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Análise da constitucionalidade da inserção de norma geral antielisiva na legislação tributária brasileira.

Parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional

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01/04/2003 às 00:00
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SUMÁRIO: I-Introdução; II-A terminologia utilizada na doutrina: elisão, evasão e elusão; III-A norma antielisiva no direito comparado, 3.1.O direito anglo-saxão, 3.2.O direito na Espanha, 3.3.O direito na Alemanha, 3.4.O direito na Itália, 3.5.O direito na França, 3.6.O direito na Argentina; IV-Os princípios constitucionais aplicados à norma antielisão, 4.1.Noções preliminares, 4.2.O princípio da legalidade,4.3.O princípio da tipicidade, 4.4.O princípio da capacidade contributiva, 4.5.O princípio da igualdade (isonomia); V-A norma geral antielisiva em confronto com os princípios constitucionais brasileiros, 5.1.Legalidade e tipicidade verus capacidade contributiva e isonomia, 5.2.O uso da interpretação econômica, 5.3.O uso da analogia, 5.4.O poder/dever de tributar e a liberdade individual; VI-O texto do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, 6.1.Aspectos formais, materiais e processuais da norma, 6.2.Critério temporal de aplicação da norma, 6.3.A necessária conceituação de dissimulação, abuso de forma e abuso de direito, 6.3.1.Dissimulação e simulação, 6.3.2.Abuso de forma, 6.3.3.Abuso de direito, 6.4.Desconsideração dos atos ou negócios jurídicos, VII-Inexistência da norma geral antielisiva brasileira; VIII-Conclusão; Bibliografia


I. INTRODUÇÃO

Com o advento da Lei Complementar nº 104/2001, que inseriu o parágrafo único no artigo 116 do Código Tributário Nacional, a tormentosa questão da aplicação das teses anti-elisivas ao direito nacional ganhou novos contornos, agora calcados no conteúdo de norma cogente.

A previsão legal expressa da possibilidade de desconsideração de atos ou negócios jurídicos lícitos praticados pelos contribuintes frente a atuação da autoridade administrativa competente lança no sistema tributário nacional instituto já utilizado em outros países e, de certa forma, ainda inédito na legislação pátria.

Apesar de ter suas sementes lançadas em terras européias no início do século XIX, a matéria é bastante atual haja vista a aprovação da Lei Complementar nº 104/2001, e posterior edição da Medida Provisória nº 66, de 29 de agosto de 2002, que trouxe recentemente a questão à baila, ainda que não mantidas as cláusulas reguladoras da antielisão na sua conversão em lei. Por este motivo não trataremos da regulamentação contida na referida Medida Provisória.

Em que pese a sua atualidade no sistema nacional, durante todo este período, desde a sua origem, muito se discutiu sobre a norma antielisão em todos os cantos do planeta. Da Argentina a Alemanha, passando pelos Estados Unidos e Inglaterra, todos formularam suas teorias e dispositivos envolvendo a norma antielisiva de acordo com seus sistemas legais.

O presente trabalho tem por objetivo enveredar pelas minudências que envolvem a norma antielisiva, sob todos os aspectos, em especial relativa à questão constitucional e tributária, consultando a doutrina nacional e estrangeira.

O confronto entre a vontade do contribuinte em diminuir sua carga tributária e a ânsia do Estado de maximizar cada vez mais a arrecadação de tributos suscita análise à luz do direito para verificação dos limites legais das atividades de ambos os pólos, que permeiam seus interesses em sentidos opostos.

Enquanto não há norma legal que obrigue ao contribuinte a escolha de formas negociais que impliquem em maior recolhimento de tributos, por sua vez, o Estado, diante do seu poder/dever de arrecadação, implementa medidas que interferem nesta "opção" do contribuinte, podendo desconsiderar algumas operações que resultem em diminuição da tributação. Tal escolha de formas negociais, também chamada de planejamento tributário, que importarão em elisão fiscal, assim como a interferência estatal, através das medidas chamadas anti-elisivas, merecem análise por confrontarem-se com dispositivos constitucionais e infra-constitucionais específicos que estabelecerão os limites da utilização de ambos os institutos e balizarão a prática de atos em um ou outro sentido.

