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Análise da constitucionalidade da inserção de norma geral antielisiva na legislação tributária brasileira.

Parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional

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Agenda 01/04/2003 às 00:00

IV. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICADOS À NORMA ANTIELISÃO

4.1. Noções preliminares

A Constituição Federal de 1988 consagrou inúmeros princípios, implícitos e explícitos, com vistas a assegurar ao cidadão a observância e o cumprimento de seus direitos e garantias, individuais ou coletivos, por parte do Estado.

Cumpre neste capítulo comentários acerca das normas constitucionais que balizarão a análise da possibilidade de instituição de regra geral antielisiva no sistema legal brasileiro.

A doutrina mais abalizada, capitaneada por Robert Alexey e Ronald Dworkin, divide as normas jurídicas em princípios e regras.

É de Celso Antônio Bandeira de Mello o conceito de princípio, citado por praticamente toda a doutrina consultada:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. [15]

Para J. J. Canotilho [16] os princípios são normas jurídicas impositivas de uma otimização que, em si mesmos são insuscetíveis de aplicação, enquanto que as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência. Como possuem grau de abstração elevada, os princípios podem coexistir numa convivência conflitual, onde permitem o balanceamento de valores e interesses de acordo com seu peso e importância através da ponderação [17]. As regras, por se constituírem de comandos expressos, são necessariamente antinômicas e conseqüentemente excluem-se, não podendo regras contraditórias possuir validade simultânea. Para Robert Alexy princípios colidem e regras conflitam, sendo esta diferenciação terminológica necessária para os diferentes resultados a serem obtidos na solução de tais questões [18].

De qualquer forma, os princípios são enunciados genéricos que se encontram entre valores e regras; os primeiros, idéias abstratas não contidas nos textos legais, informam todo o ordenamento jurídico, tais como a liberdade, a justiça, etc.; as segundas contêm alto grau de concreção, prescrevendo imperativamente comandos, e se submetem aos valores e princípios.

Os princípios constitucionais tributários variam entre princípios extremamente abstratos, como a isonomia, até princípios que se revelam através de regras, como a legalidade, que pode ser interpretada ora como princípio ora como regra.

Como as regras conflitam no "vale tudo ou nada" (applicable in all-or-nothing fashion nos termos de Dworkin), a questão da colisão de princípios requer mais desenvolvimento no raciocínio. Como antes mencionado, os princípios colidentes serão sopesados de acordo com os diferentes pesos que terão em certas circunstâncias, e um terá precedência sobre outro. O enfrentamento de dois princípios, em que um cederá para que o outro princípio seja aplicado ao caso em concreto, não resultará na eliminação do sistema do princípio afastado, que poderá, em outro caso prevalecer ao princípio ora precedente, em situação inversa.

Segundo Alexy:

A solução da colisão consiste em que, tendo em conta as circunstâncias do caso, se estabelece entre os princípios uma relação de precedência condicionada. A determinação da relação de precedência condicionada consiste em que, tomando em conta o caso, se indicam as condições sob as quais um princípio precede ao outro. Sob outras condições, a questão da precedência pode ser solucionada inversamente. [19]

Desta forma, o afastamento de um princípio frente a outro em um caso concreto é admissível e entendido no contexto jurídico. Estas proposições iniciais serão bastante úteis na análise da norma geral antielisiva nacional, face aos princípios constitucionais que a doutrina entende aplicáveis ao caso, qual sejam os princípios da legalidade, da tipicidade, da capacidade contributiva e da isonomia ou igualdade.

4.2. O princípio da legalidade

O princípio da legalidade é elemento fundamental do Estado de Direito, assim como indispensável para a consolidação do Estado Democrático de Direito. Nas palavras de José Afonso da Silva é o princípio pelo qual "o Estado, ou o Poder Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem mandar tampouco proibir nada aos administradores (sic), senão em virtude de lei". [20]

Mencionado princípio está materializado no art. 5º, inciso II da Constituição Federal, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Ainda Afonso da Silva pontifica que o texto não há de ser interpretado isoladamente, mas dentro do sistema constitucional vigente fundado na competência do Poder Legislativo para legislar sobre as matérias indicadas na Constituição, donde provém a reserva de lei.

O princípio da legalidade, que se constitui na submissão ou respeito à lei, não deve ser confundido com reserva de lei, que é determinação constitucional da necessária regulamentação de determinadas matérias através de lei formal. A reserva constitucional de lei é absoluta quando a Constituição determina que a disciplina da matéria é reservada à lei, com exclusão de qualquer outra fonte infralegal, quando dispõe, v. g., "a lei regulará", " a lei disporá", " a lei complementar organizará", etc.

