APRESENTAÇÃO
Este trabalho trata do procedimento inquisitorial no Direito Medieval. Tentou-se geometrizar ao máximo as fontes de pesquisa para que este texto seja apenas uma descrição sistêmica de como se procederam aos processos inquisitoriais na configuração do direito tendo como recorte histórico a Idade Média.
O cerne desse singelo documento é o procedimento inquisitorial no direito medieval, entretanto para uma abordagem coerente se fez necessário buscar como se procederam as formas históricas envolvendo tal fato.
Para uma compreensão efetiva do direito medieval com enfoque nos procedimentos inquisitoriais foi necessário uma contextualização com os aspectos históricos, econômicos, sociais e políticos.
Entender como se procedeu a inquisição e toda sua complexidade seria um desafio que se percebeu já é tema de teses de doutorado, dissertações de mestrado e monografias, entretanto, esse documento possui apenas um caráter descritivo-analítico sem a intenção de um aprofundamento de maior grandeza, o que não tira sua valiosidade enquanto referencial teórico.
Portanto, para o entendimento necessário do funcionamento dos direitos inquisitoriais é necessário que nos situemos de forma sistêmica. Isto quer dizer que é importante contextualizar um dado de relevância como este fazendo-se uso dos aspectos históricos, econômicos, sociais e políticos, conforme será observado e comprovado.
1 DIREITO MEDIEVAL
1.1 O contexto histórico
Quando se trata da Idade Média remetemo-nos também a alguns nomes, tais como Idade das Trevas ou Idade da Escuridão (MORAES, 2008, p. 73), enfim, o que se sabe e o que a escola básica nos ensina pontualmente ora pela Literatura, ora pela própria História, é que seu percurso temporal se inicia no século V d.C. e se finaliza no século XVI, marcando essa época como um momento da história da humanidade em que a Igreja Católica exerceu seu maior poder de Estado e assumiu o papel de gestora das atividades humanas, isto é, de reguladora e regulamentadora dela, aplicando leis e sansões humanas e desumanas, sendo alvo (as desumanas) de um pedido de perdão por parte do Papa João Paulo II, pelo extermínio de milhares de judeus durante a Idade Média.
Nesse momento o direito assume um papel restritivo e caracterizador de tais atividades humanas, regulando e regulamentando tais ações de acordo com interesses próprios da igreja católica.
O direito foi se consolidando nesse contexto como uma espécie ferramenta inerente à propriedade privada, ou seja, sobre o direito de propriedade do senhor feudal, ao contrário do que ocorreu anteriormente, na Antiguidade, cuja terra era de todos e cuja coletividade era sistêmica e uma eficiente forma de sobrevivência humana. Na Idade Média perdura a idéia de que as terras possuem donos e só se abrirá mão de tal bem se for por questões puramente próprias, tais como receber o perdão do presbítero ou conseguir a própria salvação.
Em função de tanto sacrifício que marca toda uma representação simbólica, sabe-se que a maior fortuna configurada pelo patrimônio pertencente á Igreja Católica foi gerada na Idade Média e certamente toda a sua grande influência no mundo pós-moderno é fruto do trabalho construído por esta nesse período da História.
Neste sentido, fato histórico de grande relevância foi a criação do Tribunal da Santa Inquisição, característico do fenômeno social denominado inquisição, cuja principal função era regular a vida dos indivíduos consolidando, por meio de interesses, como todos deveriam agir.
Sabe-se, por meio da literatura, de um fenômeno denominado “compra do perdão”, que pode ser explicado por toda a troca recíproca, ou seja, a Igreja Católica recebia bens tangíveis e perdoava os eventuais pecadores, inclusive de penas consideradas de superior gravidade, tais como a queimada em praça pública.
Portanto, o que se materializa na Idade Média enquanto fato histórico proveniente do direito é a presença dos elementos reguladores e regulamentadores personificados pelo feudalismo, pela inquisição e pelo catolicismo soberano, sendo o direito protagonista das ações entre estes elementos.
