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Constitucionalização da base de cálculo do imposto de renda da pessoa física

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Agenda 13/07/2015 às 15:40

A incidência do imposto de renda sobre rendimentos do contribuinte que não configuram renda é inconstitucional.

Resumo: Este artigo tem como objeto a análise da base de cálculo do imposto de renda da pessoa física sob uma perspectiva constitucional, diante da problemática da indevida incidência prática do tributo sobre rendimentos do contribuinte que não configuram acréscimo patrimonial, renda. Nesse sentido é que serão explorados os seguintes aspectos do imposto: institutos de Direito Tributário correlatos; princípios de hermenêutica que permitem uma interpretação mais efetiva das diretrizes constitucionais tributárias; determinações constitucionais que possibilitam uma adequação da base de cálculo; conceito do termo “renda”, que consta do artigo 153, III, da Constituição Federal de 1988; técnicas de interpretação da legislação tributária, aptas a conferir sentido constitucional às regras hierarquicamente inferiores; e, finalmente, o instituto das deduções. Ao final desse estudo se concluirá que a incidência do imposto de renda sobre rendimentos do contribuinte que não configuram renda é inconstitucional, e que o melhor meio para adequar a base de cálculo à Constituição é a utilização do instituto das deduções de forma mais abrangente e assertiva.

Palavras-chave: imposto de renda da pessoa física, princípios constitucionais tributários, princípios e técnicas de interpretação, conceito de renda, deduções.

Sumário: Introdução. 1. O imposto de renda da pessoa física. 2. Princípios de interpretação constitucional. 3. Princípios constitucionais aplicáveis ao imposto de renda. 4. A renda e seus significados. 4.1. Riquezas tributadas. 4.2. Noções preliminares sobre o conceito de renda na Constituição. 4.3. Construção de um conceito sobre renda. 4.3.1. Legislação sobre a renda do contribuinte. 4.3.2. Distinções conceituais básicas. 4.3.3. Conceito doutrinário de renda. 4.3.4. O conceito constitucional de renda e sua plenitude jurídica. 4.3.5. Indisponibilidade do conceito de renda. 5. Deduções na base de cálculo do IRPF. 5.1. Natureza jurídica da dedução. 5.2. Interpretação das deduções. 5.3. Utilização prática das deduções para adequação da base de cálculo. Conclusão.


INTRODUÇÃO

Dois sistemas, bastante distintos, convivem lado a lado, regendo o imposto de renda da pessoa física: o constitucional, construído a partir da interpretação e aplicação dos princípios e normas da Constituição, e o real, realidade predominante na relação fisco-contribuinte, com fundamento em uma legislação flagrantemente inconstitucional.

No “sistema real” o imposto de renda da pessoa física (IRPF) se caracteriza por: incidência sobre receitas que não configuram renda; deduções na base de cálculo determinadas de forma arbitrária, tanto pelo legislador quanto por autoridades administrativas; e, por fim, incidência sobre rendimentos utilizados para satisfação de direitos constitucionais básicos do cidadão, como educação e saúde, o que cria indevida dificuldade, por parte do Estado, para a fruição de direitos fundamentais.

Já no “sistema constitucional” do imposto de renda, extensamente elaborado pelo legislador constituinte – sendo nossa Constituição a que mais tratou do Direito Tributário no mundo[1] – a caracterização do imposto é outra, bem diferente. Sua base de cálculo é obrigatoriamente a renda, de modo a serem deduzidas quaisquer receitas que não configurem essa base; os direitos sociais básicos são devidamente valorizados, não havendo espaço para tributação de rendimentos utilizados para a garantia desses direitos; e, parâmetros como a razoabilidade, pessoalidade e o não confisco são sempre utilizados para validação ou adequação de regras tributárias relacionadas aos tributos, incluindo o imposto de renda. Tal sistema, que fique claro, se refere às premissas elementares nas quais o IRPF deveria, necessariamente, se fundamentar e sua consequência na tributação.

Essa dicotomia existente entre os dois “sistemas” é que nos leva à reflexão sobre a relação justiça-tributação. Desse modo, serão analisadas algumas incongruências entre o regramento constitucional do IRPF e o conjunto normativo infraconstitucional, predominante na prática, bem como serão apresentadas as principais ideias e mecanismos aptos a promover a constitucionalização do sistema tributário nacional relativo ao imposto de renda da pessoa física.


