BREVE APRESENTAÇÃO
Enrico Dei Flamarion Malatesta foi um advogado italiano que, fazendo parte da escola clássica da escola penal daquele país, escreveu uma obra imortal. Essa obra é A LÓGICA DAS PROVAS. O livro foi publicado em 1894, e, salvo questões particulares, ainda é atual, tendo influenciado a dogmática penal brasileira.
O autor escreve sobre a produção da prova criminal, focando especificamente sobre a lógica das provas.
A obra é dividida nas seguintes partes.
INTRODUÇÃO.
Na introdução do livro, o autor trata de aspectos ligados ao crime. Para ele, o crime tem duas violações: violação específica e genérica. Quanto à específica, o crime é instantâneo ou continuado. Quanto à violação genérica, é sempre continuado, pois toda a ordem foi violada.
Todo direito corresponde a um dever: a tranquilidade jurídica é um direito. O crime corrompe esse direito, e passa a ser uma violação continuada, que só cessa pela pena. A pena não visa ferir o delinquente pela violação de um direito particular (a ação civil seria mais adequada), mas sim para interromper a continuação criminosa e restaurar a tranquilidade jurídica.
A pena não nega o crime. Interrompe a continuidade da lesão e restaura a tranquilidade jurídica, e portanto o direito. A pena também é uma defesa direta do direito, pois corrige o infrator, evitando a ação de outros maus intencionados.
A pena só pode atingir o réu. A tranquilidade jurídica só se reestabelece com a condenação do réu. Se o inocente for condenado, ter-se-á a agressão ao direito de forma particular e de forma genérica, feita pela lei. Não havendo a certeza da culpa, deve-se absolver.
Malatesta divide a penalística em Lógica judicial, arte judicial e processo, trilogia racionalmente decrescente que conduz a um processo justo.
PRIMEIRA PARTE: ESTADOS DE ESPÍRITO
A primeira parte é nomeada como ESTADOS DE ESPÍRITO RELATIVAMENTE AO CONHECIMENTO, subdividida em capítulos. O primeiro desses capítulos trata do conceito de CERTEZA, sua natureza e espécies. O segundo capítulo relaciona a CERTEZA QUANTO AO SUJEITO E AO CONVENCIMENTO JUDICIAL. O terceiro capítulo trata da RELAÇÃO DA PROBABILIDADE COM A CERTEZA. Por fim, a primeira parte da obra foca a CREDIBILIDADE EM RELAÇÃO À CERTEZA E À PROBABILIDADE.
Malatesta faz diversas considerações sobre a forma como a prova é apreendida pelo espírito. A prova é o meio subjetivo pelo qual o espírito humano se apodera da realidade. O estado do espírito pode estar em ignorância, em dúvida ou em certeza.
DÚVIDA: há motivos afirmativos e negativos. Quando há mais negativos, tem-se o improvável, quando há mais afirmativos, tem-se o provável, e quando há igualdade de motivos, tem-se o crível.
Estados do espírito: da ignorância, do crível, do provável e do certo. A verdade é conformidade da noção ideológica com a realidade. A certeza e a verdade nem sempre coincidem, já que se pode ter certeza que é verdade algo falso. A certeza é um estado da alma.
A verdade tem duas categorias: a que o espírito adquire pela simples percepção intelectiva (verdade puramente inteligível), e a que necessita do concurso dos sentidos (verdade sensível).
A inteligência é faculdade indispensável para se chegar à verdade, e ela pode ser intuitiva ou reflexiva.
Certeza física: conhecida diretamente. Certeza lógica: conhecida através de um raciocínio. É a reflexão intelectual que nos conduz de um fato conhecido a um fato desconhecido.
A natureza tem ordens: modo constante de ser leva a certeza. Modo ordinário de ser leva a probabilidades.