A investigação pretende desvendar, longe de esgotar o tema, a possibilidade de inserção de norma geral antielisiva no sistema legal nacional e se tal desiderato foi alcançado pela instituição do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, através da Lei Complementar nº 104/01, o qual tem sido denominado largamente de norma geral antielisão.


II. A TERMINOLOGIA UTILIZADA NA DOUTRINA: ELISÃO, EVASÃO E ELUSÃO

Apesar do exaustivo tratamento dos conceitos de evasão e elisão pela doutrina, urge algumas considerações que serão úteis no desenvolvimento das questões tratadas nos capítulos seguintes.

O conceito corrente na doutrina brasileira de evasão e elisão tributária formou-se pela influência das obras de Sampaio Dória. Segundo a interpretação de Gilberto Luiz do Amaral:

O prof. Sampaio Dória se refere à contradição que ocorre na adoção do termo nuclear como evasão ou fraude e na adição de qualificativos contraditórios (legal e ilegal), se aplicados simultaneamente à mesma unidade conceitual. Uma categoria jurídica não pode ser e não ser legal. Um ato lícito não se nivela a uma infração, causando a confusão taxonômica, que insinua tal nivelamento, embaraços à própria diferenciação jurídica das espécies em exame (ou seja, entre a fraude fraudulenta e fraude não fraudulenta!). [1]

Ainda seguindo os ensinamentos de Sampaio Dória, a palavra evasão já vem carregada em seu significado de conotações da prática de algo ilícito. Utilizar o termo evasão ilícita seria cometer pleonasmo, diante do significado de ilicitude já contido no termo evasão; ao mesmo tempo que utilizar o termo evasão lícita seria incompatível, por agregar duas expressões contraditórias.

Diante de tais constatações terminológicas, a doutrina tem optando pelo termo evasão ou fraude para exprimir a sonegação fiscal mediante procedimentos ilícitos, e elisão fiscal nos casos de ações legais do contribuinte para reduzir ou evitar o pagamento de tributos.

Além da presença da ilicitude, o momento da utilização dos meios para o não pagamento ou diminuição do valor do tributo consiste no aspecto de maior relevância para delimitar propriamente a separação entre elisão e evasão. Na evasão a prática dos atos do contribuinte para afastar o pagamento do tributo se materializa no instante ou após a ocorrência do fato gerador, enquanto que na elisão ou economia fiscal a ação do contribuinte acontece antes da ocorrência do fato gerador.

Ricardo Mariz de Oliveira pontifica que "os dois termos não são causais nem destituídos de sentido semântico, dado que a evasão fiscal significa a fuga da obrigação tributária existente segundo a lei (daí a ilicitude), ao passo que a elisão significa elidir legalmente a ocorrência da obrigação tributária (daí a licitude)". [2]

Em outras palavras, na evasão fiscal o agente visa eliminar, reduzir ou retardar o pagamento de tributo, já devido pela ocorrência do fato gerador. Em momento precedente, na elisão fiscal, o agente visa, licitamente, evitar, minimizar ou adiar a ocorrência do próprio fato gerador, que daria origem à obrigação tributária.

Em que pese os aprofundados estudos de Rubens Gomes de Souza, calcados em Albert Hensel, e de Sampaio Dória acerca do critério cronológico da ocorrência do fato gerador para a diferenciação ou delimitação entre elisão e evasão, tal proposição não obteve êxito na localização exata do problema, surgindo situações em que o critério cronológico deixa a desejar. Não são raras as situações em que a fraude pode ocorrer antes da realização do fato gerador, a exemplo do comerciante que emite nota fiscal adulterada antes da saída da mercadoria do estabelecimento.

Diante de tais considerações, alguns autores defendem a análise de outros aspectos dos fatos tributários, que identificam a existência de uma "zona cinzenta" em que permeiam elementos de elisão e evasão, dando origem a outros regimes jurídicos com diferentes conceitos.

