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A inconstitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU ante as decisões do STF e a Emenda Constitucional nº 29

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CAPÍTULO II: ASPECTOS CONCERNENTES AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS

2.1 O Princípio da igualdade no âmbito dos Direitos e Garantias Fundamentais e no Sistema Constitucional Tributário

O Estado Democrático de Direito deve, antes de atender a qualquer chamamento de tutela jurisdicional ao cidadão, estar estreitamente vinculado ao princípio da igualdade. Sem igualdade não se pode almejar nenhum desiderato de democracia, e ademais, um ideal de justiça. Pois, como bem apregoou José Souto Maior Borges, "a isonomia é, na Constituição Federal, o protoprincípio – o mais originário na ordem do conhecimento, o outro nome da Justiça".

Manifesta-se então a extrema supremacia de tal princípio, sendo este, contudo, disciplinador e organizador de todo um aparato de prerrogativas voltadas ao proveito da coletividade. Ressalta-se que a isonomia, bem como os demais princípios fundamentais, não podem ser tangidos por reforma constitucional e sequer ser objeto de qualquer espécie de deliberação (art. 60, § 4º, CF), compondo-se assim como cláusula pétrea, imutável. A sua abrangência não está apenas apoiada em meandros esparsos e específicos da Lei Maior, e sim permeia implicitamente todos os regramentos, aderindo e incorporando-se a ela.

Na obra República e Constituição, Geraldo Ataliba delineou sobre o tema salientando que:

"A igualdade é, assim, a primeira base de todos os princípios constitucionais e condiciona a própria função legislativa, que é a mais nobre, alta e ampla de quantas funções o povo, republicamente, decidiu criar. A isonomia há de se expressar, portanto, em todas as manifestações de Estado, as quais, na sua maioria, se traduzem concretamente em atos de aplicação da lei, ou seu desdobramento. Não há ato ou forma de expressão estatal que possa escapar ou subtrair-se às exigências da igualdade".

"Com efeito, por via do princípio da igualdade, o que a ordem jurídica pretende firmar é a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas. Para atingir este bem, este valor absorvido pelo Direito, o sistema normativo concebeu fórmula hábil que interdita, o quanto possível, tais resultados, posto que, exigindo igualdade, assegura que os princípios genéricos, os abstratos e atos concretos colham a todos, sem especificações arbitrárias (...)".

O art. 5º, caput e inciso I da Constituição Federal, enquadrando-se junto aos direitos e deveres individuais e coletivos, expressamente enunciam o princípio da igualdade. Primeiramente, coube ao texto constitucional afirmar a isonomia de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Logo após, reforça o princípio destacando especificamente que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.

O princípio da igualdade deve estar atado ao princípio da legalidade. Este dará guarida à isonomia que deverá eternamente perpetrar entre cidadãos e Estado, pois não poderá haver na lei nenhuma prerrogativa que possa beneficiar alguns em contraposição a outros. Toda e qualquer legislação deverá buscar e permear os atalhos agasalhadores da igualdade entre os indivíduos. Portanto, "a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar eqüitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes".

No tocante à igualdade tributária propriamente dita, desperta-se para uma redundância necessária entalhada pela Constituição de 1988. Necessária porque não bastou o regramento mencionado pelo art. 5º para que houvesse a garantia da isonomia dos contribuintes perante a tributação. Trata-se de um desenvolvimento da justiça distributiva peculiar ao ônus fiscal que se inscreve expressamente no corpo da Carta Federal, revestindo-se como um princípio constitucional tributário, aplicável a todos os tributos.

Tal princípio adstrito à atividade fiscal encontra-se explicitamente previsto dentre as limitações constitucionais ao poder de tributar. Sendo assim, é vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por ele exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, inciso II, CF).

Denota-se que o poder de tributar deve atender primordialmente limites intrínsecos no tratamento isonômico conferido aos contribuintes. O sistema constitucional repele qualquer situação em que indivíduos numa mesma "categoria" econômica sejam tributados de forma desigual, enquanto aqueles que apresentam características diversas submetidos a uma tributação uniforme. Contudo, o legislador destinou tratamento igualitário a todos os sujeitos passivos que se equiparam financeiramente.

