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Ilegalidade das contratações temporárias para o quadro das agências reguladoras e fiscalizadoras e o projeto para proibição de concurso público

Agenda 01/06/2000 às 00:00

Todas as Agências reguladoras e fiscalizadoras foram criadas por lei, mas sem o cuidado elementar de criar-se também o quadro de pessoal, como se fosse possível uma autarquia federal poder funcionar sem um quadro de recursos humanos.

Assim, pelo que se pode perceber, um grupo de políticos e autoridades administrativas criou, por conta própria, diversas autarquias federais (ANP, ANEEL, ANATEL, ANVS e ANS), sem previsão de um quantitativo de servidores para fazê-las funcionar, tendo sido as mesmas criadas apenas com os cargos de confiança e um dispositivo genérico dizendo que por motivo de urgência e de excepcional interesse público, teriam que prover os cargos, empregos e funções mediante contratos temporários, além da cessão e redistribuição de servidores.

O produto final desse verdadeiro pacto de imoralidade entre autoridades públicas, com absoluto desprezo pelos bons princípios consagrados por nossa Constituição, encontra-se claramente delineado num Projeto de Lei que, após vários anos de ilegítima gestação, nas entranhas do Poder Executivo, finalmente, atropelado por numerosas ações civis públicas ajuizadas contra as contratações de afilhados e protegidos, propostas pelo Ministério Público Federal, terminou saindo, até de forma um pouco atravessada, em direção à Câmara dos Deputados, onde foi aplaudido, aclamado e aprovado, em regime de urgência urgentíssima, sem o mínimo de publicidade, nas caladas da noite e em absoluta e fiel coerência com os acordos a portas fechadas.

Enfim, em 25 de fevereiro de 2000, após anos de espera, foi assinada a Mensagem nº 265, pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, publicada no Diário Oficial de 28 de fevereiro 2000, encaminhando ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.549/2000, apresentado, primeiramente, à Câmara dos Deputados, ostentando, entre outras inconstitucionalidades, uma que prorroga os contratos "temporários", que antes somente poderiam se estender por até 36 meses, por mais 24 meses, isto após a vigência da nova lei, o que certamente implicará a prorrogação por mais 02 anos, além das prorrogações até os 36 meses já previstas na legislação ora vigente, embora em se tratando de contratos que eles dizem temporários, segundo o Governo, adjetivo no qual jamais acreditou o Judiciário, a começar pelo Supremo Tribunal Federal, conforme jurisprudência recentemente reiterada num caso em que o próprio Presidente da República foi flagrado na prática de um ato absolutamente inconstitucional, a Medida Provisória nº 2.014/2000, suspensa imediatamente pela Corte Constitucional, num ato que deveria ser divulgado para o conhecimento de todos aqueles que investiram na formação cultural e profissional de seus filhos, na esperança de que estes jamais necessitassem de viver de favores consubstanciados em empregos temporários presenteados por políticos do mais baixo nível moral, que se mantêm nos cargos distribuindo as verbas públicas e outros favores ilícitos a seus eleitores, num espetáculo degradante de corrupção, pois quem ganha de presente um cargo público jamais contrariará os interesses de seus protetores.


ALGUMAS DAS INCONSTUTICIONALIDADES DO PROJETO N° 2.549/2000 COMO SAIU DO EXECUTIVO

Se alguma dúvida houver sobre a existência real deste produto da ilicitude, da inconstitucionalidade, da imoralidade, da indecência, basta conferir o que está exposto nos arts. 18 e 32 do Projeto de Lei nº 2.549/2000, na forma original, remetida para o Congresso Nacional, no qual os titulares dos contratos "temporários", beneficiários do processo seletivo para provimento dos quadros permanentes das Agências, estão sendo premiados com um cargo público efetivo e definitivo:

"Art. 18. Mediante lei, poderão ser criados Quadro de Pessoal Específico, destinado, exclusivamente, à absorção de servidores públicos federais regidos pela Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e Quadro de Pessoal em Extinção, destinado exclusivamente à absorção de empregados de empresas públicas federais liquidadas ou em processo de liquidação, regidos pelo regime celetista, que se encontrarem exercendo atividades a serem absorvidas pelas Agências.

"§ 1º A soma dos cargos ou empregos dos Quadros a que se refere este artigo não poderá exceder ao número de empregos que forem fixados para o Quadro de Pessoal Efetivo.

"§ 2º Os Quadros de que trata o caput deste artigo têm caráter temporário, extinguindo-se as vagas neles alocadas, à medida que ocorrerem vacâncias.

"§ 3º À medida que forem extintos os cargos ou empregos dos Quadros de que trata este artigo, é facultado à Agência o preenchimento de empregos de pessoal concursado para o Quadro de Pessoal Efetivo.

"§ 4º Se o quantitativo de cargos ou empregos dos Quadros de que trata este artigo for inferior ao Quadro de Pessoal Efetivo, é facultado à Agência a realização de concurso para preenchimento dos empregos excedentes.

"§ 5º O ingresso no Quadro de Pessoal Específico será efetuado por redistribuição.

"§ 6º A absorção de pessoal celetista no Quadro de Pessoal em Extinção não caracteriza rescisão contratual.

"Art. 32. Observado o disposto no art. 18, ficam as Agências referidas no art. 24 autorizadas a iniciar processo de concurso público para provimento de empregos de seu Quadro de Pessoal Efetivo."

Por aí se vê que somente após reservados lugares, no denominado "Quadro de Pessoal em Extinção", para todos os "contratados temporariamente", é que será "FACULTADO" a cada Agência reguladora e fiscalizadora a realização de CONCURSO para preenchimento dos empregos excedentes, segundo consta do art. 18, § 4º:

"§ 4º Se o quantitativo de cargos ou empregos dos Quadros de que trata este artigo for inferior ao Quadro de Pessoal Efetivo, é facultado à Agência a realização de concurso para preenchimento dos empregos excedentes."

