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A inconstitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU ante as decisões do STF e a Emenda Constitucional nº 29

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CAPÍTULO III: A INCONSTITUCIONALIDADE DA PROGRESSIVIDADE FISCAL DO IPTU NAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E NO ARTIGO 3º DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29

3.1 A impossibilidade de alíquotas progressivas no imposto imobiliário urbano perante o entendimento jurisprudencial do STF

Ante a intransigência do Fisco em abarrotar os seus polpudos cofres públicos em desfavor do contribuinte, almeja-se sempre de forma incoerente desvencilhar parâmetros jurídicos e conseqüentemente majorar a carga tributária cada vez mais. No caso específico do imposto incidente sobre a propriedade predial e territorial urbana, foi-se necessário um longo interregno de tempo para que a discussão a respeito do aumento progressivo de suas alíquotas viesse a ser objeto de inúmeras decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

Tamanha discussão ateu-se ao fato de que os demasiados pontos de vista e divergências doutrinárias sobre o assunto levaram vários Municípios brasileiros a instituírem leis que julgavam plenamente amparadas pela Constituição Federal. Isto tudo porque a redação original do art. 156, § 1º em consonância com o art. 145, § 1º e do ainda art. 182, § 4º em vigor, todos da Lei Maior, agregavam uma suposta brecha capaz de intitular possíveis graduações de alíquotas levando-se em consideração uma progressividade meramente fiscal e outra de caráter extrafiscal.

Foram anos de desencontros jurisprudenciais exauridos pelos diversos Tribunais do país em função das milhares de ações interpostas por contribuintes. Isso foi o alvorecer de uma indagação jurídica que levou a Suprema Corte a tentar apaziguar as fortes tendências que ora decidiam pela constitucionalidade e ora pela inconstitucionalidade das leis promulgadas pelas municipalidades.

Portanto, o Supremo Tribunal Federal, diante do julgamento do Recurso Extraordinário nº 153.771-0/MG - (Tribunal Pleno), deliberou seu posicionamento acerca da progressividade fiscal do imposto imobiliário urbano, vindo esta decisão a consistir no principal entendimento jurisprudencial sobre o questionamento da natureza tributária de tal tributo. Desde então, as graduações fiscais de alíquotas foram rechaçadas e reiteradamente julgadas inconstitucionais por diversas vezes. Neste aspecto, as delimitações constitucionais à instituição, pelos Municípios, do IPTU progressivo, ficaram adstritas somente à progressão extrafiscal.

A redação original do art. 156 da Constituição Federal dispunha em seu § 1º de modo que o imposto previsto no inciso I, ou seja, o Imposto Predial e Territorial Urbano, poderá ser progressivo, nos termos da lei Municipal, de forma que vise assegurar o cumprimento da função social da propriedade. Já o art. 182, em seu § 4º salienta "in verbis" que:

"Art. 182 -.... ......................

(...)

§4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

(...)

II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

(...)".

Por sua vez, o entendimento firmado pelo STF expressou-se no sentido de que a progressividade expressa no texto original do art 156, § 1º da Lei Maior estava ligada umbilicalmente à progressividade temporal (extrafiscal) constante do art. 182, § 4º pertinente ao cumprimento da função social da propriedade. Asseverou a ilustrada ementa do acórdão:

"No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu art. 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o art. 156, § 1º (específico). A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no art. 156, § 1º. Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 182, ambos da Constituição Federal. Recurso Extraordinário conhecido e provido, declarando-se inconstitucional o sub-item 2.2.3 do setor II da Tabela III da Lei 5.641, de 22.12.1989, no município de Belo Horizonte".

Como se pode vislumbrar, a fundamentação legal para o entendimento jurisprudencial do STF ateu-se primordialmente às características inerentes a essência da espécie tributária consolidada pelo IPTU. Este é um imposto real, também denominado de impessoal ou objetivo, como veiculado em exposição pretérita. Dessa forma, sua hipótese de incidência deverá obrigatoriamente incidir sobre uma riqueza, uma situação ou um ato econômico, sem levar em consideração o indivíduo possuidor de tais particularidades. Diante desse argumento, o Supremo Tribunal Federal veio decidir que o imposto imobiliário urbano, de natureza real não pode graduar em função de uma presumível capacidade contributiva do sujeito passivo.

Portanto, a inteligência utilizada por maioria de votos permeou-se na já mencionada distinção clássica entre impostos pessoais e impostos reais. A partir disso, e em conseqüência da não possibilidade de se poder mensurar a exata capacidade econômica do contribuinte levando-se em consideração o aspecto valorativo concernentes ao imóvel, repeliu-se de maneira acertada pela incompatibilidade da progressividade em função de impostos que recaem sobre o patrimônio.