1 o imposto de renda da pessoa física

O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, em sua denominação completa, tem origem na Inglaterra do final do século XVIII, sendo implementado no século seguinte.[2] No Brasil, foi instituído pela União a partir de 1922, através da Lei 4.625/22, adquirindo status constitucional em 1934.[3]

O imposto de renda no Brasil, em sua primeira fase, incidiu sobre os salários. Na segunda fase, sobre outras rendas. Na terceira fase avançou para os proventos de qualquer natureza, que não possuem definição própria e são conceituados por derivação do conceito de renda, que ó o produto do capital, do trabalho e da combinação de ambos.[4]

Sua finalidade é predominantemente fiscal, sem utilidade regulatória da atividade econômica, como é o caso de algumas exações (impostos de exportação e importação, imposto sobre operações financeiras, entre outros). De janeiro a outubro de 2014, de acordo com o Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da Receita Federal, o imposto de renda arrecadou R$ 133.252.000,00, de pessoas físicas e jurídicas, ficando atrás apenas das receitas previdenciárias, que recolheram R$ 287.698.000,00, e da arrecadação com PIS/COFINS, que totalizou R$ 206.999.000,00. O total das receitas dos tributos administrados pela RFB, no mesmo período, foi de R$ 949.194.000,00, o que demonstra a importância do imposto de renda no financiamento das atividades estatais.[5]

A competência para a instituição do imposto de renda consta do artigo 153, III, da Constituição Federal de 1988 – CF/88. O mesmo artigo, em seu parágrafo segundo, estabelece a submissão do tributo aos princípios da generalidade, universalidade e progressividade. Os artigos 43 a 45, do Código Tributário Nacional (CTN - Lei 5.172/66), estabelecem as normas gerais, definindo fato gerador, base de cálculo e contribuintes.

O imposto de renda é cobrado de pessoas físicas e jurídicas, havendo regramentos específicos conforme incida sobre umas ou outras. Sobre a pessoa física predominam as diretrizes das Leis 7.713/88 e 9.430/96, bem como as do Decreto 3.000/99 (Regulamento do Imposto de Renda – RIR/99). As normas secundárias são relativas à Receita Federal, como as diversas instruções normativas. Seu sujeito ativo é o instituidor e arrecadador do tributo, a União federal. São sujeitos passivos, ou devedores da obrigação tributária, a priori, todos os brasileiros ou estrangeiros residentes no País que auferirem rendimentos. Os não residentes que obtiverem rendimentos produzidos por bens ou direitos localizados no Brasil também se submetem ao imposto.

Constitui seu fato gerador (da pessoa física), conforme o artigo 43 do CTN, a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de um acréscimo patrimonial efetivo. Esse acréscimo deve decorrer do capital ou do trabalho, ou da combinação de ambos (no caso da renda); ou pode ter origem diversa do capital ou do trabalho, ou da combinação desses (caso dos proventos), podendo alcançar acréscimos não dotados de periodicidade ou de esforço produtivo.

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Disponibilidade jurídica é a possibilidade de utilização da renda ou dos proventos, decorrente de adequada instrumentação jurídica que permita obter a realização em dinheiro (exemplo: recebimento de lucros de investimentos financeiros). A disponibilidade econômica decorre de fato irrelevante ao direito (exemplo: ganhos obtidos com atividades ilícitas), devendo apenas ser atual e efetiva. Para ambas não basta a mera aquisição da renda, devendo essa estar desembaraçada de ônus ou limitações, ou seja, sem impedimentos para o seu uso. Nesse sentido, a título de exemplo, a posse de bens de terceiro não constitui fato gerador do imposto de renda, não configurando acréscimo de patrimônio.[6]

O IRPF possuiu periodicidade anual, com previsão de antecipações mensais do pagamento, durante o ano calendário e de acordo com a disponibilização econômica ou jurídica da renda. Assim, findo o ano-calendário, o contribuinte deve apurar as rendas e proventos cuja disponibilidade tenha adquirido e calcular o saldo a pagar ou a ser restituído, caso tenha contribuído com valor maior, prestando declaração de rendimentos e ajuste (obrigação acessória) até 30 de abril do ano posterior ao encerramento do ano de referência. No mesmo prazo da entrega da declaração deve efetuar o pagamento de eventual saldo, caso a antecipação não tenha compreendido todos os rendimentos tributáveis. O ano calendário, ou ano base, é o aquele em que são percebidos a renda e os proventos tributados. Já exercício é o ano seguinte, no qual é apresentada a declaração e efetuado o ajuste (exemplo: o IR do exercício de 2015 tem como 2014 o seu ano calendário).

A base de cálculo do IRPF é, conforme a Constituição, constituída pela renda e proventos de qualquer natureza. Essa receberá atenção no item 4 deste estudo, dada a relevância da pré-compreensão de princípios de interpretação constitucional, e de determinados princípios constitucionais tributários, para a exata significação do termo renda.


