Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Fontes do direito e fato jurídico.

Resposta a Tárek Moysés Moussallem

Exibindo página 4 de 4
Agenda 01/05/2003 às 00:00

7. Conclusão.

As respostas ofertadas por Tárek Moussallem às minhas críticas apenas serviram para ratificá-las. Mais ainda: se valeram das obras de Lourival Vilanova e, em verdade, manifestaram um profundo divórcio com o real pensamento do mestre pernambucano. Como mostramos incansavelmente na terceira crítica, via ele o direito como idealidade (norma) e como facticidade (fatos da vida), como dever-ser que se realiza no ser. Diferentemente da teoria carvalhiana, Lourival Vilanova não concebia o direito apenas como um conjunto de normas, mas sim como um conjunto de normas em efetividade. Ele, assim como Pontes de Miranda e Habermas, cada qual a seu modo.

Quanto ao constructivismo jurídico de Paulo de Barros Carvalho, que nada tem a ver com o constructivismo ético ou político de Rawls, nem tampouco com a visão liberal de Dworkin, é, segundo as palavras de Paolo Comanducci (75), uma corrente radical da epistemologia contemporânea que nega rotundamente que seja admissível falar de objetos, fenômenos e processos como se fossem coisas distintas e independentes do sujeito que os conhece: "la existencia de la llamada ‘realidad’ es una hipótesis metafísica indemostable y, desde luego, perjudicial desde el punto de vista científico. No se trata de que, como sostienen las corrientes hermenéuticas tradicionales, cada objeto tenga que ser interpretado para ser conocedo, sino que cada objeto es la interpretación que de éste hace alguien, y nada más que eso". Trata-se, pois, de uma radical corrente cética e relativista, que não concebe possa existir uma realidade fora do sujeito cognoscente.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Essa visão, próxima ao pragmatismo de um Richard Rorty, nega as conquistas do giro lingüístico, de trazer o outro para o centro do diálogo que somos nós. Presa excessivamente à sintaxe, deixa de lado a pragmática, esquecendo que é através do a priori da comunidade do discurso que a fala é possível, e com ela o conhecimento. Por isso, soa estranho que o constructivista Tárek Moussallem cite Karl-Otto Apel, ainda mais em passagem da obra "o a priori da comunidade de comunicação", de vez que toda a obra apeliana fustiga o solipsismo do constructivismo, buscando naquele a priori da comunidade de comunicação o pressuposto pragmático-transcendental das ciências sociais (76). Aqui é que resta mais uma vez evidenciado aquilo que venho denominando de sincretismo metodológico da teoria carvalhiana, que se vale, para se sustentar, do assoalho de teorias contrárias aos seus próprios postulados.

De qualquer sorte, restam expostas as nossas considerações sobre as críticas formuladas pelo professor capixaba, redigidas aqui com o único propósito de fazer ciência, debatendo a validade de nossas proposições com pretensão de verdade. Com isso, restamos distantes de ataques pessoais e contribuímos com o estudo crítico e sereno do direito.

Finalmente, uma última observação. Ao contrário da leitura feita por Tárek Moussallem, não fiz qualquer afirmação de que o professor Paulo de Barros Carvalho "demonstrasse caráter de autoritarismo" (77). De modo algum cometeria essa indelicadeza, até por que não tive a honra de travar relação pessoal com ele. O que disse – e repito – foi que o uso da palavra "súdito" para denominar o contribuinte é sinete revelador do autoritarismo à base da teoria carvalhiana, que ao afirmar que o intérprete constrói a norma, termina por subtrair do contribuinte a sua cidadania fiscal. No contexto da minha crítica, refutava aquela assertiva segundo a qual "o juiz não erra nunca; ele prescreve", nascida da pena de Gabriel Ivo. Dizia que essa visão do fenômeno jurídico ablegava o sentido maiúsculo do Estado Democrático de Direito, que ficava submetido a um autoritarismo hermenêutico de quem pode mais: aquele que tem a última palavra, o fisco.