Na ocasião do Plenário designado para o julgamento do aludido Recurso Extraordinário nº 153.771-0/MG, o voto do Sr. Relator Moreira Alves foi seguido por todos os demais Ministros, com a exceção do Ministro Carlos Velloso, que a contrario sensu, defendeu a tese de constitucionalidade da Lei nº 5.641/89 do Município de Belo Horizonte, a qual se instituía alíquotas progressivas na cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano.

O Ministro Relator Moreira Alves, em extenso parecer de voto proferido, sustentando seu entendimento e vislumbrando uma variedade de doutrinas pátria e do direito comparado, manifestou no intento de que os impostos reais não comportam alíquotas progressivas. Pontificou que "por isso mesmo, VICTOR UCKMAR, tratando do princípio constitucional da igualdade tributária no tocante à capacidade contributiva, se refere ao ‘EVIDENTE ABSURDO DE ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS PARA OS IMPOSTOS REAIS’".

A propósito, citando ainda o italiano Vincenzo Carullo, perseverou que:

"Naturalmente, não queremos dizer - nem poderemos - que todos os impostos devem ser progressivos, porque bem sabemos como isso seria IMPOSSÍVEL ou cientificamente errado: porque bem sabemos que A PROGRESSÃO NÃO CONDIZ COM OS IMPOSTOS DIRETOS REAIS e pode encontrar só inadequada e indireta aplicação nos impostos sobre consumos e nos impostos indiretos em geral".

É bom alvitre relembrar o que salienta o dispositivo constitucional normatizado pelo art. 145, §1º, no qual menciona que "sempre que possível", os impostos deverão ter caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Logo, alude-se no intuito de que não sendo o Imposto Predial Territorial Urbano atrelado ao caráter pessoal de seu sujeito passivo, não condiz com sua essência atribuir a graduação progressiva de suas alíquotas.

Prossegue o Ministro ressaltando que:

"Ora, no sistema tributário nacional, é o IPTU inequivocamente um imposto real, porquanto tem ele fato como gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel localizado na zona urbana do Município, sem levar em consideração a pessoa do proprietário, do titular do domínio útil ou do possuidor, tanto assim que o Código Tributário Nacional ao definir seu fato gerador e sua base de cálculo não leva em conta as condições da pessoa do sujeito passivo".

Diante de tais peculiaridades é que, com as manifestações afoitas e preponderantemente de cunho legal, afirmou o Ministro Relator pela inviabilidade jurídica de se graduar alíquotas do IPTU progressivamente diante de uma suposta presunção da capacidade contributiva do sujeito passivo. Pois, não será sempre aquele detentor de um bem que esteja singularizado sobre um maior valor venal o possuidor de uma maior riqueza econômica. Portanto, em vias de conclusão, ponderou no sentido de que "é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda, exclusivamente ao disposto no art. 156, §1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal".

Em seguida, pronunciou o Ministro Maurício Corrêa fazendo alusão de que "o caso específico de que ora se cuida é exatamente o de imposto predial, que pela sua própria natureza é um tributo real, incidente sobre o imóvel urbano, não recaindo sobre a pessoa, como é o caso do imposto de renda e de outras exceções similares".

Corroborando neste mesmo entendimento, ressaltou o Ministro Ilmar Galvão que:

"O critério, como se vê, é de natureza objetiva, certamente porque se está diante de um tributo, não de natureza pessoal, cuja alíquota possa variar em função das condições econômicas do proprietário do bem, na forma preconizada no art. 145, § 1º, da CF, parte final, mas de natureza real. Com efeito, o tributo incidente sobre o imóvel não é necessariamente de responsabilidade de quem lhe detinha o domínio, no exercício tributado, mas de quem o detém, à época da cobrança ou execução".

De mesma sorte, manifestou o Ministro Néri da Silveira mencionando que "cuidando-se de IPTU, cumpre, por primeiro, ter presente sua natureza real. Não tenho como aplicável, desde logo, o art. 145, § 1º, da Constituição, para apoiar a legitimidade da impositividade fiscal discutida".

Estes e demais votos manifestos pelos demais pares foram o bastante para que em decisão quase unânime, ficasse "solucionada" e de certa forma acalentada uma das maiores batalhas jurídicas travadas entre contribuintes e o poder público municipal. Desde então, o Supremo Tribunal Federal vem reiteradamente proferindo decisões condizentes com a inconstitucionalidade de leis voltadas para a cobrança de alíquotas progressivas ante o imposto sobre a propriedade imobiliária. Neste sentido coadunam os RREE nºs 204.827; 205.464; 198.50; 202.261; 192.732; 194.036; 197.676; 192.737; 193.997; 229.457; etc.

