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Sociologia e Direito: duas realidades inseparáveis

Agenda 01/02/1999 às 00:00

Existe um ramo da Sociologia Geral, denominado de Sociologia Jurídica que tenta perceber a relação existente entre duas ciências de grande importância para a vida da sociedade, por tratarem das relações, dos conflitos, das normas, do controle, enfim, de todas as ligações que possam surgir entre os indivíduos e que necessite de um regulador.

A Sociologia, pode ser descrita como uma ciência positiva que estuda a formação, transformação e desenvolvimento das sociedades humanas e seus fatores, econômicos, culturais, artísticos e religiosos, enfim possui uma vasta acepção. Já o Direito pode ser vislumbrado como uma ciência normativa, que estabelece e sistematiza as regras necessárias para assegurar o equilíbrio das funções do organismo social. Diante disto percebe-se que é de fundamental importância o aprofundamento deste estudo e a percepção que se deve ter do real sentido existente entre a Sociologia e o Direito, como ciências essenciais que o são.

As relações humanas no período helênico eram vistas ou como preceitos religiosos ou como teorias do direito. Por exemplo, pensadores helênicos como Platão, que escreveu "A República" e Aristóteles, que escreveu "A Política", foram os primeiros a sistematizar e a encarar os problemas sociais separadamente da religião, porém, ligando-os à política e à economia. Santo Agostinho, que teve como obra "A cidade de Deus", apresentou idéias e análises básicas para as modernas concepções jurídicas e até sociológicas.

Na Idade Média Européia o cristianismo traçou regras de conduta que deveriam ser obedecidas, por ser este dominante na época. Durante a Renascença surgiram obras que propunham normas entrosadas com a política e a economia. No séc. XVIII, apareceram obras de grande valor no campo da política, economia e sociologia.

Portanto, percebe-se que houve sempre uma tentativa, com relação aos estudos sociológicos, de se analisar as modificações que ocorreram na sociedade, seus conflitos e conseqüências. O objeto da Sociologia é exatamente este, examinar os fenômenos coletivos, através de teorias e métodos próprios. Muitas teorias surgiram para que se tivesse uma visão mais objetiva da sociedade, de sua formação, de sua estrutura, mas, esta sofre mutações todos os dias e necessário se faz que a Sociologia seja bastante dinâmica para acompanhar este processo. Esta ciência, que possui um objeto de estudo tão complexo, engloba em suas análises a relação existente entre a sociedade e as outras ciências, no que diz respeito às influências que estas acarretam para a mesma e as transformações que geralmente ocorrem ao se correlacionarem.

O homem é um ser social por natureza, isto pode ser percebido ao se analisar a sua constituição física, que o leva a relacionar-se com outro ser de sua espécie, para que este possa reproduzir-se, criando assim a base da sociedade, que é a família. A partir desta, ele irá começar a exercitar a sua sociabilidade iniciando suas atividades em grupos sociais maiores, como o do seu bairro, o da escola e etc.

Ao ingressar na sociedade o indivíduo terá que adaptar-se às normas que a mesma impõe. Estas, podem ser de acordo com a moral social ou com a lei, divergindo com relação ao tipo de conduta. O comportamento considerado como um desvio de conduta terá sanções que podem ser repressivas, excludentes e se a infração estiver prevista na lei, estas serão objeto do direito. Pode-se citar como exemplo um indivíduo que faça parte de um grupo religioso e que venha a trair a sua esposa, o mesmo sofrerá uma sanção de repressão do grupo, uma vez que este grupo social condena essa conduta, podendo o mesmo ser até expulso ou mesmo responder a um processo judicial.

Diante disto, percebe-se que o homem durante toda a sua vida social irá submeter-se a regras, sejam estas impostas por um grupo social ou pelo Estado. Daí surge a ligação entre a Sociologia e o Direito, que é expressa desde a mais simples das relações sociais, podendo ser vislumbrada até mesmo num jogo entre crianças, onde há regras a serem cumpridas para que não haja conflitos. Percebe-se pois, que na sociedade existem vários tipos distintos de grupos sociais e estes caracterizam-se basicamente pelas normas que impõem, e os indivíduos escolhem o grupo do qual queiram participar de acordo com a doutrina de cada um, pois, se o mesmo discorda das regras do grupo este será rapidamente banido. A moral de cada grupo é rigorosamente respeitada, chegando a ter mais força do que a própria lei, inclusive o indivíduo que responde a um processo judicial, seja ele criminal ou não, geralmente sofre discriminação pelo seu grupo social.

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A sociedade possui vários modos de conduta coletiva, entre elas, a que mais se destaca são os usos e os costumes. Recaséns distingue os usos dos costumes, estes exercendo uma simples pressão ou uma certa obrigatoriedade, reservando a designação de hábitos sociais para os usos não normativos. Existem várias teorias que tentam diferenciar as diversas normas existentes na sociedade, como o direito, a moral, as normas de trato social, normas técnicas, religiosas, políticas, higiênicas e etc., porém, esta não é uma tarefa das mais fáceis, pois, vários fatores influenciam nesta diferenciação, entre eles a própria convicção de cada grupo.

