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A responsabilidade penal do agente policial infiltrado em organizações criminosas

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Agenda 20/05/2015 às 10:10

CAPÍTULO III

TEORIA DO CRIME

Entender o conceito de crime é fundamental para avançar nos estudos, já que a responsabilidade penal do agente policial infiltrado deve ser verificada, para analisar se ele cometeu crimes quando realiza o trabalho disfarçado.

Conforme ensina Cleber Masson:

O conceito de crime é o ponto de partida para a compreensão dos principais institutos do Direito Penal. Embora aparentemente simples, a sua definição completa pormenorizada apresenta questões complexas que acarretam várias consequências ao estudo dos pontos mais exigidos em provas e concursos.[70]

Continua o autor que o crime pode ser conceituado levando em conta três aspectos[71]: material, legal e formal ou analítico:

Critério Material ou Substancial

Crime é toda ação ou omissão humana que lesa ou expõe a perigo de lesão os bens jurídicos penalmente tutelados. Esse aspecto leva em consideração a relevância do mal produzido aos interesses e valores selecionados pelo legislador para a proteção penal. Destina-se a formulação de políticas criminais, funcionando como vetor ao legislador, que cria a tipificação de infrações penais que causem dano, ou ao menos coloquem em perigo os bens jurídicos penalmente relevantes, assim reconhecidos pelo ordenamento jurídico.

Critério Legal:

A conceituação de crime é fornecida pelo legislador através da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-lei 3.914/1941), em seu artigo primeiro, vejamos:

Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas. Alternativa ou cumulativamente.[72]

O artigo exposto faz a diferenciação entre crime ou delito e contravenção penal[73]. O crime possui pena de reclusão ou de detenção, isolada, alternativa ou cumulativamente com a pena de multa. Já a contravenção penal possui a pena de prisão simples ou multa, isolada, alternativa ou cumulativamente. Assim o Brasil adotou o sistema dicotômico ao fracionar o gênero de infração penal em 02 espécies.

Critério Analítico

Chamado também de formal ou dogmático, se funda nos elementos que estruturam o crime. Esses elementos se dividem em fato típico, ilicitude e culpabilidade. Existem 02 correntes predominantes quanto aos elementos do crime, sendo estas: Bipartida, ou seja, o crime é composto de fato típico e ilícito, deixando a culpabilidade como pressuposto de aplicação de pena; Tripartida, ou seja, o crime é composto por fato típico, ilícito e culpável.

Para Julio Fabbrini Mirabete o crime na teoria geral do direito tem o seguinte conceito:

O crime é um ente jurídico, como dizia Carrara, e, portanto, deve enquadrar-se na teoria geral do direito. Pode-se afirmar que não é um ato jurídico, uma vez que uma de suas características não é a finalidade do agente de obter as conseqüências jurídicas do fato, o que ocorre com aquele. Como o crime é apenas uma conduta humana de efeitos jurídicos involuntários (imposição de pena etc.) e um ato que contrasta com a ordem jurídica (ato ilícito), pode-se situar o crime entre dois fatos jurídicos.[74]

ELEMENTOS DO CRIME

Os elementos do crime, como já estudados anteriormente são aqueles que estruturam o crime, quais sejam o fato típico, ilicitude também chamada de antijuridicidade e a culpabilidade, adotando os ensinamentos da corrente tripartida.

Ensina Rogerio Greco:

Embora o Crime seja insuscetível de fragmentação, pois que é um todo unitário, para efeitos de estudo, faz-se necessária a analise de cada uma de suas características ou elementos fundamentais, isto é, o fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade. Podemos dizer que cada um desses elementos, na ordem em que foram apresentados, é um antecedente lógico e necessário à apreciação do elemento seguinte.[75]

FATO TÍPICO

Nos ensinamentos de Cleber Masson o fato típico é o fato humano[76] que se compatibiliza perfeitamente com os elementos descritos pelo tipo penal. O autor usa como exemplo, a conduta de subtrair dolosamente, para si, coisa alheia móvel, caracterizando o crime de furto, pois se amolda perfeitamente ao artigo 155, caput, do Código Penal[77]. Explica ainda que em contrário sentido, o fato é atípico, quando não encontra correspondência em nenhum tipo penal, utilizando como exemplo, a ação do pai que mantém relação sexual consentida com a filha maior de idade e plenamente capaz, pois, por mais imoral que o incesto seja, a situação não é crime por ser atípica.[78]        