Assim, o concurso não será obrigatório, conforme determina a Constituição Federal, no art. 37, I e II, mas simples faculdade, isto é, só será realizado se a autoridade quiser. Como a necessidade temporária por motivo de excepcional interesse público será aferida a cada ano, só Deus sabe, se até ele não estiver sendo enganado, quando haverá algum concurso.

Sobre este mesmo assunto, a censura da doutrina não tardou, como no caso do Professor CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO (Curso de Direito Administrativo, 12ª edição, ano 2000, § 119, p. 205), que se refere ao problema específico dos contratos "temporários" nas novas Agências reguladoras e fiscalizadoras, para censurálo de inconstitucionalidade, como será transcrito mais adiante.

A propósito, nos permitiríamos ponderar ainda que um servidor admitido para prestar serviços mediante contrato temporário, não pode exercer legitimamente qualquer parcela do poder de polícia, dada a sua precária e transitória situação perante o Poder Público, a sinalizar no sentido de que somente permanecerá no emprego, se conseguir agradar, ao mesmo tempo, o Governo, os políticos, seus protetores e o Poder econômico, exercendo suas atribuições de agente regulador e fiscalizador de atividades privadas, conforme as conveniências de cada momento, sem contrariar os interesses dos protetores de seu emprego.

É que, como se sabe, cuida-se de atividades exclusivas de Estado, as assumidas legalmente pelas agências reguladoras e fiscalizadoras, que a Emenda Constitucional nº 19/98 pretende sejam protegidas de interferências indevidas, com o máximo de garantias possíveis aos servidores incumbidos desse mister.

Trata-se de servidores que serão investidos em atribuições de fiscalização e regulação, exercentes de atividades que somente o Estado, por seu intermédio, pode exercer, apenas possíveis se por servidores habilitados tecnicamente e investidos de prerrogativas específicas, para este fim, servidores que, enfim, poderão, por exemplo, multar uma empresa de telecomunicações que descumpra o contrato de concessão, ou autuar as indústrias e distribuidoras de derivados do petróleo que vendam combustível adulterado, ou estabelecimentos industriais e comerciais que descumpram a legislação de vigilância sanitária, ou aplicar multa contra seguradoras que vendam planos de seguro de saúde com infração a normas legais, ou reprimir os abusos dos monopólios na área de eletricidade, por exemplo.

Tais atribuições somente podem ser exercidas com segurança por servidores não nomeados por critérios de escolha políticos ou pessoais, sob pena de trairem o interesse público em benefício pessoal, ou então optarem pela perda do emprego no primeiro momento em que se atreverem a exercer seriamente suas atribuições legais, contrariando interesses de quem lhe presenteou com o emprego público e onde seus correligionários.

No Agravo Regimental interposto pela ilustre Procuradora Regional da República, Doutora DENISE TULIO VINCI, nos autos do Agravo de Instrumento nº 2000.01.00.034574-1/DF, interposto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, inclusive suscitando incidente de inconstitucionalidade, sobre este ângulo da questão, assim se posicionou:

"Um último comentário se faz necessário. O servidor contratado temporariarnente está desguarnecido das garantias constitucionais que cercam o funcionário público admitido por concurso público, de modo que difícil se toma o adequado exercício do poder de policia pelo mesmo, dada a sua precária e transitória situação perante o Poder Público. Como se sabe, os interesses do poder econômico não poucas vezes se contrapõem aos interesses públicos, e é possível que o servidor temporário se veja competido a exercer suas atribuições de agente regulador e fiscalizador de atividades privadas conforme as conveniências de cada momento. Tal situação, por certo, não recomenda a contratação temporária para o exercício de tais misteres."

Mesmo assim, como já visto, no caso das novas Agências, não pode haver qualquer esperança de tão cedo vir a ser aberto algum concurso público, pelo menos enquanto não forem aproveitados todos os servidores admitidos temporariamente, presenteando-os com uma função permanente, bem como todas aquelas que provenientes de alguma estatal privatizada, tenham sido cedidos ou redistribuídos para alguma Agência.

Mais o pior não é só isto.


ALGUMAS DAS INCONSTITUCIONALIDADES DO PROJETO DE LEI Nº 2.549-8 NA VERSÃO APROVADA PELA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Muito ao contrário do que se poderia esperar de um Congresso Nacional sério, decente, digno, como tem sido a sua tradição, o Projeto de Lei 2.549/2000, em vez de ter sido escoimado dos vícios de inconstitucionalidade, que vieram do Executivo, a estes foram acrescentados outros, para multiplicar o espectro dos beneficiários, dos protegidos dos mais merecedores de um emprego público que os outros.

Basta conferir, por exemplo no Projeto de Lei nº 2.549-B, de 2000, como saiu da Câmara dos Deputados e seguiu para o Senado Federal, o disposto no art. 29:

"Art. 29. Fica criado, dentro do limite quantitativo do Quadro Efetivo da ANATEL, ANEEL, ANP e ANS, Quadro de Pessoal Específico a que se refere o art. 19, composto por servidores que tenham sido redistribuídos para as Agências até a data da promulgação desta lei."

E o art. 19 a que faz remissão o art. 29, do Projeto nº 2.549-B, está assim redigido:

"Art. 19. Mediante lei, poderão ser criados Quadro de Pessoal Específico, destinado, exclusivamente, à absorção de servidores públicos federais regidos pela Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e Quadro de Pessoal em Extinção, destinado exclusivamente à absorção de empregados de empresas públicas federais liquidadas ou em processo de liquidação, regidos pelo regime celetista, que se encontrarem exercendo atividades a serem absorvidas pelas Agências.

