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Jurisdição, ação e processo à luz da processualística moderna:

para onde caminha o processo?

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Agenda 01/04/2003 às 00:00

13- Perspectivas

Já pudemos ter uma idéia da caminhada evolucionista do processo e de sua atual tendência, buscando ser o processo de um Estado Democrático Social de Direito. Resta-nos agora, de posse destes conhecimentos, traçar um quadro acerca das perspectivas futuras do processo, buscando delinear os quadrantes de atuação da atividade de reformulação que toma corpo a cada dia sobretudo no processo civil..

13-1 Perspectivas para o Processo Civil

O processo civil, em especial o de conhecimento, é o campo mais profícuo das mudanças na visão do processo experimentadas no últimos anos. Alguns campos, no entanto, dentro do próprio processo civil, se tornaram mais permeáveis ao valores da nova ordem que se descortina. Trataremos apenas de dois, que no parecemos mais significativos, e que dizem respeito à sumarização das tutelas e ao rompimento do dogma da execução forçada. Como temos falado ao longo de nossa abordagem, a tradição que nos foi legada pelo direito romano e que foi potencializada pelo Estado Liberal e seus valores é fortemente associada à cognição exauriente e plenária e aos juízos de certeza. Mas nos últimos anos o que tem sido a tônica das críticas contra o sistema processual é exatamente a pouca adaptação da cognição padrão do processo de conhecimento ortodoxo às novas demandas sociais no campo jurisdicional. A demora ostensiva do processo, seja de conhecimento, de execução e cautelar, menos neste último é certo, tem sido uma das grandes fontes de insatisfação com o sistema e causa da formação dos bolsões de ausência do Estado, dando margem a um Estado paralelo, marginal. A angústia experimentada pelo litigante, mormente pelo que tem razão torna a via processual, que é a institucionalmente lícita, um caminho pouco atraente, dando margem a que se prefira perder o direito do que a se valer da "via crucis" do processo, cara e demorada.

A relativização do binômio direito-processo também nos tem demonstrado que a nova compreensão dos direitos, novos ou não, não mais se compadece à vala rasa da cognição exauriente e plenária, que quase sempre chega tarde demais na visão dos jurisdicionados. Torna-se extremamente difícil ao leigo compreender que a demora possa ser a projeção de valores que também existem para resguardá-lo. O devido processo legal e a ampla defesa, hoje imprescindíveis, são exemplos de princípios que contribuem para a delonga processual. Quem se atreverá advogar a sua exclusão da pauta de valores do sistema processual? No entanto, na mesma medida é certo que o jogo de forças entre a certeza e a celeridade não pode ser igual em todos os casos, devendo amoldar-se à espécie de direito em discussão. Hoje, a cada dia mais transparece a opção do sistema, atento aos ecos da sociedade, pela celeridade em detrimento da certeza.

É este o campo fértil para a sumarização das tutelas, coisa que de certo modo sempre existiu em certa medida, mas que agora passa a ser a pedra de toque do processo moderno. Estamos redescobrindo o valor da tutela de urgência. As feições da tutela sumária ganham corpo na antecipação dos efeitos da tutela, recentemente implantada em nosso processo. È preciso, todavia, que façamos justiça ao nosso Código, um dos poucos ater uma sistematização própria para as cautelares, o que o torna um diploma de escol no ocidente.

É visível o espaço ganho pela verossimilhança como base da cognição e, à cavaleiro, vemos prodigalizar-se a tutela interdital. Este um outro ponto que merece realce: a ruptura da execução forçada sub-rogatória. Hoje mais do que nunca ganham força as palavras de Chiovenda, proclamando a efetividade do processo como tônica, o que impulsiona a primado da execução específica e das tutelas inibitórias, ausentes da tradição romana. A redução das obrigações à moldura do processo de execução forçada sub-rogatória mostrou-se inadmissível, ante a sua ineficácia em promover uma efetividade da tutela jurisdicional, ou, ao menos, insuficiente para dar ao litigante uma tutela equivalente a que teria se não tivesse que se valer do processo. As novas feições dos artigos 273 e 461, 744 e 745 do CPC e 84 do CDC, nos dão bem a conta da evolução da última década. A tutela específica das obrigações de fazer e não fazer mediante o emprego das "astreintes" rompe com o dogma da incoercibiliade pessoal, sem evidentemente, tornar aos obscuros tempos da execução romana.

Esta se nos parece a perspectiva para o processo civil, a busca de um procedimento mais plástico às situações de direito material ou processual que constituem o objeto do processo, tendo como principais instrumentos a sumarização da cognição e a ampliação dos mecanismos de execução, refugindo do gabarito da sub-rogação patrimonial. Por outro lado, não podemos nos esquecer que a nova feição dos direitos, agora difusos e coletivos, impõe um novo parâmetro de legitimação. Estes representam caminho seguros a serem seguidos pelo processo civil, como apontam as recentes evoluções e o desenvolvimento da doutrina processual em todo o mundo.