2 princípios de interpretação constitucional

A norma que contrariar a Constituição, quando não puder ser interpretada de modo a com ela se conformar, deve ser prontamente destituída de efeitos e reconhecida como inválida. O cotejamento entre as regras hierarquicamente inferiores e o sistema de normas e princípios constitucionais é, necessariamente, intermediado por um conjunto de preceitos sobre interpretação. Interpretação da regra infraconstitucional e, sobretudo, da Carta Magna. Assim, não basta ler a “Lei Fundamental”, ainda que detidamente, para compreender a extensão de sua normatividade, de seus efeitos.

Apenas a adequada utilização dos mecanismos interpretativos permitirá extrair com segurança aquele significado que melhor se harmoniza com os valores juridicamente apreciados, dentre as várias opções de sentido que cada comando legal propicia. Valores esses que são decorrentes do senso de justiça de cada sociedade e que, no Brasil, são encontrados principalmente em nossa extensa carta Política.

Em síntese: através das técnicas de interpretação sistemática do Direito somos capacitados a compreender o texto constitucional e os textos dos demais diplomas legais de forma abrangente, percebendo exatamente qual o comando emanado de palavras escritas e, principalmente, se este comando, quando decorrente de regras (que não se confunde com texto, sendo o resultado de um processo interpretativo) infraconstitucionais, está ou não de acordo com a Carta Maior. Interpretar, comparar, readequar ou descartar; verbos que permitem erigir regras jurídicas com legitimidade e razoabilidade.

Toda norma precisa de interpretação, por mais claro que seja o seu texto, não sendo correto o entendimento constante no antigo brocardo in claris cessat interpretatio (as normas claras não precisam ser interpretadas). O perigo de afirmar que as normas consideradas claras não necessitam de interpretação é a possibilidade de o intérprete, na análise superficial de um texto, entender certas normas apenas no sentido imediato de seus dizeres, sem analisar o contexto em que encontra o texto, suas conexões históricas, suas finalidades, entre outros aspectos relevantes.[7]

Os princípios da força normativa, da máxima efetividade, da justeza ou conformidade funcional, da interpretação conforme a Constituição, e da proporcionalidade ou razoabilidade, dentre tantos da hermenêutica constitucional, são os que possuem maior aptidão na tarefa de “constitucionalizar” a atual roupagem jurídica do IRPF. Permitem uma leitura, em essência, que afasta a incidência do tributo sobre rendimentos que não configuram acréscimo patrimonial (renda). 

O princípio da força normativa preza que, existindo duas ou mais interpretações possíveis acerca de um dispositivo, deve-se optar pelo significado que resulte na maior eficácia normativa. Assim, do texto de uma norma deve ser obtida a regra melhor alinhada com as determinações constitucionais. Grosso modo é possível afirmar que, havendo dois ou mais sentidos para um mesmo texto legal, prevalecerá aquele que mais intensamente satisfaça os valores constitucionais, ainda que o outro sentido não contrarie esses valores.

Na solução dos problemas jurídico- constitucionais deve dar-se prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da constituição (normativa), contribuem para uma eficácia ótima da lei fundamental. Conseqüentemente, deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a atualização normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência.[8]

O princípio da máxima efetividade, também denominado princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, esta relacionado à força normativa e é aquele que prega uma interpretação que conduza a mais ampla efetividade social da norma.[9] Da decisão dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário n. 227.001-ED se pode extrair que “a manutenção de decisões divergentes da interpretação constitucional revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional.”.[10] Embora tenha maior aplicação em relação aos direito fundamentais, seu uso também se justifica perante o sistema tributário, principalmente diante de direitos fundamentais do contribuinte, como o da pessoalidade, aplicável ao IRPF, o do não confisco, e o da capacidade contributiva.

O princípio da justeza ou conformidade funcional menciona que o intérprete final da Constituição, a Corte Suprema, ao concretizar a norma constitucional, deverá zelar pela repartição de funções constitucionalmente estabelecidas pelo constituinte originário. Assim, a Corte “não pode chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido.”.[11]

Significa, quanto ao sistema tributário, em especial em relação ao artigo 153 da Constituição, a impossibilidade de uma norma infraconstitucional alargar a competência da União em matéria de tributação. A União tem competência constitucionalmente restrita para instituir e cobrar impostos. Permitir que o legislador ordinário atue sem observância da autorização constitucional é desconsiderar a estrutura piramidal das normas, segundo a qual a Carta Magna é hierarquicamente superior. No item 4, sobre o conceito de renda, esse ponto será aprofundado.