Corrobora Roque Antonio Carraza que:

"A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo tratamento tributário. Será inconstitucional – por burlar ao princípio republicano e ao da isonomia – a lei tributária que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras, ocupantes de idênticas posições jurídicas".

Percebe-se que o imposto não pode ser objeto de incidência sobre um número ínfimo de contribuintes, deixando a salvo alguns demais que se encontram em circunstâncias pares. É mediante a tributação que os entes federativos obtêm recursos financeiros capazes de gerir toda a vida pública da unidade tributante. O Estado, dessa forma, não poderá nunca se abster de cumprir os direitos de igualdade em que obrigatoriamente deverão encontrar seus contribuintes, mesmo que seja necessário utilizar-se de medidas que possam vir a trazer descontentamento a um contingente específico, mas que, sobretudo, atenda toda uma coletividade eqüitativamente.

O tributo estará sempre destinado a atingir o bem comum de toda a sociedade, sendo "certo que a igualdade diante da imposição tributária, não significa que todos devem ser tratados da mesma forma. Como decorrência de tal princípio, todos aqueles sujeitos passivos da obrigação tributária que se encontram na mesma situação devem ser tratados da mesma forma igualitária".

Na concepção de Luiz Emygdio F. da Rosa Jr.

"O princípio da igualdade tributária comporta duas vertentes: a generalidade e a uniformidade dos tributos. Pela generalidade se entende que todos devem pagar tributo sem haver desigualdades fiscais. A uniformidade significa que os tributos devem ser repartidos entre os cidadãos com critérios idênticos. A igualdade tributária decorre da natureza jurídica da relação entre Fisco e contribuinte, constituindo-se em um reforço ao principio da legalidade tributária, porque ao enunciar que todos são iguais perante a lei fiscal, está se reiterando o princípio pelo qual o tributo só pode ser instituído por lei formal".

Assim sendo, o gravame tributário deve estar sempre emoldurado pelos requintes da isonomia, guiado e aplicado no intuito de não lesar a harmonia entre os direitos do Estado e individuais de cada cidadão. Esta correlação atende às diversas prerrogativas constitucionalmente abraçadas pelo ordenamento jurídico, visando primordialmente resguardar os interesses coletivos mensurados na distribuição da riqueza e da justiça social.

2.2 A capacidade contributiva na Constituição Federal e os impostos reais/pessoais

Em consonância ao princípio da igualdade tributária desdobra-se o princípio da capacidade contributiva. "O cerne da justiça em matéria de tributos está, pois, em afirmar que a lei fiscal deve tratar os cidadãos de modo ‘igual’ e que a igualdade necessariamente relativa, tem como padrões ou critérios a capacidade contributiva".

Diante disso que, para uma completa efetividade do princípio da igualdade, deve ser almejada a mensuração da capacidade contributiva do sujeito passivo. Permite-se dessa forma, uma melhor identificação dos indivíduos tributados, aplicando-lhes, conseqüentemente, um gravame fiscal que melhor se aproprie à sua posição financeira. Tal princípio é de fundamental importância na aplicação das relações entre o fisco e o contribuinte, constituindo-se no alicerce central do Estado Democrático de Direito nas relações jurídico-tributárias.

Perante a capacidade contributiva, visa-se que cada indivíduo venha contribuir para com a coletividade em função de sua respectiva força econômica, levando em consideração a riqueza e o ônus de cada tributo. Ademais, é mediante tal princípio, atrelado ao da igualdade, que surge o poder atuante e controlador do contribuinte perante o Legislativo e o Judiciário no intento de desautorizar qualquer forma de tributação pervertida.

Luciano Amaro, tecendo considerações acerca da importância de tal princípio, assim dispôs:

"O princípio da capacidade contributiva inspira-se na ordem natural das coisas: onde não houver riqueza é inútil instituir imposto, do mesmo modo que em terra seca não adianta abrir poço à busca de água. Porém, na formulação jurídica do princípio, não se quer apenas preservar a eficácia da lei de incidência (no sentido de que esta não caia no vazio, por falta de riqueza que suporte o imposto); em vez disso, quer-se preservar o contribuinte, buscando-se evitar que uma tributação excessiva (inadequada à sua capacidade contributiva) comprometa os seus meios de subsistência, ou o livre exercício de sua profissão, ou a livre exploração de sua empresa, ou o exercício de outros direitos fundamentais, já que tudo isso relativiza sua capacidade econômica".

