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O controle de convencionalidade no ordenamento jurídico brasileiro

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Agenda 27/07/2015 às 13:38

3 O SURGIMENTO DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Diante dos vários instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil, surge a necessidade de torná-los efetivos. Uma vez que

Os tratados de direitos humanos são claramente distintos dos tratados do tipo clássico, que estabelecem ou regulamentam direitos subjetivos, ou concessões ou vantagens recíprocas, para as Partes Contratantes. Os tratados de direitos humanos, em contrapartida, prescrevem obrigações de caráter essencialmente objetivo, a serem garantidas ou implementadas coletivamente, e enfatizam a predominância de considerações de interesse geral ou ordren public que transcendem os interesses individuais das Partes Contratantes. A natureza especial dos tratados de direitos humanos têm incidência, como não poderia deixar de ser, em seu processo de interpretação [...] na busca da realização do propósito último da proteção dos direitos fundamentais do ser humano.[39]

Como destaca Mazzuoli, a partir do momento que nasce um novo sistema (internacional) de proteção aos direitos humanos além do já existente (interno), é comum a ocorrência de conflitos entre essas diferentes fontes normativas. Na resolução dessas divergências deve-se fazer uma interpretação baseada pelo princípio pro homine, ou seja, garantir a aplicação da norma mais favorável ao ser humano.[40]

Como foi mencionado anteriormente, o Brasil ratificou importantes tratados e convenções de direitos humanos ao longo das últimas décadas. No entanto, mais do que ratificar, é dever do Estado, aplicar esses instrumentos na proteção dos direitos humanos.

A efetivação destes instrumentos internacionais e a consequente proteção aos direitos humanos é possível através do controle de convencionalidade. Segundo esse instituto, a produção normativa interna precisa respeitar o conteúdo dos tratados e convenções de direitos humanos ratificados pelo Brasil.

No âmbito nacional, a Constituição Brasileira de 1988, inegavelmente, representa uma evolução na questão dos direitos humanos. Diferentemente das Cartas anteriores, o texto de 1988 em seus primeiros capítulos, apresenta avançada Carta de direitos e garantias, elevando-os, inclusive, à cláusula pétrea, o que, mais uma vez, revela a vontade constitucional de priorizar os direitos e garantias fundamentais.[41]

Quanto ao diálogo com as normas do Direito Internacional, a Constituição Federal, através do art. 5º, § 2º, determina que os direitos e garantias contidos na Carta “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.[42]

Assim, para parte da doutrina, a Carta atribui aos direitos internacionais uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a natureza de norma constitucional.[43]

Por força do art. 5 º § 2º, a Constituição reconhece,

no que tange ao seu sistema de direitos e garantias, uma dupla fonte normativa: a) aquela advinda do direito interno (direitos expressos e implícitos na Constituição, estes últimos decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados), e; b) aquela outra advinda do direito internacional (decorrente dos tratados internacionais de direitos humanos em que a República Federativa do Brasil seja parte).[44]

Em que pese, o parágrafo em questão dá ensejo a que se afirme que se adotou um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil, não se podendo considerar taxativa a enumeração dos direitos fundamentais no Título II da Constituição.[45]

Sustenta Flávia Piovesan que,

A Constituição de 1988 recepciona os direitos enunciados em tratados internacionais de que o Brasil é parte, conferindo-lhes natureza de norma constitucional. Isto é, os direitos constantes nos tratados internacionais integram e complementam o catálogo de direitos constitucionalmente previstos, o que justifica estender a estes direitos o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais.[46]

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Esse caráter diferenciado é justificado uma vez que, diferentemente dos demais tratados internacionais, os que versam sobre direitos humanos, objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano, e não das prerrogativas dos Estados.[47] Porém, “não se trata da criação de uma nova espécie normativa, em acréscimo às do art. 49 da Constituição, mas de uma atribuição de eficácia qualificada.” [48]

A fim de acabar com as dúvidas quanto à hierarquia que os tratados e convenções de direitos humanos adquirem depois de incorporados ao ordenamento jurídico nacional, o legislador, por força da Emenda Constitucional 45/2004, introduziu o § 3º ao art. 5º da CF, segundo o qual “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas à Constituição.” [49]

A nova interpretação do art. 5º permitiu a criação do controle de convencionalidade em nosso ordenamento jurídico. Desde então, os tratados de direitos humanos que já eram considerados materialmente constitucionais, ao passar pelo formalismo da emendas constitucionais, adquirem o status, também, de formalmente constitucionais.