"§ 1º A soma dos cargos ou empregos dos Quadros a que se refere este artigo não poderá exceder ao número de empregos que forem fixados para o Quadro de Pessoal Efetivo.

"§ 2º Os Quadros de que trata o caput deste artigo têm caráter temporário, extinguindo-se as vagas neles alocadas, à medida que ocorrerem vacâncias.

"§ 3º À medida que forem extintos os cargos ou empregos dos Quadros de que trata este artigo, é facultado à Agência o preenchimento de empregos de pessoal concursado para o Quadro de Pessoal Efetivo.

"§ 4º Se o quantitativo de cargos ou empregos dos Quadros de que trata este artigo for inferior ao Quadro de Pessoal Efetivo, é facultado à Agência a realização de concurso para preenchimento dos empregos excedentes.

"§ 5º O ingresso no Quadro de Pessoal Específico será efetuado por redistribuição.

"§ 6º A absorção de pessoal celetista no Quadro de Pessoal em Extinção não caracteriza rescisão contratual."

Percebe-se claramente que somente depois de aproveitados todos os servidores que não foram aceitos pelos novos empregadores que compraram as Estatais, inclusive com recursos públicos que lhes foram presenteados com juros simbólicos por órgãos governamentais, é que poderá ser aberto algum concurso, conforme está escrito no art. 34 do Projeto aprovado na Câmara dos Deputados:

"Art. 34. Observado o disposto no art. 19, ficam as Agências referidas no art. 25 autorizadas a iniciar processo de concurso público para provimento de empregos de seu Quadro de Pessoal Efetivo."

E um engodo dessa natureza foi aprovado pela Câmara dos Deputados, com aplausos para as normas objeto de propostas de emendas que visavam escoimar do Projeto de Lei as máculas da inconstitucionalidade, tendo as emendas sido rejeitadas, porque estas seriam inconvenientes, e acrescentadas normas bem mais indecentes do que aquelas do projeto original.

Em suma, foi assegurado, como visto, aos servidores temporários, redistribuídos, cedidos ou de qualquer forma postos à disposição das Agências, provenientes das estatais privatizadas, o direito sagrado, de bom afilhado, de ter seu ingresso garantido em quadro de pessoal reservado exclusivamente aos amigos, até mesmo com prioridade sobre qualquer pessoa habilitada em concurso público, se algum vier a ser aberto algum dia, o que nem se pode acreditar, pelo desenrolar dos acontecimentos..

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Mas não é só isto.

Tem mais ainda.

No art. 30, do Projeto nº 2.549-B, aprovado pela Câmara dos Deputados, que seguiu para o Senado Federal, transcrito a seguir, é criado ainda um outro quadro, no "âmbito exclusivo da ANATEL", para "absorver empregados da Telecomunicações Brasileiras S.A. – TELEBRÁS" cedidos à ANATEL ou ao Ministério das Comunicações, conforme art. 30, § 1º, os quais têm o prazo de 45 dias "da publicação desta lei", para "manifestação formal de aceitação", o que certamente ocorrerá, pois seus vencimentos poderão ser superiores aos dos que integrarão o quadro de pessoal efetivo ou de empregos permanentes, pois "a diferença da remuneração a maior será considerada vantagem pessoal nominalmente identificada", como reza a seguinte transcrição do art. 30, § 4º, e além do mais a absorção dos empregados da TELEBRÁS "será feita mediante sucessão trabalhista, não caracterizando rescisão contratual.", conforme art. 30, § 5º, a seguir transcrito:

"Art. 30. Fica criado, no âmbito exclusivo da ANATEL, dentro do limite de cargos fixados no Anexo I, o Quadro Especial em Extinção, no regime da Consolidação das Leis do Trabalho, com a finalidade de absorver empregados da Telecomunicações Brasileiras S.A – TELEBRÁS, que se encontrarem cedidos àquela Agência na data da publicação desta Lei.

"§ 1º Os empregados da TELEBRÁS cedidos ao Ministério das Comunicações, na data da publicação desta Lei, poderão integrar o Quadro Especial em Extinção.

"§ 3º Os valores remuneratórios percebidos pelos empregados que integrarem o Quadro Especial em Extinção, de que trata o caput, não sofrerão alteração, devendo ser mantido o desenvolvimento na carreira conforme previsão no Plano de Cargos e Salários em que estiver enquadrado.

"§ 4º A diferença da remuneração a maior será considerada vantagem pessoal nominalmente identificada.

"§ 5º A absorção de empregados estabelecida no caput será feita mediante sucessão trabalhista, não caracterizando rescisão contratual."

Vistos estes dispositivos, confirma-se, infelizmente e para a tristeza de todos os que ainda teriam alguma esperança, a expectativa do Ministério Público Federal, no sentido de que a regra geral da nova lei, ora em gestação, ao contrário do que se poderia esperar ingenuamente ou de boa fé, será mesmo a proibição de abertura de concurso público, pois este somente será possível depois de aproveitados todos os contratados temporariamente.

Diante de tantas aberrações, somente algum ingênuo poderá acreditar que um dia haverá concurso público para as Agências reguladoras e fiscalizadoras, pelo menos enquanto continuarem seus dirigentes com a faculdade, não a obrigatoriedade, de abrir concurso público, o que não acontecerá, e se acontecer não haverá nomeação, enquanto não forem aproveitados todos os que ficaram desempregados quando o Governo vendeu as empresas estatais e todos aqueles que, tendo sido premiados por algum emprego "temporário", ainda não houver sido efetivado.