Com essas considerações, espero estejam superados os maus entendidos, decorrentes de uma leitura apressada e apaixonada dos meus escritos. E sigamos adiante, porque o diálogo segue no contexto do mundo da vida, no qual estamos inseridos.


NOTAS

  1. "Algumas críticas a ‘Notas sobre o fato jurídico: crítica segunda ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho". Revista trimestral de direito civil. Rio de Janeiro: Padma, 2002, vol. 11, p. 151-173.
  2. Afirmou Tárek Moussallem: "Partindo de equivocada premissa (diga-se de passagem, atribuída deslealmente ao professor Paulo de Barros Carvalho) de que somente o Poder Judiciário constituiria ‘o evento do descumprimento da norma em fato jurídico’, Adriano Soares da Costa, assoalhado em Habermas, faz distinção entre os planos da ‘ação comunicativa’ e do ‘discurso’". (grifei)
  3. "Algumas críticas...", cit., p.151.
  4. "Incidência e aplicação da norma jurídica: uma crítica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho", RTDC (2) 5/17. V. também: Revista tributária e de finanças públicas 38/29, São Paulo: RT, mai./jun. 2001.
  5. "Obrigação e crédito tributário: crítica terceira ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho" Revista tributária e de finanças públicas 46/98-102, São Paulo: RT, set./out. 2002.
  6. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998, p.242. Grifos originais.
  7. Fundamentos..., cit., 166-167.
  8. Afirmou Tárek Moussallem: "Também nos aparenta engano afirmar que a aplicação somente seria realizada pelo Poder Judiciário. A imputação que o autor alagoano faz ao Professor Paulo de Barros Carvalho não nos parece correta" ("Algumas críticas...", cit., p.169). E prossegue ele, já agora em nota de rodapé: "Tanto é falsa que o próprio Paulo de Barros Carvalho admite a possibilidade de o contribuinte aplicar a norma tributária e constituir o crédito tributário no denominado ‘lançamento por homologação’(...)" (idem, ibidem). Ora, como mostramos, para Paulo de Barros Carvalho, o contribuinte apenas procede o autolançamento se a administração tomar conhecimento desse "feixe de linguagem". Sem que a administração pública viesse a ser comunicada, não haveria o processo de positivação do direito. Assim, o exemplo colhido pelo professor capixaba para defender a teoria carvalhiana é justamente o mesmo que a minha trilogia lhe opõe ("Obrigação e crédito....", cit., p.101-102). Quando Tárek Moussallem advoga a tese de que o particular construiria sozinho a norma individual e concreta, termina por não perceber as próprias vicissitudes das lições de seu mestre.
  9. "Obrigação e crédito...", cit., p.91, passim.
  10. "Algumas críticas...", cit., p.154 e 170.
  11. Consoante noticiado por Paulo de Barros Carvalho no prefácio da tese de doutorado de SANTI, Eurico Marcos Diniz de. (Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Liminad, 2000, p.22-23): "(...) À maneira do ‘constructivismo social’, calcado numa ontologia relativista, mas com acento subjetivo em termos epistemológicos, e instrumentalizado por metodologia bem definida, o jovem doutor empreende os torneios de seu discurso, organizando sistema expositivo que pretende ser claro e determinado, ao isolar as entidades sígnicas do direito posto, para submetê-las aos padrões disponíveis do objeto semiótico, vale dizer, aprimorando os vínculos da sintaxe; especulando as possibilidades semânticas; e verificando as oscilações que o plano pragmático sugere". E adiante: "(...) Aliás, o método empregado, a que chamamos ‘constructivismo jurídico’, marcado pelas adaptações que o trato lógico suscita, vem sendo insistentemente desenvolvido mediante leituras em grupo a que Eurico se entregou, de corpo e alma, há aproximadamente oito anos de incansável dedicação".