Contudo, urge admitir que mesmo com as reiteradas decisões manifestas dos precedentes jurisprudenciais emanados da Suprema Corte, a doutrina continuou refutando diversificadamente a respeito do assunto. Carlos Octaviano de Medeiros Mangueira fazendo críticas a fundamentação doutrinária dos acórdãos exarados entende que:

"’(...) data vênia’, da fundamentação de nossa Corte Suprema. Com efeito, não é por ser um imposto de natureza real que não se aplica o princípio da capacidade contributiva ao IPTU. Aliás, a própria classificação dos impostos em pessoais e reais é falha pois, sendo a obrigação tributária uma relação jurídica, é de sua essência que haja um sujeito passivo, um sujeito ativo, um objeto e um vínculo de atributividade. Ora, sujeito passivo da obrigação tributária sempre será a pessoa - física ou jurídica -, jamais o objeto. Os impostos, portanto, sempre terão natureza pessoal".

Destarte, alguns autores como Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em abordagem ao dispositivo original do art. 156 da Carta Magna, já entendia e dispunha em perfeita consonância com o "veredicto" patrocinado pelo STF. Afirma que:

"Este dispositivo tem que ser interpretado em consonância com o art. 182, § 4º, II, ou seja, a progressividade aqui prevista só pode ser a progressividade no tempo. Não pode ser exigida senão de área incluída no Plano Diretor do Município por lei específica, nos termos condicionados por lei federal. Somente poderá ser aplicada com o fito de levar o proprietário de solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, a dar a esse imóvel o seu adequado aproveitamento, segundo o plano referido. E não poderá ser adotada antes de ter sido infrutífera a determinação de parcelamento ou edificação compulsórios".

De idêntico modo, Marco Aurélio Greco acentuou sabidamente que "não há na Constituição dois tipos de progressividade do IPTU. Há apenas a que sirva para assegurar a função social do imóvel, nas hipóteses, através do regime e pelos instrumentos consagrados no art. 182 da CF".

Embora sejam acirradas as divergências patrocinadas pela doutrina, cediço ficou o entendimento encampado de que a única hipótese de progressividade admitida pela Constituição da República de 1988 junto ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana seria aquela prevista pelo art. 182, § 4º, II. Neste enfoque e diante da regra albergada pelo texto original do art. 156, § 1º, repeliu-se qualquer modalidade de graduação de alíquotas que não atendesse a progressividade temporal baseada no mencionado dispositivo legal.

3.2 A Emenda Constitucional nº 29 e os efeitos da alteração do parágrafo primeiro do art. 156 da Constituição Federal no ordenamento jurídico

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Após longas discussões legislativas, sempre marcadas por posicionamentos antagônicos entre os governos federal, estadual e municipal, promulgou-se em 14 de setembro de 2000 a Emenda à Constituição nº 29. Foram seis anos desde a apresentação da PEC 169 de autoria dos deputados Eduardo Jorge e Waldir Pires e a sua fusão com a PEC 86, do deputado Carlos Mosoni, até a sua aprovação em dois turnos em cada uma das Casas Legislativas do Congresso Nacional.

A Emenda intitulada de assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde, alterou os arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e acrescentou artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A princípio, a conhecida "Emenda da Saúde" traz incomensuráveis benefícios à sociedade brasileira, pois se tenta estabilizar os recursos repassados pelos governos ao calamitoso Sistema Único de Saúde (SUS).

A nova vinculação constitucional veio estabelecer, sobre o produto total da arrecadação dos impostos de competência impositiva dos Municípios, por exemplo, tais como o IPTU, ITBI, ISS e dos demais recursos aludidos pelo art. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º, já para o ano de 2000, a obrigação de se aplicar em ações e serviços públicos da saúde um percentual mínimo de 7% (sete por cento), até atingir 15% (quinze por cento) em 2004, na proporção de 1/5 da diferença ao ano, ou seja, 9% (nove por cento) em 2001, 11% (onze por cento) em 2002 e 13% (treze por cento) em 2003.

Contudo, no intuito de possibilitar uma crescente arrecadação da receita municipal visando angariar maiores recursos objeto de futuros repasses junto à saúde, instituiu-se a progressividade fiscal do Imposto Predial e Territorial Urbano. Esta alteração substancial no art. 156, § 1º da Constituição Federal foi o bastante para novamente trazer à tona uma grande divergência doutrinária, que, aparentemente, pensava estar "adormecida" pela pacífica jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal.

Dispõe a nova norma "enxertada" pelo art. 3º da Emenda nº 29 que:

"Art. 156 -.... .......................

(...)

§1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel;

II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel".

Ao que tudo indica, alterou-se norma até então vigente para tentar burlar as mencionadas decisões do Supremo Tribunal Federal que entendiam pela inconstitucionalidade da progressão de alíquotas nos impostos reais, e mais precisamente no imposto imobiliário sob comento. Indo a total desencontro com as deliberações acatadas pela Suprema Corte brasileira, percebe-se que pela emenda, não há mais a obrigatoriedade de que o IPTU venha atrelar-se necessariamente à extrafiscalidade e conseqüentemente ao cumprimento da função social da propriedade privada, podendo a municipalidade dispor de mais elementos capazes de promover a elevação quantitativa de sua receita.