O CONCURSO E AS HIPÓTESES DE NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO NO PROJETO DE LEI Nº 2.549-B APROVADO PELA CÂMARA DOS DEPUTADOS E ORA TRAMITANDO NO SENADO FEDERAL

Como se sabe, quando se trata de contratação "para atender a necessidade permanente", como é o caso da instalação de um quadro de pessoal de uma Autarquia Federal, com tantas e tão sérias responsabilidades, não se trata, como despiciendo acrescentar, de "necessidade temporária", mas de necessidade permanente.

E quando a Constituição, na mesma norma, também exige que se trate de um "excepcional interesse público", não se pode entender que estaria se referindo a hipóteses de "normal interesse público", pois "excepcional" significa situações anômalas, de exceção, de repercussões imprevisíveis.

Lamentavelmente, este é o entendimento que nem o Governo e nem a Câmara dos Deputados pretende aceitar, poRque, conforme já exposto, o Projeto de Lei nº 2.549/2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das agências reguladoras, já nasceu rebelde à jurisprudência e à Constituição, admitindo e, pior ainda, impondo, conforme se vê dos dispositivos transcritos linhas retro, o provimento de cargos e empregos na administração pública independente de concurso público, como regra geral, e permitindo o concurso público apenas a título de excepcionalidade.

Em suma, o Projeto de Lei nº 2.549/2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das agências reguladoras, já foi enviado pelo Presidente da República prenhe de inconstitucionalidades, o que somente poderia ser debitado à ignorância da Constituição por parte da consultoria de mais alto nível no Poder Executivo, no que preferiríamos ter motivos para não acreditar, principalmente pelas excepcionais qualificações, reputação e pelo notável saber jurídico que se deve presumir naqueles que são convidados para assessorar juridicamente a Subchefia para Assuntos Jurídicos do Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República(1).

Curiosamente, aquele Projeto de Lie nº 2.549/2000 foi arremessado ao Congresso Nacional exatamente no momento em que acabava de ser proferida uma decisão do Supremo Tribunal Federal contrária ao entendimento do Governo, a propósito do mesmo tema, ou seja, no mesmo instante em que foi

"Deferido pedido de liminar em ação direta ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores, para suspender, até decisão final, a eficácia do art. 2º da MP nº 2.014/2000, que autoriza o Instituto Nacional de Propriedade Industrial a efetuar contratação temporária de servidores, por doze meses, nos termos do art. 37, IX, da CF (CF, art. 37 ... IX – "a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;"). O Tribunal, à primeira vista, entendeu haver relevância na tese sustentada pelo autor, em que se alegava inconstitucionalidade por ofensa à obrigatoriedade de concurso público para investidura em cargo ou emprego público (CF, art. 37, II), por se tratar de contratação por tempo determinado para atender necessidade permanente – atividades relativas à implementação, ao acompanhamento e à avaliação de atividades, projetos e programas de área de competência do INPI – não se enquadrando na hipótese prevista no inciso IX do art. 37 da CF. ADInMC nº 2.125-DF, Rel.: Min. MAURICIO CORRÊA, 06.04.2000." (INFORMATIVO STF – 03 A 07 DE ABRIL DE 2000 – Nº 184).

Como visto, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que coincide com o entendimento do Ministério Público Federal, os contratos ditos temporários, de pessoal, que estão sendo feitos pelo Governo, com dispensa de concurso público, sob pretexto de um inédito excepcional interesse público, são absolutamente inconstitucionais.

O vício de tal procedimento é tão grave que o Supremo Tribunal Federal, como se repete, chegou ao ponto de suspender até uma Medida Provisória, nº 2.014, baixada pelo Presidente da República, porque não é urgente aquilo que o Governo assim o considera. Não é excepcional o que o Governo o considera. Não tem a lei e nem muito menos a medida provisória, e menos ainda o decreto, a portaria e demais atos subalternos, o poder de definir, fora do contexto natural do mundo ocorrente em certo momento no mundo dos fatos, o que a Constituição dispõe que seja excepcional ou temporário.

Bem a propósito da ilegitimidade das normas legais que batizam de excepcional e de urgente situações normais, assim se posicionou a ilustrada Procuradora Regional da República, Doutora DENISE VINCE TULIO, no Agravo Regimental que interpôs nos autos do Agravo de Instrumento sob o nº 2000.01.00.034574-1/DF, em que é agravante a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nestes termos:

"... não negou, nem nega, o Ministério Público Federal, haja lei autorizando a contratação através do processo seletivo simplificado. De fato, a Lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a autoriza (art. 33 cc art. 36, § 1º e 2º).

          Inconstitucionalidade dos arts. 33 e 36 da Lei 9.782/99

"Da existência de preceito legal autorizativo, entretanto, não deflui que a contratação em tela seja possível. Argumenta o Ministério Público Federal, desde o início, que a contratação em apreço ofende o princípio constitucional do art. 37, inc. II, que garante o acesso igualitário aos cargos públicos, mediante a aprovação em concurso público de provas, ou de provas e títulos. Assim, o preceito legal em teta não merece aplicação pela agravada, posto que inconstitucional. Ainda que assim não fosse, o dispositivo legal autorizativo não foi devidamente observado, conforme adiante se demonstrará.

"Como se vê, não basta a previsão legal. E imprescindível que os critérios fixados para a contratação temporária pelo Poder Público estejam em absoluta consonância com o que dispõe a Constituição Federal. Disso decorre que não é lícito ao legislador, a seu mero alvedrio, declarar que esta ou aquela atividade é de "excepcional interesse público", mesmo porque tal declaração não é suficiente para imprimir tal caráter a nenhuma atividade. Com efeito, não é a lei que determina o "excepcional interesse público". A lei a declara, mas a situação concreta, fática instalada, a demandar pronto atendimento do Poder Público, é que realmente confere à atividade a característica de temporária e destinada a atender excepcional interesse público, consoante previsão constitucional, que não pode ser afastada. A entender-se diferente, aberto estaria o caminho para a burla ao cânone constitucional que impõe o concurso público como regra nas contratações de servidores públicos.