Mirabete ensina:

Para que se possa afirmar que o fato típico concreto tem tipicidade, é necessário que ele se contenha perfeitamente na descrição legal, ou seja, que haja perfeita adequação do fato ao tipo penal. Deve-se, por isso, verificar de que se compõe o fato típico. São elementos do fato típico:

a) conduta (ação ou omissão);

b) o resultado;

c) a relação de causalidade;

d) a tipicidade:

Caso o fato concreto não apresente um desses elementos, não é fato típico e, portanto, não é crime. Excetua-se, no caso, a tentativa, em que não ocorre o resultado.[79]

Conduta

Rogério Greco definiu a conduta como primeiro elemento integrante do fato típico, sendo sinônimo de ação ou de comportamento. Aprofunda o autor:

A ação, ou conduta compreende qualquer comportamento humano comissivo (positivo) ou omissivo (negativo), podendo ser ainda dolosa (quando o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado) ou culposa (quando o agente infringe o seu dever de cuidado, atuando com negligência, imprudência ou imperícia).[80]

Resultado

Segundo Cleber Masson, resultado “é a consequência provocada pela conduta do agente.”[81]

Traz o autor dois tipos de resultados existentes em Direito Penal:

Resultado Jurídico, ou normativo, é a lesão ou exposição a perigo de lesão o bem jurídico protegido pela lei penal. É, simplesmente, a violação da lei penal, mediante a agressão do valor ou interesse por ela tutelado.

Resultado naturalístico, ou material, é a modificação do mundo exterior provocada pela conduta do agente[82]

Relata o autor da comum questão que circula a matéria, sendo a existência de crime sem resultado. Conclui que não existe crime sem resultado jurídico, já que todo delito agride um bem jurídico tutelado pelo Direito Penal, entretanto, é possível a existência de um crime sem resultado naturalístico. O resultado naturalístico estará presente somente nos crimes materiais consumados. Caso o crime seja tentado, ainda que material, não haverá resultado naturalístico. Nos crimes formais, ainda que possível sua ocorrência, é dispensável o resultado naturalístico. Nos crimes de mera conduta ou de simples atividade jamais será produzido tal espécie de resultado. Em síntese, todo crime possui resultado jurídico, mas nem todo crime possui resultado naturalístico.[83]

José Geraldo Silva define os crimes materiais, formais e de mera conduta:

Crime Material – é aquele que possui um resultado, que era visado pelo agente. Ex.: homicídio, furto, lesão corporal, estelionato etc.;

Crime Formal – é aquele em que não há necessidade de realização daquilo que é pretendido pelo agente, e o resultado jurídico previsto no tipo ocorre ao mesmo tempo em que se desenrola a conduta, havendo a separação lógica, e não cronológica, entre a conduta e o resultado. A lei antecipa o resultado no tipo; por isso são chamados de crime de consumação antecipada. Ex.: calúnia, injúria, difamação, extorsão, ameaça, etc.;

Crime de mera conduta – é aquele que não possui nenhum resultado. Ex.: violação de domicílio, desobediência, ato obsceno, reingresso de estrangeiro expulso.[84]

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Continua José Geraldo Silva:

Distinguimos os crimes formais dos de mera conduta. Estes são sem resultado; aqueles possuem resultado, mas o legislador antecipa a consumação à sua produção. No crime de mera conduta, o legislador só descreve o comportamento do agente. No crime formal comenta o comportamento e o resultado, mas não exige sua produção para consumação. No crime material, o tipo menciona a conduta e o evento, exigindo a sua produção para a consumação;[85]

Relação de Causalidade;

Também tratado pela doutrina como nexo causal para referir-se à ligação entre conduta e resultado. A denominação escolhida pelo legislador é “relação de causalidade", sendo esta a denominação legal utilizada no artigo 13 do Código Penal:

Relação de causalidade

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.[86]

Mirabete traz o seguinte conceito para relação de causalidade:

O conceito de causa não é jurídico, mas da natureza; é a conexão, a ligação que existe numa sucessão de acontecimentos que pode ser entendida pelo homem. Causar, como ensinam os léxicos, é motivar, originar, produzir fenômeno natural que independe de definição.[87]

Masson conceitua relação de causalidade como o vínculo formado entre a conduta praticada por seu autor e o resultado por ele produzido. Através da relação de causalidade que se conclui se o resultado foi ou não provocado pela conduta, autorizando, desde que presente a tipicidade, a configuração do fato típico.[88]