Segundo esse novo entendimento, os tratados e convenções que, agora, são considerados material e formalmente constitucionais, devem ser parâmetro de controle das normas infraconstitucionais. Cabe mencionar que referido controle, pode ser exercido pelos instrumentos internacionais de direitos humanos que ingressaram em nosso ordenamento jurídico anteriormente às mudanças trazidas pela EC 45/2004, como defendido por Mazzuoli.[50] Nesse caso o controle será pela via difusa.

Conforme mencionado anteriormente, a doutrina e o poder judiciário não encontraram pacificação quanto à hierarquia que os tratados de direitos humanos adquirem ao serem incorporados ao ordenamento jurídico nacional.

Antes da EC 45/2004 já existiam diferentes teses quanto à hierarquia que os tratados de direitos humanos ou comuns adquirem ao serem inseridos em nosso ordenamento jurídico. Conforme a professora Flávia Piovesan, a EC 45/2204 ao incluir o § 3º ao art. 5° não conseguiu encerrar com essa discussão.[51]

Diante do acréscimo introduzido pelo § 3º ao art. 5º surgiram quatro linhas diferentes quanto à incorporação dos tratados de direitos humanos na ordem jurídica brasileira: a corrente que reconhece natureza supraconstitucional; a corrente que reconhece natureza constitucional; a corrente que estabelece a supralegalidade e a corrente que defende o status de lei ordinária.[52]

A ideia da supraconstitucionalidade dos tratados de direitos humanos, defendida pelo professor Celso Albuquerque de Mello, determina que os direitos humanos formam uma “ordem de valores supraconstitucionais”.[53]

O autor sustenta essa hierarquia através da ideia de que, uma vez que a nossa Constituição adota como fundamento “a dignidade da pessoa humana” e nas relações internacionais nosso País defende o princípio da “prevalência dos direitos humanos”, os direitos adotados em instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos estão em patamar acima do direito interno. Afirma Celso Albuquerque que há nesse caso, uma “restrição à soberania no seu sentido tradicional” uma vez que “devido a sua natureza especial as normas do DIDH se sobrepõem ao D. Interno, inclusive às normas constitucionais”.[54]

Já para Mazzuoli, os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil devem ter status de norma constitucionais, independente da previsão dos §§ 2.º e 3.º, do artigo 5.º da Constituição Federal. Para o autor, independentemente se aprovados pelo quórum do § 3º do artigo 5º da Constituição, esses tratados já possuíam equivalência a normas constitucionais[55], por força do art. 5º § 2º da Constituição Federal.[56]

Da mesma forma, Celso Lafer, defende que por força do art. 5º, § 2º, a Constituição reconhece que os tratados e convenções sobre direitos humanos possuem hierarquia de norma constitucional. Para o autor, por força de referido dispositivo constitucional, esses direitos formam o bloco de constitucionalidade, ou seja, são “parâmetro hermenêutico, de hierarquia superior, de integração, complementação e ampliação do universo dos direitos constitucionais previstos, além de critério de preenchimento de eventuais lacunas.” [57]

Compartilhando da mesma visão, Flávia Piovesan afirma que, os tratados e convenções ratificados antes da EC 45/2004 são materialmente constitucionais por força do art. 5º, § 2º, no entanto, só serão formalmente constitucionais se passarem pelo rito do § 3º do art. 5º.[58]

Assim, se inseridos no ordenamento jurídico com status de norma constitucional deverá o legislador, no momento de criação das leis infraconstitucionais, observar a compatibilidade com o conteúdo desses tratados.