Preceitua o art. 145, § 1º, da Carta Magna, que

"Art. 145 -.... ..............................

(...)

§1º - sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".

Os impostos, consoante elucidação do mencionado dispositivo legal, são antagonizados pela distinção segundo a qual podem ter caráter pessoal ou real diante de sua respectiva hipótese de incidência. Assim, tem-se como impostos pessoais aqueles que visam levar em consideração certos aspectos juridicamente qualificados dos possíveis sujeitos passivos, recaindo essencialmente sobre sua pessoa, mediante as características financeiras concernentes a cada indivíduo. Neste mesmo sentido, corrobora Aliomar Baleeiro que "os impostos pessoais, ou subjetivos, são regulados por critérios que contemplam a individualidade do contribuinte. As condições personalíssimas deste são elementos que se integram na formação do fato gerador e determinam variações para mais, ou menos, na fixação do quantum a ser reclamado pelo fisco".

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De outro lado, tem-se como reais, impessoais ou objetivos aqueles impostos assentados sobre a materialidade da coisa tributável, em que não se toma como parâmetro mediador a pessoa do contribuinte. Para Bernardo Ribeiro de Moraes, imposto real é aquele que:

"(...) é calculado sem atender as condições pessoais do contribuinte, ou melhor, ignorando por completo a situação individual do contribuinte (o imposto grava uma riqueza dada ou uma situação da mesma maneira, qualquer que seja o sujeito passivo). Os impostos reais gravam o contribuinte tendo em vista apenas a matéria tributável, segundo seus caracteres objetivos específicos, independentemente das condições econômicas, jurídicas, pessoais ou de família, relativas ao contribuinte. A alíquota tributária é fixada exclusivamente em função apenas das circunstancias materiais da situação de fato prevista em lei".

A exata informação que o preceito normativo contido no artigo 145, § 1º quis trazer é assunto de extrema controvérsia doutrinária, principalmente no tocante à aplicabilidade da expressão "sempre que possível". Diante da classificação ora aludida entre impostos subjetivos e objetivos, são diversos os autores que asseveram ser a mencionada expressão aplicável somente ao caráter pessoal, e não à capacidade contributiva. Ressaltam que todos os impostos, sem exceções, devem sempre ser graduados e estar adstritos à capacidade econômica do contribuinte. Nestes termos, leciona Américo Lacombe, citado por José Maurício Conti:

"A primeira observação é que a expressão sempre que possível só pode referir-se ao caráter pessoal dos impostos. Não é de ser conectada com a expressão seguinte, vale dizer, graduação segundo a capacidade econômica do contribuinte. Isto porque a graduação dos impostos segundo a capacidade econômica é um corolário lógico do princípio da igualdade, e, assim sendo, a sua referência expressa é totalmente despicienda. A conclusão, portanto, é que os impostos deverão ser graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte".

Hugo de Brito Machado, também citado por José Maurício Conti, leciona que "realmente, a expressão sempre que possível diz respeito apenas à atribuição de caráter pessoal aos impostos. Não à graduação destes segundo a capacidade econômica dos contribuintes (...)". Conclui dizendo que "por isto não temos dúvida em afirmar que o sentido da cláusula sempre que possível contida no art. 145, par. 1º, da Constituição Federal, é o de permitir a existência de impostos sem caráter pessoal, e não o de permitir imposto que não seja graduado segundo a capacidade econômica do contribuinte".

No entanto, indo a desencontro com as assertivas mencionadas, Luciano Amaro apontou que "‘sempre que possível’ – como diz a Constituição –, o imposto deve levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte. A expressão ‘sempre que possível’ cabe como ressalva tanto para a personalização como para a capacidade contributiva. Dependendo das características de cada imposto, ou da necessidade de utilizar o imposto com finalidades extrafiscais, esses princípios podem ser excepcionados".

