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IPTU associado à progressividade fiscal resulta em bitributação

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Agenda 01/06/2003 às 00:00

Resumo: A alteração realizada pela Emenda Constitucional no 29/2000, que possibilitou a criação do Imposto Predial Territorial Urbano dotado de progressividade fiscal é inconstitucional, em vista da vedação de bitributação sobre base de cálculo própria dos demais tributos previstos na Carta Magna, inconstitucionalidade verificável ao se analisar comparativamente as regras-matrizes dos tributos incidentes sobre a propriedade de bens imóveis.

Palavras-chave: IPTU – PROGRESSIVIDADE – INCONSTITUCIONALIDADE – BITRIBUTAÇÃO – BASE DE CÁLCULO.

Sumário: 1. Introdução – 2. A Regra Matriz de Incidência Tributária (RMIT) – 3. O IPTU e a EC no 29/2000 – 4. O IPTU confrontado aos demais tributos incidentes sobre a propriedade imóvel – 5. As Regras-Matrizes de Incidência Tributária dos Impostos que incidem sobre a propriedade – 5.1. A RMIT do IPTU antes da EC no 29/2000 – 5.2. A RMIT do IPTU após a EC no 29/2000 – 5.3. A RMIT do ITBI causa mortis – 5.4. A RMIT do ITBI inter vivos – 5.5. A RMIT do IR – 6. Conclusão - Bibliografia.


1. Introdução

Sustentamos que a progressividade fiscal, quando aplicada ao Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), resulta em uma hipótese de bitributação dissimulada no critério quantitativo da regra-matriz de incidência tributária (RMIT), mais especificamente na alíquota percentual progressiva que tende a invadir a competência das demais bases de cálculo incidentes sobre a propriedade imóvel.

Referida progressividade fiscal foi introduzida no sistema constitucional pátrio pela Emenda Constitucional (EC) no 29, de 13 de Setembro de 2000, que alterou, entre outros, o art. 156. da Carta Magna, ou seja, configura-se em produção normativa cuja fonte jurídica é o Poder Constituinte Derivado 1.

Portanto, referida Emenda pode vir a ser considerada inconstitucional perante o Supremo Tribunal Federal 2 (STF) caso se faça prova da alegação de que aludida progressividade fiscal é inconstitucional por provocar o fenômeno da bitributação, especificamente falando, de bitributação do IPTU por sobre a base de cálculo do Imposto sobre a Renda, de competência da União, bem como, igualmente, em relação ao Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis.


2. A Regra Matriz de Incidência Tributária (RMIT).

Antes de prosseguirmos no estudo da bitributação presente no IPTU progressivo fiscal introduzido pela EC no 29/2000 devemos colocar na mesa os instrumentos científicos que dão suporte à análise jurídica que se pretende travar.

Conforme a doutrina do eminente Paulo de Barros Carvalho 3, podemos asseverar que a norma jurídica em seu sentido amplo é todo o enunciado prescritivo revestido de linguagem jurídica, isto é, enunciado por autoridade competente mediante procedimento adequado; e, que norma jurídica em sentido estrito é uma estrutura sintático-semântica, que tem organização lógica e um preenchimento de conteúdo, que lhe confere sentido e finalidade para que se processe a subsunção do fato à norma, após o que, instaura-se a relação jurídica concreta mediante a confecção da norma individual e concreta presente no lançamento tributário geradora dos efeitos pragmáticos do tributo.

Portanto, norma jurídica em sentido estrito é o significado, a prescrição de uma relação jurídica, que se obtém mediante o trabalho de composição dos enunciados normativos que compõem a regra-matriz de incidência tributária.

Suponhamos que determinada lei possua sete artigos e que cada artigo corresponda a uma norma em sentido amplo, ou seja, teremos sete enunciados normativos que definirão uma estrutura proposicional que descreve uma hipótese (antecedente da norma) e determina uma conduta (conseqüente da norma) que em caso de desobediência implicará numa sanção. A RMIT é o instrumento, a fórmula, que auxilia na composição propositiva, cuja estrutura sintático-semântica confere o sentido e a finalidade da norma jurídica.