A certeza mista pode ser classificada de três formas: a) reflexão entre a afirmação e a coisa afirmada, estabelecendo a verdade da afirmação, que se aplica a provas materiais indiretas; b) reflexão na relação entre o afirmante e a afirmação, estabelecendo a veracidade do afirmante, o que se dá nas provas pessoais diretas; e c) e a dupla reflexão entre o afirmante e a afirmação, e entre a afirmação e a coisa afirmada, o que se sucede nas provas pessoais indiretas.
Três espécies de certeza: a) certeza simplesmente lógica, intuitiva ou reflexa, que não se aplica ao fato do delito; b) certeza simplesmente física, decorre da prova material direta; c) certeza mista, dividida em certeza físico-lógica, físico-histórica, e físico-lógica-histórica.
a) certeza físico-lógica, ou lógica por antonomásia. A verdade de um fato deflui a verdade de outro fato imediatamente. Mulher casada que dá parto estando separada materialmente do marido a dois anos. A coisa afirmada: mulher teve um filho. O raciocínio leva à prova indireta do adultério da mulher.
b) certeza físico-histórica, ou histórica por antonomásia. Estabelece-se a veracidade da pessoa que atesta para dar veracidade à coisa atestada, prova pessoal direta.
Diferença entre as duas. A primeira depende da indução, para concluir pela certeza do fato em conexão, enquanto que a segunda a certeza é conhecida diretamente. Por isso a indução sempre foi vista como inferior à prova testemunhal.
c) certeza físico-histórica-lógica. É a junção das duas. Primeiro verifica a veracidade da testemunha, e, consequentemente da coisa afirmada (certeza histórica), passando-se a fazer por indução a relação entre o fato afirmado e o delito (certeza lógica).
Classifica em prova: a) rial direta, que é a fonte da certeza física, e rial indireta, que é a prova da certeza lógica; e b) pessoal direta, é a fonte da certeza histórica, pessoal indireta, que é a fonte da certeza lógica-histórica.
A certeza é a crença na conformidade com a própria noção ideológica e a verdade ontológica. Não é lógico procurar graus de certezas. Ou se tem certeza ou não. O correto, no entanto, é procurar qual certeza tem menos erros.
A verdade é o modo como o espírito se apodera dela.
Na certeza existe o concurso dos sentidos e da inteligência. Os sentidos não nos fornece capacidade de diferenciar o erro, que só ocorre pelo critério da inteligência.
A certeza física é a menos passível de erro. A afirmação direta da certeza de uma coisa leva ao simples trabalho dos sentidos. Resolve-se na percepção pura dos sentidos. O erro é mais difícil.
A certeza físico-histórica é mais passível de erro. Primeiro, busca-se a certeza do afirmante, de que esse não pretende enganar. Depois, busca-se a certeza do afirmado.
A certeza físico-lógica é a mais suscetível de erro. Deriva da afirmação indireta de uma coisa. É a procura de que uma coisa diferente do delito indica o delito. O erro pode derivar do fato de que de uma coisa pode decorrer diversas outras.
A certeza mista (físico-lógica-histórica), é a que tem mais possibilidade de erro. É a afirmação pessoal indireta de uma coisa, sendo ao mesmo tempo prova pessoal indireta e prova real indireta (vide caso Bruno, observação pessoal).
SEGUNDA PARTE: DA PROVA EM GERAL
A segunda parte é nomeada como DA PROVA EM GERAL, também subdividida em capítulos. O primeiro capítulo se refere a REGRAS GENÉRICAS PROBATÓRIAS. O segundo capítulo trata da CLASSIFICAÇÃO FUNDAMENTAL DAS PROVAS DEDUZIDA DA SUA NATUREZA. O terceiro capítulo estuda a CLASSIFICAÇÃO ACESSÓRIA DAS PROVAS DERIVADAS DOS SEUS FINS ESPECIAIS. E o quarto capítulo foca no ÔNUS DA PROVA.