........................................................................................

"Não se argumente que no caso não se está lidando com cargos e empregos públicos, mas sim que visa o administrador público, a contratar pessoal sob regime de serviço temporário, para o exercido de funções, para as quais não exige a Carta Magna, o concurso público.

"Isto porque todo cargo público tem função, que lhe é inerente. Constituem função do cargo as atribuições e responsabilidades que lhes são próprias. Em verdade, e é isto que se vai demonstrar, não está o Poder Público pretendendo, com a contratação precária, que os contratados exerçam funções autônomas, por isso mesmo temporárias, o que efetivamente lhe seria permitido. Pretende, sim, sob tal roupagem, que os servidores temporários venham a exercer funções próprias da Agência, e por isso mesmo inerentes aos seus cargos.

"Do quanto foi dito até aqui conclui-se, "data vênia", que os preceitos legais que serviram de substrato à decisão do digníssimo Relator do Agravo de Instrumento antes indicado, não são aptos a permitir a contratação impugnada.

"O mesmo se diga com relação aos fatos de estar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária em fase de implantação, e de ser o concurso público mais demorado e dispendioso.

"Em verdade, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária foi implantada em 16 de abril de 1999, com a edição do seu regulamento (Decreto nº 3.029, de 16.04.99), nos termos do art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 9.782/99. Há mais de um ano, portanto. De lá até aqui vem executando suas tarefas, ainda que se possa admitir que não da forma ideal.

"Ocorre que para dotar a Agência de servidores, de forma que a mesma pudesse de imediato desempenhar suas atribuições, além da contratação temporária, que ora se impugna, porque completamente desconforme aos parâmetros constitucionais, previram a lei e o respectivo regulamento, a redistribuição dos funcionários em exercício na Secretaria de Vigilância Sanitária e nos Postos Aeroportuários, Portuários e de Fronteira, a requisição (irrecusável) de funcionários de outros órgãos públicos, e mesmo a contratação de prestadores de serviços ou entidades estaduais, distritais, ou municipais, conveniadas ou delegadas (art. 34 e § lº, 37, 7º, § lº, da Lei nº 9.782/99, e arts. 45 e 46 do Decreto nº 3.029/99).

"Vê-se, pois, que não ficou a ANVS desprovida de pessoal para o exercício de suas atribuições durante o prazo necessário à implementação de concurso público, não lhe sendo imprescindível a contratação de servidores temporários para o desempenho de suas atribuições. Em verdade, no prazo de um ano, possível teria sido a adoção de concurso público, que a esta altura poderia estar mesmo em fase de finalização.

"Por outro lado, o fato de o concurso público apresentar-se eventualmente como meio mais oneroso à contratação de funcionários públicos não se presta a afastar a sua realização, adotando a Administração Pública, por seus dirigentes, meios outros. É o concurso público o meio por excelência, a regra, da qual os administradores não se devem afastar, à contratação de funcionários públicos. Se eventualmente mais oneroso, este é o preço que a sociedade deve pagar para ver garantido o acesso igualitário de todos os cidadãos aos cargos e empregos públicos.

"Nem se diga que não há cargo a ser provido, por isso impossível a contratação através de concurso público. Admitir-se tal argumento seria abrir-se outra porta ao abuso e à fraude, "data vênia". Com efeito, fácil seria criarem-se inumeras entidades públicas, sob variadas roupagens jurídicas (autarquia, empresa pública, etc), sem o correspondente quadro de pessoal, instalando-se-as imediatamente, e contratando seu pessoal provisoriamente, sem a adoção do concurso público, cuja obrigatoriedade está na Lei Maior. Vale dizer, estaríamos diante de casos de "excepcional interesse público" artificialmente criados, porque provocados por ato do próprio Poder Público.

"Não obstante, infelizmente essa parece estar sendo a política adotada, quando a Administração Pública faz instalar várias Agências Reguladoras sem que tenham sido criados os correspondentes quadros de pessoa!, e pretende valer-se das contratações temporárias para suprir a demanda de serviço. Assim ocorreu com a ANATEL, ANEEL, ANP, ANS, e agora com a ANVS. Vê-se, pois, que o caso em análise não é isolado."

Mas os assessores do Governo são insistentes. E remeteram um Projeto de Lei com vícios mais graves ainda, a confirmar, transformando em provas o que antes não passava de meros indícios, pois tenta efetivar todo o pessoal cedido para as Agências, redistribuído, posto à disposição ou contratado, sem concurso público, com isso transformando as novas Agências em receptoras legais dos quadros de pessoal das estatais transferidas para a iniciativa privada, caso, por exemplo, das empresas de telecomunicações, do petróleo, de energia elétrica, bastando que estejam cedidos ou tenham sido redistribuídos ou, de qualquer forma, tenham sido convidados para prestar serviços numa das Agências reguladoras e fiscalizadoras, antes da aprovação da lei que cria o quadro de pessoal destas Agências.