O fenômeno tributário, sendo atividade estatal, submete-se aos mesmos princípios da legalidade e da reserva absoluta de lei, tendo disposições constitucionais específicas muito além daquelas genéricas do art. 5º. [21]

O art. 150 estatui que: "Sem prejuízos de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – Exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça". Complementando a disposição constitucional, o Código Tributário Nacional dispõe no seu art. 97: "Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos ou sua extinção (...); III – a definição do fato gerador da obrigação principal... e do seu sujeito passivo; IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo (...)". Ainda o art. 37 da Constituição Federal submete as atividades da Administração Pública à obediência ao princípio da legalidade.

Como se vê o ente tributante está completamente vinculado à determinações expressamente contidas nos textos legais antes citados. Neste sentido Sampaio Dória esclarece:

"O princípio da legalidade dos tributos, inscrito pela primeira vez na Carta Magna inglesa de 1215, é postulado cardeal dos sistemas fiscais modernos, e já hoje não se poderia negar o caráter jurídico da norma tributária pela objetividade que ganhou com a supressão do arbítrio real, e sua substituição por um poder executivo balizado pela lei". [22]

Alberto Xavier com muita propriedade se manifesta:

O princípio da legalidade revestiu sempre um conteúdo bem mais restrito. Com vista a proteger a esfera de direitos subjetivos dos particulares do arbítrio e do subjetivismo do órgão de aplicação do direito – juiz ou administrador – e, portanto, a prevenir a aplicação de ‘tributos arbitrários’, optou-se neste ramo do Direito por uma formulação mais restrita do princípio da legalidade, convertendo-o numa reserva absoluta de lei, no sentido de que a lei, mesmo em sentido material, deve conter não só o fundamento da conduta da Administração, mas também o próprio critério da decisão no caso concreto. Se o princípio da reserva de lei formal contém em si a exigência da lex scripta, o princípio da reserva absoluta coloca-nos perante a necessidade de uma lex stricta: a lei deve conter em si mesma todos os elementos da decisão no caso concreto, de tal modo que não apenas o fim, mas também o conteúdo daquela decisão sejam por ela diretamente fornecidos". [23]

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A corrente positivista, representada por Alfredo Augusto Becker, Antônio Roberto Sampaio Dória, Alberto Xavier, Luciano Amaro, César Guimarães, entre outros, defende a absoluta reserva de lei em matéria tributária, sem permitir ao aplicador da lei interpretação mais extensiva além dos ditames pré-estabelecidos. Em sentido inverso, cumpre anotar que há defensores de idéias que combatem esta teoria juspositivista, relativizando os tipos tributários para conceder à legalidade elasticidade em sua interpretação. Desta forma, segundo André Estrella, modifica o alcance e o significado do princípio da legalidade "tornando-o aberto à interpretação e à complementação judicial, tendo em vista que o direito tributário se utiliza de cláusulas gerais e de princípios indeterminados, impedindo, desta sorte, o fechamento total de seus conceitos", o que desaguaria na interpretação econômica dos fatos tributários. [24]

Enveredando por outra seara, importante ressaltar o estudo de César A. Guimarães Pereira acerca da configuração da legalidade como princípio e como regra, retornando aos preceitos referidos no item anterior. De acordo com Guimarães Pereira a legalidade na condição de regra constitui limite objetivo, estabelecendo critérios formais e materiais para a edição de normas jurídicas tributárias, estando submetida ao regime do tudo ou nada. Como princípio, a legalidade se apresenta como vetor de interpretação e referência de valores fundamentais da Constituição, assumindo peso relativo de acordo com as circunstâncias em que colida com outros princípios. [25] Desta dupla característica da legalidade deflui a constatação de que a legalidade se constitui em limite objetivo da tributação, sem a fluidez e flexibilidade inerente aos princípios. Em suma, no fenômeno tributário, diante da previsão de normas expressas acerca da limitação do poder de tributar, a legalidade assume a condição de regra, não admitindo a colisão com outros princípios, mas sim o conflito com outras regras que resultará na anulação de uma das forças em conflito. A legalidade na forma de princípio ficaria adstrita ao art. 5º da Constituição Federal como preceito otimizador do sistema legal, e, como regra, se situaria no art. 150, inciso I do mesmo diploma.

