Como ensinou o pensador italiano Antonio Gramsci – no livro Cadernos do Cárcere, volume III, “Nicolau Maquiavel”, 2000 – há formas mais cruentas e outras mais sutis de golpear ou manipular o poder do Estado. Um desses tipos foi denominado de cesarismo e, mais precisamente, retrata o uso/extensivo de forças legais e ilegítimas de se conquistar o Poder Político. No passado, o general romano Caio Júlio César foi o grande mestre do “golpe político-militar”. No presente, pode bem ser o Poder Legislativo a serviço de forças anti-republicanas e fascistas.
Um cesarismo sem grande líder poderia ser o que se denominou, hodiernamente, por ditadura legislativa; uma ante-sala do golpe constitucional, em que os grupos de poder monopolizam o Poder Legislativo para acirrar a crise política que anula o Executivo. Como acentua Gramsci: “Pode ocorrer uma solução cesarista mesmo sem um César, sem uma grande personalidade ‘heróica’ e representativa. Também o sistema parlamentar criou um mecanismo para tais soluções de compromisso” (2000, p. 77).
Quando o Estado de Direito regressivo edita continuamente tipos penais de claro interesse no controle da diversidade social, é exemplo desse cesarismo constitucional: o grande capital procura estabelecer hegemonia institucional através da atividade legisferante; especialmente se o Executivo cria dificuldades, opondo-se por meio de políticas públicas de anseio popular.
Há que se frisar que sempre se flerta com a solução militar para debelar a crise sistêmica, política e econômica, sob a bandeira da “intervenção militar” em suas várias roupagens. A intervenção de força extrema ocorreria no caso de falhar a manipulação legislativa sob o condão do Estado de Direito já repressivo. O apoio popular vem como resposta ao eco demagógico, populista, salvacionista que, por sua vez, fortalece o recrudescimento do fascismo na cultura popular (a “cristofobia” como crime hediondo, no Estado Penal, é típico). Portanto, o câmbio político, sob o cesarismo constitucional (ou bonapartismo soft) – sem condottieri estabelecido no ápice da força política golpista – apresenta várias formas de pressão/altercação sobre a força política que exerce o Poder Executivo: impeachment (golpe constitucional); renúncia; intervenção política civil ou militar.
Sob esse prisma, observam-se quatro caminhos claros: I. Manipulação política das grandes massas não-esclarecidas (pela mídia); II. Dominação do aparato legislativo (controle do miolo constitucional para enfraquecer o Estado de Direito, com “pautas bomba”, e assim acirrar a crise institucional); III. Controle repressivo, com forte conotação policial do Estado de Direito para se manter a “lei e a ordem” do capital (“criminalização das relações sociais”); IV. Por fim, mas não menos importante, como reserva de poder para se manter o status quo, pode-se recorrer à intervenção civil (impeachment) ou militar (Golpe de Estado, quartelada).
Este é o cenário político que temos no Brasil atual e qualquer uma dessas saídas pode ganhar fôlego se as forças anti-democráticas e contra a República (fascistas) não forem debeladas. Em qualquer dessas formas da tipologia política, o cesarismo equivale a um profundo retrocesso no processo civilizatório - no pouco que se construiu no país.
Há muitas maneiras de se golpear o poder.
Professor. Livre-Docente do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da UNESP/Marília.
Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).
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