Conforme mencionado acima, para o professor Mazzuoli, independentemente da formalidade de incorporação do tratado que verse sobre direitos humanos, este possui a natureza de norma constitucional. Segue o autor:

Segundo nosso entendimento, a cláusula aberta do § 2º do art. 5º, da Carta de 1988, sempre admitiu o ingresso dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no mesmo grau hierárquico das normas constitucionais. Portanto, segundo sempre defendemos o fato de esses direitos se encontrarem em tratados internacionais jamais impediu sua caracterização como direitos de status constitucional.[59]

Na opinião do autor, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, quando da análise do controle da convencionalidade e expressa no voto do Ministro Gilmar Mendes[60]ainda é considerada insuficiente:

No nosso entender, os tratados internacionais comuns ratificados pelo Estado brasileiro é que se situam num nível hierárquico intermediário, estando abaixo da Constituição, mas acima da legislação infraconstitucional, não podendo ser revogados por lei posterior (posto não se encontrarem em situação de paridade normativa com as demais leis nacionais. Quanto aos tratados de direitos humanos (...) entendemos que os mesmos ostentam o status de norma constitucional, independentemente do seu eventual quórum qualificado de aprovação. A um resultado similar pode-se chegar aplicando o princípio – hoje cada vez mais difundido na jurisprudência interna de outros países, e consagrado em sua plenitude pelas instâncias internacionais – da supremacia do Direito Internacional e da prevalência de suas normas em relação a toda normatividade interna, seja ela anterior ou posterior.[61]

     Na análise de Luiz Guilherme Marinoni, a verificação do status que o tratado de direitos humanos adquire ao ingressar em nosso ordenamento é importante uma vez que, se considerar que estes possuem status de lei ordinária não há o que se falar em controle convencionalidade. Para o autor, a Constituição por força do art. 5º § 2º já reconhece a prevalência dos tratados de direitos humanos sobre o direito ordinário.[62]

Destaca Ingo Wolfgang Sarlet[63] que a tese defendida por Mazzuoli, de que a partir da EC 45/2004 todos os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil ganharam status de emenda constitucional, não deve prosperar por tratar-se se procedimentos legislativos distintos, ainda que haja compatibilidade material.

Na tese da supralegalidade, os tratados internacionais de direitos humanos estão abaixo da Constituição e acima das leis ordinárias.[64] Esta é a teoria adotada atualmente pelo Supremo Tribunal Federal como será visto a seguir.

Em que pesem as opiniões divergentes sobre o tema analisado,

O que de fato passa a ser relevante é que a diferença entre tratados com status equivalentes ao de uma emenda constitucional e os demais tratados, dotados de hierarquia supralegal nos termos da orientação imprimida pelo STF, reside no fato de que os primeiros passam a integrar o bloco de constitucionalidade e, portanto, operam como parâmetro tanto de um controle de constitucionalidade como de um controle de convencionalidade.[65]

Aponta o autor que os tratados de direitos humanos incorporados pelo quórum estabelecido pelo art. 5º, § 3º, passam a integrar o texto constitucional e, dessa foram, também, oferecem limites materiais à reforma da Constituição. Trata-se de direitos humanos fundamentais protegidos pelas cláusulas pétreas. No entanto, essa opinião não é pacífica uma vez que se consideradas cláusulas pétreas, não há o que se falar em denúncia desses tratados no plano internacional.[66]

Depois de incorporados ao Direito interno, e, dependendo da hierarquia que atingem, os tratados de internacionais de direitos humanos, segundo a professora Flávia Piovesan, podem criar três situações. Na primeira a ideia é a de que nossa Constituição reflete literalmente o texto desses tratados. Na segunda, o tratado complementa a lista de direitos humanos tutelados pela nossa Carta. E, por fim, na terceira, os textos das fontes se contrariam.[67]

Em se tratando da terceira situação, como já foi dito, a divergência deve ser solucionada de acordo com a norma mais favorável a pessoa humana.