TERCEIRA PARTE: DIVISÃO OBJETIVA DAS PROVAS
A terceira parte é nomeada como DIVISÃO OBJETIVA DAS PROVAS. O Autor divide essa parte de acordo com a sua classificação das provas. Assim, o primeiro capítulo trata das PROVAS DIRETAS E INDIRETAS, o segundo da PROVA DIRETA EM ESPECIAL, e o terceiro estuda a PROVA INDIRETA EM ESPECIAL, SUA NATUREZA E CLASSIFICAÇÃO. Esse capítulo é mais abrangente, delimitado nos tipos de provas indiretas: a) presunção; b) indício, subdividido em indício em geral e indícios particulares, esses classificados em b1) Indício causal da capacidade intelectual e física para delinquir; b2) Indício causal da capacidade moral para delinquir pela disposição geral do espírito da pessoa; b3) Indício causal da capacidade moral para delinquir por um impulso particular para o crime; b4) Indício de efeito dos vestígios materiais do delito e b5) Indício de efeito dos vestígios morais do delito. O quarto capítulo estuda as PROVAS INDIRETAS JURIS ET DE JURE.
QUARTA PARTE: DIVISÃO SUBJETIVA DAS PROVAS
A quarta parte é nomeada como DIVISÃO SUBJETIVA DAS PROVAS (PROVA REAL E PROVA PESSOAL). Essa parte está dividida nos capítulos: 1) DIVISÃO SUBJETIVA ENTRE REAL E PESSOAL, e 2) PRESENÇA EM JUÍZO DO SUJEITO INTRÍNSECO DA PROVA: ORIGINALIDADE.
QUINTA PARTE: DIVISÃO FORMAL DAS PROVAS
A quinta parte é nomeada como DIVISÃO FORMAL DAS PROVAS. Essa parte é dividida em seções.
A SEÇÃO PRIMEIRA estuda a PROVA TESTEMUNHAL, dividida em capítulos.
O primeiro trata da prova testemunhal, sua credibilidade abstrata e suas espécies. Malatesta afirma que a presunção é a de que o homem é voltado à veracidade. É lógico se esperar que o homem profira depoimentos de acordo com a verdade do fato. Divide também as testemunhas em testemunhas ante factum, in factum e post factum.
O segundo estuda o caráter específico da prova testemunhal, com a sua produção oral, sua natureza e seus limites. Nesse caso, Malatesta diz que a prova testemunhal deve ser oral, mesmo que se reproduzam depoimentos escritos pelo autor. O depoimento oral atesta o sujeito moral e o sujeito físico da afirmação, podendo se analisar o que se afirma com quem afirma. O depoimento escrito relaciona a vontade ideológica de quem atesta, ou seja, só há a presença do sujeito moral. Mas recomenda a leitura de algumas peças, na parte de sua especialidade, sendo essas a denúncia ou queira, exames periciais, relatórios, atas e certidões e confissões anteriores.
O terceiro trata da credibilidade concreta da prova testemunhal, com a avaliação do testemunho relativamente ao sujeito, do testemunho relativamente à forma, do testemunho relativamente ao conteúdo e o valor do testemunho clássico. Malatesta critica Bentham, quando o inglês usa o sistema do cidadão médio, quanto à credibilidade do depoimento, pois é impossível usar critérios matemáticos para verificar a credibilidade da testemunha. Isso porque a testemunha fala sobre o que tem certeza, e não sobre um juízo de probabilidade. Malatesta prefere usar o critério analítico, analisando o sujeito, a forma e o conteúdo, para verificar a credibilidade do depoimento. Quando esses três critérios são preenchidos, tem-se o chamado testemunho clássico.
O quarto capítulo se refere ao testemunho de terceiro. Malatesta divide o testemunho de terceiro em ordinário, sendo o terceiro que tem conhecimento do crime, e oficial, que, sendo terceiro com conhecimento do crime, tem alguma circunstância especial (v.g. policiais).
