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A Reforma Tributária veiculada pela Lei n.º 10.637/02

Agenda 01/04/2003 às 00:00

A Medida Provisória n.º 66, de 29 de agosto de 2002, publicada no DOU de 30/08/02 e, posteriormente retificada, em 03/09/02, nos foi apresentada pelo governo federal como a solução para os problemas fiscais e tributários do País.

Entretanto, essa "mini-reforma" foi veiculada através de medida provisória, o que, além de juridicamente reprovável, configura uma verdadeira reunião de medidas esparsas, versando sobre matérias diversas, tratando de questões de grande importância e, simultaneamente, de assuntos secundários, sem existência da urgência e a necessária relevância, demonstrando um total descaso ao quanto disposto no artigo 62 da Constituição Federal, bem como na Lei Complementar n.º 95/98.

A Medida Provisória n.º 66/02 reuniu, no mesmo texto legal, diversas questões, tais como a implementação da não-cumulatividade do PIS/PASEP; a alteração no crédito presumido do IPI para ressarcimento do PIS/PASEP das exportações; a suspensão do IPI nas aquisições da indústria automobilística, aeronáutica, alimentícia, farmacêutica e de calçados; as normas antielisão; a compensação de tributos federais; a majoração da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL; o bônus de adimplência fiscal e muitos outros assuntos.

Posteriormente, a Medida Provisória n.º 66/02 foi convertida na Lei n.º 10.637/02 (DOU do dia 31/12/02).

Assim, o Congresso Nacional converteu em lei a Medida Provisória n.º 66/02, introduzindo significativas alterações em relação ao texto original.

Precipuamente, podemos destacar as seguintes inovações:

Passaremos, pois, a analisá-los individualizadamente.


  1. A

    supressão das "normas antielisão"

As polêmicas normas antielisivas, veiculadas nos artigos 13 a 19 da Medida Provisória n.º 66/02, foram suprimidas do texto final da Lei n.º10.637/02.

Tal exclusão foi acertada, pois a elisão fiscal não pode ser confundida com evasão fiscal, esta sim ilegal.

A evasão fiscal é a falta de pagamento de tributos, ou seja, sonegação fiscal, caracterizando ilícito tributário.

Por outro lado, a elisão fiscal é o direito do contribuinte - ato legal - consubstanciado num planejamento tributário segundo o qual o contribuinte elege, entre as opções permitidas pela legislação, o procedimento menos gravoso, mais econômico do ponto de vista tributário.

O Professor Alberto Xavier, citado pelo Professor Hugo de Brito Machado, ao comentar as normas anti-elisivas, afirmou tratar-se de normas de inspiração nazi-facista, "tamanho é o arbítrio que ensejam, pois não se referem a casos de fraude à lei, mas de simples opções lícitas do contribuinte, que fica privado do direito de escolher como organizar os seus negócios para economizar impostos".

Nesse esteio, eivadas pelo vício insanável da nulidade desde sua concepção, não prosperou o anseio do Executivo de implementar a norma antielisão.


2. A extinção do benefício do crédito da energia elétrica.

A Medida Provisória n.º 66/02 veiculava no inciso III, do artigo 3º, a possibilidade de creditamento, pelas pessoas jurídicas enquadradas no novo sistema, de toda a energia elétrica utilizada pelo estabelecimento, sem qualquer vinculação à industrialização ou comercialização.

Tal benefício veio consolidar o posicionamento segundo o qual a energia elétrica funciona como "insumo", podendo gerar direito ao crédito, matéria que gerou celeuma no âmbito do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Comunicação, Transporte Intermunicipal e Interestaudal - ICMS.

Entretanto, a Lei n.º 10.637/02 excluiu tal benefício, suprimindo a energia elétrica do rol das hipóteses de direito ao crédito, mantendo a discussão sobre a possibilidade da sua utilização como insumo.


3. A exclusão do crédito presumido de PIS para o setor agropecuário.

A Lei n.º 10.637/02 também excluiu o benefício do crédito presumido (1,15%) do PIS/PASEP para as empresas do setor agropecuário, referente às aquisições de pessoas físicas, previsto no artigo 3º, § 5º e § 6º da Medida Provisória n.º 66/02.