A RMIT 4 pode ser apresentada esquematicamente da seguinte forma:

Ora, lembre-se o leitor que acima ficou dito algo sobre enunciados normativos e estruturas proposicionais, pois bem, no quadro acima possuímos justamente uma estrutura composta de sete enunciados normativos que definem a chamada regra-matriz de incidência tributária (RMIT), também conhecida como hipótese incidência ou fato gerador 5, quais sejam, define-se os critérios material, espacial, temporal, subjetivo e quantitativo, sendo que estes dois últimos, por sua vez, desdobram-se em subcritérios que definem os sujeitos ativo e passivo, base de cálculo e respectiva alíquota.

É a construção da proposição jurídica de natureza tributária, que define a conduta humana ensejadora da incidência criadora da obrigação tributaria combinando-se com limitações espaço-temporais, que se estabelece relação jurídica que implica numa prestação que deverá ser dimensionada pela comparação entre determinada base de calcula e respectiva alíquota.

Para efeito de futura referência devemos guardar, que entre os critérios acima mencionados, será no critério quantitativo, base de cálculo mais alíquota, que se medirá o núcleo da intensidade da conduta do contribuinte que ao ser tributada progressivamente pelo IPTU ensejará o fenômeno da bitributação, vedado constitucionalmente como se verá a seguir.


3. O IPTU e a EC no 29/2000.

A Constituição Federal, em seu artigo 156, parágrafo 1o, d’antes da EC 29/2000, determinava só e tão somente a existência da progressividade extrafiscal do IPTU em razão do descumprimento da função social da propriedade 6.

Antes da entrada em vigor da referida emenda a alíquota que incidia por sobre a propriedade imóvel era de natureza diretamente proporcional ao seu valor venal, a riqueza media-se pelo valor do bem imóvel e a alíquota por sua própria natureza de ser um percentual fixo proporcionava um gradual aumento da prestação pecuniária devida, atendendo com isso o disposto no art. 145, parágrafo 1o da CF, pois ao determinar sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, isto é, sabiamente, o Poder Constituinte Originário fixara na Constituição o mandamento de se respeitar a natureza das coisas, a verdade dos fatos, o testemunho da realidade, que fundamentam o princípio da verdade real , ou seja, quando se impõe a locução condicional sempre que possível , significa o reconhecimento de um princípio implícito de que quando não for possível não se conferirá caráter pessoal aos impostos, mas, sempre se graduará o imposto segundo a capacidade econômica do contribuinte .

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O sobredito indica, preliminarmente, que a ordem constitucional vigente antes da emenda mencionada atendia aos dois critérios do art. 145, parágrafo 1o, da CF, pois sendo a base de cálculo do IPTU o valor venal do imóvel, este critério é competente para indicar todos os indícios suficientes de riqueza para autorizar a incidência tributária do IPTU de forma graduada segundo a capacidade econômica do contribuinte, pois respeitava-se a realidade econômica representada no patrimônio imobiliário que é a de patrimônio imobilizado, riqueza em seu aspecto estático, ou seja, o bem imóvel representa uma riqueza velha cuja excessiva exação fatalmente implicará em confisco.

Com a EC no 29/2000 o panorama tributário sofreu uma reviravolta completa nos princípios informadores do IPTU, pois se introduziu a chamada progressividade fiscal 7, com a mudança da redação do parágrafo 1o, do artigo 156, e, com o acréscimo de dois incisos no referido parágrafo 8.

A Constituição Federal ao ser alterada da forma como foi, na verdade passou a justificar os fins pelos meios, o legislador constituinte derivado no afã de incrementar a obtenção de receitas compulsórias para o Estado, no caso em sua manifestação Municipal, simplesmente ignorou os mandamentos do Legislador Constituinte Originário, que em sua manifestação soberana e fundadora, definiu, entre muitas outras coisas que é vedado (art. 150, caput, da CF) instituir tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente (art. 150, II, da CF) e que somente a União possuirá competência supletiva para instituir novos imposto desde que não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição (art. 154, I, da CF), e, que compete privativamente à União criar, somente na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributaria, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação (art. 154, II, da CF); fica patente na Constituição a hipótese única e excepcional de bitributação tolerada se dá em caso de guerra externa e que tal exceção é competência exclusiva da União.