O princípio da interpretação conforme a Constituição preconiza que, diante de normas de significação múltipla (com várias possibilidades de interpretação), deve-se dar prioridade ao sentido que mais se aproxime da Carta Maior. Como sua consequência natural, decorre o seguinte: deve-se dar preferência à interpretação da norma que não contrarie a Constituição; o intérprete, ao perceber que uma norma pode ser interpretada em conformidade com a norma constitucional deve assim aplicá-la, evitando a sua descontinuidade (sua inconstitucionalidade); deve-se rejeitar ou deixar de aplicar normas inconstitucionais, o que ocorre quando o esforço de interpretação conforme é frustrado, por não haver sentido constitucionalmente aceito para determinada regra. Já o princípio da proporcionalidade (ou razoabilidade) consubstancia que:

Uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das idéias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive no âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico.[12]

Tem-se que o princípio, regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico, é utilizado para aferir a legitimidade das restrições de direitos, podendo aplicar-se também na análise do equilíbrio na concessão de poderes, privilégios ou benefícios. A incidência do postulado é apta a atingir autoridades administrativas, juízes e legisladores, especialmente no que se refere a seus atos, inclusive normativos.

O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado.[13]

A partir dos esquemas interpretativos apresentados, mais fácil fica o estudo dos princípios tributários constitucionais. Pode-se, com maior segurança, moldar a legislação tributária infraconstitucional ao sentido da Carta Maior e se evita, assim, o movimento contrário que hoje ainda predomina, de desvirtuamento da Carta pelas regras hierarquicamente inferiores. Adiante serão desvendadas as regras que moldam, ou deveriam moldar, na prática, todo o ordenamento tributário.


3 princípios constitucionais aplicáveis ao impOsto de renda

Os princípios constitucionais tributários traduzem expansões, reafirmações e garantias dos direito fundamentais e do regime federal.[14] A CF/88 concede aos direitos fundamentais do contribuinte uma eficácia imediata, atribuindo ao Poder Judiciário a função de coibir inconstitucionalidades praticadas pelos Poderes Executivo e Legislativo, bem como de combater as omissões que impeçam o exercício desses mesmos direitos e garantias. A última palavra, em relação à tributação, e no caso específico quanto à base de cálculo do imposto de renda da pessoa física, é do Judiciário, que jamais pode decidir sem consultar a “vontade” da Constituição.

O artigo 150, da CF/88, determina que os princípios explícitos devem ser observados sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte. Essa consideração indica que “as garantias do contribuinte estão entre os direitos e garantias fundamentais.”.[15]

Dentre os princípios que regem o sistema tributário destacam-se, em relação a base de cálculo do IRPF, os seguintes: isonomia, capacidade contributiva e não confisco. O primeiro está positivado no artigo 5º, I, e artigo 150, II, ambos da Carta Magna e possui uma acepção horizontal e uma vertical. Horizontalmente entende-se que as pessoas que estão niveladas na mesma situação devem ser tratadas da mesma forma. Contribuintes com rendimentos similares e mesmas despesas devem pagar quantia parecida a título de IRPF. Na acepção vertical, contribuintes em situação distinta devem ser tratados de maneira diferenciada, na medida em que se diferenciam. Quem tem mais capacidade de contribuir, por ter mais renda, deve pagar mais.

Desse modo, havendo desigualdade relevante entre contribuintes, se exige tratamento diferenciado a cada um, sendo o contrário também verdadeiro (havendo igualdade é proibida a distinção). A igualdade deve ser considerada de modo que a tributação não onere mais uns que outros, estando eles em condição ou capacidade contributiva similar.[16]

Como exemplo, tem-se que:

Haveria inconstitucionalidade (por omissão) se a lei do imposto de renda não previsse as chamadas deduções da base de cálculo do imposto (saúde, educação, dependentes), pois a inexistência das deduções redundaria num tratamento idêntico dispensado a pessoas em situações claramente distintas. (...) Imaginem-se duas pessoas com rendimentos de cinco mil reais mensais. A primeira solteira e com gastos muitos pequenos com saúde e educação próprias; a segunda casada, com filhos matriculados em escola privada e responsável pelo pagamento de plano de saúde para toda a família. Seria absurdo que ambos pagassem o mesmo valor a título de imposto de renda, o que demonstra a imprescindibilidade das deduções como meio de se assegurar isonomia.[17]

A igualdade, em um primeiro momento, deve ser promovida pela própria lei, através de atuação diligente do legislador ordinário. Contudo, quando esse edita normas que de alguma forma assim não o fazem, cabe ao Judiciário realizar interpretação conforme a Constituição, aplicando diretamente a isonomia.