O veto ao crédito presumido do PIS/PASEP para o setor agropecuário, além de outros vetos a algumas hipóteses de crédito inicialmente previstas na Medida Provisória n.º 66/02, foi justificado pelo suposto decréscimo na arrecadação federal ocasionada em razão desses "benefícios fiscais". Argumentou-se até que se estaria a violar a Lei de Responsabilidade Fiscal.

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Entretanto, tal argumento não merece prosperar, sobretudo em razão do aumento da arrecadação que a majoração da alíquota do PIS/PASEP (130%) irá acarretar.

Dessa forma, novamente o contribuinte será prejudicado com a majoração da alíquota e a simultânea diminuição de seus já escassos créditos, referentes a essa contribuição social.


4. A manutenção dos benefícios para o adimplemento dos débitos tributários.

De acordo com o artigo 13 da Lei n.º 10.637/02, os tributos e contribuições sociais administrados pela Receita Federal, decorrentes de fatos geradores ocorridos até 30 de abril de 2002, inscritos ou não na dívida ativa da União, vinculados ou não à ação judicial, poderão ser pagos em parcela única, até 31 de janeiro de 2003, com os seguintes benefícios:

a) dispensa de juros devidos até janeiro de 1999, para os fatos geradores ocorridos até referida data;

b) redução de 50% da multa, de mora ou de ofício.

A pessoa jurídica optante pelo Programa de Recuperação Fiscal Federal (Refis) também poderá pagar débitos incluídos no Programa nessas condições.

O art. 14 da referida Lei também ampliou para 31 de janeiro de 2003, o pagamento de débitos relativos a fatos geradores vinculados a ações judiciais propostas pelo sujeito passivo contra a exigência de imposto e contribuições instituídos após 1º de janeiro de 1999 ou contra majoração, após aquela data, de tributos ou contribuição anteriormente instituído.

Nesta hipótese, os contribuintes que efetuarem o pagamento ou fizerem a conversão de depósito judicial em renda para a União, poderão gozar dos seguintes benefícios fiscais:

a) dispensa de multa moratória e punitiva;

b) juros de mora devidos calculados pela variação mensal da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), ao invés da Taxa Selic – muito mais alta.

O benefício de redução de multa e do cálculo dos juros devidos pela TJLP previsto neste dispositivo legal beneficiará principalmente os contribuintes que ingressaram na justiça, a partir de janeiro de 1999, contra a ampliação da base de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins, bem assim majoração da alíquota da Cofins de 2% para 3%; contra a CPMF e contra a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE

A adesão ao benefício, com a conseqüente desistência das ações judiciais propostas, será benéfica ao contribuinte, tendo em vista que a jurisprudência tem se pacificado no sentido de que a ampliação da base de cálculo e o aumento da alíquota não são inconstitucionais.


5. A ampliação do rol de beneficiários da suspensão do IPI.

Quanto à suspensão do IPI, veiculada pelos artigos 31, da Medida Provisória n.º 66/02, e 30, da Medida Provisória n.º 75/02, a Lei n.º 10.637/02, em seu artigo 29, incluiu um novo tipo de indústria beneficiada em suas aquisições de insumos (importação ou mercado interno).

Incluiu o Capítulo 23 da TIPI que trata das indústrias que produzem resíduos e desperdícios de outros alimentos (indústrias alimentícias), destinados à elaboração de preparações para animais - exceto alimentos para cães e gatos.


6. A não reabertura do prazo para aderir ao REFIS.

Mesmo diante de tantas normas que têm por escopo somente beneficiar o Ente Tributante, a principal surpresa para os contribuintes foi a supressão do texto, quando já havia sido aprovado na Câmara dos Deputados, da reabertura do Programa de Recuperação Fiscal Federal - REFIS.

O Senado Federal apresentou a justificativa de que o REFIS incentiva a sonegação, premiando os inadimplentes e desmotivando as empresas que cumpriram regularmente suas obrigações perante o fisco federal.