Tipicidade:

Mirabete conceitua a tipicidade como último elemento do fato típico, tratando como a correspondência exata, ou seja, a adequação perfeita entre o fato natural, concreto e a descrição expressa na lei.[89]

Aduz Rogério Greco sobre a matéria:

Por imposição do princípio do nullum crimen sine lege, o legislador, quando quer impor ou proibir condutas sob ameaça da sanção, deve, obrigatoriamente, valer-se de uma lei. Quando a lei em sentido estrito descreve conduta (comissiva ou omissiva) com o fim de proteger determinado bem cuja tutela mostrou-se insuficiente pelos demais ramos do direito, surge o chamado tipo penal.[90]

Continua o autor:

Tipo, como a própria denominação diz, é o modelo, o padrão de conduta que o Estado, por meio de seu único instrumento – a lei -, visa impedir que seja praticada, ou determina que seja levada a efeito para todos nós.[91]

O posicionamento de Eugênio Raúl Zaffaroni é que o “tipo penal é um instrumento legal, logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas humanas penalmente relevantes.”[92]

Masson conceitua a tipicidade como elemento do fato típico, divisível em formal e material[93]:

Tipicidade formal é o juízo de subsunção entre a conduta praticada pelo agente no mundo real e o modelo descrito pelo tipo penal.

É a operação pela qual se analisa se o fato praticado pelo agente encontra correspondência em uma conduta prevista em lei como crime ou contravenção penal. A conduta de matar alguém tem amparo no art. 121 do Código Penal. Há, portanto, tipicidade entre tal conduta e a lei penal.

De seu turno, tipicidade material (ou substancial) é a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado em razão da prática da conduta legalmente descrita.

 A tipicidade material relaciona-se intimamente com o princípio da ofensividade (ou lesividade) do Direito Penal, pois nem todas as condutas que se encaixam nos modelos abstratos e sintéticos de crimes (tipicidade formal) acarretam dano ou perigo ao bem jurídico. É o que se dá, a título ilustrativo, nas hipóteses de incidência do principio da insignificância, nas quais, nada obstante a tipicidade formal, não se verifica a tipicidade material.

A presença simultânea da tipicidade formal e da tipicidade material caracteriza a tipicidade penal.[94]

ILICITUDE

As definições de ilicitude apresentadas pela doutrina circulam pela mesma órbita, não apresentando grandes divergências quanto ao seu conceito.

Cleber Masson define a ilicitude como ”a contrariedade entre o fato típico praticado por alguém e o ordenamento jurídico, capaz de lesionar ou expor a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados.”[95]

José Geraldo da Silva expõe que ”o fato, para ser considerado crime, além de típico, deve ser antijurídico, ou seja, contrário ao Direito.[96]

Rogério Greco conceitua da seguinte forma:

Ilicitude, ou antijuridicidade, é a relação de antagonismo, da contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. Quando nos referimos ao ordenamento jurídico de forma ampla, estamos querendo dizer que a ilicitude não se resume a matéria penal, mas sim que pode ter natureza civil, administrativa, tributária etc. Se a conduta típica do agente colidir com o ordenamento jurídico penal, diremos ser ela penalmente ilícita.[97]

Mirabete conceitua a ilicitude, chamada pelo autor como antijuridicidade, como “a contradição entre uma conduta e o ordenamento jurídico.”[98]

Hipóteses de Exclusão da Ilicitude

Existem determinadas hipóteses que excluem a ilicitude do fato típico, são causas previstas no ordenamento jurídico que permitem que o agente cometa o fato ilícito acobertado por uma excludente.

Mirabete nos ensina:

O direito prevê causas que excluem a antijuridicidade do fato típico (causas excludentes da criminalidade, causas excludentes da antijuridicidade, causas justificativas, causas excludentes da ilicitude¸ eximentes ou descriminantes). São normas permissivas, também chamadas tipos permissivos, que excluem a antijuridicidade por permitirem a prática de um fato típico.[99]

O artigo 23 do Código Penal traz as hipóteses de excludentes de ilicitude:[100]

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: 

I - em estado de necessidade; 

II - em legítima defesa;

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Estado de Necessidade

O legislador definiu o estado de necessidade através do artigo 24 do Código Penal:

Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. 