Em seu estudo, César A. Guimarães Pereira defende a existência de três regimes jurídicos distintos para classificar as atitudes do agente em relação ao fisco: evasão tributária, elisão tributária eficaz e elisão tributária ineficaz. Para Guimarães Pereira:

No segundo caso (elisão ineficaz), a Administração tributária comprova a existência de negócio simulado e o desconsidera através de lançamento de ofício. No primeiro caso (elisão eficaz), o negócio elisivo é enquadrado na hipótese normativa ou na área de omissão legislativa visadas pelo particular (ou seja, recebe a qualificação jurídica proposta pela conduta elisiva), sem que nada possa ser objetado pela Administração tributária ou pelo Poder Judiciário). [3]

Da mesma forma, mas usando conceitos um pouco diversos, Heleno Taveira Tôrres também defende a existência de outros regimes que refogem aos fixos conceitos de evasão e elisão antes apresentados. Prefere o uso da expressão "elusão" para se referir aos atos atípicos do contribuinte para evitar a subsunção do negócio praticado ao fato típico imponível. Difere da elisão, eis que esta é completamente lícita, e da evasão, por ser esta posterior a ocorrência do fato gerador. Explicando este novo conceito Heleno Taveira Tôrres aduz:

No caso da elusão, o contribuinte assume o risco pelo resultado, visando a uma tributação menos onerosa, mediante o uso de meios atípicos, seja para evitar a ocorrência do fato gerador, seja para pô-lo em subsunção com uma norma menos onerosa. Aqui já não se trata de economia de tributos; outrossim, sem que sua atitude se constitua numa modalidade de simulação, num agir impulsionado por escapatória, ardil, escamoteação, estratagema, subterfúgio, visando prejudicar a aplicação da legislação tributária. [4]

Cumpre destacar o brilhantismo e aprofundamento do artigo elaborado por Heleno Taveira Tôrres e compilado na obra de James Marins, que, com muita propriedade, situa os conceitos do planejamento tributário dentro da legislação brasileira.

Referido autor ressalta que o conceito de elusão formulado, decorrente do direito positivo, deve ser avaliado e posicionado de acordo com a legislação dos variados sistemas jurídicos existentes, sem o que, importaria em interpretações equivocadas. Na Alemanha, por exemplo, adota o conceito de abuso de direito e abuso de formas para definir a conduta atípicos inserta na elusão; o Reino Unido utiliza a prevalência de substância sobre a forma com o teste do propósito negocial; a Bélgica considera a elusão como abuso de direito; na Espanha adota o conceito de fraude a lei. Em capítulo próprio serão analisados os princípios jurídicos adotados por diversos países de forma comparativa, situando as terminologias ora firmadas.

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Em relação ao ordenamento jurídico brasileiro o conceito de elusão é impreciso e de difícil diferenciação das hipóteses de simulação que veremos adiante. A simples utilização do critério cronológico antes mencionado não é suficiente para tal desiderato, havendo a necessidade de consideração da finalidade dos atos praticados.

No direito anglo-saxão foram erigidas a substance over form e a reasonable business purpose para atendimento da análise da finalidade, enquanto que nos sistemas de origem continental europeus prevalece a idéia de abuso de direito e de formas jurídicas ou de fraude à lei [5].

A problemática dos conceitos acima face ao direito nacional surge quando se verifica que a consideração da finalidade dos atos implica na interpretação econômica do direito tributário, que não encontra acolhida na doutrina nacional. Segundo entendimento de Alfredo Augusto Becker "a doutrina da interpretação do Direito Tributário, segundo a realidade econômica, é filha do maior equívoco que tem impedido o direito tributário evoluir como ciência jurídica". [6] Esta questão da identificação dos regimes jurídicos face à norma nacional será objeto de análise nos capítulos posteriores, quando serão abordados os princípios constitucionais aplicáveis ao planejamento tributário e a interpretação da norma antielisiva, sendo suficiente para este primeiro momento apenas a demonstração da existência e diferenciação da evasão, elisão (elisão eficaz) e elusão (elisão ineficaz).


III. A NORMA ANTIELISIVA NO DIREITO COMPARADO

Longe de pretender esgotar as diversas nuances com que se apresentam as teorias antielisivas pelo globo, o presente capítulo apresenta em apertada síntese as principais premissas que norteiam a legislação estrangeira e que, através de alguns doutrinadores nacionais, têm influenciado na construção dos conceitos de elisão dentro do direito brasileiro. Ainda que não se constitua o principal foco do presente estudo, a análise do direito comparado demonstrará os caminhos trilhados pela doutrina nacional face às idéias vigentes no mundo globalizado.