Como se sabe, quando foram alienadas tais empresas (as estatais), os adquirentes, que as arremataram em leilão público, após longa batalha judicial ao lado das autoridades governamentais, não assumiram a condição de sucessores nas obrigações de natureza trabalhista, preferindo trazer, para as empresas que compraram, pessoas de fora, em sua maioria, principalmente de outros países, de onde proveio expressiva parcela do capital destinado à arrematação das estatais alienadas pelo Governo, quando não conseguiram empréstimos com juros privilegiados do próprio Governo brasileiro, por exemplo, através do BNDES, a juros tão simbólicos que não seriam acessíveis à maioria das empresas nacionais, em igualdade de condições, e ainda com isenção de imposto de renda sobre a diferença entre o valor do ágio e o preço pago em leilão, pelos novos grupos empresariais que surgiram no lugar de nossas estatais(2).

Mas as inconstitucionalidades de tais processos seletivos vêm sendo apontadas insistentemente não só pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Ministério Público Federal, como também por todos os Juristas de escol, como é o caso, por exemplo, do Professor CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, que se refere ao problema específico dos contratos "temporários" nas novas Agências reguladoras e fiscalizadoras, nestes termos:

"119. Observe-se também que o art. 76 da lei da ANP, o art. 34, § 2º, da lei da ANEEL, e o art. 36, § 1º, da lei da ANV, prevêem admissão de pessoal técnico em caráter temporário – fora, portanto, do regime de concurso público exigido no art. 37, II, da Constituição –, por até 36 meses. Pretendem estar subsumidos no próprio art. 37, já agora no inciso IX, de acordo com o qual "a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse publico".

"Bem se vê que a razão do dispositivo em apreço é contemplar situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, "necessidade temporária"), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar.

"Ora, no caso das agências citadas, se a atividade é realmente apenas temporária não se justifica contrato que possa se estender por 36 meses, que este seria um "temporário" longuíssimo. Se o preenchimento é que deveria ser temporário, pela necessidade ingente de preencher cargos ou empregos necessários, então é igualmente absurdo o prazo, pois não se concebe que seja necessário tanto tempo para realizar o cabível concurso público. Em suma: há nisto uma ostensiva burla ao disposto no art. 37, II, da Constituição, pelo quê são inconstitucionais as regras introduzidas nas referidas leis de tais agências. Pelas duas amostras – intento de escapar ao rigor moralizante da Lei Geral de Licitações e admitir pessoal sem concurso público – bem se vê a que vieram as tais "agências controladoras". (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 12ª edição, ano 2000, p. 205).

Noutra festejada monografia, o mesmo ilustre Professor já havia assentado, se bem que de forma mais genérica, as bases da doutrina e da jurisprudência que se formou sobre o assunto, como, por exemplo, defendendo a interpretação restritiva das hipóteses autorizativas de contrato temporário para atender a necessidade de excepcional interesse público:

"96. O que o preceptivo em questão determinou que se tomasse em conta e veio regular foi uma hipótese de admissão no serviço público sem concurso, com base em contrato, dada a anomalia da situação a ser enfrentada. (...) Portanto, não haverá supor que a lei em apreço deva indicar cargos ou empregos a que se possa chegar, por meio dos contratos temporários aludidos.

"Deveras, ... o que a Constituição certamente quis obviar foi o enfrentamento de situações anômalas, de exceção. Logo. de repercussões imprevisíveis. Daí a impossibilidade de antecipar quais as funções e em que número demandariam provisório preenchimento para atender às contingências suscitadas por eventos invulgares. (...)

"100. Sem embargo, cabem alguns cuidados evidentes, tanto no reconhecimento do que seja a situação excepcional ensejadora do contrato a ser feito quanto na caracterização de seus requisitos, sem o quê estar-se-ia desconhecendo o sentido da regra interpretada e favorecendo a reintrodução de "interinos", em dissonância com o preceito em causa.

"Desde logo, não se coadunaria com sua índole contratar pessoal senão para evitar o declínio do serviço ou para restaurar-lhe o padrão indispensável mínimo, sériamente deteriorado pela falta de servidores. Vale dizer: tais contratos não podem ser feitos simplesmente em vista de aprimorar o que já exista e tenha qualidade aceitável, compatível com o nível corrente dos serviços a que está afeita a coletividade a que se destina.

"Em segundo lugar, cumpre que tal contratação seja indispensável; vale dizer, induvidosamente não haja meios de supri-la com remanejamento de pessoal ou redobrado esforço dos servidores já existentes.

"Em terceiro lugar, sempre na mesma linha de raciocínio, não pode ser efetuada para a instalação ou realização de serviços novos, salvo, é obvio, quando a irrupção de situações emergentes os exigiria e já agora por motivos indeclináveis, como os de evitar a periclitação da ordem, segurança ou saúde." (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Regime dos Servidores da Administração Direta e Indireta, Malheiros Editores, 1ª edição, pp. 69-7 1).

Ainda noutra obra, o Professor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO traz, a propósito, as seguintes lições:

"Admissão de pessoal por tempo determinado pode ter lugar tanto para fazer frente a serviços de caráter temporário, como, em circunstâncias especiais, a serviços de caráter permanente.

          "Serviços temporários não podem mesmo justificar, por si só, a admissão de pessoal permanente.

"Realizado o serviço deve cessar a relação de emprego para essa finalidade constituída, porque não mais necessários os servidores contratados.

"Todavia, mesmo serviços de caráter permanente podem reclamar atendimento mediante pessoal temporário. Suponha-se que alguns funcionários indispensáveis ao regular funcionamento de uma escola ou hospital público deixem abruptamente o serviço público. Será admissível contratação de pessoal por tempo determinado, com a urgência requerida, pelo prazo que se reputar estritamente necessário à realização de regular concurso público destinado ao preenchimento definitivo das vagas.

"No caso, o excepcional interesse público estará presente, pois, exceção feita à contratação de pessoal temporário, nenhuma outra forma de admissão de pessoal seria compatível com a necessidade de imediata reposição do pessoal faltante.