Sendo assim, o princípio da legalidade, as vezes princípio as vezes regra, submete a Administração Pública ao rigorismo de sua observância, estabelecendo limitações ao poder de tributar em nome da segurança jurídica e do Estado de Direito. Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho "a legalidade não é um valor em si, é um limite objetivo. Obviamente, é um limite objetivo que persegue um valor, e esse valor, nós já sabemos, é a segurança jurídica." [26]

4.3. O princípio da tipicidade

A doutrina nacional considera o princípio da tipicidade, na verdade, como sendo a materialização do principio da legalidade. Segundo Crisley de Souza Feitosa, isso significa que a lei formal que institui tributos deve elencar todos os elementos descritos no art. 97 do Código Tributário Nacional. [27] Tal fato decorre da preocupação do legislador para que a lei defina todos os elementos necessários, da forma mais completa possível, para verificação pelos contribuintes do alcance real do tributo que está sendo instituído. Desta forma, diante da precisão exigida pela legislação é que a doutrina afirma que a tipicidade é cerrada ou fechada.

Mizabel Derzi se contrapõe a utilização do termo tipicidade, preferindo a expressão "conceitualização determinada e fechada". De qualquer forma, o tipo cerrado garante segurança não somente aos contribuintes contra o fisco, mas também ao ente tributante, que evita a interpretação extensiva do judiciário.

Segundo Alberto Xavier o princípio da tipicidade ou da reserva absoluta de lei tem como corolários o princípio da seleção, o princípio do numerus clausus, o princípio do exclusivismo e o princípio da determinação ou da tipicidade fechada. [28]

O princípio da seleção informa que o legislador não pode instituir tributo através de cláusula geral que englobe todas as situações tributáveis. O legislador deve escolher os fatos reveladores da capacidade contributiva e tipificá-los, dentro do quadro mais vasto das situações que apresentem aptidão para tanto.

O princípio do numerus clausus explicita ainda mais o princípio da seleção, na medida que estabelece as formas de tipificação exigidas por este último princípio. A elaboração da norma tributária através da tipologia pode se dar pelas seguintes formas: exemplificativa, taxativa e delimitativa. O princípio do numerus clausus esclarece que a tipologia tributária é evidentemente taxativa na medida que o fato tributário típico, para produzir efeitos, deve corresponder ao tipo abstrato previsto na lei em todos os seus elementos. Na ausência de apenas um dos elementos correspondentes entre o fato a ser tributado e a descrição abstrata do tipo tributável não ocorre a tipicidade tampouco a possibilidade de tributação. Esta taxatividade da tipologia impede a aplicação da analogia na análise do direito tributário, pois se o fato não se subsume exatamente a um dos tipos tributários previstos na norma não há obrigação tributária.

O princípio do exclusivismo corresponde à perfeita adaptação das situações jurídicas aos tipos legais tributários, sendo que estes contêm uma descrição completa dos elementos relevantes ao fato tributário. Os elementos contidos no tipo tributário são, nos dizeres do art. 114 do Código Tributário Nacional, os necessários e suficientes para a ocorrência dos efeitos previstos na norma, não admitindo quaisquer elementos adicionais. É o que a lógica jurídica denomina "implicação intensiva". Segundo César A. Guimarães Pereira, citando Moschetti, o exclusivismo afasta a tipificação (Typisierungsbetrachtungsweise) como uma das técnicas antielisivas contidas no direito alemão, onde fatos infrequentes são incluídos nos fatos típicos referidos na lei tributária. [29] Esta forma de tipificação não é permitida pela Constituição brasileira eis que os princípios antes delineados exigem uma precisa apreciação dos fatos tributados, adstrita aos termos da lei.

O princípio da determinação exprime que os elementos integrantes na formulação legal do tipo devem ser rigorosamente determinados para que impeçam a aplicação de critérios subjetivos pelo ente tributante na análise do caso concreto, o que colocaria em risco a segurança jurídica do contribuinte pela indefinição dos conceitos.