Todavia, a fragilidade dessa justificativa é latente, pois além desses argumentos servirem para frustrar a instituição da primeira versão do Programa de Recuperação Fiscal, o que se vê, na prática, são as empresas sucumbindo aos encargos tributários.

Um novo programa poderia, além de incentivá-las, majorar a arrecadação federal.


7. A ampliação do rol de pessoas jurídicas que podem optar pelo regime de tributação pelo lucro presumido.

Quanto ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica - IRPJ e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, a Lei n.º 10.637/02 veiculou, no seu artigo 46, norma que dobrou o limite anteriormente fixado para que as empresas optem pelo regime de tributação pelo lucro presumido, de forma que a receita bruta anual poderá atingir até R$ 48.000.000,00 (quarenta e oito milhões de reais), ao invés do limite de R$ 24.000.000,00 (vinte e quatro milhões de reais) anteriormente previsto.


8. A prorrogação até 2004 da alíquota de 27,5% do IRPF

Uma importante norma veiculada pela citada Lei foi a manutenção da alíquota de 27,5% para o Imposto sobre a Renda Pessoa Física - IRPF.

Apesar da previsão original de que este ano a alíquota máxima do IRPF retornaria ao teto de 25%, assim como ocorreu com a CPMF, foi prorrogada a alíquota de 27,5% até janeiro de 2004, sob o argumento de se manter a arrecadação do novo governo.


9. A redução do rol de pessoas jurídicas que podem optar pelo regime de tributação pelo SIMPLES.

O artigo 26 da Lei n.º 10.637/02 incluía um exaustivo rol de empresas que poderiam optar pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES.

Todavia, foi vetada tal ampliação, inclusive das empresas de contabilidade, mantendo-se apenas as agências de viagem e turismo.

Não obstante as alterações acima apontadas, a Lei nº 10.637/02 ainda veiculou alguns dispositivos da antiga Medida Provisória n.º 75/02, que foi rejeitada pela Câmara dos Deputados, conforme Ato Declaratório nº 18, publicado no DOU no dia 19/12/02.

Nesse esteio, os artigos 23 a 26 (parcelamento dos débitos tributários em sessenta vezes), parte dos arts. 3°, 11, 29 e 32, todos da Lei nº 10.637/02, são normas veiculadas inicialmente na Medida Provisória n.º 75/02.

Por fim, no que toca à legislação que regulamentou a Medida Provisória n.º 66/02 - Instruções Normativas 210/02, 231/02, 235/02 e 247/02 -, permanece vigente no ordenamento jurídico nacional, desde que não haja contrariedade ao quanto disposto na Lei n.º 10.637/02.

Não obstante isso, cumpre salientar que a Secretaria da Receita Federal editou, em conjunto com o Instituto Nacional da Seguridade Social – INSS e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN, as Portarias n.º 06 e n.º 07, de 08 de janeiro de 2003, que tem por escopo a regulamentação da citada lei.

Diante de tudo o quanto acima expendido, ao contrário do que muito se esperava, ao invés de reduzir a carga tributária, a Lei n.º 10.637/02 veio a agravar ainda mais a situação do contribuinte, excluindo os poucos benefícios previstos na Medida Provisória que a originou e revigorando os dispositivos da Medida Provisória n.º 75/02, já rejeitada pela Câmara dos Deputados.


BIBLIOGRAFIA

1. "A Reforma Tributária", Hugo de Brito Machado, in www.direitopublico.com.br;

2. "Minirreforma Tributária", Carlos Eduardo Garcia Ashikaga, in www.direitopublico.com.br;

3. "Pagamento de tributos e contribuições federais com benefícios de redução de multas e juros tem prazo até 31 de janeiro de 2003", in www.receita.fazenda.gov.br.

Sobre a autora
Milena Moreira

advogada em São Paulo (SP), no escritório Campos Bicudo Jaloreto e Louzada Advogados Associados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Milena. A Reforma Tributária veiculada pela Lei n.º 10.637/02. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3950. Acesso em: 21 nov. 2024.

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