§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. [101]

Cleber Masson nos ensina:

Estado de necessidade é a causa de exclusão de ilicitude que depende de uma situação de perigo, caracterizada pelo conflito de interesses lícitos, ou seja, uma colisão entre bens jurídicos pertencentes a pessoas diversas, que se soluciona com a autorização conferida pelo ordenamento jurídico para o sacrifício de um deles para a preservação do outro.[102]

Conforme Mirabete[103] são os requisitos do estado de necessidade:

a) ameaça de direito próprio ou alheio;

b) existência de um perigo atual e inevitável;

c) a inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado;

d) uma situação não provocada voluntariamente pelo agente;

e) a inexistência de dever legal para enfrentar o perigo; e

f) o conhecimento da situação de fato justificante.

Legitima Defesa

O próprio legislador se preocupou em apresentar o conceito de legítima defesa no artigo 25 do Código Penal:

Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.[104]

Conforme Rogério Greco, o Estado não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo, através de seus representantes, razão pela qual se permite, em determinadas situações, agir em sua própria defesa.[105]

Aprofunda o autor:

Contudo, tal permissão não é ilimitada, pois encontra suas regras na própria lei penal. Para que se possa falar em legítima defesa, que não pode jamais ser confundida com vingança privada, é preciso que o agente se veja diante de uma situação de total impossibilidade de recorrer ao Estado, responsável  constitucionalmente por nossa segurança pública, e, só assim, uma vez presentes os requisitos legais de ordem objetiva e subjetiva, agir em sua defesa ou na defesa de terceiros.[106]

José Geraldo da Silva ensina que “há na legitima defesa uma agressão injusta, atual ou iminente, contra um direito do agredido ou de terceiro, que foi atacado ou ameaçado de dano pela agressão.”[107] Mas existem limites para a atuação do defensor, pois “é necessário, ainda, que o agente se utilize dos meios necessários para repelir tal agressão, e faça o uso moderado de tais meios.”[108]

Os requisitos legais, segundo Masson[109], em análise ao artigo 25 do Código Penal, são cumulativos, quais sejam:

a) Agressão injusta;

b) Agressão atual ou iminente;

c) Defesa de direito próprio ou alheio;

d) Emprego dos meios necessários; e

e) Uso moderado de tais meios.

Mirabete apresenta ainda como requisito o elemento subjetivo e explica:

Como em todas justificativas, o elemento subjetivo, ou seja, o conhecimento de que está sendo agredido, é indispensável (item 4.1.4). Como já se observou, não se tem em vista apenas o fato objetivo nas justificativas, não ocorrendo a excludente quando o agente supõe estar praticando ilícito. Inexistirá legítima defesa quando, por exemplo, o sujeito atirar em um ladrão que está á porta de sua casa, supondo-se tratar-se do agente policial que vai cumprir o mandato de prisão expedido contra o autor do disparo.[110]

Estrito Cumprimento do dever legal

Conforme preconiza a primeira parte do inciso III do artigo 23 do Código Penal, que não há crime quando o agente pratica o fato em estrito cumprimento do dever legal.

O legislador não se preocupou em trazer o conceito de estrito cumprimento do dever legal como fez com o estado de necessidade e a legitima defesa.

Para entendermos esta excludente é necessário entender o que vem a ser o dever legal. Explica José Geraldo da Silva[111] que o dever legal é aquele oriundo da lei penal, extrapenal, da lei civil, etc. O dever legal traduz a existência de uma lei, uma norma emanada do poder público, dentro da esfera de suas atribuições. O dever engloba qualquer obrigação direta ou indireta resultante da lei, em sentido genérico, ou seja, obrigatoriamente derivado de autoridade pública competente para determiná-lo, compreendendo assim, decretos, regulamentos, e, também as decisões judiciais, que se limita a aplicar a letra da lei ao caso concreto que foi submetido à apreciação do judiciário, segundo Cleber Masson.[112]

Mirabete nos ensina quanto ao sujeito que pode agir em estrito cumprimento de dever legal:

A excludente pressupõe no executor um funcionário ou agente público que age por ordem da lei, não se excluindo o particular que exerça função pública (jurado, perito, mesário da Justiça Eleitoral etc.). Estão obrigados pela justificativa o policial que cumpre um mandado de prisão, o meirinho que executa o despejo e o fiscal sanitário que são obrigados à violação de domicilio, o soldado que executa por fuzilamento o condenado ou elimina o inimigo no campo de batalha etc. Agem em estrito cumprimento do dever legal os policiais que empregam força física para cumprir o dever (evitar fuga de presídio, impedir a ação de pessoa armada que está praticando um ilícito ou prestes a fazê-lo, controlar a perturbação da ordem pública etc.).[113]