A Constituição Federal de 1988 consagrou expressamente o princípio da tipicidade da tributação ao definir o papel da lei complementar em matéria tributária. Pelo seu art. 146, inciso III, alínea "a", em conjunto com o caput do art. 145 estabelece o critério bifásico para o estabelecimento dos tributos, que comporta dois momentos: a regulação, por via de lei complementar, e a instituição, por lei ordinária. Para Alberto Xavier a alínea "a" do inciso III do art. 146 consagra o princípio da tipicidade em todos os seus corolários:

...proibição de cláusula geral, pois os tributos discriminados na Constituição "selecionaram" casuisticamente determinadas manifestações de capacidade contributiva; numerus clausus, pois o catálogo dos tributos existentes é apenas o constante da "discriminação" (para usar o termo do próprio art. 146) operada pela Constituição, com exceção dos impostos de competência residual da União; e "determinação", pois devem ser formulados por conceitos determinados os elementos essenciais do tributo (fato gerado, base de cálculo e contribuinte). [30]

A Constituição brasileira utiliza na construção dos tributos de um método tipológico fragmentário e progressivo através de três formas legislativas: lei constitucional, lei complementar e lei ordinária. Este processo de tipificação ocorre em três graus diferentes. O primeiro grau é realizado pela Constituição ao descrever o núcleo essencial dos tributos; o segundo grau é realizado pela lei complementar que define o fato gerador, base de cálculo e contribuintes, por conceitos determinados; e o terceiro grau é realizado pela lei ordinária com liberdade de definição dos tipos tributários, sempre dentro dos limites e parâmetros contidos na lei complementar.

Diante destas colocações, o princípio da tipicidade, jungido ao princípio da legalidade, forma um conjunto de proibições levando a Administração não somente estar adstrita ao cumprimento do comando legal expresso, mas também proibi-la de perseguir certas finalidades, chamados de aspectos negativos dos princípios que são os seguintes: proibição da lei constitucional derivada de modificação dos arts. 150 e 146, que traduzem em "reserva de Constituição originária"; proibição de legislação independente decorrente da reserva de lei formal; proibição de remissões ou delegações para fontes infralegais decorrente do princípio do exclusivismo; proibição do uso de conceitos indeterminados na formulação legislativa decorrente do princípio da determinação; proibição de cláusula geral tributária decorrente do princípio da seleção; proibição da discricionariedade administrativa decorrente do princípio do exclusivismo e proibição da analogia decorrente do princípio do numerus clausus. Para a evolução do presente trabalho a fixação destas premissas possui relevante importância, quando da análise da regra geral antielisiva nacional.

O princípio da tipicidade encontra-se ligado, não só à segurança jurídica, como também ao princípio da separação dos poderes, na medida que baliza a atuação do Poder Legislativo na formulação das leis, como também impede que tal competência venha a ser exercida pelo Executivo e Judiciário, ainda que de forma indireta e oblíqua. Esta vedação impede a inversão de competências entre os Poderes, o que poderia resultar na permissão da criação derivada das leis através do que Alberto Xavier chama de "normas de delegação". [31] As normas de delegação são mecanismos que permitiriam a criação de legislação tributária pelos Poderes Executivo e Judiciário, de forma paraconstitucional e completamente ao arrepio da lei.

Xavier reúne as normas de delegação em quatro tipos, de acordo com a sua fonte: de predeterminação ampla, de predeterminação incompleta, de predeterminação indeterminada e predeterminação inexistente.

A norma resultante de predeterminação ampla consiste na formulação de normas de tamanha abrangência e abstração que permite abarcar todo um universo de casos submetendo-os a uma conseqüência jurídica. É o caso da cláusula geral, onde o alto grau de abstração e generalidade da norma permitem que o Poder Judiciário e o Poder Executivo atuem de forma inovativa, vez que é possível a elasticidade de aplicação da norma em relação ao caso concreto.

A norma resultante de predeterminação incompleta consiste na norma formulada de forma incompleta, descrevendo apenas alguns elementos do tipo e remetendo sua complementação a atos regulamentares ou administrativos de outros órgãos públicos sem a competência originária, acarretando o que a doutrina chama de "degradação do grau hierárquico".

A norma resultante da predeterminação indeterminada decorre da utilização de conceitos vagos e imprecisos na construção da norma, de forma que permite ao aplicador da lei a liberdade de emitir valorações pessoais, da mesma forma como ocorre com os conceitos indeterminados, propiciando ao administrador ou juiz a criação do direito. Ricardo Lobo Torres discorda desta tese sob o fundamento de que "a norma do Direito Tributário não pode deixar de conter alguma indeterminação e imprecisão, posto que se utiliza também das cláusulas gerais e dos tipos que são abertos por definição". [32]

A norma de delegação resultante da predeterminação inexistente decorre da omissão da hipótese no corpo do texto legal, o que permite que o Executivo e o Judiciário formulem regra jurídica aplicável ao caso omisso seguindo o princípio da analogia.