Ora, quando a EC no 29/2000 foi promulgada não se verificavam os requisitos do supracitado art. 154, II, da CF, portanto, introduziu-se uma hipótese de bitributação no fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição 9 (art. 154, I, da CF), então, referida alteração desatendeu princípios maiores, pois a vedação supramencionada é uma verdadeira garantia individual, pois protege o direito de propriedade do contribuinte, estando amparado, portanto, pelo disposto no art. 5o, parágrafo 2o c/c art. 60, parágrafo 4o, ambos da Carta Maior, por tratar-se de cláusula pétrea de natureza material 10 .

Até o momento vimos a fundamentação de uma possível declaração de inconstitucionalidade da alteração produzida no art. 156. da Carta Constitucional, mas, se há bitributação, qual é o fato gerador ou base de cálculo por sobre o qual o IPTU progressivo previsto na nova redação do parágrafo 1o do art. 156. se superpõe?


4. O IPTU confrontado aos demais tributos incidentes sobre a propriedade imóvel

Devemos lembrar que o conteúdo do direito tributário está em definir hipóteses jurídicas destinadas a provocar a incidência da obrigação compulsória de pagar prestações pecuniárias em razão de fatos, atos e negócios jurídicos de natureza econômica da vida civil do contribuinte, prestações estas que se converterão em receitas públicas visando ao bem comum, ou seja, o dever de pagar tributo sempre pressupõe algum tipo de conduta ou estado manifestado pelo contribuinte, e que este estado ou conduta denote a materialização de capacidade econômica para suportar o gravame, caso tal não se configure estar-se-á configurando confisco tributário, ato de força e arbítrio que instala a miséria e o despotismo no seio da sociedade.

Neste passo devemos definir propriedade, fenômeno jurídico disciplinado pelo Código Civil (Lei no 10.406, de 10 de Janeiro de 2002), cujo conceito vem encartado no artigo 1.228 do referido Diploma Legal, em que se define que o "proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de outrem de quem quer que injustamente a possua ou detenha"; referida definição legal, portanto, encara o direito de propriedade, genericamente considerado, sob os aspectos do uso, gozo, disposição e vindicação 11 .

Ao Direito Tributário interessam os fatos, atos e negócios jurídicos respeitantes só e tão somente no que diz respeito ao uso, gozo e disposição da propriedade.

Ao efetivar a repartição de competências tributárias, e conseqüente definição dos tipos tributários afetos a cada um dos entes da Federação, o Constituinte Originário circunscreveu a incidência tributária sobre o direito de propriedade imóvel sob três enfoques distintos e lindeiros: uso, gozo e disposição; podemos representar tal repartição pelo seguinte quadro:

No que diz respeito à alegação de dita bitributação, deve perceber-se que quando o IPTU incide progressivamente e com caráter fiscal, sobre o valor venal do imóvel está, presumidamente, considerando o valor venal como indício de capacidade econômica do contribuinte passível de tratamento diferenciado em função de aplicação de alíquotas mais gravosas.

Este comportamento se alicerça em função de duas presunções fiscais, (i) aquela que se baliza numa estimativa do valor venal do imóvel; e, (ii) que o contribuinte por possuir um imóvel de determinado valor tem capacidade econômica suficiente para suportar alíquotas progressivamente maiores.

Ocorre que tais presunções acabam por considerar que o imóvel é uma riqueza de fácil conversão monetária, como se a propriedade imóvel fosse verdadeiro título de crédito, líquido, certo e exigível, que o contribuinte dispõe em seu patrimônio.

De antemão devemos asseverar que a própria determinação do valor venal do imóvel é uma presunção relativa, plenamente mutável no tempo, em virtude de circunstâncias alheias ou não à vontade do seu proprietário, o simples fato de se operar valorização imobiliária, seja por conta de realização de uma obra pública ou por causa da construção de um Shopping Center nas redondezas, não implica em crescimento da capacidade econômica financeira do contribuinte que o torne capaz de suportar alíquota maior em função de aumento do valor venal produzido por fatos alheios à vontade do contribuinte, ou mesmo em decorrência de eventual reforma do imóvel, o só fato de aumentar-se o valor venal já implica numa graduação capaz de inviabilizar o cumprimento da obrigação tributária quando a alíquota permanece fixa, que dizer da aplicação de alíquotas progressivas.