Do mesmo modo, o Ministro Moreira Alves elucida que:

"Em face desse dispositivo, não se pode pretender que a expressão ‘sempre que possível’ se refira apenas ao caráter pessoal do imposto, e que, por isso, o princípio da capacidade contributiva seja aplicável a todos os impostos ainda quando não tenham caráter pessoal (...). De feito, a parte final do dispositivo em causa repele essa conclusão, porque a Constituição atribui à administração tributária a faculdade de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, ‘especialmente para conferir efetividade A ESSES OBJETIVOS’, ou seja, ao objetivo de que os impostos, se possível, tenham caráter pessoal e ao de que esses impostos com caráter pessoal sejam graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, certo como é que essa faculdade de identificação só tem sentido quando se trata de imposto de caráter pessoal (...)".

Diante de tais considerações, merecem respaldo os posicionamentos sustentados por Luciano Amaro e o Ministro Moreira Alves. Como bem colacionaram, a capacidade contributiva não pode ser objeto de aplicação sobre todos os impostos indistintamente, pois haverá situações em que as características peculiares concernentes a alguns demonstrarão sua inaplicabilidade. A classificação exposta maneja que os impostos, sempre que isso seja possível, terão caráter pessoal, caso em que conseqüentemente poderão ser graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.

Portanto, embora seja o princípio da capacidade contributiva aquele que tende a adequar o gravame fiscal a seu respectivo contribuinte, tem-se que não serão todos os impostos que poderão a ele estar vinculado. Os tributos mensurados a partir do critério real coadunam com tal assertiva, pois estes demonstram inexoráveis à não viabilidade de sua utilização como instrumento que possibilite a mensuração da riqueza do sujeito passivo, justamente pela sua configuração de contemplar um conjunto de bens ou rendimentos e não uma pessoa individualmente.

2.3 O princípio da progressividade na relação jurídico-tributária

A graduação crescente de um imposto está efetivamente vinculada ao que se denomina de progressividade. Este princípio consiste no aumento da carga tributária, mediante a majoração da alíquota (percentual), na medida em que também haja o aumento da base tributável, ou seja, da base de cálculo. Expressa De Plácido e Silva que a "progressividade (qualidade, caráter e condição do que é progressivo), caracteriza-se pelo aumento crescente da tarifa ou dos elementos, que servem de base à verificação do imposto, em razão do aumento da cota ou da riqueza, em que vai incidir".

A progressividade é um verdadeiro instrumento no qual se coaduna a realização do princípio da capacidade contributiva, sendo essencial na formação de uma eqüitativa redistribuição da riqueza, dando êxito ao princípio magno da igualdade. Porém, não são todos os autores que se vertem a tal entendimento. Este princípio demonstra-se bastante controverso justamente por causa dos efeitos que lhe são peculiares ante o aspecto econômico adstrito a uma sociedade.

Para Elizabeth Nazar Carrazza, "a progressividade, longe de ser danosa ao sistema, é a única forma encontrável para que se afastem as injustiças tributárias, vedadas pela Constituição Federal. Sem tributação progressiva jamais se atinge a igualdade tributária". De mesma sorte, assevera Sandra A. Lopes Barbon acentuando que a progressividade "é um instrumento dentre tantos outros à disposição do estado democrático de direito para a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária. É utilizado de forma ampla, especialmente no imposto sobre a renda das pessoas físicas ou naturais".

Portanto, em inteira contradição delineada pelos entendimentos acima, discrepa a doutrina que imoderadamente desaprova a taxação progressiva de alíquotas. Para estes, a progressividade seria um desestímulo aos investimentos, pois induziria o contribuinte receptor de maiores ganhos a uma tributação excessiva, ocasionando o aumento de custo e redução da produção de novos bens.

Stuart Mill, registrado por José Maurício Conti, apontou que "taxar as rendas mais altas em uma porcentagem maior do que as rendas menores significa impor um tributo à iniciativa e à parcimônia, impor uma penalidade a pessoas por terem trabalhado mais duro e economizado mais do que seus vizinhos". Neste sentido, Adhemar João de Barros preconiza que "todo imposto representa um ato de espoliação. A progressividade do imposto permite a uma maioria de cidadãos espoliar mais particularmente, por intermédio de seus representantes, uma minoria da população, sob o pretexto de Justiça Social". Diante desse contexto, ambos desenvolvem suas severas críticas consoante a progressividade, com a eloqüência de fortes argumentos que deixam pairar realmente dúvidas a respeito da efetiva justiça fiscal a ela atribuída.

