Com frequência dizemos em nossos trabalhos que nunca se pode perder de vista que a razão de ser (ratio essendi) do microssistema de proteção do consumidor, em especial do Código de Defesa do Consumidor é a vulnerabilidade desse sujeito da relação jurídica de consumo perante o fornecedor de produtos e serviços.
No ano de 1985, a 106ª Sessão Plenária da ONU estabeleceu, através da Resolução nº 39/248, o Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor, reconhecendo-o como a parte mais fraca na relação de consumo, e por isso tornando-o merecedor de tutela jurídica especial, exemplo esse que foi seguido pelas principais legislações consumeristas do mundo, inclusive pela brasileira.
Nada obstante o reconhecimento da vulnerabilidade de todos os consumidores, há grupos que demonstram uma fragilidade ainda maior nas relações de consumo, isto é, pessoas ainda mais vulneráveis à atuação do fornecedor. São os chamados consumidores hipervulneráveis, isto é, aqueles que, em razão de sua especial condição, ficam ainda mais expostos às práticas comerciais, à periculosidade e nocividade de certos produtos, a abusos, enfim, à toda atividade desempenhada pelos fornecedores no mercado de consumo. Esse grupo de consumidores hipervulneráveis é composto, v.g., por idosos, crianças, pessoas portadoras de necessidades especiais, deficientes mentais, analfabetos e semi-analfabetos, enfermos, pessoas sensíveis ao consumo de certos produtos, enfim, quais quer pessoas que se revelem mais fracas em razão de sua especial condição física ou psíquica.
Sobre a matéria, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, um dos maiores consumeristas do Brasil, e hoje ministro do STJ, teve a oportunidade de se manifestar, ao proferir voto no REsp 586.316/MG. Destacam-se alguns trechos, conforme transcrição abaixo:
“Ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis, mas sobretudo os hipervulneráveis, pois são esses que, exatamente por serem minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a massificação do consumo e a ‘pasteurização’ das diferenças que caracterizam e enriquecem a sociedade moderna.
(...)
O Código de Defesa do Consumidor, é desnecessário explicar, protege todos os consumidores, mas não é insensível à realidade da vida e do mercado, vale dizer, não desconhece que há consumidores e consumidores, que existem aqueles que, no vocabulário da disciplina, são denominados hipervulneráveis, como as crianças, os idosos, os portadores de deficiência, os analfabetos e, como não poderia deixar de ser, aqueles que, por razão genética ou não, apresentam enfermidades que possam ser manifestadas ou agravadas pelo consumo de produtos ou serviços livremente comercializados e inofensivos à maioria das pessoas.
O que se espera dos agentes econômicos é que, da mesma maneira que produzem sandálias e roupas de tamanhos diferentes, produtos eletrodomésticos das mais variadas cores e formas, serviços multifacetários, tudo em atenção à diversidade das necessidades e gosto dos consumidores, também atentem para as peculiaridades de saúde e segurança desses mesmos consumidores, como manifestação concreta da função social da propriedade e da ordem econômica ou, se quiserem, uma expressão mais em voga, de responsabilidade social.”
No âmbito da proteção civil do consumidor, o CDC prevê no art. 39, IV, como abusiva a prática do fornecedor que “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços” (art. 39, IV).
Dentro desse universo de consumidores hipervulneráveis, outro exemplo clássico é exatamente o do consumidor-turista, que, por se encontrar fora das cercanias onde normalmente vive, fica ainda mais exposto às práticas comercias que lhe são estranhas, isto é, que não fazem parte do seu dia a dia, inclusive às práticas abusivas de fornecedores de produtos e serviços. Diz-se, por isso, que o consumidor turista também é hipervulnerável.
Quando viaja, o turista fica exposto a um ambiente completamente diferente do que está acostumado, exposto a práticas que lhe são, na maioria dos casos, estranhas, que nem de longe se parecem com o que vivenciam no país de origem. Não raro, esse universo diferente envolve, principalmente, questões de ordem comunicacional, em que o turista, a todo o momento, se vê às voltas com uma língua muitas vezes desconhecida ou, na melhor das hipóteses, pouco praticada.
Sobre o tema, a professora e defensora pública Amélia Rocha tem a seguinte lição:
“O consumidor-turista é um exemplo de consumidor com uma vulnerabilidade diferenciada, já que o produto adquirido tem um ‘prazo de validade’, precisa ser consumido naquele determinado período de férias ou feriado; e, por consequência, tal consumidor acaba se submetendo com mais facilidade a eventuais abusos.
(...)
Lazer não combina com litígios ou problemas, de modo que o respeito aos direitos do consumidor turista acaba sendo um diferencial positivo do destino turístico (In http://www.opovo.com.br/app/colunas/ameliarocha/2012/10/20/noticiasameliarocha,2939933/consumidor-turista.shtml).
Acresça-se a isso o fato de que, frequentemente, o turismo visa exatamente o consumo (turismo de consumo), em que muitos consumidores viajam atraídos pelas facilidades de aquisição de bens de consumo por preços mais atraentes do que os praticados no seu país de origem. Daí se vê que, em muitos casos, o turismo tem apelo consumista, fato capaz de expô-lo ainda mais a situações de abusividade por parte do fornecedor.
Destarte, não há dúvidas de que a vulnerabilidade do consumidor-turista é agravada no ambiente estrangeiro, por isso dizendo-se que se torna um sujeito hipervulnerável.
Por fim, esclareça-se que o presente texto apresenta apenas breves linhas sobre o tema, o qual aprofundaremos oportunamente.