"Isso não significa, entretanto, que sempre que se estiver diante de necessidade de pessoal temporário estar-se-á, ipso facto, diante de situação que dispense a adoção de procedimento que assegure a todos os interessados igual oportunidade de contratação.

"A contratação de pessoal por tempo determinado, em razão de necessidade de serviço temporário, não dispensará concurso público se essa necessidade puder ser prevista com a antecedência necessária a regular realização do certame ou quando menos à realização de procedimento seletivo simplificado." (Direito Administrativo na Constituição de 1988, Revista dos Tribunais, 1991, p. 194-8).

Diante deste quadro desolador, uma vez decidido pelo Executivo, como Programa de Governo, que, nas novas Agências, apenas se admitirá servidor público sem concurso público, somente o Poder Judiciário poderá dar um fim a esta imoralidade, consistente nesta distribuição graciosa, desonesta, imoral, de empregos, a título de moeda eleitoral, em véspera de eleições nacionais para todos os Municípios brasileiros, como, aliás, já começou a fazer, através do Supremo Tribunal Federal, que não teve dúvida em declarar, na primeira oportunidade em que foi convocado para se pronunciar sobre o assunto, a inconstitucionalidade desta forma espúria de provimento de empregos públicos, sem concurso público, sob falso fundamento numa hipótese de urgência e excepcionalidade do interesse público em que ninguém, nem o próprio Governo, acredita.

Igualmente na lição de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, a temporariedade da função é indispensável para o atendimento da norma constitucional, nestes termos:

"O regime especial deve atender a três pressupostos inafastáveis. O primeiro deles é a determinabilidade temporal da contratação, ou seja, os contratos firmados com esses servidores devem ter sempre prazo determinado, contrariamente, aliás, do que ocorre nos regimes estatutário e trabalhista. Depois, temos o pressuposto da temporariedade da função: a necessidade desses serviços deve ser sempre temporária. Se a necessidade é permanente, o Estado deve processar o recrutamento através dos demais regimes. Está, por isso, descartada a admissão de servidores temporários para o exercício de funções permanentes; se tal ocorrer, porém, haverá indisfarçável simulação e a admissão será inteiramente inválida. O último pressuposto é a excepcionalidade do interesse público que obriga ao recrutamento. Empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial." (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 1ª edição, p. 361).

Sobre os requisitos constitucionais para a contratação temporária, por excepcional interesse público, não é outra a exegese do Professor ADILSON ABREU DALLARI:

"Está absolutamente claro que não mais se pode admitir pessoal por tempo indeterminado, para exercer funções permanentes, pois o trabalho a ser executado precisa ser, também, eventual ou temporário, além do que a contração somente se justifica para atender a um interesse público qualificado como excepcional, ou seja, uma situação extremamente importante, que não possa ser atendida de outra forma." (...)

"Também deve ser estipulado o processo de seleção do pessoal a ser contratado, já que a temporariedade não justifica sejam postergados os princípios da isonomia, da impessoalidade e da moralidade." (DALLARI, Adilson Abreu. "Regime Constitucional dos Servidores Públicos", 2ª edição, Editora Revista dos Tribunais, pp. 124 e 126)

Por sua vez, não é outro o escólio do Professor CELSO RIBEIRO BASTOS, a propósito das contratações temporárias por excepcional interesse público:

"Seria importante que a futura lei também deixasse certo que esta situação de excepcionalidade resulta de circunstâncias imprevisíveis pela Administração. Em outras palavras, é necessário que não tenha ela mesma, pela sua inércia, dado azo ao surgimento, por exemplo, de uma hipótese de urgência. Suponha-se: numa carreira pública, na grande maioria dos casos, e plenamente possível realizarem-se os concursos oportunamente, sem necessidade de suprir-se o provimento normal do cargo por um excepcional feito emergencialmente. Aqui, a urgência não resulta de algum evento exterior ao atuar administrativo cuja ocorrência fosse imprevisível. Pelo contrário. A urgência só se verifica em decorrência da omissão administrativa que, ao não alimentar a carreira com agentes em número suficiente, acaba por gerar, num dado momento, uma situação de premente necessidade de admissão pessoal. Mas aqui a culpa é obviamente, da própria Administração. Hipóteses que tais não deverão, em nosso entender, ser contempladas como ensejadoras da contratação com fundamento nesse inciso." (...)

"Se o regime dos servidores temporários não pode ser o mesmo dos servidores permanentes, como visto, o regime daqueles só pode ser o trabalhista, já que é de competência privativa da União legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I), entendido este como aquele que disciplina relações de emprego de natureza contratual.

"O próprio termo contratação, utilizado no inc. IX, constitui um indicador de que aos servidores temporários aplica-se a Consolidação das Leis do Trabalho, regime esse que, na administração direta, autárquica e fundacional pública, deve ser o mesmo restrito aos servidores temporários." (BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, 3º Volume, Tomo III, Ed. Saraiva, 1992, pp. 98)

Noutra passagem, o Professor CELSO RIBEIRO BASTOS traz mais as seguintes lições (Ob. cit., p. 101):

"Conquanto a Constituição estabeleça que a necessidade temporária a ser atendida deve ser de excepcional interesse público, a interpretação do dispositivo em questão, nesse particular, reclama redobrada cautela.

"A ênfase, a nosso ver, repousa na necessidade ou não da contratação. Mas, para os fins Constitucionais, essa necessidade deve ser qualificada, mesmo porque se necessidade não houver, não se poderá cogitar de admissão de pessoal a qualquer título.

"Com efeito, não se pode conceber que haja admissão de pessoal sem necessidade do serviço, seja ela temporária ou permanente. A Administração pública não pode se prestar a servir de ‘cabide’ de emprego.