3.1. O direito anglo-saxão

Como é assente, o direito anglo-saxão se caracteriza pela inexistência de normas legisladas, tendo como fundamento apenas princípios estatuídos em precedentes judiciais (case law). Portanto, o tratamento da tax evasion e tax avoidance nos Estados Unidos e no Reino Unido difere sobremaneira dos demais.

Segundo César A. Guimarães Pereira [7], os doutrinadores americanos fazem menção a quatro teorias judiciais de interpretação das unacceptable tax avoidance techniques. A business purpose doctrine trata do propósito ou finalidade das ações do contribuinte, que poderão ser desconsideradas se levadas a efeito unicamente visando a elisão tributária. A teoria da substance over form autoriza o Poder Judiciário a analisar a substância do negócio (conteúdo econômico) para determinar o tratamento tributário que entender adequado, independente da forma empregada pelo contribuinte. A step transaction theory permite a reunião das etapas de determinado negócio para tratamento fiscal conjunto se as etapas tiverem relação entre si e direcionadas a um resultado final específico. A assignment of income doctrine informa que a renda pertence ao capital ou ao trabalho para efeitos tributários.

No Reino Unido prevaleceu por longo tempo o entendimento da liberdade de economia dos tributos baseado no formalismo da tributação. Após o julgamento do caso Furniss v. Dawson em 1984 a jurisprudência britânica tem se aproximado do posicionamento norte americano, analisando as situações de fato e desconsiderando transações sem propósito real.

3.2. O direito na Espanha

A doutrina espanhola, seguindo o modelo europeu, distingue três modelos de regimes jurídicos para tratamento da questão da elisão: evasión, elusión e fraude de ley tributária.

Evasión, fraude fiscal ou fraude tributária ocorre pela violação direta do dever tributário, sendo tipificada como crime; a elusión ou economia de opción corresponde a economia lícita de tributos; e a fraude de ley tributária se relaciona a violação indireta da norma tributária através do abuso de formas.

No direito espanhol há perfeita diferenciação entre fraude fiscal e fraude à lei tributária. Enquanto no primeiro tipo ocorre violação à lei em geral, no segundo tipo ocorre violação específica à lei tributária, prevista no art. 24 da Lei Geral Tributária.

Interessante ressaltar que a nova redação do art. 24, modificada em 1995, traz exceção a regra da proibição do uso da analogia nos casos de fraude a lei tributária, o que a redação anterior de 1963 do mesmo artigo vedava expressamente. Tal modificação tem sido objeto de duras críticas pelos doutrinadores locais eis que não se enquadra ao modelo de tipicidade cerrada e concede poderes excessivos à Administração. [8]

O atual art. 25 da LGT autoriza expressamente da verificação da simulação para desconsiderarão de atos ou negócios praticados que tragam prejuízo ao fisco, independente da forma ou da denominação utilizadas. A simulação, portanto, situa-se em dispositivo separado da fraude à lei tributária.

3.3. O direito na Alemanha

A Alemanha iniciou a discussão sobre o abuso de formas do direito privado trazido para o direito tributário, além de Albert Hensel ser o primeiro a enunciar os conceitos de diferenciação de elisão e evasão fiscal.

Em 1977 o Código Tributário alemão sofreu alterações que eliminaram a regra da interpretação do fato tributário segundo a realidade econômica, mantendo as normas sobre o abuso de formas (§ 42) e a irrelevância fiscal dos atos simulados. Apesar disso, a jurisprudência optou pela continuidade da utilização da realidade econômica no direito tributário por ser a forma de interpretação comum a todo direito alemão.

Segundo o estudo de César A. Guimarães Pereira [9]:

No direito tributário alemão, a referência à utilização de uma ficção jurídica pelo § 42 do Código Tributário evita a reprovação da regra em face da proibição da analogia na configuração de deveres tributários, amplamente reconhecida pela doutrina. O direito tributário alemão distingue, assim, a interpretação segundo a realidade econômica (que é vista como derivação dos critérios comuns de interpretação da lei, diante da teleologia das leis tributárias) da ficção legal de ocorrência do fato imponível no caso do abuso das formas jurídicas (o que depende da previsão expressa da ficção pela lei tributária, como o § 42 do Código Tributário alemão). O dispositivo não é tido, pela doutrina alemã, como ofensivo de garantias constitucionais tributárias. A respeito do tema correlato, Victor Uckmar considerou significativo que "a interpretação econômica foi julgada válida em um caso-teste em um país como a Alemanha, onde os princípios constitucionais do direito tributário e a proteção do contribuinte constituem um dos mais refinados exemplos de teoria jurídica".