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13.2- Perspectivas para o Processo Penal: Certamente que tanto quanto o processo civil, o processo penal representa uma angustia, aliás muito pior e a celeridade é requisito por todos aclamado. No entanto, a espécie de direitos em jogo na lide penal recomenda uma abordagem mais cautelosa. Isto decorre, em especial, pela indisponibilidade máxima dos direitos relativos a pessoa humana, nos dois pólos da relação processual. Isto, porém, não significa dizer que medidas otimizadoras do procedimento não sejam bem vindas, como o correu com os juizados especiais criminais.

Há que atentar para o fato de que o processo penal existe também para a boa aplicação da lei penal, mas principalmente para a preservação dos direitos individuais do acusado. O mecanismo de regulação representado pelo processo penal existe antes de tudo para a proteção do acusado eis que vige no Estado de Direito o primado do Princípio da Inocência. Logo, algumas das grandes conquistas da moderna doutrina do processo civil, e refiro-me à antecipação dos efeitos da tutela e à sumarização dos ritos, não tem, salvante esta última, e com reservas, aplicação no processo penal. Não podemos, estando em plena aplicação o princípio da inocência e atentando para a importância do valor da liberdade alvitrar uma execução provisória da pena. A sumarização dos ritos foi introduzida com a lei dos juizados especiais, mas ficou restrita, cautelosamente ás infrações de pequena monta, evitando-se que dos prováveis erros que virão sobrevenham graves lesões, o que certamente ocorreria se concebemos a sumarização do processo em relação a penas mais graves. Afastada estas fórmulas, restaria perguntar qual o aporte que a instrumentalidade pode trazer para o processo penal, ou em outros termos: o que se há de entender por efetividade do processo penal.

Respondendo a esta indagação, se nos parece que a efetividade do processo penal perpassa pelo fortalecimento dos mecanismos de garantia dos direitos individuais consagrados, principalmente na Constituição. A técnica processual do processo penal, que ilumina-se pelos princípios gerais do processo mais adaptados às suas particularidades, deve proteger e promover os direitos individuais materiais e processuais do acusado exatamente por que ele é acusado e não condenado. Assim sendo, devem ser franqueados com especial intensidade meios de exercício do devido processo legal e da ampla defesa e deve ser concebido um rito que exponha o acusado o mínimo possível causando-lhe o menor prejuízo possível que sempre há no transcurso de um processo mormente o penal. Isto resulta exatamente de ser ele até o transito em julgado presumido inocente. É claro que há casos em que se sabe, a priori, que o indivíduo é culpado. Isto não invalida o que dissemos porque a lei não pode ser concebida em caráter individual, sendo a norma jurídica por essência genérica.

A doutrina tratou, no processo penal, de dar interpretação larga aos dispositivos, construindo muito no sentido de tornar efetivo, nos termos acima expostos, o processo. Mas é certo que muito resta a fazer na técnica processual, principalmente porque, como referido várias vezes, a técnica processual sempre teve como parâmetro e banco de prova o processo civil de conhecimento. É ora, cremo nós, de levar ao processo penal as conquistas do processo civil e é hora de começarmos a pensar o processo penal com a mesma, senão maior importância, que o processo civil. As construções no processo penal sempre foram reflexos dos trabalhos do processo civil. Agora é tempo de, sem romper com a unidade do processo dentro da teoria geral do processo, tratarmos da técnica processual do processo penal como uma realidade própria. Para tanto, temos que ter por base os princípios constitucionais aplicáveis ao processo penal e por nós já citados, e os aplicáveis ao direito penal, porque a instrumentalidade preconiza exatamente uma retomada da ligação do direito matéria e do processo e não podemos aplicar um processo civil, feito para direitos disponíveis, em um direto naturalmente indisponível.

Neste diapasão, identificamos como ponto nevrálgico saliente o procedimento do júri, que não consegue a nosso ver, preservar importantes valores constitucionais. Cm efeito, a falta de fundamentação das decisões do tribunal popular vai de encontro a qualquer possibilidade de efetivação das garantias constitucionais do processo, ainda que seja ele próprio um procedimento previsto como direito constitucional. Aqui encontramo-nos frente ao que Bonavides chama de "inconstitucionabilidade", ou seja, regras formalmente constitucionais mas que se chocam com o conteúdo material da Constituição. A fundamentação é imprescindível para a verificação da observância dos princípios constitucionais porque é exatamente pela fundamentação que se afastam os subjetivismos intoleráveis e se aquilata a apreciação do material probatório e argumentativo produzido pelas partes no exercício de seus direitos processuais. Quer dizer, sem fundamentação, as garantias constitucionais do processo ficam sem proteção alguma. Ademais ante as garantias introduzidas no processo não tem mais justificativa o julgamento pelo leigo, onde muito se perde, inclusive, em termos de capacitação para julgar, sempre requerido em maior escala a cada dia do magistrado um conhecimento maior e um maior preparo técnico que não encontramos, salvo exceções raras, no leigo.