Normas supralegais ou com status de Emenda Constitucional, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos são normas que, de acordo com o disposto no Preâmbulo da Constituição Federal, segundo o qual a sociedade brasileira é “fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”,[68] devem ser observadas pelo legislador com muito mais sensibilidade do que quando tratar de outros temas.

Vive-se hoje uma época em que o ser humano está no centro das atenções de toda a legislação, diferentemente do que ocorria no passado, por isso, o Direito não pode ficar alheio a este entendimento.


4 CONCEITUAÇÃO DO INSTITUTO

Conforme referido anteriormente, controlar a convencionalidade significa verificar se as leis infraconstitucionais obedecem, materialmente, aos tratados e convenções ratificados pelo Brasil.

Tendo em vista que os direitos fundamentais abrigam os direitos humanos positivados nas Constituições e os constantes em tratados internacionais, cabe às autoridades políticas observá-los no momento da criação das leis.[69]

Deve-se, assim, “adaptar ou conformar os atos ou leis internas aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado, que criam para este deveres no plano internacional com reflexos práticos no plano do seu direito interno.” [70]

Nesse sentido, além da adequação ao conteúdo da Constituição, a produção normativa passa a ter um duplo controle material vertical ao exigir, também, a verificação ao estabelecido em tratados e convenções ratificados pelo nosso País.

Diante de tal entendimento, a doutrina constitucional brasileira começa a preocupar-se com a constitucionalidade vertical das normas infraconstitucionais em face dos tratados internacionais de direitos humanos. Assim surge aquilo que se denomina controle da convencionalidade:

A compatibilidade das leis com a Constituição é feita por meio do clássico e bem conhecido controle de constitucionalidade, e com os tratados internacionais de direitos humanos em vigor no País por meio do controle de convencionalidade, tema até então inédito na doutrina brasileira.[71]

Para o professor André de Carvalho Ramos,

O controle de convencionalidade consiste na análise da compatibilidade dos atos internos (comissivos ou omissivos) em face das normas internacionais (tratados, costumes internacionais, princípios gerais de direitos, atos unilaterais, resoluções vinculantes de organizações internacionais). Há duas subcategorias: (i) o controle de convencionalidade de matriz internacional, também denominado de controle da convencionalidade autêntico ou definitivo; e (ii) o controle de convencionalidade de matriz nacional, também denominado provisório ou preliminar[72].

Sobre o controle de convencionalidade ensina Sidney Guerra que:

Tal controle diz respeito a um novo dispositivo jurídico fiscalizador das leis infraconstitucionais que possibilita dupla controle de verticalidade, isto é, as normas internas de um país devem estar compatíveis tanto com a Constituição (controle de constitucionalidade) quanto com os tratados internacionais ratificados pelo país onde vigora tais normas (controle de convencionalidade). (...) Este instituto garante controle sobre a eficácia das legislações internacionais e permite dirimir conflitos entre o direito interno e normas de direito internacional e poderá ser efetuado pela própria Corte Interamericana de Direitos Humanos ou pelos tribunais internos dos países que fazem parte de tal Convenção[73].

 Diante de tais considerações, observa-se que “a produção normativa doméstica depende, para sua validade e conseqüente eficácia, estar de acordo tanto com a Constituição como com os tratados internacionais (de direitos humanos ou não) ratificados pelo governo.” [74]

A hierarquia que os tratados de direitos humanos adquirem ao ingressar no ordenamento jurídico brasileiro, não afasta a sua condição de parâmetro para o controle de convencionalidade.[75]

O professor Ingo Sarlet menciona a possibilidade de o controle de convencionalidade também ser exercido pelo Poder Legislativo. Assim, no momento de elaboração das leis infraconstitucionais o legislador, além de verificar a compatibilidade da legislação com a CF, também deveria assumir como parâmetro os tratados internacionais.[76]

Sobre o autor
Gilberto Starck

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis. Integrante da Clínica de Direitos Humanos no Centro Universitário Ritter dos Reis - Uniritter - Laureate International Universities. Canoas/RS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STARCK, Gilberto. O controle de convencionalidade no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4408, 27 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41056. Acesso em: 15 nov. 2024.

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