E mais adiante:

Hensel alude especificamente a dois pontos importantes, que vêm influenciando a doutrina brasileira sobre o tema. Primeiro, esclarece que a elisão fiscal não se configura a violação de uma lei imperativa: nenhuma lei proíbe atingir certo resultado econômico de forma diversa da prevista pelo legislador; a escolha dos meios é deixada livre. Depois, diz que a elisão tributária está "em oposição direta ao negócio simulado e ao negócio dissimulado, os quais entretanto freqüente e erroneamente vêm chamados para combater a elisão de imposto: exatamente a intenção de evitar o imposto nos casos autênticos de elisão, fala sempre em favor da seriedade do negócio elisivo; este, não o negócio normal posto pelo legislador como hipótese, é o que querem efetivamente as partes".

3.4. O direito na Itália

A doutrina italiana tem influenciado os juristas brasileiros, haja vista a similitude das discussões acerca da implantação de norma geral antielisiva.

Admite em seu ordenamento três regimes jurídicos de supressão de deveres tributários: evasione, elusione e risparmio d’imposta. O conceito de evasione é relativo ao descumprimento doloso das obrigações tributárias já existentes; elusione corresponde à manipulação dos pressupostos de aplicação da legislação tributária; e risparmio d’imposta é a realização dos pressupostos tributários de modo a tornar licitamente menos onerosas as obrigações tributárias.

Conceitualmente, os doutrinadores italianos, v. g. Silvia Cippolina, diferenciam evasão de elusão. O primeiro regime é caracterizado pela violação direta da norma legal e ocorre posteriormente ao fato imponível, o que significa dizer que o agente não age sobre o negócio jurídico tipicamente tributável mas apenas sobre o atendimento do dever tributário. De forma diversa, a elusione consiste na utilização de estratagemas lícitos com a única ou principal finalidade de reduzir ou suprimir encargo tributário. Vemos aqui que os critérios para construção dos conceitos são basicamente o cronológico em relação ao fato imponível, a presença da licitude ou ilicitude e a finalidade dos atos praticados pelo contribuinte.

O problema italiano, semelhante ao brasileiro, foi inserir regras no ordenamento jurídico capazes e eficientes para evitar a perda fiscal através da elusione, sem afetar a prática do risparmio d’imposta ou planejamento tributário lícito. A dificuldade consistia na precisa diferenciação e identificação da ocorrência de elusione ou de risparmio d’imposta, já que ambos os comportamentos são lícitos. A evasione, por decorrer diretamente de ato ilícito não gerou maiores dificuldades de identificação. Autores italianos trataram também de questões como simulação e negócio indireto em relação a elusione.

A necessidade de combate a elusione foi objeto de defesa pela doutrina italiana baseando-se na interpretação dos arts. 2º e 53 da Constituição, relativos ao dever de solidariedade e da capacidade contributiva, dado que, face a tais princípios, é dever de todos concorrer para as despesas públicas na medida de seus recursos em atenção ao interesse público. Tal entendimento encontra ecos na doutrina nacional, como veremos em capítulo próprio. Em contraposição a este entendimento encontram-se os defensores do princípio da reserva legal previsto no art. 23 da Constituição.

Em 1997 foi editado o Decreto Legislativo Delegado nº 358 que instituiu norma geral antielisiva premiando o critério do propósito negocial (business purpose) para desconsideração de condutas consideradas elisivas. Fixa situações específicas em que a Administração poderá desconsiderar atos que não apresentarem válidas razões econômicas para sua realização. Desse modo, apresenta-se de maneira mais limitada que as cláusulas gerais existentes em outros países. Antes do mencionado decreto, os dispositivos antielisão existentes na Itália eram as chamadas cláusulas setoriais e cláusulas ad hoc.