O princípio da igualdade, seja no enfoque específico dado ao regime jurídico dos servidores públicos, ao da tributação ou a qualquer outro, não deve ser entendido como um dever endereçado somente ao legislador de conceder o mesmo tratamento àqueles que se encontram na mesma situação, mas, também, um dever endereçado ao juiz para que conceda a tutela positiva da igualdade nos casos levados a sua apreciação. Conforme aduziu o STF [refere-se ao ROMS 22.307/DF], a igualdade é norma constitucional auto-aplicável (...).[18]

Já o princípio da capacidade contributiva está estreitamente conectado ao princípio da isonomia e da pessoalidade e, embora não esteja expresso na Constituição, decorre da necessidade de graduação das exações à capacidade econômica do contribuinte e da pessoalidade na regulação dos impostos, regras extraídas do artigo 145, da CF/88. Tal princípio é “o principal parâmetro de desigualdade a ser levado em consideração para atribuição de tratamento diferenciado às pessoas.”.[19]

Um exemplo da sua efetivação é o fato de que o contribuinte que compromete seus rendimentos majoritariamente com necessidades essenciais, ou seja, aquele que para a legislação recebeu, no ano-calendário 2014, até R$ 2.234,71.[20] É ele isento do pagamento do IRPF, pois não possui capacidade de contribuir, já que o que ganha será gasto, essencialmente, para a fruição de direitos básicos, como alimentação, saúde, educação, moradia, dentre outros. Para que um cidadão possa ter sua capacidade de contribuir considerada como superior a de outra devem ser utilizados critérios razoáveis de discriminação. No caso do IRPF o critério lógico e obrigatório é a obtenção maior de renda, de acréscimo patrimonial. Quanto mais renda, mais se deve contribuir. Quanto menos renda, menos se deve contribuir. Raciocínio simples. 

Noção central ao princípio analisado é a de que capacidade contributiva é a possibilidade econômica de pagar tributos (ability to pay). Capacidade garantida, por impedir que a tributação incida repetidamente sobre riquezas de mesma espécie, por um rígido sistema constitucional de competências tributárias; um sistema que, por sua vez, lastreado em áreas privativas de atuação dos entes federativos, impede uma miscigenação legal entre renda, rendimento e faturamento.

Derivado do princípio da capacidade contributiva surge o princípio do não confisco, já que “é confiscatório o imposto que, por assim dizer, esgota a riqueza tributável das pessoas, isto é, que não leva em conta suas capacidades contributivas.”.[21] Pode-se definir confisco como a tomada, não indene e compulsória, da propriedade privada pelo Estado. A vedação, em matéria constitucional, se refere à forma indireta de confisco, através de tributação excessiva.

Parece-nos que se poderá afirmar, pelo menos, o direito a não tributação do rendimento necessário ao mínimo de existência – não apenas porque se trata de uma prestação jurídica que se traduz numa prestação de fato negativa (embora envolva um custo econômico), mas também porque representa, logicamente, o mínimo dos mínimos: se o Estado não é obrigado a assegurar positivamente o mínimo de existência a cada cidadão, ao menos que não lhe retire aquilo que ele adquiriu e é indispensável à sua sobrevivência com o mínimo de dignidade.[22]

O princípio do não confisco trata de conceito jurídico indeterminado, terreno fértil, portanto, para a interpretação jurídica. Sua aplicação não se dá por subsunção, e sim por complementação de seu significado pelo jurista, tarefa que ocorre com o auxílio do princípio da razoabilidade. E, nesse sentido, não é razoável a tributação que dificulte o exercício dos direitos mais básicos dos indivíduos.

(...) A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo). A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público (...).[23]

Os princípios explanados têm base legal e, assim, força normativa inquestionável, podendo ser identificados nos artigos 145, § 1º (capacidade econômica) e 150, II (isonomia ou igualdade) e V (não confisco), todos da Constituição Federal.

Sobre o autor
Rafael Ribeiro Alves Júnior

Especialista em Direito Público pelo programa de Pós-Graduação lato sensu Universidade Gama Filho. Especialista em Direito Tributário pelo programa de Pós-Graduação lato sensu Faculdade Anhanguera-Uniderp. Analista Judiciário do Tribunal Regional Federal da Quarta Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JÚNIOR, Rafael Ribeiro. Constitucionalização da base de cálculo do imposto de renda da pessoa física. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4394, 13 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40654. Acesso em: 22 nov. 2024.

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