  12. "O constructivismo kantiano na teoria moral". Justiça e democracia. Trad. Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.43 et seq.; "O constructivismo político". Liberalismo político. 2ª ed. Trad. Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Ática, 2000, p.134 et seq. Sobre o tema, vide também: DWORKIN, Ronald (Los derechos en serio. Trad. Marta Guastavino. 2ª ed. Madri: Ariel, 1989, p.246 et seq.) e NINO, Carlos Santiago (El constructivismo etico. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1989, esp. p.93 et seq.).
  13. "O constructivismo político", cit., p.135.
  14. Fontes do direito tributário. São Paulo: Max Liminad, 2001.
  15. Fontes..., p.137.
  16. Fontes..., p. 138.
  17. Fundamentos..., 13, 60, passim.
  18. Decadência..., p.65.
  19. Fontes..., p. 148-149.
  20. Fontes..., p. 148.
  21. Sobre o tema, de importância capital na teoria das relações jurídicas, vide a excepcional obra de SILVA. Ovídio Baptista da (Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 2ª ed. São Paulo: RT, 1998, p. 135 et seq., passim). Outrossim, vide CASTRO. Torquato (Teoria da situação jurídica em direito privado nacional. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 50 et seq.) e VILLEY, Michel (Seize essais de philosophie du droit. Paris: Dalloz, 1969, p.140 et seq.) .
  22. "Algumas críticas...", cit., p.158.
  23. Fontes..., cit., p.138. Grifo original.
  24. Fundamentos..., cit., p.5.
  25. Fontes..., cit. p.137.
  26. Fontes..., p.138.
  27. Fontes..., p.150.
  28. idem, ibidem.
  29. "Algumas críticas...", cit., p.161.
  30. Idem, ibidem.
  31. Fontes...p. 151.
  32. "Algumas críticas...", cit., p.160-161.
  33. Decadência..., cit., p.76.
  34. Fontes..., cit., p. 153.
  35. Fontes..., cit., p.154.
  36. Fontes..., cit., p. 153.
  37. "Algumas críticas...", cit., p.162.
  38. "Algumas críticas...", cit., p.162.
  39. Causalidade e relação no direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p.45.
  40. Curso de direito tributário. 14ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p.45.
  41. Idem, ibidem.
  42. Curso..., cit., p.47.
  43. Curso..., cit., p.47. (grifos apostos).
  44. Curso..., cit., p.49.
  45. Curso..., cit., p.52.
  46. "Algumas críticas...", cit., p.164. Dizer que o significado seria uma definição semanticamente convencionada do objeto é transformá-lo em uma significação. Uma coisa é o objeto real; outra, a sua significação. Afirmar que o "significado" é uma definição convencional é excluir o objeto designado da relação triádica do signo. GRAU, Eros Roberto (Direito, conceitos e normas jurídicas. São Paulo: RT, 1988, p. 61-62; e, mais recentemente, Ensaio e discurso sobre interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p.200-203) demonstra que o significante (suporte físico) expressa mediatamente o objeto real pela significação (conceito). No caso dos conceitos jurídicos é que não haveria referência a objetos, mas sim a significações (convencionadas semanticamente). Não por outra razão, asseverará: "Na linguagem – ou instância – jurídica, portanto, as expressões dos conceitos jurídicos são signos de segundo grau, isto é, signos de significações (signo de primeiro grau) atribuíveis – ou não atribuíveis – a coisas, estados ou situações" (grifos originais). Já para a exposição feita por Tárek Moussallem, o próprio objeto expressado pelo suporte físico (significante) não passaria de uma convenção semântica, porque a linguagem não tocaria nunca a realidade exterior a ela. O mundo "lá fora" da linguagem seria estranho ao discurso: as proposições se fechariam em si mesmas.
  47. Fundamentos..., cit., p.16-17, 69.
  48. "Incidência e aplicação...", cit., p.21-24 (outrossim, RTDC 5/5-9).
  49. "Fundamentos...", cit., p.61.
  50. "Algumas críticas...", cit., p.164.
  51. BECCHI, Paolo. "Enunciati, significati, norme. Argomenti per una critica dell’ideologia neoscettica". Analisi e diritto. Torino: G. Giappichelli, 1999, p.3. Vide, ainda, CARVALHO, Paulo de Barros ("Fundamentos...", cit., p.22).