"Singela necessidade de admissão de pessoal há sempre que o adequado desenvolvimento das atividades rotineiras da administração reclame mais servidores, em razão mesmo do natural e paulatino aumento da demanda de serviços pela coletividade em geral, ou em face da vacância de cargos em número e constância normais, previsíveis por qualquer órgão.

"Não é essa a necessidade que enseja contratação de pessoal temporário." (...) (Ob. cit., p. 101).

No sentido da imprescindibilidade do concurso público, como medida de moralidade pública, honestidade, lisura e transparência na atividade pública, transcreve-se a lição de FÁBIO MEDINA OSÓRIO, nestes termos:

"Exige-se, pela via da moralidade pública, não apenas a honestidade, mas a aparência de honestidade e lisura dos atos administrativos. Cobra-se transparência da atividade pública e dos atos administrativos. A honestidade do administrador, no desempenho de suas atribuições, deve revestir-se de formalidades tais que não se permitam dúvidas a esse respeito.

.................................................

"De outro lado, nota-se que a exigência constitucional do concurso público não pode ser afastada, eis que o próprio constituinte previu sanções de nulidade do ato e punição da autoridade responsável (art. 37, § 2º, da CF de 1988), incidindo o art. 11, V, da Lei 8.429/92, mais, eventualmente, o art. 10, caput, do mesmo diploma, se ocorrente lesão material, gastos indevidos aos cofres públicos, sem prejuízo do art. 10, XII, da lei, na medida em que se proporcionaria enriquecimento aos agentes que ingressam no setor público pela ‘porta dos fundos’, em detrimento de outros que teriam, em tese, o direito de concorrer.

"Como se vê, a moralidade pública desempenha funções que transcendem o conceito de desvio de finalidade, traduzindo, outrossim, uma forma de desvio de poder." (OSÓRIO, Fábio Medina. "Improbidade Administrativa", 2ª edição, Editora Síntese Ltda, Porto Alegre, 1998, pp. 214-216).

Por último, para não mencionar todo o universo dos juristas, a lição de JOSÉ CRETELLA JUNIOR, que, a propósito da contratação temporária por excepcional interesse público, ensina:

"248. (...) Por constituir exceção, a contratação do agente publico, para desempenho de função pública, tem de ser (a) por tempo determinado, (b) para atender a necessidade temporária, (c) deve esse tipo de necessidade ser de interesse público e, por fim (d) o interesse público deve ser de caráter excepcional. Sem essas quatro conotações do texto — tempo determinado, necessidade temporária, interesse público, bem caracterizado, excepcionalidade do interesse — a contratação é nula, ou pelo menos, anulável, rescindindo-se o acordo."

"249. (...) Há, com efeito, necessidades permanentes e temporárias. No primeiro caso, o cargo ou emprego deverá ser provido por concurso público de provas ou de provas e títulos É a regra geral, no funcionalismo. Se, entretanto, a necessidade é temporária, a prestação acidental e ad hoc do serviço público pode ser feita mediante contrato — entre o Estado e o agente público —, acordo que fixe a data do desligamento. É a exceção, no campo do funcionalismo. Neste caso, atingido o prazo convencionado, resolve-se o contrato, pelo rompimento do vinculum iuris entre o agente público e o Estado." (JUNIOR, José Cretella. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 4, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 2203).

Fechando este ângulo, exsurge, flagrantemente, a inconstitucionalidade dos arts. 34, § 2º, da Lei nº 9.427/96, 19, XXIII, da Lei nº 9.472/97, e 76, parágrafo único, da Lei nº 9.478/97, abrindo-se ensejo à nulidade dos atos de admissão, bem como a noticiada efetivação de servidores públicos, com base nestes dispositivos legais.


NOTAS

  1. A propósito, a Lei nº 9.649, de 27.05.98, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, estipula, em seu art. 2º:
    "Art. 2º À Casa Civil da Presidência da República compete assistir direta e imediatamente ao Presidente da República no desempenho de suas atribuições, especialmente na coordenação e na integração das ações do Governo, na verificação prévia da constitucionalidade e legalidade dos atos presidenciais, na análise do mérito, da oportunidade e da compatibilidade das propostas com as diretrizes governamentais, bem assim supervisionar e executar as atividades administrativas da Presidência da República e supletivamente da Vice-Presidência da República, tendo como estrutura básica o Conselho do Programa Comunidade Solidária, o Conselho Deliberativo do Sistema de Proteção da Amazônia, o Gabinete, duas Secretarias, sendo uma Executiva, até duas Subchefias, e um órgão de Controle Interno."
  2. A propósito, basta conferir o disposto no art. 7º, III, da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, com a redação da Lei nº 9.718, de 27.11.98:
    "Art. 7º A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio, apurado segundo o disposto no art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977:
    ...............................
    III - poderá amortizar o valor do ágio cujo fundamento seja o de que trata a alínea "b" do § 2° do art. 20 do Decreto-lei n° 1.598, de 1977, nos balanços correspondentes à apuração de lucro real, levantados posteriormente à incorporação, fusão ou cisão, à razão de um sessenta avos, no máximo, para cada mês do período de apuração".
Sobre o autor
Brasilino Pereira dos Santos

procurador regional da República, mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Brasilino Pereira. Ilegalidade das contratações temporárias para o quadro das agências reguladoras e fiscalizadoras e o projeto para proibição de concurso público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/395. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

O presente artigo foi extraído dos fundamentos de ação civil pública distribuída à 15ª Vara da Justiça Federal, em Brasília, em maio de 2000, pedindo a suspensão dos contratos temporários de servidores admitidos sem o concurso público.

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