Entretanto, embora não seja contemplada de unanimidade, a verossimilhança deduzida pelos defensores da progressividade como propulsor do desenvolvimento da justiça fiscal alastrada pela capacidade contributiva e pela isonomia é a corrente majoritária. O outro posicionamento baseia-se numa ilustração pouco retrógrada, também fomentada por expressivos autores, mas que não está plenamente em consonância com a economia de mercado e com as discrepantes desigualdades sociais contempladas no mundo atual. Nada mais justo que os possuidores de uma capacidade contributiva elevada paguem mais em contraposição àqueles que percebam uma menor riqueza.

É cabível discordar, todavia, que o ordenamento constitucional pátrio admita a progressão de alíquotas a todos os imposto inseridos no sistema tributário indistintamente, como logram alguns doutrinadores. Conforme anteriormente aduzido, não são todos os tributos que se harmonizam com o princípio da capacidade contributiva e conseqüentemente ao da progressividade, pois suas essências não possibilitam tal desatino. É o caso dos impostos reais, que pelas suas particularidades impares não condizem com a graduação de suas alíquotas justamente pela impossibilidade de se mensurar exatamente a verdadeira capacidade contributiva de seu sujeito passivo. Aliomar Baleeiro, tecendo comentários acerca do assunto, opinou que:

"Em regra geral, só os impostos pessoais se ajustam adequadamente à aplicação de critérios progressivos medidos pela capacidade contributiva, se bem que esta se possa presumir da natureza, valor e aplicação específica de determinada coisa, no sentido de que a possui, compra ou prefere o indivíduo de maiores recursos econômicos. Mas imposto sobre coisa, em princípio, exclui, por exemplo, a progressividade em atenção à pessoa, salvo casos de aplicação extrafiscal".

Deduz-se então que a progressividade é pertinente, na maioria das vezes, apenas aos tributos que pela sua natureza comportem tal modalidade de graduação, diante da certeza absoluta consubstanciada na personalização do imposto, da capacidade econômica do contribuinte. A graduação também poderá ser objeto que possibilite contemplar de maneira adequada a aplicação extrafiscal de um determinado imposto, atendendo finalidades diversas da mera fiscalidade do poder estatal de arrecadar.

A fiscalidade tende apenas prover o Estado de meios financeiros adequados ao seu custeio. O fim é precipuamente voltado à arrecadação, visando angariar recursos para "sustentar" a máquina pública com o intuito de realizar as atividades que lhe são incumbidas. Neste mesmo sentido, definiu Eduardo Marcial Ferreira Jardim que a "fiscalidade é o exercício da competência tributária com o desígnio eminentemente arrecadatório. Exprime manifestação legítima do Estado, uma vez que os tributos traduzem a sua principal fonte de recursos". De certo, perante a aplicação da progressividade fiscal de alíquotas num determinado imposto, procura-se abarcar majoritariamente aqueles que possuírem uma maior riqueza, diante de seu aspecto pessoal mensurado em consonância com a sua capacidade econômica.

Quanto a extrafiscalidade, com muita propriedade aduz Ruy Barbosa Nogueira que:

"O Estado pode, em benefício da coletividade, regular a atividade econômica, fazendo uso de seu poder de polícia para limitar o exercício da liberdade pelos particulares. Tal poder pode ser exercido, também, por meio da tributação, produzindo efeitos diversos, como fomentar uma determinada atividade ou restringí-la ( e até mesmo impedí-la, se ilícita). Por outro lado, o Estado também pode, em razão de seu ius imperii, interferir nas relações econômicas cobrando tributos das pessoas que a ele se submetem, como forma de obter os recursos necessários ao desenvolvimento normal de sua ampla gama de atribuições".

Desse modo, almeja-se na graduação de alíquotas com caráter meramente extrafiscal uma ação do Estado em que se intervem na economia com o intento de estimular ou até mesmo desestimular comportamentos voltados à satisfação da coletividade. Trata-se de uma variação, seja ela progressiva ou não, voltada inteiramente para uma Política Fiscal governamental. Pouco importa a capacidade econômica do contribuinte, tornando-se relevante apenas a finalidade para a qual está imbuído o interesse regulador do Estado.