14- Conclusões

O processo caminha para a publicização e para a efetividade. Na sua matriz, era essencialmente privatista e ordenado a dar aplicação a direitos privados e disponíveis. O modelo de Estado Liberal-Iluminista manteve esta tônica e criou-se um processo como ciência ideologicamente neutra e dogmaticamente pura, o que na verdade nunca ocorreu, exatamente porque esta postura já representava uma postura ideologicamente orientada. O advento de um Estado Social e a concepção de uma nova série de direitos, além do fortalecimento dos direitos individuais básicos do ser humano, demonstrou a insuficiência do processo erigido sobre aquelas bases para dar aplicação a um novo direito, mais publicizado, mais solidarista.

Assim, o processo, que nascera visceralmnte ligado ao direito material e dele se independizara, torna a restabelecer suas ligações com o direito material, procurando dar um feição plástica ao procedimento e às tutelas de modo a moldá-las ao direito material aplicado. A teoria eclética da ação é bem um elemento a demonstrar a ligação fato-processo, funcionando as condições da ação, que na verdade são elementos do mérito, como ponte de ligação entre o abstratismo total e o concretismo do direito estabelecido por sentença, que tornaria injustificados os atos em caso de improcedência.

A técnica processual está sendo revisitada pela doutrina. Grandes conquistas foram obtidas nos últimos anos, principalmente no processo civil de conhecimento, mas certamente os processo cautelar e de execução merecem uma tratativa mais extensa a acurada, em especial o processo de execução que nos moldes em que, está posto, é extremamente moroso e favorece o devedor, estimulando o comportamento ilícito. No processo civil de conhecimento, as principais mudanças refletem-se na sumarização e na possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela, estando em via de estudo a possibilidade de conferir-se execução como regra e o efeito suspensivo como exceção nos recursos.

No processo penal, as alterações possíveis operam em um espectro um tanto diferente haja vista que o processo penal tem por finalidade não só a correta aplicação da lei penal, mas principalmente a proteção do acusado. Por isto, certas técnicas de sumarização, como o recurso à verossimilhança tem uma aplicação bem menor no processo penal. Ademais, a indisponibilidade dos direitos envolvidos implica um rigorismo maior, embora agora se tenha o processo dos juizados a mitigar tal característica. A interpretação do direito processual penal à luz de uma nova visão de efetividade muito contribuiu para que a lei processual penal não se cristalizasse no tempo. No entanto, muito resta a fazer em termos de técnica processual, a começar-se pela supressão do tribunal do júri, que, por prever decisão final sem fundamentação que não seja o reportar-se aos votos, torna letra morta a real observância das garantias constitucionais, uma vez que abre ensanchas ao subjetivismo.

A jurisdição deve hoje ser vista como uma função que atende antes aos interesses do Estado do que da parte, implicando esta visão uma virada no eixo estrutural da compreensão do fenômeno jurisdicional que conduz ao abandono da lide como centro do sistema processual. Dessa forma, há jurisdição sem lide, sendo a característica marcante da jurisdição a aplicação da lei ao caso concreto como atividade fim e dotada de incontrastabilidade frete a outra atividade de censura que não seja a própria atividade jurisdicional. A ação também ganha novos contornos, deixando-se de lado a dicotomia entre direito constitucional e direito processual de ação. Ambas são faces de um mesmo fenômeno que consiste na atividade de provocação do exercício da jurisdição, entendida esta naquelas feições largas, já mencionadas. Logo, há ação ainda quando não estão presentes as condições da ação, que são, a nosso juízo, na verdade condições para o julgamento do mérito. Se estão ausentes, não há julgamento de mérito, mas ainda assim há julgamento, caracterizando-se exercício do direito de ação o levar- se a postulação a juízo, ainda que ausentes a legitimidade ad causam o interesse processual, a possibilidade jurídica do pedido e, no caso do processo penal, o justo motivo. Aliás estes elementos ganham hoje novas configurações para adaptarem-se ao processo do Estado Social e da fase instrumentalista, ampliando-se ao máximo os caminhos ao judiciário dentro do ideário do acesso á justiça, que é uma das vertentes do instrumentalismo. Desta forma, a apreciação destas condições e a seu conteúdo devem ser modelados a impedir a banalização da função jurisdicional, o que certamente conduziria ao seu desprestígio, no entanto, não devem constituir-se empecilho, entrave ao acesso a uma "ordem jurídica justa".

Se nos parece, assim delineado um panorama, ainda que limitado e não tão profundo quanto seria o ideal, do que sejam a jurisdição, a ação e o processo na processualística moderna, e apontado um caminho que já foi aberto pelos pioneiros do instrumentalismo na busca da efetividade do processo e da jurisdição. Estamos agora um pouco mais habilitados a compreender os institutos processuais a partir de uma visão global, permitindo que possamos encontrar soluções mais legítimas e consentâneas à expectativa dos jurisdicionados, o que é nossa função de estudiosos do Direito.

Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Jurisdição, ação e processo à luz da processualística moderna:: para onde caminha o processo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. -92, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3902. Acesso em: 15 nov. 2024.

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