2 DIREITO MEDIEVAL
2.1 O contexto social
Em termos de organização, afirma-se aqui que tem-se uma sociedade puramente feudal caracterizada pelo senhor feudal e pelo servo. Neste sentido, mais uma é possível identificar a forte presença da igreja católica como centro aglutinador dessa sociedade, pois
Pode-se dizer que a Igreja Católica foi a alma da sociedade feudal, onde o clero era constituído como a única classe letrada e, os servos e senhores, na maioria ignorantes e completamente analfabetos. Os sacerdotes, arcebispos, padres e párocos constituíam o clero secular, porque seus membros viviam na sociedade ou no mundo (do latim seculum). Os bispos governavam uma diocese constituída de várias paróquias e administravam em nome da Igreja. Já o clero regular era dividido em diversos grupos de comunidades e, cada comunidade de convento que obedecia à mesma regra, denominava-se , como ainda hoje denomina-se "ordem". A importância do clero regular na cultura medieval foi enorme. Bastaria dizer-se que as obras mestras da literatura latina chegaram até os nossos dias através dos manuscritos copiados pelos monges. O respeito que impunham criava ao redor dos mosteiros uma zona de segurança, onde a massa campesina encontrava asilo e proteção. A Igreja enaltecia a dignidade do trabalho, dando o exemplo com a operosidade de seus monges na agricultura: "Ora et labora" - reza e trabalha.[1]
A pertinência da citação consiste no fato de que pode-se visualizar de forma objetiva como se configurava o processo de organização social cujo protagonismo era proveniente da igreja católica, ou seja, pode-se pensar que no topo da pirâmide social estão os religiosos católicos, numa segunda escala estão os senhores feudais e em último lugar os servos.
É por isso que entre tantos fatos sociais, vê-se que as relações de direito são permeadas pelos princípios religiosos e vão, de camada em camada se consolidando e implementando leis que regem tais grupos sociais.
É importante destacar que para a configuração do direito enquanto elemento de organização social a posse da terra torna-se fundamental ferramenta de consolidação desse direito, pois a era a posse de terra que definia a divisão da sociedade.
A partir dessa definição pôde-se considerar a existência das duas classes supracitadas: os senhores feudais, proprietários, que poderiam ser leigos ou eclesiásticos; e os não proprietários, isto é, os servos (a maioria da população).
Por não haver mobilidade entre esses dois grupos sociais, pois a condição era dada por hereditariedade (filho de nobre era nobre, filho de servo era servo), cada segmento tinha uma situação jurídica e social própria a inalterável, tornando a sociedade fortemente estratificada; e mais
A relação entre essas classes baseava-se na exploração do trabalho do servo. Era assim que o senhor feudal se mantinha como elite. O servo era trabalhador rural, que, sem a propriedade da terra e desamparado de qualquer defesa militar ou jurídica, buscava a proteção do nobre. Em troca das terras concedidas pelos senhores, de proteção militar e jurídica os servos deviam uma série de obrigações como a corvéia[2], a talha[3] e as banalidades[4]. Mas não havia apenas servos trabalhando; havia ainda trabalhadores livres (vilões, ou seja, moradores da vila). (MORAES, 2008, p. 85).
A fim de complementar a pertinente afirmação de Moraes, vale lembrar que a mobilidade social praticamente inexistis e que do ponto de vista do direito, rígidas tradições e vínculos jurídicos determinavam a posição social das pessoas já desde o nascimento.
Portanto, conclui-se que a mão-de-obra predominante na Idade Média foi a servil, o que configura que tal camada foi de fundamental importância para se pensar o direito como forma de inclusão aos menos favorecidos, ou excluídos socialmente; já que para os mais favorecidos ele sempre foi um elemento básico.
3 DIREITO MEDIEVAL: O CONTEXTO ECONÔMICO
3.1 A Igreja Católica e o feudalismo
Neste momento, será explicitado como o direito desenvolveu seu papel no cotidiano humano de forma a intermediar as relações econômicas estruturais. O sistema principal responsável pela consolidação da economia durante a Idade Média era o feudalismo[5].
A igreja católica desempenhou um papel fundamental na formação do feudalismo, pois como portadora principal do direito ela estruturou a visão de mundo do indivíduo medieval, unificou a cristandade sob seu poder, interferindo nas guerras e nas sucessões monárquicas. Neste sentido, Moraes ratifica esse fato ao afirmar que “o papa controlava vários territórios que compunham o patrimônio de São Pedro; além disso, várias ordens clericais dispunham de feudos” (MORAES, 2008, p. 77).
2.2 O feudalismo e o direito consuetudinário
No feudalismo havia o sistema de colonato, um sistema jurídico no qual o colono era obrigado a se fixar na terra, sob a tutela do proprietário; esse processo dá origem à servidão.
As grandes propriedades rurais (vilas) também colaboraram para a configuração dessa estrutura. Segundo Figueira (2005, p.72) “com a decadência das atividades urbanas e as penetrações bárbaras, as vilas se tornaram o centro da vida econômica e refúgio dos camponeses que tentavam se proteger dos bárbaros”.
Esse aspecto nos leva a concluir que as decisões políticas (principalmente as que consolidam os direitos e deveres sociais) passaram a ser tomadas pelos poderes locais.
Essas decisões passaram a ser a base do feudalismo e entre elas estão o comitatus [6] (costume germânico) direito consuetudinário [7] e a economia rural[8].