Diante dos efeitos meramente práticos, denota-se que a Emenda da Saúde trouxe em seu âmago um instrumento fiscal que certamente irá contribuir com a elevação da receita dos municípios brasileiros. Pensando nisso, foi que a Prefeitura de São Paulo modificou sua legislação frente à nova redação do art. 156, § 1º da Constituição da República. Já para o exercício financeiro de 2002, foi promulgada a Lei 13.250 que institui o tão famigerado IPTU progressivo na capital paulistana.

"A Lei Municipal de nº 13.250, de 27-12-2001, com suposto fundamento na Emenda 29/2000, introduziu a progressividade do IPTU distinguindo o prédio residencial do prédio não residencial e do imóvel inedificado, preconizando alíquotas diferenciadas (artigos 7º, 8º e 27 da Lei nº 6.986/66 com redação dada pela Lei 13.250/2001)". As alíquotas passaram a variar de 0,8% a 1,6% para imóveis residenciais e 1,2% a 1,8% para imóveis não residenciais, multiplicadas sobre o valor venal do imóvel que teve sua Planta Genérica de Valores (PGV) também corrigida. Estima-se que com a aplicação da nova lei o Município venha aumentar sua arrecadação satisfatoriamente.

Contudo, bastou a cobrança do imposto vir à tona e alardear a população para que viesse acender o estopim de uma nova controvérsia judicial entre a municipalidade e contribuintes. Já são milhares de ações na Justiça que corroboram o entendimento encampado pelo Supremo Tribunal Federal entendendo pela inconstitucionalidade das alíquotas progressivas no imposto imobiliário urbano. Desde então, as ações impetradas veicularam resultados satisfatórios para alguns contribuintes, pois o Judiciário concedeu liminares em mandados de segurança contra o imposto progressivo sob o argumento de sua inconstitucionalidade sustentada pelo Supremo Tribunal Federal.

A primeira decisão de mérito sobre o tema foi proferida pela juíza da 14ª Vara da Fazenda Pública da capital paulistana, afastando a cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano com alíquotas progressivas instituída pelo poder municipal. A sentença acatou a tese aludida pelo Supremo Tribunal Federal da impossibilidade de graduação de alíquotas nos impostos reais. Por sua vez, veiculou que o entendimento pacificado pela Corte Maior deve prevalecer, eis que efetivamente a mera discrepância entre os variados valores venais não é atributo específico para determinar a aferição da capacidade econômica dos contribuintes. Assim, a segurança concedida entendeu pela inconstitucionalidade do IPTU progressivo.

Vale ressaltar, porém, que as decisões alastradas tiveram efeitos somente entre as partes, não sendo auto-aplicáveis a todos os contribuintes. Contudo, com as sentenças favoráveis ou não, a tendência é de que as Prefeituras dos diversos Municípios brasileiros venham a instituir para o ano de 2003 o Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo levando-se em consideração o decréscimo considerável de suas receitas e a "suposta" constitucionalidade avençada pelo texto modificado da Constituição Federal.

Como acontece em São Paulo, entende-se que os questionamentos suscitados pela constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 29 será o apogeu de uma grande discussão jurídica que fulminará, assim como já ocorreu no passado, numa decisão proferida pela Suprema Corte brasileira. Enquanto isso ficam livres os Municípios para adequarem suas legislações no propósito de instituir o IPTU progressivo, que, salvo ulterior disposição adversa, encontra respaldo de "constitucionalidade" pela Carta Maior.

3.3 A inconstitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU em face do artigo 3º da Emenda Constitucional nº 29/00

Verifica-se que a Emenda Constitucional nº 29 disfarçadamente tenta apaziguar desigualdades na área da saúde, mas traz em seu bojo um perceptível e ilegal aumento na carga tributária do contribuinte brasileiro.

Mediante as alterações provocadas no § 1º do art. 156 da Constituição Federal, tenta-se por parte do poder Legislativo constitucionalizar a tão polêmica progressividade fiscal do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. A graduação de alíquotas para imóveis situados numa mesma cidade, escalonadas progressivamente em função de fatores objetivos que transcendem uma presunção da capacidade econômica do sujeito passivo, tem por conseqüência o aumento da arrecadação fiscal municipal em contraposição ao atropelo de direitos e garantias individuais.

Em perfeita ponderação recheada por exacerbadas críticas à alteração promovida pela malfadada "Emenda da Saúde", Raul Haidar salienta que:

"Ao que parece, os nossos governantes descobriram a pólvora ou reinventaram a roda em matéria fiscal. Quando a Justiça decide que determinada forma de tributar é inconstitucional, muda-se a Constituição, essa colcha que já tem mais de 30 retalhos (ou emendas) mal costurados. Isto é: a Constituição brasileira, que deveria ser a lei das leis, foi transformada em ferramenta de arrecadação, mudando várias vezes ao ano, ao sabor dos interesses do erário, esse monstro insaciável que já devora mais de um terço da economia nacional".