Segundo Masson, a excludente pressupõe que o executor é um funcionário público, prevalecendo contanto, o entendimento que o estrito cumprimento do dever legal como causa excludente de ilicitude também se estende ao particular, quando atua cumprindo um dever imposto pela lei. Nesse sentido exemplifica o doutrinador, que não há crime de falso testemunho na conduta do advogado que se recusa a depor sobre fatos que tomou conhecimento no exercício de sua função, acobertado pelo sigilo profissional (Lei 8.906/1994 – Estatuto da OAB, arts. 2º, §3º, e 7º, XIX).[114]

Exercício Regular de Direito                                      

O Código Penal determina que não há crime quando o fato for comedido no exercício regular de direito, conforme artigo 23, III, segunda parte.

Mirabete ensina:

Não há também crime quando ocorre o fato no “exercício regular de direito” (art. 23, inc. III, segunda parte). Qualquer pessoa pode exercitar um direito subjetivo ou faculdade prevista na lei (penal e extrapenal). É da disposição constitucional que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude da lei (art. 5º, inciso II, da CF)[115], excluindo-se a antijuridicidade nas hipóteses em que o sujeito está autorizado a este comportamento. Há exercício regular de direito na correção dos filhos pelos pais, na prisão em flagrante por particular, no penhor forçado (art. 779 do CC), na defesa de esbulho possessório recente (art. 502 do CC), no expulsar, ainda que usando a força, pessoas que entram abusivamente ou permanecem em escritório, clube ou local em que lhe é vedado o acesso etc. Não age o sujeito ativo por dever, como na justificativa anterior[116], mas exercita a faculdade de agir conforme o direito.[117]

No mesmo sentido, Fernando Capez e Stela Prado:

A Constituição Federal reza que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão virtude da lei (CF, art. 5º, II). Qualquer pessoa pode exercitar um direito subjetivo ou uma faculdade prevista em lei (penal ou extrapenal). Disso resulta que se exclui a ilicitude nas hipóteses em que o sujeito está autorizado a esse comportamento. Exemplo: o ordenamento jurídico propicia a prisão em flagrante por particular; assim como permite a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou pelo seu procurador, pois se trata de hipótese de imunidade judiciária (vide art. 142, I, II e III)[118]; finalmente possibilita a coação para evitar o suicídio ou para a pratica de intervenção cirúrgica (art. 146, §3º[119]).[120]                                

CULPABILIDADE

Antes de estudar a culpabilidade, é preciso enfrentar o seu posicionamento como elemento estrutural do crime. A doutrina é muito divergente quanto à matéria. José Geraldo da Silva nos demonstra o posicionamento doutrinário[121]:

A teoria tradicionalista, também conhecida como clássica ou tripartida, defende que o crime é a ação humana típica, antijurídica e culpável. São seus defensores: Magalhães Noronha, Heleno Cláudio Fragoso, Aníbal Bruno, Vicente Sabino Júnior, José Frederico Marques, Paulo José da Costa Júnior, Edmundo Oliveira, Francisco de Assis Toledo, Francisco Vani Bemfica, Cezar Roberto Bitencourt, Ney Moura Telles, Guilherme de Souza Nucci, José Henrique Pierangeli e Eugenio Raul Zaffaroni, Álvaro Mayrink da Costa, Luis Regis Prado, Romeu de Almeida Salles Junior, Rogério Greco. Alguns criminalistas renomados acrescentam o conceito de punibilidade, dentre eles: Nelson Hungria, Basileu Garcia, Galdino Siqueira, Bento de Faria, Romeu Falconi, Feu Rosa. Assim, o crime seria o fato típico, antijurídico, culpável e punível.

Miguel Reale Júnior, dentre outros adeptos da teoria dos elementos negativos do tipo, defende que crime é toda ação ou omissão típica e culpável, estando à antijuridicidade implantada ao próprio tipo penal incriminador.

Luiz Flávio Gomes definiu crime como ação típica, antijurídica e punível, mantendo a culpabilidade como mero instrumento que liga a pena ao crime.

