Não se trata apenas de jogo de palavras ou de figura de linguagem.
Como bem sabemos, não errar é impossível; fazer a coisa certa é difícil, mas é possível. Então, só não erram os santos. Pois, errar é humano – mas insistir no erro é fazer a coisa errada. O certo seria procurar evitar o erro. E fazemos isso procurando pelas coisas certas.
Diante do horrendo quadro político que vivemos, qual dos dois ensinamentos aplicar?
Vamos do básico: ser honesto é fazer a coisa certa?
Muitos dirão que sim. Mas, a realidade revela o contrário. Afinal, quem elegeu tantos políticos profissionais desonestos? Foram todos os que, bem ou mal, não deram a devida atenção para fazer a coisa certa. Por sua vez, os governantes sem escrúpulos são absurdamente nefastos, porque beneficiam a si e prejudicam a vida de todos.
Neste caso, o certo seria procurar por gente honesta. É difícil, mas do mesmo jeito que tem gente honesta dentro da sua casa, é preciso votar em pessoas de boa índole. E mesmo assim não é tão simples: o candidato honesto financiado por grandes interesses econômicos, quando eleito, irá beneficiar quem? Ou seja, não basta o candidato ser honesto, ele tem de atuar em razão do povo.
Sendo assim, qual a nossa parte no pecado político? Temos, de sobra, o eleitor que se serve do coronelismo (ou serve ao coronelismo) e o coronel que arrebata mais votos com capangas de todos os tipos... então, como deter essa relação? Alguns aceitam um milheiro de tijolos pra terminar o puxadinho, outros barganham cargos com cinco, sete mil de rendimentos. Nem trato aqui da corrupção.
Qual a diferença entre eles: o primeiro, por ser tão pobre, acredita que é o melhor que conseguirá da política; o segundo sonha em ser coronel. São relações de força diferentes, entre o aspone de coronel e a família famélica, mas são duas das pontas de um sistema político forjado para ser opressivo e desonesto para com o povo.
Nosso erro começa na procura de “candidatos amigos” ou naqueles que compram nossos votos (ou a consciência). Nosso erro está em confiar em sistemas nascidos para reprimir e na sua produção de leis, igualmente, desonestas, oportunistas e partidárias. O que precisamos requisitar do povo é participação, exatamente para que haja legitimidade – para além da legalidade e do formalismo. Afinal, mesmo diante de uma relação de poder brutal, o senhor nunca sairá de seu pedestal sem que o servo se mova em sua direção.
Quer fazer a coisa certa? Na próxima eleição, queime todos os que, desde agora, forem desonestos. Assim, fazer a coisa certa é “não errar” de novo na(s) escolha(s): no Município, no Estado, no(s) comando(s) da União. No Legislativo e no Executivo.
Nossa mea culpa (a máxima culpa) ainda está presente nos pequenos atos de corrupção que vemos e nada fazemos ou naqueles em que somos os autores. E há muitas formas de se corromper ou de propor a corrupção: o suborno, o troco errado, a mentira, o engano proposital, a embromação profissional, a subtração de coisa alheia, a sonegação fiscal ou de informações, a procura do caminho fácil para se dar bem na vida.
Portanto, toda negação a fazer a coisa certa é uma corrupção. E, por isso, vivemos uma epidemia desmoralizante.
Fazer a coisa certa é combater toda forma e variação de corrupções: grandes e pequenas. Não errar, muitas vezes, é abandonar o caminho fácil (desonesto) e, mesmo sofrendo, procurar pela coisa certa. É certo que os bons e honestos não têm tempo de TV para se apresentarem em igualdade aos desonestos, contudo, ainda assim cabe a obrigação republicana de buscar informação mais qualificada. A república nunca se fez e nem se fará com passividade e inocência.
Cada cidadão ativo, informado, precursor de uma qualidade melhor nas relações sociais e políticas é, por definição, um cidadão-governante. E é destes que precisamos, muito mais do que de políticos profissionais e ainda que sejam honestos. O Estado, corrompido pelos grupos de poder (fração de classe) e por toda sorte de alcoviteiros do capital, não será bom mediador.
Infelizmente, o concurso público também não mede a integridade moral, ideológica e política dos servidores públicos. O que evidencia a capacidade do Poder Econômico em manobrar o Estado a seu serviço. A obrigação do servidor, por seu turno, é atuar de forma contra-hegemônica, agindo pela legalidade sempre; mas, sobretudo, em busca de legitimidade e de justiça diante daqueles que são mais vitimados pelo sistema que os emprega.
É óbvio que a diferença de forças entre o Poder Econômico nacional e internacional e o eleitor (simples mortal e pauperizado pela desinformação política) é gigantesca. E talvez nem devêssemos cobrar tanto daquele que se vende por uma dentadura ou que é açoitado pelo “bico de pena” (como no passado), ou que ainda se encanta pelo noticiário da TV.
Entretanto, há uma classe ou estrato bem remediado (educado formalmente) e que é capaz do discernimento. Assim, se não cobramos tanto dos primeiros, cobremos em dobro da tal classe média. O problema, no entanto, é que a classe média (em que me encontro) costuma ser fascista; esgueira-se pela moralidade pública e privada (ainda arruma casamentos de interesses) a fim de ter suas “boquinhas” de poder; via de regra massacrando – sempre que pode – os mais famélicos. Esta é uma leitura histórica e não xingamento do articulista.
Seja como for, coisa certa é igual à Coisa Pública – se tomarmos por referência que a “res publica”, coisa pública, é a própria República. A Coisa Pública, por sua vez, exige de seus cidadãos fazer a coisa certa. Na República não cabe arrependimento, ou seja, não errar. A República exige o acerto inconteste. Se há o Princípio da Moralidade Pública não podemos, simplesmente, alegar arrependimento pelo Mal Feito.
E isto vale para todos os cidadãos, governantes ou não. Pois a República depende de todos. Ou acertamos, ou a República esvanece. Não há meia culpa (desculpe, vou votar melhor na eleição que vem), não há culpa inteira a ser perdoada (desculpem, errei, mas prometo não cometer o mesmo erro da corrupção).
A República é de todos e, de todos(as), exige o mesmo empenho. Porque é desse empenho que decorrerá o próprio desempenho da República. Por isso, a educação política será fundamental para sairmos do lodo em que estamos atolados. E também por isso não se investe com dignidade em educação para o povo. São doses diferentes, mas cada um de nós carrega sua parcela – portanto, a primeira lição moral de hoje é sair do sofá, para ler algo que enriqueça a cultura política. Afinal, não será na inércia que conseguiremos adquirir a “consciência do usurpado”.
E é por tudo isso que precisamos de um dia de Spartacus: o gladiador que desafiou Roma.
Precisamos de um dia de Spartacus: o gladiador que desafiou Roma.
Vinício Carrilho Martinez
Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).
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