De mesma sorte, vem à tona os dizeres de J. Nascimento Franco:

"Tentando dar foros de legalidade ao IPTU proporcional ao valor do imóvel, os prefeitos pressionaram o Congresso e conseguiram um casuísmo a mais, neste país de casuísmos cotidianos. Como o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE nº 153.771, em setembro de 1997, havia fulminado aquele critério, considerando-o conflitante com o artigo 156, § 1º, da Constituição de 1988, os prefeitos arrancaram do Congresso a Emenda Constitucional nº 29, de 13/9/00, cujo artigo 3º alterou aquele dispositivo para permitir a progressividade, que o tribunal vetara, do imposto incidente sobre a propriedade predial e territorial urbana em razão do seu valor, bem como a variação de alíquota de acordo com a localização e o uso do imóvel (...)".

Nestes termos, destoa que sem uma maior indagação ou qualquer modalidade popular voltada a discutir os interesses comuns, os legisladores melindraram princípios e propagaram intolerâncias na adequação de uma alteração que beneficia somente o poder público municipal. No caso específico, tem-se que a atividade do legislador transforma-se em, nada mais, como ponderou Ricardo Lobo Torres, citado por Leonardo Pietro Antonelli, que um "radical repúdio à interpretação judicial, pela edição de norma intencionalmente contrastante com a jurisprudência e na retificação da norma anterior, que, por ambigüidade ou falta de clareza, tenha levado o Judiciário a adotar interpretação incompatível com os pressuposto doutrinários da matéria".

Não resta dúvidas que, conforme interpretação superficial do novo texto do art. 156, §1º da Constituição de 1988, a reforma veio sobressaltar as multicitadas deliberações do Supremo Tribunal Federal. Ficou agora consignado que sem o prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana poderá ser progressivo em razão do valor do imóvel ou ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. Como se denota, quis-se desconjugar a interpretação sistêmica de que a progressividade tratada no ditame do art. 182, § 4º, inciso II era a mesma constante da explicitação específica, inclusive com a restrição temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no art. 156, § 1º.

Diante disso, foi que os favoráveis à progressão fiscal de alíquotas no IPTU entenderam que a EC 29 retirou dos acórdãos proferidos pelo STF a sua eficácia, não mais condicionando a progressividade ao cumprimento da função social da propriedade emoldurado pelo inciso XXII do art. 5º ou à aludida progressividade extrafiscal prevista no art. 182, § 4º, autorizando assim, sua imposição.

Acontece que, o objeto preponderante que desvencilhou pela inconstitucionalidade da progressividade fiscal do imposto imobiliário urbano e que foi debatido repisadas vezes pelo Supremo Tribunal Federal tratava-se da natureza jurídica de tal tributo. Permaneceu, dessa forma, intocável o espírito que norteou os acórdãos. Não tangia naquele momento discutir em primazia acerca da literalidade coloquial prevista pela Constituição Federal, e sim as características peculiares do tributo em apreço. Avençou pelo fato de que apenas os impostos mensurados a partir de uma personalização do indivíduo tributado é que poderiam admitir a graduação de alíquotas conforme a sua respectiva capacidade econômica.

O Imposto Predial e Territorial Urbano, pelo fato de ser majorado diante do valor venal de um bem imóvel, não pode ter como parâmetros para seu cálculo uma suposta presunção de riqueza do sujeito passivo, tentando denotar-lhe um caráter pessoal inexistente. Nem mesmo com a nova redação do art. 156, § 1º da Constituição Federal, introduzida pela Emenda 29, fica autorizada a adequação de alíquotas progressivas do IPTU com base nas peculiaridades voltadas às características inerentes ao imóvel.

Aires Fernandino Barreto, em comentário à nova Emenda, manifestou no intuito de que:

"Ora, no caso da progressividade, é inquestionável que a Emenda Constitucional nº 29/00 não apenas tende a abolir, como, de fato, aniquila, suprime, destrói, anula a restrição posta pelo princípio de que progressivos só podem ser os impostos pessoais.

O emprego de progressividade no caso de imposto real implica a abolição real dos limites do princípio da capacidade econômica; derruba as balizas dessa diretriz para alcançar - contra a solene promessa do art. 5º, § 2º - os impostos de natureza real (...)".

A antítese existente em decorrência de tais divergências consiste na aplicação do princípio da capacidade contributiva em contraposição ao da igualdade. É diante disso que se vislumbra pelo texto do art. 3º da Emenda Constitucional nº 29/00 a patente mitigação ao princípio da isonomia tributária previsto no art. 150, inciso III da Carta Maior, bem como ao princípio da capacidade contributiva estampado no artigo 145, § 1º. Como bem ressaltou Bandeira de Mello:

"violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas ao específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra".