Nesse contexto, torna-se prudente analisar ainda que a progressividade não é a única forma de se estabelecer a discriminação entre contribuintes. Conforme amplamente avençado, não são todos os impostos que se coadunam ao princípio da progressão de alíquotas, autorizando assim a legislação tributária dispor de mecanismos que melhor se adeque à diferenciação e aperfeiçoamento da arrecadação fiscal. Dessa forma, a tributação poderá, conforme a peculiaridade do imposto a incidir, variar ou permanecer constante, atentando-se ao que se denominam de regressividade, seletividade e proporcionalidade.

A graduação regressiva é oposta à graduação progressiva. Na regressividade ocorre um decréscimo das alíquotas à medida que aumentam as dimensões ou intensidades da base calculável. A relação entre o quantum devido e o montante da riqueza tende a diminuir. Já na tributação proporcional, não ocorre nenhuma forma de graduação que possa acarretar no aumento ou diminuição da alíquota que deverá incidir sobre a base de cálculo do imposto. A relação permanece constante.

De outro lado, o princípio da seletividade funciona como um mecanismo alternativo em que prevê uma seleção de alíquotas de acordo com a essencialidade de produtos ou mercadorias colocadas à disposição do consumidor/contribuinte. Nestes termos, "o encargo financeiro representado pelo tributo, repercute no valor final do produto industrializado ou do bem posto em comércio. Quando estes produtos ou bens são considerados essenciais, devem sofrer tributação menor. Isto não decorre da maior ou menor capacidade contributiva do chamado contribuinte de direito, mas, sim, das necessidades objetivas daquele que adquire o produto ou o bem". É o caso, por exemplo, do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS.

Embora adstritos ou não a alguma modalidade de variação em suas alíquotas, nenhuma espécie de imposição tributária poderá destituir o contribuinte de parte de seu patrimônio sob o argumento infante de se estar cobrando imposto. É por isso que a Carta Magna expressamente invocou que nenhum tributo será utilizado com efeito confiscatório (art. 150, IV), garantindo ademais o direito de propriedade (art. 5º, XXII e art. 170, II). Embora a lei autorize a instituição de tributos, deverá este estar sempre adstrito a esta limitação ao poder de tributar conferido ao Fisco.

É salutar que os tributos devam traduzir uma cessão compulsória de recursos dos contribuintes ao Estado, tornando-se essa transferência legítima, com nenhum efeito que possa ponderar alguma caracterização de confisco. Assim, não se objetiva dessa forma outorgar à propriedade uma proteção de forma absoluta contra a incidência do tributo, e sim a preservação da capacidade contributiva do sujeito passivo.

No entanto, torna-se custosa a estipulação que visa traçar os limites plausíveis da cobrança de um tributo sem que esteja avançando no patrimônio privado. Embora a Lei Maior não viabilizou parâmetros para mensurar o efeito confiscatório de um tributo, já que a Lei Complementar que deveria fixar esse percentual não veio a lume, coube à doutrina prontamente dispor a respeito. Aires Fernandino Barreto alude que "poder-se-á dizer que há confisco sempre que houver afronta aos princípios da liberdade de iniciativa, ou de trabalho, ofício ou profissão, bem assim quando ocorrer absorção, pelo Estado, de valor equivalente ao da propriedade imóvel ou quando o tributo acarretar a impossibilidade de exploração de atividades econômicas".

Dessa forma, o ato de apropriação deverá ser submetido aos caracteres peculiares de cada sujeito passivo e medido num patamar que venha estatuir uma tributação desvairada e sobejamente injusta, nos moldes de poder causar insuportabilidade financeira junto à condição econômica do contribuinte lesado.

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Sobre o autor
Luis Fernando Simões Tolentino

Assessor de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Público pela Associação Nacional dos Magistrados (ANAMAGES)/Instituto Izabela Hendrix e Direito Público Municipal pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)/Centro de Estudos Estratégicos em Direito do Estado (CEEDE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLENTINO, Luis Fernando Simões. A inconstitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU ante as decisões do STF e a Emenda Constitucional nº 29. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4163. Acesso em: 22 dez. 2024.

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