Para Recaséns a moral tem por sujeito o homem individual, que esta orienta no sentido de sua vida autêntica, já o direito refere-se ao eu socializado, que procura regular no sentido que convenha à convivência humana em dada sociedade. A sociologia do direito fala da moral coletiva como fato social e não da moral individual, em que o indivíduo é o próprio legislador. O objeto da sociologia jurídica de Recaséns é o direito em sua projeção de fato social. A sociologia jurídica é uma ciência generalizadora, ou seja, que procura elaborar leis gerais sobre essa íntima relação entre sociedade e direito, cabendo a esta ciência estudar os processos sociais que levam ao direito e os efeitos que o direito causa na sociedade.

A Sociologia Jurídica surge exatamente para perceber as conseqüências dos tipos de norma de conduta social que são impostas pelos grupos sociais e estudá-las. Pode ser considerada, ainda, como o estudo do direito, este comportando-se como um agente de controle de uma sociedade onde há conflitos entre os que possuem algo e os que nada possuem. A Sociologia Jurídica é uma ciência muito jovem, estando, ainda, numa fase de discursar sobre problemas metodológicos. Para Gurvitch, os pensadores Aristóteles, Hobbes e Spinoza, são os precursores da Sociologia Jurídica, mas é com Montesquieu, Maine e Durkeim que a Sociologia Jurídica, se forma como ciência autônoma. Atualmente a Sociologia Jurídica possui várias barreiras que impedem uma melhor compreensão desta ciência, entre elas pode-se citar o opacidade da linguagem dos códigos e a impenetrabilidade da ciência jurídica, estas levam ao desinteresse por parte dos sociólogos de estudar o direito, portanto necessário se faz que haja algumas mudanças para que se possa abordar melhor a sociologia jurídica.

Pode-se compreender como conceito de Sociologia Jurídica, uma parte da Sociologia que percebe o Direito como fenômeno social, ou sociocultural, estudando os fatores de sua transformação, desenvolvimento e declínio. A Sociologia Jurídica possui como objetivo, ao estudar estes fatores, estabelecer idéias gerais obre a genética do Direito, comparar e indicar as relação existentes entre o direito e as estruturas sócio-culturais, bem como, explicar as bases das idéias e instituições jurídicas.

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Portanto, nota-se que a Sociologia Jurídica não se desprende da Sociologia Geral por enfocar, sempre, a conseqüência do direito na sociedade e desta no próprio direito.

A escola sociológica francesa, de Durkeim, aprofundou os seus estudos no fato de ser o direito dependente da realidade social. Montesquieu, no séc. XVIII, já havia, antes desta escola, sustentado tal dependência, chegando a encontrar na natureza das coisas, a fonte última do direito. Portanto, percebeu-se que da natureza do agrupamento social depende a natureza do direito que a reflete e a rege. "Ubi societas, ibi jus ": onde houver sociedade haverá direito.

A escola do direito livre, alemã, reconheceu a estreita correspondência entre direito e sociedade. Ehrlich admitia que o direito estatal possuía um papel secundário ao disciplinar a vida social, pois, considerava que o centro da gravidade do direito encontrava-se na sociedade e não no Estado. Para Gurvitch, existia para cada tipo de sociabilidade um tipo de direito. Essas idéias, contudo, consideravam a vinculação do direito à realidade social e faziam depender do tipo de sociedade o conteúdo do direito.

O direito possui como função primária pacificar os conflitos existentes na sociedade. Para Recaséns esta ciência regula estes interesses conflitantes da seguinte forma: a) Classificando os interesses opostos em duas categorias, a dos que merecem proteção e a dos que não merecem; b) Harmonização ou compromisso entre interesses parcialmente opostos; c) Definindo os limites dentre os quais tais interesses devem ser reconhecidos e protegidos, mediante princípios jurídicos que são congruentemente aplicados pela autoridade jurisdicional ou administrativa, caso tais princípios não sejam aplicados espontaneamente pelos particulares; d) Estabelecendo e estruturando uma série de órgãos para declarar as normas que servirão como critérios para resolver tais conflitos de interesse, desenvolver e executar as normas, ditar normas individualizadas aplicando as normas gerais aos casos concretos.

Pode-se citar ainda o poder social que refere-se ao mecanismo sociológico da vigência do direito. O legislador irá impor suas vontades, seus interesses, que na verdade são as vontades de senso comum, através das leis e essas serão cumpridas pelo povo que irá decidir se vigorará ou não. Portanto, se a opinião pública pressionar os tribunais, juizes e funcionários administrativos sobre uma norma, mesmo que esta já esteja regulamentada, deverá haver uma revisão para que se atenda às necessidades da população.