No mesmo sentido, em exposição acerca do tema, salientou Rodrigo da Rocha Rosa que:

"O sistema legal parte de premissas, primeiras verdades, e, a partir destas, em plena harmonia sistêmica, surge nova verdade sem jamais destruir a primeira. São conceitos, princípios constitucionais; desrespeitá-los é mais que produzir texto inconstitucional, é trair e corromper o sistema legal. O poder legislativo no Brasil, em atenção aos anseios do executivo, sem qualquer cerimônia, corrompe o sistema, rasga princípios constitucionais maiores, sempre visando o fim político de aumento de arrecadação à cobrir os excessivos e descontrolados gastos públicos, fá-lo sem qualquer técnica legislativa, como se os fins justificassem os meios, como se o direito não fosse, como de fato é, uma ciência complexa".

Além do mais, sabe-se que o art. 60, § 4º da Constituição corporifica na acepção de que os "direitos e garantias individuais" não podem ser objeto de deliberação modificáveis por Emendas Constitucionais. Cláusulas estas que são denominadas "pétreas", "imutáveis". Da leitura do art. 5º da CF/88, conclui-se que os princípios que fundamentam o sistema tributário, inserem-se no conceito de "direitos e garantias individuais", não podendo, conseqüentemente, serem também tangidos por alterações provenientes de Emenda.

"Segundo Barreto, o inciso primeiro da Emenda 29, que prevê a cobrança progressiva sobre o valor do imóvel, fere o parágrafo 1º do artigo 145 da mesma Constituição Federal – que seria cláusula pétrea. O artigo 145 trata do princípio da capacidade contributiva do cidadão. Por ele, segundo Barreto, a cobrança progressiva só poderia existir sobre os impostos pessoais (como o imposto de renda) e não em impostos reais (como o IPTU)".

De mesma sorte, bem lembrou Ives Gandra da Silva em comentário acerca da constitucionalidade ou não do IPTU em face da edição da EC 29. Indagou que:

"Ora, se o regime legal do tributo é que lhe dá o perfil, tendo o contribuinte o direito de só recolhê-lo se o imposto for compatível com esse perfil, não feriria cláusula pétrea da Constituição adotar técnica incongruente com seu arquétipo, maculando, portanto, o direito do contribuinte de pagar o tributo conforme a natureza jurídica que lhe pertine?

A Constituição deve ser interpretada conforme o espírito do constituinte e sempre que uma norma ferir cláusula imodificável - e o são os direitos fundamentais do contribuinte - à evidência, estar-se-á perante norma constitucional "inconstitucional", visto que o art. 60 § 4º, inciso IV, não comporta transigências".

O legislador constituinte derivado, ao qual é delegada a competência para editar as Emendas à Constituição da República, não tem o poder ilimitado de alterar o texto emoldurado pela Carta Suprema, pois sempre deverá estar adstrito aos regimes normativos instituídos pelas cláusulas consignadas como imutáveis. Qualquer alteração substancial que venha de certa forma atingir a aplicação destas cláusulas, o seu regime jurídico intrínseco, os elementos que objetivamente a compõem, representa exterminá-las numa atitude impensada totalmente vedada pela Constituição, com a conseqüente inconstitucionalidade das novas normas que venham a ser adotadas pelo ordenamento jurídico.

Embora seja a Emenda Constitucional formulada pelo Poder Legislativo o meio legal utilizado para se adequar uma modificação do Texto Maior, poderá esta, mesmo assim, ser declarada inconstitucional. Nesse sentido, já manifestou a doutrina na ocasião da promulgação da Emenda Constitucional nº 3. Assim, assevera Edmar Oliveira Andrade Filho que:

"(...) mesmo uma Emenda Constitucional, emanada do poder constituinte derivado, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional pela Corte Suprema que é a guardiã da Constituição por força do inciso I, a, do seu art. 102. Em tais circunstâncias o controle da eventual inconstitucionalidade se faz em confronto da norma da Emenda Constitucional com os assuntos considerados como ‘cláusulas pétreas’ da Constituição, indicados no § 4º de seu art. 60. Nesse único precedente jurisprudencial sobre o controle de constitucionalidade exercido sobre Emenda à Constituição (EC nº 3/93) ocorreu quando se pretendia, por ato do poder constituinte derivado, suprimir o sistema de imunidades tributárias das pessoas políticas por intermédio do malsinado Imposto Provisório sobre Operações Financeiras".

O discernimento constitucionalmente aceito na redação originária de um artigo pertinente ao sistema tributário é verdadeiro elemento indissociável do princípio da isonomia tributária. Qualquer Emenda que viabilize uma modificação inadequada patrocinada posteriormente ao que se perpetua como inflexível, representa uma alteração substancial ao próprio princípio colacionado. Partindo dessas premissas é que vem a baila a repulsa e desaprovação da nova literalidade do art. 156, § 1º do texto constitucional. Essa modificação grosseira pertine ao absurdo de que um mesmo contribuinte possuidor de uma mesma capacidade contributiva possa vir a ser tributado de forma distinta.