  52. "Notas sobre o fato jurídico: crítica segunda ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho". Revista trimestral de direito civil. Rio de Janeiro: Pádma, 2002, vol. 10, p. 6-8 (V. ainda: Revista tributária e de finanças públicas. São Paulo: RT, 2001, vol.41, p.58-61). Tárek Moussallem critica também o uso do signo "relato", porque Tércio Sampaio Ferraz Jr. o teria utilizado para diferençar do "cometimento". Ora, toda e qualquer polissemia é resolvida pelo contexto. A não ser assim, Paulo de Barros Carvalho não poderia também usar a palavra "fato" no sentido que a emprega, porque antes dele a doutrina sempre a usou como acontecimento real, independentemente de enunciação.
  53. "Notas...", cit., p.59 (RTDC 10/10).
  54. "Algumas críticas...", cit., p.161, passim.
  55. "Algumas críticas…", cit., p.165.
  56. "Fundamentos...", cit., p.57-76.
  57. "O discurso do legislador de trânsito: uma análise semiótica da linguagem não-verbal normativa". Revista de informação legislativa. Brasília: Senado Federal, jan./mar. 2000, (37) 145/158. Grifos nossos.
  58. "O discurso...", cit., p.159. Grifei a expressa "o sentido é institucionalisado".
  59. MOUSSALLLEM, Tárek Moysés ("Algumas críticas...", cit., p.167-168).
  60. Sobre a distinção e seu relevo para a lingüística, é fundamental a leitura de SEARLE, John (Actos de habla. Madri: Cátedra, 1994) e HABERMAS, Jürgen (Pensamento pós-metafísico. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990, esp. p. 65 et seq.). Vide, outrossim, o texto de RECANATI, François ("La pensée d’Austin et son originalité par rapport à la philosophie analytique antérieure". Théorie des actes de langage, éthique et droit. Org. Paul Amselek. Paris: Puf, 1986, p.19-35).
  61. "Algumas críticas...", cit., p.169.
  62. "Jurisdição...", cit., esp. p.192 et seq., passim.
  63. Sobre o tema, PONTES DE MIRANDA (Tratado das ações. São Paulo: RT, 1970, tomo I, p.209-213), SILVA, Ovídio Baptista (Sentença e coisa julgada. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.21-70; e Curso de processo civil. 3ª ed. São Paulo: RT, 1998, vol. 2, p.333-360).
  64. Sobre a Escola Processual de São Paulo, vide DINARMACO, Cândido Rangel (Instituições de direito processual civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.270-275; A instrumentalidade do processo. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, passim).
  65. "Algumas críticas...", cit., p.170.
  66. "Algumas críticas...", cit., p.171.
  67. "Notas...", cit., p.69-70 (RTDC 10/23). Sem grifos no original.
  68. Fundamentos..., cit., p.85. Grifos originais.
  69. Vide, por exemplo, LINS E SILVA, Joana (Fundamentos da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 2001, p.53).
  70. "Algumas críticas...", cit., p.167.
  71. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 66-67. Os grifos finais foram por nós apostos.
  72. Idem, p.59, com grifos apostos.
  73. Teoria da situação jurídica em direito privado nacional. São Paulo: Saraiva, 1985, p.67.
  74. Teoria..., cit., p.70. Grifos originais.
  75. Razonamiento jurídico: elementos para un modelo. México, DF: Fontamara, 1999, p.11.
  76. Cf. COSTA, Reginaldo da. (Ética do discurso e verdade em Apel. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 117 et seq., passim). Outrossim, APEL, Karl-Otto (Transformação da filosofia: o a priori da comunidade de comunicação. São Paulo: Loyola, 2000, vol. 2, p.249 et seq.).
  77. "Algumas críticas...", cit., p.173.
Sobre o autor
Adriano Soares da Costa

Advogado. Presidente da IBDPub - Instituição Brasileira de Direito Público. Conferencista. Parecerista. Contato: asc@adrianosoares.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Adriano Soares. Fontes do direito e fato jurídico.: Resposta a Tárek Moysés Moussallem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4049. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!