De acordo com o pensamento de Philip Selznick, retratado no livro de Cláudio Souto e Joaquim Falcão, a Sociologia do Direito está passando por etapas de desenvolvimento as quais ele classifica em três e considera que esta ciência encontra-se na Segunda delas, são elas; a) A etapa primitiva, ou missionária, que consistia em comunicar uma perspectiva, isto é, levar uma apreciação de verdades sociológicas fundamentais e gerais a uma área isolada até então; b) A etapa pertencente ao artesão sociológico, ou seja, era uma época de atividade "braçal", que se caracterizava por uma confiança intelectual em si mesma, um cuidado pelo detalhe e um desejo forte de prestar serviço. Nesta etapa, o sociólogo busca mais que a simples comunicação de uma perspectiva geral, quer explorar a área em profundidade, ajudar a solucionar seus problemas e expor técnicas e idéias especificamente sociológicas; c) A etapa da verdadeira autonomia intelectual e de maturidade, caracteriza-se quando o sociólogo vai mais além do papel de técnico ou de engenheiro e se consagra aos objetivos e princípios condutores mais amplos da empresa humana particular que elegeu estudar. Reafirma o impulso moral que marcou a primeira etapa de interesse e influência sociológicos.

Destarte, a sociedade pode ser considerada como um conjunto de normas, ou seja, é uma ordem social estabelecida por normas sociais, que são acompanhadas por sanções, para exercer o controle social.

No início da formação das sociedades surgiram necessidades de se condenar àqueles que infringiam alguma regra. Esse sentimento de justiça ou vingança privada podia ser percebido quando um indivíduo que cometia uma infração recebia uma pena proporcional ou maior do que o crime cometido. Esse primeiro instinto, podia ser vislumbrado também diante de linchamentos que ocorriam e isso era bastante negativo para a sociedade e necessitava ser regulado. Foi então surgindo a idéia do Direito positivo. Atualmente, a justiça popular, ou seja, a de "pagar com a mesma moeda", pode ser compreendida, muitas vezes, como uma defesa da sociedade diante da falha da polícia ou dos órgãos de defesa da população. Existe uma grande deficiência no sistema judiciário, seja ela econômica, política ou social e esta crise reflete diretamente na sociedade que já não deposita tanto crédito na justiça, por perceber a lentidão dos processos judiciais, a lotação dos presídios, a falta de recursos para a polícia, enfim uma série de fatores que terminam prejudicando o setor judiciário. Essa decadência é provocada, também, pelo esgotamento do Estado como sociedade politicamente organizada e gerenciadora das atividades públicas e privadas. Isto está ocorrendo também em outros países.

Para Selznick, destaca-se o condicionamento da justiça e do direito por fatores como a mentalidade pragmática, a impaciência com abstrações e os ritmos acelerados das mudanças sociais, ou seja, as sociedades estão evoluindo e com elas surgindo novos conflitos que não estão tendo soluções tão imediatas quanto os mesmos estão necessitando. O setor judiciário precisa de uma reavaliação para melhor atender e solucionar os conflitos do fim do século.

Sociologicamente, pode-se dizer que cada sociedade possui uma noção de direito e justiça e que mediante estes conceitos é que se pode analisar as causas da deficiência do setor judiciário. Muitas vezes o que pode ser considerado como crime grave no Brasil, não o é nos Estados Unidos. Mas ainda, alguns tipos de sociedade acreditam que a justiça está relacionada com a paz social e se não existir um órgão jurisidcional competente que efetive esse sentimento, para esta sociedade, o mesmo tornar-se-á falho. O sociólogo, pois, procura analisar as inter-relações, as qualidades contrastantes, enfim, tudo o que inicie um questionamento sobre o modo de vida coletivo. Ou seja, ele se torna uma ligação entre a sociedade e o conhecimento científico.

A relação entre o direito e a sociologia deve ser sempre vista e analisada como uma reciprocidade, pois, é difícil discursar sobre o ordenamento jurídico sem correlacioná-la com uma realidade social.

Diante do exposto percebeu-se que desde o surgimento da vida em sociedade sempre existiram regras e costumes que disciplinavam a vida dos membros de uma sociedade. A convivência pacífica entre os povos dependia de tratados e acordos que fixavam este relacionamento, o que já pode ser considerado com um avanço do percurso da sociedade ao direito. Portanto, analisou-se que direito e sociedade coexistem, ou seja, não haveria um se o outro não existisse. A sociologia e o Direito são ciências que se completam por estudarem praticamente o mesmo objeto e possuírem idênticos questionamentos.


BIBLIOGRAFIA

LAKATOS, Eva Maria. Sociologia Geral. 5ª ed., São Paulo: Atlas, 1985.

MACHADO NETO, A. L.. Sociologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1987.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

SCURO NETO, Pedro. Manuel de Sociologia Geral e Jurídica: lógica e método do direito, problemas sociais, controle social. São Paulo: Saraiva, 1996.

SOUTO, Claúdio e Joaquim Falcão. Sociologia e Direito, Leituras Básicas de Sociologia Jurídica.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Andréa Lucas Sena. Sociologia e Direito: duas realidades inseparáveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. -1612, 1 fev. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39. Acesso em: 23 nov. 2024.

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