Pondera Alexandre Nista acerca da progressão de alíquotas do Imposto Predial e Territorial Urbano que:

"Quanto às progressividades em razão da localização e do uso do imóvel, ambas ofendem o Princípio da Igualdade. Para se chegar a esta conclusão seguimos o seguinte roteiro: A) identificamos o fator de discriminação, que ‘in casu’ é a localização e o uso do imóvel; B) analisamos eventual correção lógica entre o fator de discriminação e o regime jurídico desigual com base nele estabelecido e chegamos à conclusão que, no caso em tela, não há lógica entre a tributação progressiva do IPTU e a localização e o uso do imóvel, pois qual a justificativa para se estabelecer a variação de alíquotas do imposto em epígrafe, em razão do imóvel localizar-se neste ou naquele bairro, ser utilizado para fins residenciais ou comerciais e, por fim; C) constatamos que o tratamento desigual não homenageia nenhum valor positivado na Constituição Federal (...). Diante destas circunstâncias, entendemos que, também, estas formas de progressividade são inconstitucionais, por serem ofensivas ao Princípio da Igualdade".

A Emenda 29 tende a menosprezar valores e princípios mestres que o direito tributário convencionou ao longo de sua remota existência. Como bem alude o art. 145 em seu § 1º, sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Quanto ao Imposto Predial e Territorial Urbano, etimologicamente considerado um tributo real, é notório a impossibilidade premente de personalizá-lo e, sobretudo atrelá-lo ao princípio da capacidade contributiva. Pretende-se com a progressividade conferida pela alteração do art. 3º da EC 29 dar azo de legalidade a preceito categoricamente vetado pela Constituição.

Como bem salientou Rodrigo da Rocha Rosa:

"(...) já são adotados como fatores determinantes da base de cálculo elementos referentes exclusivamente às qualidades objetivas do imóvel, como seu valor de mercado, área construída, área do terreno, etc., desprezando qualquer referência a características pessoais do contribuinte do imposto, é a ‘Proporcionalidade’, mecanismo de diferenciação vigente com impostos vinculados a direito real limitado da propriedade, impostos reais. Portanto, tendo em vista a vedação imposta pelo § 1º, do artigo 145, regra geral do texto constitucional, somado à interpretação harmônica dos conceitos maiores do direito, assim como pela farta legislação a traçar e exacerbar tais conceitos, não é possível a graduação fiscal face à capacidade econômica daquele que figure como contribuinte quando do fato gerador, pois, trata-se de imposto real que recai sobre o bem, visto que, não necessariamente aquele que figure como contribuinte quando do fato gerador será o contribuinte quando do adimplemento da obrigação tributária, daí já se tem a impossibilidade fática de se presumir a capacidade contributiva, pois sabidamente esta presunção deve se dar no momento do fato gerador, instante este em que ainda não se sabe quem será o contribuinte a adimplir a obrigação tributária, pois como assevera Pontes de Miranda; ‘...o adquirente do domínio suporta os direitos reais limitados que gravam o bem’".

No intuito de melhor materializar os efeitos da nova redação conferida ao § 1º do art. 156 da Constituição Federal, conforme o art. 3º da Emenda Constitucional nº 29, é prudente vislumbrar os seguintes exemplos emoldurados pela doutrina. Assim sendo, levando a termo os dizeres pontificados por Leonardo Pietro Antonelli, tem-se:

"(...) suponhamos que eu seja proprietário de um imóvel que valha R$ 100.000,00 localizado no Leblon e outro contribuinte seja proprietário de imóvel localizado na Pavuna, cujo valor venal é, segundo inclusive o próprio Município – uma vez que a guia do IPTU traz num dos campos este valor – também R$ 100.000,00. Porque exigir até 5 vezes mais IPTU de mim, se a capacidade contributiva de ambos os contribuintes é a mesma? Ora, se o valor de venda do imóvel é idêntico, o imposto tem que ser idêntico, uma vez que o tributo é real e incide sobre a propriedade. Quanto mais valoroso for o imóvel, naturalmente o contribuinte irá pagar mais imposto, todavia com uma alíquota única para todos".

Rodrigo da Rocha Rosa traz à tona a situação em que um contribuinte seja proprietário de um imóvel que tenha como valor venal o respectivo numerário de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em contraposição a outro que possua um bem valorizado em R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Antes da inovação encampada pela Emenda, supondo que a alíquota seria única de 1%, tem-se que o primeiro sujeito passivo pagaria um imposto no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) e o outro R$ 200,00 (duzentos reais). A diferença congratulada no mencionado exemplo seria de 5 (cinco) vezes maior para aquele imóvel que valha 5 (cinco) vezes mais. Diferença esta decorrente do princípio da proporcionalidade.

