, contudo, isso mudou. Após uma audiência pública na Câmara dos Deputados, com a presença de diversos especialistas, o suporte fático da legislação atual ruiu, acendendo a luz de alerta no governo e na grande mídia a seu serviço. Desde então, o projeto tem sido alvo de incontáveis matérias, em boa parte, infelizmente, recheadas de dados fantasiosos.

Um desses dados é o que atribui ao atual estatuto uma redução de centenas de milhares de mortes. O número varia sem padrão, a depender do momento e do ambiente em que é apresentado. Já se falou em 100 mil vidas poupadas, em 200 mil e, agora, o número da vez é 121 mil, numa precisão que remete aos estudos estatísticos sérios. Mas seriedade é o que falta nessa conta.

Para chegar a esse quantitativo, utilizou-se um critério que não existe na análise da segurança pública: a projeção de homicídios. Foi calculado o ritmo de crescimento das taxas de homicídio no país até 2003, ano em cujo final se aprovou o estatuto, aplicando-o aos anos subsequentes, para estimar quantos deveriam ser os mortos e contrapor a estimativa aos registros efetivos. Neste processo, o resultado foi que, sem o estatuto, morreriam 121 mil pessoas a mais.

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A metodologia é absurda. Projetar quantidades de homicídio é como um analista esportivo afirmar que um time será campeão invicto após vencer as três primeiras partidas em um campeonato com trinta jogos. No máximo, um palpite. As determinantes para as taxas de mortalidade intencional não se resumem à lei, elas compreendem uma complexa gama de fatores essencialmente dinâmicos. Desenvolvimento humano, momento econômico, eficiência das ações repressivas e investigativas policiais, eficácia do sistema jurídico-punitivo, chance de defesa das vítimas, tudo isso influencia no número de assassinatos. E tudo isso muda. Exatamente por essa razão a análise séria de qualquer quadro de violência social se baseia em dados concretos, naquilo que foi registrado, e não no que poderia ser.

De concreto, sem nenhuma fantasia ou projeção, os mesmos números do Mapa da Violência mostram que se matou 1,36% mais no Brasil nos anos posteriores ao estatuto e que se utilizou 7% mais armas de fogo nesses crimes. O resto é adivinhação ou exercício de futurologia.

Querer atribuir ao estatuto pontuais reduções de homicídio nos anos imediatamente posteriores à sua aprovação é, além de amplamente contestável - vide as mortes por causas externas indeterminadas do DATASUS –, desconhecer o que está em seu próprio texto. A lei somente foi regulamentada em julho de 2004 e teve sua maior restrição à posse de armas vigente apenas ao final de 2009, até quando todos os proprietários puderam manter a posse delas, beneficiados pela oportunidade de recadastramento, a chamada “anistia”. E de 2009 em diante, com a plenitude do estatuto, saímos de 51 mil para 56 mil homicídios ao ano (2012). São os dados reais.

Coincidência ou não, no Código Penal o artigo 121 tipifica o crime de homicídio. Se as supostas vidas salvas foram quantificadas em sua referência, seria mais adequado dizer que foram 171 mil, pois o crime inspirador dessa conta deveria ser o estelionato.

Sobre o autor
Fabricio Rebelo

Pesquisador nas áreas Jurídica e de Segurança Pública, Coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (CEPEDES), Professor (cursos livres), Autor de "Articulando em Segurança: contrapontos ao desarmamento civil", Assessor Jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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