Portanto, o direito se consolidava como elemento de organização social, todavia e principalmente de forma a contemplar os aspectos econômicos, pois percebeu-se que sem estes não haveria desenvolvimento social.
4 DIREITO MEDIEVAL
4.1 O contexto político
Pode-se afirmar que a principal figura detentora do direito humano era o papa, cujo poder era dominante, soberano e definitivo, ou seja, era o papa o governador geral direto ou indireto sobre a vida das pessoas, ele era o grande tutor, dotado de poderes nunca imagináveis em sociedade moderna.
Sabe-se que
No Século XIII, o papado achava-se no auge de seu domínio secular; era independente de todos os reinos; governava com uma influência jamais vista ou possuída por cetro humano algum; era o soberano dos corpos e das almas; para todos os propósitos humanos, possuía um poder incomensurável para o bem e para o mal[9].
Certamente o papa era o grande político mundial e ainda continua exercendo forte influência no mundo contemporâneo, entretanto o mais marcante fato que entrou para a História da humanidade durante este período foi certamente criação dos tribunais da Santa Inquisição.
Sabe-se que a inquisição durou mais de cinco séculos, sua força política foi brutal a ponto de causar danos humanitários distantes de qualquer avaliação real.
Sobre sua instituição jurídica, pode-se afirmar que
Em 1231, no Concílio de Toulouse, sob a liderança de Gregório IX, Papa de 1227 a 1241, foi oficialmente criada a Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício, um tribunal eclesiástico que julgava os hereges e as pessoas suspeitas de se desviarem da ortodoxia católica. Em 1252, o Papa Inocêncio IV (1243-1254) publicou o documento "Ad Exstirpanda", autorizando a tortura e declarando que "os hereges devem ser esmagados como serpentes venenosas". [10]
Os tribunais eclesiásticos eram de extrema importância durante a Idade Média, sobretudo porque não julgavam apenas os membros do clero, mas faziam manifestações políticas a respeito de todos os temas relacionados de forma direta ou indireta com a igreja, como a elaboração de contratos celebrados sob juramento, os testamentos, as questões referentes à órfãos e viúvas, casos de bruxarias, os sacrilégios, entre outros.
Importante destacar que
A maneira de julgar dos tribunais eclesiásticos era sumamente mais justa que os processos bárbaros utilizados pela justiça feudal, como os "ordálios" e "juízos de Deus". Nos tribunais ordálios exigia-se que o acusado provasse sua inocência colocando a mão no fogo ou água fervente. Os "juízos de Deus" submetiam o acusador e o acusado à luta, e tinha ganho de causa o vencedor. O julgamento da Igreja Católica pautava-se por um conjunto de normas que constituíam o direito canônico, o qual proporcionava aos acusados defesa muito mais amplas e penas menos severas, razão por que a maioria das pessoas procurava estar sob jurisdição eclesiástica. [11]
Outro importante fenômeno jurídico social era a ex-comunhão, recurso utilizado para coibir dissidências que pudessem eventualmente atingir os princípios básicos da sã doutrina. Ao indivíduo excomungado pelo presbítero cabia a sansão de ser excluído da comunidade dos fiéis e não podia receber os sacramentos e os católicos, bem como não podiam ter nenhuma relação ou contato com ele.
Aos senhores feudais insistentes na persistência da rebeldia, a sansão imposta pela igreja era a de interdição, cuja implicância estava no fato de que se consolidava a proibição de realizar de qualquer cerimônia religiosa no feudo.
Uma eficiente ferramenta de se conseguir confissões entre os fiéis por parte da inquisição era a tortura imposta a adultos e crianças sem distinção de gênero. Todos passavam por um processo de inquisição que era sumário; sendo que aos réus não era concedido o direito de apelação da sentença e os advogados nomeados eram fiéis papistas, ou seja, defendiam menos os direitos dos acusados do que os interesses de Roma, por exemplo.
Figueira afirma que
Qualquer pessoa, até anônimos e crianças, podiam acusar alguém de heresia. A denúncia era a prova. O julgamento era secreto e particular. Se o réu confessasse podia se beneficiar com a absolvição dada por um padre, para livrar-se do inferno. As testemunhas poderiam ser submetidas a tortura, se entre elas houvesse indícios de contradições.Tão logo recebiam a denúncia, os inquisidores providenciavam a prisão do acusado. A partir daí ele ficava preso e incomunicável por um tempo indeterminado. Qualquer tentativa da família ou de amigos de demonstrar interesse pelo livramento do herege, poderia ser arriscada, pois amigos de herege também eram hereges (LOPES, 2000, p. 75).
Faz-se pensar que se houvesse ilicitude da parte denunciante o prejuízo moral era infinito, ainda mais se a denúncia partisse de uma família nobre seria considerada socialmente como uma verdade absoluta, fazendo-nos crer que o direito era para os mais favorecidos; o que prevalece até hoje.