Com a nova redação do art. 156, § 1º, supondo-se uma alíquota mínima de 1% e uma máxima de 7% teria o seguinte: O imóvel que obtém o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) será contemplado com um imposto mensurado pela alíquota majoritária de 7% de R$ 7.000,00 (sete mil reais). Ademais, o imóvel valorizado em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) multiplicado pela alíquota depreciativa de 1% obteria um imposto no valor de R$ 200,00 (duzentos reais). O bem com valor 5 (cinco) vezes maior estaria sujeito a um imposto 35 (trinta e cinco) vezes maior ou até mesmo mais, acaso houvesse autorização expressa prevista na lei municipal.

Para dar efetividade de que a mera discrepância entre valores venais não é suficiente para determinar a exata aferição da capacidade econômica do contribuinte, é bom alvitre emoldurar outro exemplo mencionado por Alexandre Nista. Dessa forma, ressaltou que:

"(...) se uma lei municipal estabelecer que imóveis com valor venal até R$ 50.000,00 sejam tributados a alíquota de 1% e que imóveis com valor venal igual a R$ 500.000,00 sejam tributados à alíquota de 1,5%, um munícipe que detenha 10 imóveis avaliados em R$ 50.000,00 na área urbana deste município, receberá dez lançamentos de IPTU com valor nominal de R$ 500,00 e anualmente recolherá R$ 5.000,00 ao município a título da exação em tela, ao passo que outro contribuinte que possua apenas um imóvel o perímetro urbano do mesmo município, cujo valor venal seja igual a R$ 500.000,00 receberá um único lançamento, mas recolherá o tributo anualmente no valor de R$ 7.500,00".

Os exemplos supra colacionados tornam patente a ofensa ao Princípio da Igualdade. Neste último, vê-se claramente que o contribuinte possuidor de um patrimônio concentrado em um único imóvel terá que recolher aos cofres públicos 50% a mais de IPTU, enquanto o outro contribuinte que detém a mesma riqueza, porém distribuída em dez pequenos imóveis, será contemplado com uma carga tributária razoavelmente menor.

Por outro lado, surge situações mais ousadas, mas que de certa forma não são eivados de completa banalidade. Seria o caso de um cidadão que sem as mínimas condições financeiras ganha, mediante um sorteio, recebe através de uma herança, doação ou qualquer espécie do gênero um imóvel localizado em local altamente valorizado. Nem por isso poderá o proprietário de ditos imóveis auferir rendimentos ou ter atividades econômicas para mantê-lo e conseqüentemente pagar um imposto que poderá ser progressivo diante da localização ou valor. Outra iguaria seria o exemplo de um aposentado, que percebe o mínimo para sua subsistência, sempre residente num local antes pacato e que atualmente transformou-se numa área central e valorizada da cidade. Obviamente, este indivíduo não iria suportar o ônus fiscal de um tributo majorado frente à localização privilegiada que seu bem encontra adstrito. Há de convir que tais circunstâncias são dilapidadas a um número desprezível de contribuintes diante do numerário incalculável espalhados pelos 5.550 Municípios brasileiros.

José Souto Maior Borges afirma que o "direito é feito para aquilo que normalmente acontece". Contudo, não se pode ficar vinculado a tal assertiva. Ë óbvio que o ordenamento jurídico perpetrado pelo direito deve estar voltado para o que na habitualidade seja conseqüência do dia-dia, mas é de grande imprescindibilidade também que devem ser salvaguardados os direitos da minoria, daquilo que normalmente não é o que se costuma avistar, e que queira ou não faz parte dos questionamentos vivenciados cotidianamente. O direito, antes de tudo, deve ser difundido para todos e a todos deve atingir.

A tributação progressiva tem por escopo primordial a justiça social decorrente do princípio da capacidade contributiva. A par disso, afere-se que no caso do Imposto Predial e Territorial Urbano a aplicação de graduação de alíquotas não tem por finalidade colimada a mera abstração de se instituir uma equiparação entre os contribuintes do imposto, e sim um instrumento de arrecadação imoderado dos cofres públicos municipais. Como patentemente configurado, a capacidade contributiva somente pode ser realmente vislumbrada diante do caráter pessoal que determinado tributo possa vir a possuir. Neste caso, seria total afronta a preceitos constitucionais a tentativa de lograr personalização a impostos que pela sua natureza jurídico-tributária não comporta tais peculiaridades.

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Sobre o autor
Luis Fernando Simões Tolentino

Assessor de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Público pela Associação Nacional dos Magistrados (ANAMAGES)/Instituto Izabela Hendrix e Direito Público Municipal pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)/Centro de Estudos Estratégicos em Direito do Estado (CEEDE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLENTINO, Luis Fernando Simões. A inconstitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU ante as decisões do STF e a Emenda Constitucional nº 29. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4163. Acesso em: 22 nov. 2024.

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