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A inconstitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU ante as decisões do STF e a Emenda Constitucional nº 29

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Agenda 01/06/2003 às 00:00

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, pode-se concluir que:

1. Verifica-se que para se chegar a um estudo pormenorizado do Imposto sobre a Propriedade Imobiliária Urbana é preciso que se faça uma analise global que venha repercutir junto à sua evolução histórica no contexto do ordenamento jurídico brasileiro. A introdução deste tributo se deu gradativamente com a denominação de "décima urbana" em 1808, dando lugar ao "imposto sobre prédios" em 1873 e mais adiante ao "imposto predial", no ano de 1881. Foi a partir destes conceitos que se fez recair a incidência de tal tributo sobre a propriedade que estivesse edificada ou inutilizada, transmitindo-lhe a designação de "Imposto Predial e Territorial Urbano". Esta intitulação veio persistir nas Constituições provenientes do período republicano, vindo a se manter na atual de 1988.

2. O Município caracteriza-se como um ente da administração pública direta dotado de autonomia política, financeira, administrativa e organizacional. Em face disto, afere-se que a Constituição Federal de 1988 incumbiu de ressaltar a competência municipal para instituir impostos que ficariam adstritos à sua alçada. Por intermédio de tais peculiaridades, visa-se distribuir a cada ente político um poder de tributar que possibilite a arrecadação de recursos financeiros capazes de gerir a vida púbica da unidade federativa. Diante desta repartição de competências, coube privativamente à municipalidade, conforme dispõe o art. 156, I da CF, inserir o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana.

3. No campo hipotético de incidência, tem-se que a norma tributária pode ser decomposta em aspectos ou critérios. Estes poderão estar incumbidos de determinar a materialidade, temporalidade, espacialidade e pessoalidade de um determinado imposto, objetivando-se dar efetividade à situação descrita pela lei capaz de gerar a ocorrência de uma obrigação tributária.

4. O aspecto material é um dos componentes essenciais da hipótese de incidência, formalizando-se no caso presente na propriedade, no domínio útil ou na posse de imóvel por natureza ou acessão física. Quanto ao aspecto temporal, este se presta a determinar o tempo, ou seja, o momento exato da ocorrência do fato jurídico tributário. É facultado ao legislador fixar esta data, embora normalmente seja estipulado o dia 1º de janeiro de cada ano. O aspecto espacial é que dará suporte quanto à delimitação do local onde deva ser cumprida a obrigação. Neste caso, a propriedade deverá situar-se na zona urbana de um Município, conforme estabelecido pelo art. 32 do Código Tributário Nacional. Junto ao aspecto pessoal, apresenta-se no IPTU, como sujeito ativo, o Município, e, como sujeito passivo, o proprietário, pessoa física ou jurídica, titular do domínio útil e da posse. Por fim, tem-se que a base de cálculo deste imposto funda-se no valor venal do imóvel.

5. Para sobrepor qualquer chamamento que importe em alguma tutela jurisdicional, sempre será necessário curvar-se ao princípio da igualdade. Este encampa o mandamento nuclear de todo o sistema jurídico brasileiro, não podendo ser tangido por qualquer modalidade de derrogação de lei ou reforma constitucional. Encontra-se normatizado no art. 5º, caput e inc. I da Constituição Brasileira ante aos direitos individuais e coletivos. Por conseguinte, pelo fato deste princípio ser abrangido de forma generalizada, necessário se tornou na busca de garantir uma tributação permeada pela isonomia, a vedação de instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontram numa mesma situação financeira (art. 150, II, CF). O princípio da igualdade tributária objetiva adequar o gravame fiscal no intuito de viabilizar uma distribuição da riqueza calcada pela justiça social.

6. O princípio da capacidade contributiva encontra-se intimamente adstrito à igualdade tributária e à legalidade. Mediante a intitulação deste princípio, permite-se adequar um ônus tributário que melhor se enquadre à condição econômica do sujeito passivo. O art. 145, § 1º da CF ressalva no sentido de que "sempre que possível" os impostos deverão ter caráter pessoal e conseqüentemente poderão ser graduados segundo a capacidade contributiva. Portanto, denota-se da norma contida pelo mencionado artigo que, de certa forma, apenas os impostos pessoais em contraposição aos impostos reais, como é o caso do IPTU, poderão ser graduados. Isto porque somente os impostos subjetivos visam abarcar um conjunto de condições personalíssimas que realmente possam integrar quantitativamente o fato gerador de uma relação jurídico-tributária.

7. Diante do princípio da progressividade, permite-se a graduação crescente de um imposto mediante a majoração de sua alíquota à medida que ocorra um aumento da base de cálculo tributável. A temática que envolve este princípio denota uma divergência doutrinária acerca de sua verdadeira eficácia no âmago de uma sociedade. No entanto, a plausibilidade autoriza sua utilização de forma moderada e restrita, a priori, apenas aos impostos pessoais, excetuando-se casos de impostos reais com efeitos extrafiscais. Pode-se afirmar que diante do desígnio arrecadatório imbuído pela fiscalidade, não há como contemplar uma exata mensuração da riqueza de determinado contribuinte utilizando-se de aspectos concernentes aos bens cuja propriedade lhe pertence.