O quinto trata do testemunho do ofendido. Malatesta diz que esse testemunho deve ser visto com relatividade, já que dois vícios podem ocorrer: a possibilidade de erro e a vontade deliberada de enganar. O autor afirma, no entanto, que o testemunho do ofendido pode ser utilizado, avaliando-se os critérios do testemunho clássico (sujeito, forma e conteúdo).
O sexto do testemunho do arguido, com sua natureza e suas espécies. Esse capítulo tem subdivisões. Primeiro, trata da avaliação concreta do testemunho do arguido. Segundo, trata do testemunho do arguido sobre fato próprio, ou seja, sobre a desculpa, a confissão e a confissão qualificada e divisão. Terceiro, trata do testemunho do acusado sobre fato de outrem. Malatesta divide o testemunho sobre fato próprio em justificação, confissão e confissão justificada ou qualificada. O testemunho do arguido sobre fato alheio divide-se em testemunho sobre fato alheio no qual o arguido confessa em parte, e testemunho sobre fato alheio no qual o arguido se justifica. Malatesta não concorda com a designação de ser a confissão a rainha das provas, pois essa tem de ser analisada como qualquer outro depoimento (usando os critérios de análise do sujeito, da forma e do conteúdo para ser válido). Também divide o testemunho em vantagem própria, chamado de desculpa, e o testemunho em desvantagem própria, chamado de confissão, além do testemunho misto, a confissão qualificada. Trata também da testemunha que confessa por antonomásia (voluntariamente) e a testemunha convencida a confessar pelas provas.
O capítulo sétimo estuda o limite probatório derivado da qualidade de ser único o depoimento. Nesse caso, Malatesta se refere ao depoimento único como sendo a única prova. Diz que não pode ser usado como fundamento da condenação, pois o depoimento único serve mais de enunciado ao juiz do que de prova. A palavra do acusador único é diminuída pela palavra única do réu, por estar essa fortalecida pela presunção da inocência. Observa, entretanto, que essa regra pode ser afastada por indícios que fortaleçam a palavra da testemunha única.
O oitavo se refere ao limite probatório derivado do corpo de delito. Malatesta se refere à prova do corpo de delito através de testemunhas, quando esse corpo de delito é passageiro ou não pode ser provado de outra forma.
O nono é sobre o limite probatório derivado das regras civis de prova. Estuda, nesse capítulo, a diferença entre as provas civis, de natureza formal, e as provas penais, de natureza substancial e com limitações em sua produção.
O décimo capítulo dessa seção estuda o testemunho pericial. Refere-se ao depoimento dos peritos sobre a prova, criticando a tese de que os peritos seriam meros consultores do juiz. Defende que sempre que a prova técnica precisar ser explicitada, o perito deve depor.
A SEÇÃO SEGUNDA estuda a PROVA DOCUMENTAL. Está dividida em quatro capítulos, tratando: a) documento: sua natureza e espécies; b) escritos em geral, sua classificação e seu valor; c) documentos escritos em especial; e d) avaliação concreta dos documentos.
A SEÇÃO TERCEIRA estuda a PROVA MATERIAL, também subdividida em capítulos. O primeiro se refere à prova material, com sua natureza, sua credibilidade abstrata, e suas espécies. O segundo trata do corpo de delito, sua natureza e suas espécies enquanto pode ou deve ser objeto de prova material. O terceiro analisa a prova material propriamente dita e impropriamente dita, subdividindo-se em verificação judicial da prova material propriamente dita e prova quase judicial, a conhecida prova material por ficção jurídica. O quarto e último capítulo faz uma avaliação concreta da prova material.
A última parte da obra é a CONCLUSÃO, com um breve resumo da obra.
Por fim, observando-se a divisão acima, verifica-se que o Código de Processo Penal Brasileiro foi em muito influenciado por essa obra clássica.
FONTE: http://www.oab.org.br/editora/revista/revista_06/e-books/a_logica_das_provas_em_materia_criminal.pdf