Para Raffaello Lupi, referido Decreto traz importante critério de delimitação entre elusione e o legítimo risparmio d’imposta. Afirma que nem todas as condutas previstas no decreto necessitam da demonstração da válida razão econômica para serem tidas como legais. Somente condutas de risparmio d’imposta qualificadas como "patológicas" sofreriam a desconsideração pela Administração. A condutas classificadas como "fisiológicas" estariam a salvo da norma, e, portanto, seriam consideradas integralmente lícitas. [10]

Quanto ao instituto da simulação, Piero Villani [11] afirma que esta se diferencia da elusione vez que na elusione as partes demonstram o negócio que querem efetivamente realizar, enquanto que na simulação a declaração das partes não corresponde ao negócio real desejado. Segundo César A. Guimarães Pereira:

A questão assume contornos peculiares no direito italiano porque a simulação é tida como causa de nulidade, não de anulabilidade. Como a ação de simulação apenas declara a existência do vício, a nulidade do ato simulado pode ser reconhecida pela administração tributária independentemente da sentença judicial. Desse modo, a elusione não envolve atos simulados; a simulação é submetida a regime jurídico diverso frente ao direito tributário. O negócio simulado não pode produzir efeitos em relação ao direito tributário porque é nulo, não por envolver elusione. [12]

Como se vê, as questões postas no direito italiano se aproximam muito dos problemas enfrentados pelos juristas nacionais, como veremos adiante.

3.5. O direito na França

O direito francês, na mesma esteira da doutrina européia, reconhece três modalidades de atividades fiscais do contribuinte, relacionadas com a elisão fiscal.

Admite a fraude fiscale (evasão tributária) como sendo a violação expressa do ordenamento legal no cumprimento da obrigação tributária. Com relação a elisão tributária propriamente dita, utiliza o termo evasión fiscale, que representa ao mesmo tempo o uso e o abuso da lei para a economia fiscal. A evasión fiscale não se encontra legislada, sendo objeto de construção da doutrina e jurisprudência locais.

O conceito de evasión fiscale pode ser desdobrado em habilité fiscale (ilegítima) e optimisation fiscale (legítima), completando os três regimes tributários.

Cyrille David, citado por Guimarães Pereira [13], reconhece que o abuso de direito fiscal pode ser vislumbrado como abuso de direito-simulação e abuso de direito-fraude de intenção, tendo a doutrina construído as noções de simulação jurídica e simulação econômica para atender às duas espécies de abuso de direito, respectivamente. Isto porque o enfoque da doutrina francesa sobre a evasión fiscale é baseado na teoria da simulação, embora a legislação francesa faça alusões ao abuso de direito. Na verdade é uma adaptação da teoria ao direito positivo.

3.6. O direito na Argentina

Grande interesse tem o sistema antielisivo adotado na Argentina tendo em vista o desejo de futura unificação legislativa tributária com o Brasil em decorrência dos acordos bilaterais do Mercosul. Apesar de Dino Jarach, que aprofundou os estudos de normas antielisão na Argentina, ter influenciado parte da doutrina brasileira, em especial Amílcar de Araújo Falcão, a elisão tributária sofre distintos tratamentos nos dois países.

Jarach fundamenta seu entendimento no sentido de valorizar a intentio facti, que se traduz pela finalidade do negócio, que se confunde com a business purpose norte-americana, em detrimento da intentio iuris. Afirma que o cerne da evasión fiscal na Argentina não é a existência de intenção das partes de reduzir ou suprimir tributo mas sim a ausência de uma finalidade econômica. O direito positivo e a doutrina admitem a interpretação do direito tributário segundo a realidade econômica do negócio praticado.

Em suma, a Argentina adota um modelo tributário baseado em cláusula geral de elusión fiscal que institui a ficção da ocorrência do fato imponível de acordo com a realidade econômica, nos termos do art. 46 [14] da Lei 11.683.

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Sobre o autor
Carlos Alexandre Perin

advogado em Curitiba (PR), especialista em Direito Empresarial

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERIN, Carlos Alexandre. Análise da constitucionalidade da inserção de norma geral antielisiva na legislação tributária brasileira.: Parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3943. Acesso em: 2 nov. 2024.

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