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8. Além da progressividade, outras modalidades de variação em alíquotas permitem estabelecer uma melhor discriminação entre contribuintes, tais como a regressividade, seletividade e proporcionalidade. Os impostos estarão adstritos, conforme a sua natureza intrínseca, a um desses princípios, visando possibilitar uma melhor capacidade de adequação do gravame fiscal ao seu respectivo sujeito passivo. No caso específico do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, em casos cuja finalidade seja puramente arrecadatória (fiscal), este deverá se verter apenas ao princípio da proporcionalidade. Aplicando-se uma alíquota uniforme proporcional à base de calculo para qualquer tipo de imóvel, permite-se ensejar uma melhor justiça fiscal, salvaguardando o princípio magno da igualdade. Por fim, vê-se também que nenhum tributo poderá ser objeto de espoliação pelo Estado no intuito de lhe dar efeito confiscatório (art. 150, VI da CF), sendo garantido a qualquer cidadão o direito de propriedade. É prudente ressaltar que, assim como todo o ordenamento jurídico, tais princípios acima elencados devem estar estreitamente vinculados ao da legalidade.

9. Foi buscando os conceitos basilares preceituados pela doutrina tributária que o Supremo Tribunal Federal decidiu, perante o Tribunal Pleno designado para o julgamento do Recurso Extraordinário nº 153.771-0 no ano de 1996, pela inconstitucionalidade da progressividade fiscal do Imposto Predial e Territorial Urbano. Ficou demonstrada a incompatibilidade da progressão de alíquotas decorrente de uma suposta presunção da capacidade econômica do contribuinte consubstanciada no art. 145, §1º da Constituição Federal. Portanto, ficou consignado que a única progressividade admitida pela Lei Maior ao imposto versado funda-se na extrafiscalidade constante da disposição do art. 182, II, § 4º em conjunto com o disposto na redação anterior do art. 156, §1º, justamente por tratar-se de um imposto de natureza real.

10. O art. 3º da Emenda Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000, no intuito de possibilitar uma maior arrecadação de receita ao Fisco Municipal, alterou o art. 156, § 1º da Constituição Federal. Autorizou-se, portanto, a progressividade do IPTU em razão do valor do imóvel, de sua localização e finalidade usual. Pode-se constatar que a referida Emenda veio tentar constitucionalizar a progressividade fiscal do imposto imobiliário urbano diante das reiteradas decisões contempladas pela Suprema Corte Brasileira em desfavor dos Municípios. Todavia, para todos os efeitos, enquanto tal Emenda não seja objeto de revisão, a municipalidade encontra-se plenamente capacitada para editarem leis que viabilizem a progressão do IPTU em sua modalidade fiscal e extrafiscal, já que dispõem de um dispositivo constitucional a seu favor.

11. Contudo, verifica-se que mesmo com a nova redação conferida ao art. 156, § 1º, fica patentemente demonstrada a inconstitucionalidade da progressividade fiscal do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. Embora o objetivo dos legisladores visou tentar desvincular a norma contida no art. 156, § 1º ao art. 182, II, § 4º, afere-se que a graduação de alíquotas no imposto imobiliário urbano fere o princípio da igualdade, que, por disposição constitucional é cláusula pétrea constitucional. A progressividade baseada no art. 145, § 1º objetivando o princípio da capacidade contributiva autoriza a progressividade nos impostos pessoais. Portanto, o IPTU é categoricamente um tributo real, calculado e mensurado através de uma base de cálculo que contempla a propriedade. A inconstitucionalidade da progressividade fiscal constatada neste imposto versa não ao contexto engajado pela Constituição, e sim à essência consubstanciada no fato gerador que lhe traça o perfil.

12. É de se notar que diante da nova repercussão deflagrada a respeito do presente tema e da utilização do IPTU progressivo pelos Municípios no intuito de ampliar seu leque de receitas, o que certamente ocorrerá é a volta de uma longa batalha jurídica travada entre contribuintes e municipalidades. Não se pode olvidar que isto será o ápice de mais uma discussão que irá novamente ocasionar o congestionamento do Judiciário, até que venha a ser objeto de reiteradas decisões posteriores pelo Supremo Tribunal Federal. Portanto, tem-se que a progressividade fiscal do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana é inconstitucional justamente porque fere princípios norteadores do ordenamento jurídico e impossibilita a veraz adequação do gravame fiscal ao seu respectivo sujeito passivo.


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Sobre o autor
Luis Fernando Simões Tolentino

Assessor de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Público pela Associação Nacional dos Magistrados (ANAMAGES)/Instituto Izabela Hendrix e Direito Público Municipal pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)/Centro de Estudos Estratégicos em Direito do Estado (CEEDE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLENTINO, Luis Fernando Simões. A inconstitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU ante as decisões do STF e a Emenda Constitucional nº 29. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4163. Acesso em: 8 nov. 2024.

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