Em suma, o princípio da tipologia determina que o legislador formule as leis tributárias: "i) de um modo casuístico ou seletivo, com a conseqüente proibição de cláusulas gerais (lex estricta); ii) de modo completo e exclusivo, com a conseqüente proibição de normas de reenvio (lex complexa); iii) de modo claro e preciso, com a conseqüente proibição de conceitos indeterminados (lex certa); iv) de modo expresso, com a conseqüente proibição da analogia (lex stricta).

4.4. O princípio da capacidade contributiva

A capacidade contributiva representa a proporção pela qual a tributação deva incidir sobre a exteriorização da capacidade econômica de cada cidadão para o custeio das despesas da sociedade em geral.

Para André Luiz Carvalho Estrella:

Intimamente ligada ao valor de justiça, expressa a idéia de que cada um deve contribuir para o custeio do todo de acordo com suas possibilidades econômicas. Em outras palavras, o ônus tributário deve ser igualmente distribuído, ajustado à capacidade econômica dos cidadãos, na medida em que se desigualam. Nas palavras de Héctor Villegas, a capacidade contributiva é o limite material quanto ao conteúdo da norma tributária garantindo sua justiça e razoabilidade. [33]

Defende Estrella que a concretização da justiça distributiva seria alcançada pela distribuição igualitária da carga tributária. O escalonamento da tributação seria feito começando no mínimo necessário à existência digna e terminaria aquém da destruição do patrimônio.

O princípio da capacidade contributiva está contido no § 1º do art. 145 da Constituição Federal e determina que os impostos serão graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte sempre que possível. Tem acepção objetiva, o que significa dizer que a norma deve descrever como fato gerador um ato que seja revestido de conteúdo econômico, assim entendidos os signos presuntivos de manifestação de riqueza, e não um ato aleatório qualquer.

Para Dino Jarach:

Todas as situações e todos os fatos aos quais está vinculado o nascimento de uma obrigação impositiva possuem como característica a de apresentar um Estado ou um movimento de riqueza; isto se comprova com a análise indutiva do direito positivo e corresponde ao critério financeiro que é próprio do imposto: o Estado exige uma soma de dinheiro em situações que indicam uma capacidade contributiva. É certo que o Estado por capricho, pelo seu poder de império, poderia exigir impostos com base em qualquer pressuposto de fato, mas o Estado, afortunadamente, não age assim. [34]

Na lição de Ricardo Mariz de Oliveira:

Na verdade, capacidade contributiva somente existe após a ocorrência de um fato com conteúdo econômico, que seja o fato gerador de algum tributo, e só existe em relação a este, pois capacidade contributiva é o substrato econômico, ou decorrência dele, que necessariamente deve existir no fato sujeito a um determinado e específico tributo, de cujo substrato se retira a parcela destinada ao erário público, tudo segundo as competências tributárias que a Constituição outorga. [35]

Em seu aspecto subjetivo, o princípio se destina a aferir a capacidade de pagamento de cada cidadão, graduando-a de acordo com o signo de manifestação de riqueza estabelecido pela norma que define o fato gerador.

Importa ressaltar que a capacidade contributiva não se manifesta antes da ocorrência do fato gerador de tributo. Se o fato jurídico não se subsume ao tipo descrito na norma tributária, não se realiza o fato gerador de tributo. Não ocorrendo o fato gerador de tributo, que daria ensejo à obrigação do contribuinte ao seu pagamento, não há que se falar em capacidade contributiva, que apenas é aplicável a fatos econômicos tributáveis. Como antes mencionado, se a elisão se manifesta antes da ocorrência do fato gerador, seria incongruente relacionar elisão e capacidade contributiva.

4.5. O princípio da igualdade (isonomia)

O princípio da igualdade se encontra insculpido no art. 5º da Constituição Federal nos seguintes termos: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...).

Desde o Impérito as Constituições brasileiras têm adotado o princípio da igualdade como igualdade perante a lei, no sentido de que a lei e a sua aplicação trata a todos de forma igual, dentro da chamada isonomia formal.

De outro modo, a doutrina estrangeira diferencia igualdade "perante a lei" da "igualdade na lei". A igualdade perante a lei significa o tratamento do caso concreto em conformidade com o texto legal, mesmo que isto resulte em conseqüentes desigualdades, estando adstrita ao conceito de isonomia puramente formal. Por sua vez, a igualdade na lei exige que não se façam distinções no texto legal que não sejam autorizadas pela própria Carta Magna. Em outras palavras, a igualdade perante a lei é dirigida aos aplicadores da norma enquanto que a igualdade na lei se relaciona com sua formação pelo legislador, em um primeiro momento, e, de conseqüência, perante os aplicadores, num segundo momento.