Esta realidade estática do patrimônio imobiliário, que pode crescer ou decrescer independentemente da vontade do seu proprietário, bem como pelo fato de ser uma parcela do patrimônio de difícil conversão em patrimônio financeiro estão a tornar impossível a aplicação da regra do art. 145, parágrafo 1o da CF, pois enquanto o imóvel permanecer no patrimônio do contribuinte as suas flutuações de valores serão meramente nominais, recomendando a Justiça Fiscal que se respeite este limite ontológico da propriedade enquanto parcela do patrimônio de difícil conversão em valor monetário, pois ao IPTU, por mandamento constitucional, não cabe considerar nem os atos inerentes ao gozo e/ou disposição do direito de propriedade, limitando-se portanto, ao uso, cuja destinação poderá ser de moradia ou de exploração econômica, sem que se entre na base de cálculo dos demais tributos incidentes sobre a propriedade imóvel .

Tendo em vista que propriedade imóvel é passível de ser autonomamente tributada em função de sua pura e simples posse, do preço ou de seus frutos, para melhor alucidação do sobredito, necessitamos efetivar análise das respectivas incidências tributárias com o auxílio da RMIT, para, assim, melhor demonstrar como se processava a incidência do IPTU antes da EC no 29/2000, e, após a mesma, bem como se processa a incidência dos demais tributos incidentes sobre a propriedade.


5. As Regras-Matrizes de Incidência Tributária do IPTU, do ITBI e do IR.

Tendo em vista a amplitude do tema e a necessidade de se permanecer no foco do estudo em curso, traçaremos as regras-matrizes do IPTU, do ITBI (inter vivos e causa mortis) e do IR, fazendo referência à Carta Magna e à Lei Complementar, in casu o Código Tributário Nacional, Lei no 5.172, de 25 de Outubro de 1966, que embora haja sido promulgada como lei ordinária foi recepcionada pela atual Ordem Constitucional com o status de lei complementar nos termo do art. 146. da CF, e, quando necessário, com a adoção de legislação especial pertinente.

Por outro lado, partimos do pressuposto de que a incidência de tais tributos dar-se-á por sobre imóveis cujo proprietário não possui nenhuma das hipóteses de imunidade e/ou de isenção previstas no sistema tributário pátrio, isto posto teremos:

5.1. A RMIT do IPTU antes da EC no 29/2000 será:

5.2. A RMIT do IPTU após a EC no 29/2000:

Chamamos a atenção para a peculiaridade de que a alteração produzida pela emenda constitucional se deu somente na base de cálculo, onde se substituiu a adoção de uma alíquota fixa e percentual por uma aplicação de alíquotas percentuais crescentes, ditas progressivas. Portanto, prestemos atenção: a única diferença entre um e outro está no impacto da progressividade sobre a base de cálculo, que dimensionará o quantum da prestação devida pelo contribuinte, levando em conta mera presunção de capacidade econômica que grava o imóvel na mesma base de cálculo da renda e/ou do preço do imóvel.

5.3. A RMIT do ITBI causa mortis:

5.4. A RMIT do ITBI inter vivos:

5.5. A RMIT do IR:

A RMIT do IR a ser aqui tratado será somente o de pessoa física, por ser de sistemática relativamente mais simples e não ser nosso escopo aprofundar o tema relativo ao Imposto de Renda.

Chamamos a atenção do leitor para o fato de o critério espacial, deste tributo, sofrer a influência de diversas normas de estrutura que são os critérios da generalidade e da universalidade (art. 153, §2º, I, da CF), bem como o critério do caráter pessoal que os impostos devem ter sempre que possível (art. 145, §1º, da CF), que implicaram na possibilidade de tributar a renda auferida de qualquer imóvel, esteja onde estiver, desde que o contribuinte seja residente no Brasil, o IRPF respectivo será devido, portanto, passemos ao preenchimento do quadro abaixo:

Devemos notar como a Constituição fez clara, claríssima, distinção entre o estado de ser proprietário e as ações de gozar e dispor da propriedade mediante a realização dos mais diversos negócios jurídicos que implicam na transmissão do direito de propriedade ou de direitos acessórios ao direito de propriedade, sendo que materialidade de cada hipótese determinará a competência respectiva.

Sobre o autor
Werner Nabiça Coêlho

Advogado, especialista em direito tributário pela UNAMA/IBET

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COÊLHO, Werner Nabiça. IPTU associado à progressividade fiscal resulta em bitributação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. -31, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4102. Acesso em: 8 nov. 2024.

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