A teoria bipartida, também conhecida como teoria finalista da ação, decorrente do pensamento do jurista alemão Hans Welzel, tem como elementos do crime o fato típico e antijurídico, ficando a culpabilidade como pressuposto de aplicação de pena. São seus seguidores: René Ariel Dotti, Damásio Evangelista de Jesus, Júlio Fabbrini Mirabete, Celso Delmanto, Flávio Augusto Monteiro de Barros, Fernando Capez, Vicente de Paula Rodrigues Maggio.

E continua Silva quanto às teorias “o maior problema reside no estudo do dolo e da culpa, que, para a doutrina clássica faz parte da culpabilidade, enquanto para a finalista faz parte do tipo.”[122]

Segundo Cleber Masson:

Culpabilidade é o juízo de censura, o juízo da reprovabilidade, que incide sobre a formação e a exteriorização da vontade do responsável por um fato típico e ilícito, com o propósito de aferir a necessidade de imposição de pena.[123]

Rogério Greco afirma que “Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente.”[124]

Silva[125] e Greco[126] nos ensinam os elementos da culpabilidade, sendo estes:

1. Imputabilidade;

2. Potencial consciência da ilicitude;

3. Exigibilidade de conduta diversa;

1.Imputabilidade

Cleber Masson[127] nos ensina a imputabilidade penal por opção do legislador, e seguindo as tendências da maioria das legislações modernas, não foi definida, tendo apenas apontadas as hipóteses em que a imputabilidade está ausente, ou seja, os casos de inimputabilidade penal, nos artigos 26, caput, artigo 27 e artigo 28, §1º do Código Penal.[128] Contudo o autor esclarece que devido às características da inimputabilidade é possível se extrair um conceito para imputabilidade, sendo esta, a capacidade mental, inerente ao ser humano de, ao tempo da ação ou omissão, entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.

2.Potencial Consciência da Ilicitude

Conceitua José Geraldo da Silva:

Surge quando o agente conhece, com o esforço da consciência, a ilicitude ou antijuridicidade de sua conduta. Verifica-se o sujeito, ao praticar a ação, conhecia a ilicitude do fato ou se tinha condição de reconhecê-la. Essa condição intelectual é chamada consciência da antijuridicidade ou possibilidade de conhecimento da ilicitude do fato.[129]                                

Cleber Masson explica que para a aplicação de pena ao autor de uma infração penal somente é justa se este, no momento da conduta delitiva era dotado ao menos de compreender o caráter lícito do fato praticado. Completa alegando “exige-se, pois, tivesse o autor o conhecimento, ou, no mínimo, a potencialidade de entender o aspecto criminoso do seu comportamento, isto é, os aspectos relativos ao tipo penal e à ilicitude.”[130]

3.Exigibilidade de Conduta Diversa

José Geraldo da Silva segue os ensinamentos do professor Damásio de Jesus, acolhendo de que não é suficiente que o sujeito seja imputável e tenha cometido um fato com possibilidade de lhe conhecer o caráter lícito, para que surja a reprovação social, ou seja, a culpabilidade. Exige-se que nas circunstâncias do fato, o agente tivesse a possibilidade de realizar outra conduta de acordo com o ordenamento jurídico. Assim, a conduta só é reprovável quando, podendo realizar comportamento diverso, de acordo com a ordem jurídica, realiza outro proibido.[131]

Greco traz como conceito:

Temos, portanto, como conceito de exigibilidade de conduta diversa a possibilidade que tinha o agente de, no momento da ação ou omissão, agir de acordo com o direito, considerando-se a sua particular condição de pessoa humana.[132]

No mesmo sentido, Cleber Masson:

A exigibilidade de conduta diversa é o elemento da culpabilidade consistente na expectativa da sociedade acerca da prática de uma conduta diversa daquela que foi deliberadamente adotada pelo autor de um fato típico e ilícito. Em síntese, é necessário  tenha o crime sido cometido em circunstâncias normais, isto é, o agente podia comportar-se em conformidade com o Direito, mas preferiu violar a lei penal.

Conclui Masson:

Destarte, quando o caso concreto indicar a prática da infração penal em decorrência de inexigibilidade de conduta diversa, estará excluída a culpabilidade, pela ausência de um dos elementos.[133]      

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Fernando Estefan. A responsabilidade penal do agente policial infiltrado em organizações criminosas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4340, 20 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39214. Acesso em: 17 nov. 2024.

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