Na doutrina nacional, Seabra Fagundes firma seu entendimento:

Para o legislador o princípio significa que, ao elaborar a lei, deve reger, com iguais disposições – os mesmos ônus e as mesmas vantagens – situações idênticas e, reciprocamente, distinguir, na repartição de encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas, de sorte a aquinhoá-las ou gravá-las em proporção às suas diversidades. [36]

A destinação do princípio da igualdade ao legislador parece a mais acertada. Se tal princípio for observado na construção e constituição da norma, o aplicador da norma, cujo texto legal já contém os critérios da igualdade insculpidos, agirá dentro do princípio da igualdade pelo simples fato de que outro princípio constitucional – o princípio da legalidade – o obriga a executá-la com fidelidade e respeito.

Contudo, apesar da igualdade desejada, as diferenças entre grupos tem que ser consideradas. Acerca deste ponto José Afonso da Silva preleciona:

Quando se diz que o legislador não pode distinguir, isto não significa que a lei deva tratar todos abstratamente iguais, pois o tratamento igual – no dizer de Petzold – não se dirige a pessoas integralmente iguais entre si, mas àquelas que são iguais sob os aspectos tomados em consideração pela norma, o que implica que os "iguais" podem diferir totalmente sob outros aspectos ignorados ou considerados irrelevantes pelo legislador. [37]

Isto significa dizer que os critérios de igualdade e desigualdade serão estabelecidos pelo legislador, segundo aspectos e características consideradas essenciais ou relevantes das pessoas, ou ainda, circunstâncias ou relações jurídicas nas quais essas pessoas se encontram. Aos olhos da norma estas pessoas serão consideradas idênticas, embora possam diferir em aspectos considerados como irrelevantes ao legislador.

A respeito do princípio da igualdade tributária, a doutrina nacional divide-se em diversas teorias agrupadas em duas modalidades: subjetivas e objetivas.

As teorias subjetivas compreendem dois princípios: o princípio do benefício, que prega que a carga dos impostos deve ser dividida entre os contribuintes de acordo com os benefícios usufruídos por cada cidadão; e o princípio do sacrifício igual, onde os gastos do Estado em relação a cada particular devem ser por eles suportados, onde cada contribuinte suporta um sacrifício igual ao suportado por qualquer outro. Ambos os princípios são considerados injustos. O primeiro porque agrava ou mantém as desigualdades existentes através da tributação proporcional. O segundo, nas palavras de José Afonso da Silva "numa sociedade dividida em classes, não é certo que todos se beneficiem igualmente das atividades governamentais". [38]

As teorias objetivas convergem para o princípio da capacidade contributiva, descrito no item anterior e contido no art. 145, § 1º da Constituição Federal.

O problema é que as teorias mencionadas se valem de critérios abstratos e podem se revelar, de acordo com o caso, injustas e desiguais. Desta forma, prega José Afonso da Silva que "é necessário ter em vista que o sistema tributário é parte de um sistema econômico-social concreto, e qualquer teoria de uma tributação justa que não leve em conta a totalidade do sistema social cai na abstração metafísica." [39]

Por fim, conclui José Afonso da Silva:

Não basta, pois, a regra da isonomia estabelecida no caput do art. 5º, para concluir que a igualdade perante a tributação está garantida. O constituinte teve consciência de sua insuficiência, tanto que estabeleceu que é vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, III). Mas também consagrou a regra pela qual, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (art. 145, § 1º). É o princípio que busca a justiça fiscal na distribuição do ônus fiscal na capacidade contributiva do contribuinte, já discutido antes. Aparentemente, as duas regras se chocam. Uma veda tratamento desigual; outra o autoriza. Mas em verdade ambas se conjugam na tentativa de concretizar a justiça tributária. A graduação, segundo a capacidade econômica e personalização do imposto, permite agrupar os contribuintes em classes sociais, e, dentro de cada uma, que constituem situações equivalentes, atua o princípio da igualdade. [40]

Sobre o autor
Carlos Alexandre Perin

advogado em Curitiba (PR), especialista em Direito Empresarial

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERIN, Carlos Alexandre. Análise da constitucionalidade da inserção de norma geral antielisiva na legislação tributária brasileira.: Parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3943. Acesso em: 4 nov. 2024.

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