A reclusão carcerária, temporária ou perpétua, os trabalhos forçados nas galés e a excomunhão[12] e entrega às autoridades seculares para serem levados à fogueira eram as principais sansões, além do confisco dos bens e flagelação das vítimas eram de praxe em todos os casos.
Como penas severas contra os hereges o Tribunal da Santa Inquisição estabeleceu o banimento, o confisco de bens, a pena de demolição de casas, a declaração de infâmia e por fim a perda de direitos civis.
O que se percebe é que com o assentamento das leis da inquisição, o bispo torna-se uma espécie de juiz papal, assumindo os encargos da inquisição sobre determinados casos na sua jurisdição eclesiástica e, em inúmeros casos, sendo que este poder de ação eclesial é de caráter eminentemente político.
O rei nomeava bispos e padres com interesse bilateral, ou seja, contemplando uma troca de favores que tinha uma inclinação natural para personalidades voltadas a planos terrenos, e não divinos, como deveriam ser.
A conseqüência histórica destes atos originou o desvirtuamento da igreja, pois pessoas condenadas à fogueira, na maioria das vezes, foram condenadas por membros do clero a fim de atender aos interesses dos soberanos, vezes sem par, à revelia do Papa.
Portanto, houve uma troca de valores, pois a igreja deveria ser uma instituição da manutenção da fé humana, do perdão, da manutenção dos bons hábitos e costumes, no entanto tornou-se de forma pontual uma instituição política e jurídica, embaralhando questões políticas com religiosas e essa confusão ainda ecoa nos dias atuais.
CONCLUSÃO
Verificou-se toda a complexidade de poder cristão na Idade Média, toda sua influência social no processo de composição do direito medieval, as nuances e os elementos que completam o conceito de justiça.
Os concílios e a igreja foram itens definidos como pilares de organização da ordem social no contexto do direito medieval feudal e suas relações com a propriedade da terra, atentando-nos para sua origem feudal.
Assim, percebe-se a necessidade de, através deste singelo trabalho, que haja um aprofundamento acerca do tema que é rico em termos de fenômeno científico formador do direito.
Referências
LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. Lições Introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000
http://www.interconect.com.br/clientes/pontes/diversos/inquisicao.htm
http://www.paginaoriente.com/catecismo/inquisicao.htm
[1] http://www.paginaoriente.com/catecismo/inquisicao.htm.Acesso em 20 de novembro de 2008.
[2] Trabalho gratuito nas terras do senhor em alguns dias por semana.
[3] Obrigação de dar uma percentagem da produção.
[4] Taxas pagas pelo uso de moinho, forno, celeiros e outras instalações do feudo.
[5] Cujas características são: economia agrária e de subsistência, mesmo levando em consideração a existência de moedas, que circulavam em pequena quantidade, poder político fragmentado, descentralizado, nas mãos dos senhores feudais, sociedade de ordens, isto é, fortemente hierarquizada, hegemonia ideológica e cultural da Igreja Católica (MORAES, 2008, p. 77).
[6] Definia as relações de lealdade entre os guerreiros e os chefes de tribos. Em troca dos serviços militares, os guerreiros recebiam terras de seus chefes e tinham autonomia para administrá-las.
[7] Trata-se de um sistema de leis tradicionais herdadas de antepassados e transmitidas oralmente.
[8] Caracterizava-se pela agricultura e o pastoreio, fatos que acentuaram o processo de ruralização da economia européia.
[9] http://www.interconect.com.br/clientes/pontes/diversos/inquisicao.htm. Acesso em 20 de novembro de 2008.
[10] IDEM.
[11] IBIDEM.
[12] Em 1231, através o Papa Gregório IX lança a bula Excommunicamus, que estabelecia a Santa Inquisição, tendo adquirido funcionamento próprio através de um decreto, de 1233, sistematizando leis e jurisprudências acerca dos crimes relativos à feitiçaria, blasfêmia, usura e heresias. Os processos eram constituídos a partir de denúncias e confissões, feitas muitas vezes para evitar de incorrer em um outro crime considerado pior: o de ser "fautor de hereges", isto é, acobertar ou fomentar as heresias. As penas aplicadas tinham uma gradação de penas que iam do jejum, multas, pequenas penitências e até a prisão. Nos casos considerados mais graves, os acusados eram entregues ao "braço secular", isto é, à autoridade civil, a qual geralmente aplicava a pena máxima da morte na fogueira, em um ato público, chamado, "auto de fé", isso em casos extremos em que o herege, voluntariamente negava-se a pedir perdão ou a retratar-se (LOPES, 2005, p. 88).