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A responsabilidade civil do médico por erro estético.

Até que ponto o médico pode ser considerado culpado?

Agenda 16/08/2015 às 16:45

Diante dos diversos casos de erro médico em procedimentos estético-cirúrgicos, quisemos estudar o tema para entendê-lo.

A intenção deste trabalho é se empenhar no estudo da responsabilidade civil do médico por erro estético. Vale ressaltar que seu referencial de consulta ou pesquisa está no campo da Responsabilidade Civil, especificamente, na área da medicina estética.

Antes de mais nada, o tema da responsabilidade civil do médico por erro estético ultrapassa o campo de incidência do Direito, chegando a tocar profundamente regras afeitas à vida social como um todo. Trata-se, portanto, o tema de um fenômeno a um só tempo jurídico e social.

Nos tempos mais remotos da história humana, diante de qualquer ato que levasse a alguma lesão física por parte do profissional da medicina, o lesado ou os seus familiares praticavam contra essa lesão a vingança privada, ou seja, o lesado ou os seus parentes ou amigos reagiam contra o considerado médico supostamente, ou de fato, responsável. Sendo assim, relatos históricos revelam que na maioria das vezes a reação era desarrazoada e desproporcional.

Cronologicamente, só houve uma evolução nesse direito, a nosso ver, desproporcional, com o surgimento da chamada Lei de Talião, que preconizava o lema “Olho por olho, dente por dente”. Desse modo, se antes não havia necessariamente correspondência entre os atos ação-reação, vale dizer, a lesão por erro médico e a vingança privada, já que uma pequena lesão - erro médico - poderia ter como reação por parte da vítima ações que levassem até mesmo a morte do médico. Depois da referida lei, correspondência entre as ações passou a existir.

Evoluindo consideravelmente no tempo e chegando aos dias correntes, a discussão desse tema é o nosso principal foco. Mais do que nunca, os erros médicos vêm se repetindo e se tornando mais frequentes, em virtude da procura desenfreada por elevados, mas nem sempre compreensíveis, padrões de beleza. Procura essa que aumenta a probabilidade de erros por parte dos profissionais da medicina que atuam no ramo estético.

O que justifica ainda a escolha deste tema para o nosso trabalho acadêmico são as acaloradas e intermináveis discussões em relação à reparação do dano estético e do dano moral causado pelo profissional da medicina.

A propósito deste tema a doutrina e a jurisprudência têm se posicionado no sentido de que a obrigação de ressarcimento de dano por parte do médico cirurgião dá-se tão somente em casos de comprovado exame pericial.

A nossa intenção ao abordar este tema da responsabilidade civil por erro médico não é criticá-lo apenas, mas sim pesquisar o que a pessoa vítima de uma irresponsabilidade de um profissional da medicina pode fazer,como fazer e onde buscar ajuda.

A responsabilidade civil resultada violação de um direito, seja contratual ou extracontratual, na qual resulta em dano, moral ou patrimonial, com dolo ou culpa, atendendo aos seguintes requisitos em regra: culpabilidade, dano e nexo de causalidade.

De acordo com as lições de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:

[...] a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas. (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012, p.53).

A responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva. Subjetiva é a responsabilidade na qual se deve comprovar a culpa do agente causador do dano. Já na objetiva, o agente responde independentemente de culpa.

Nesse sentido, ensina César Fiúza:

[...] A primeira é a teoria subjetiva, aplicada como regra, pelos arts. 186/927 do Código Civil. Subjetiva, porque parte do elemento subjetivo, culpabilidade, para fundamentar o dever de reparar. Assim, só seria responsável pela reparação do dano aquele cuja conduta se provasse culpável. Não havendo culpa ou dolo, não há falar em indenização. Na ação reparatória, devem restar provados pela vítima a autoria, a culpabilidade, o dano e o nexo causal. (FIÚZA, 2010, p.738-739).

O dano causado ao paciente, em caso de culpa, além da previsão do art. 951, encontra-se como fundamento no art. 186 do Código Civil de 2002, em que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

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A responsabilidade civil do médico consiste numa relação contratual, que, muitas vezes, caso seja descumprida, incorre no caso da responsabilidade contratual, prevista no art.389, passível de indenização, conforme arts. 927 e 951, ambos do Código Civil de 2002:

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

A obrigação decorre de um vínculo entre as partes, credor e devedor, em que existem deveres a serem observados por ambos. Caso um destes deveres ou obrigações não seja cumprido, surgirá, assim, a responsabilidade pela falta do cumprimento. No contrato de prestação de serviços entre médico e paciente, o primeiro assume a obrigação de prestar aquele serviço (objeto ou prestação), e, o segundo, de pagar o serviço realizado e cumprir as orientações do médico para que o serviço mantenha seu êxito, o restabelecimento da saúde do paciente. Caso haja o descumprimento de uma das obrigações, incorre em responsabilidade.

De acordo com Sérgio Cavalieri Filho:

[...] Se alguém se compromete a prestar serviços profissionais a outrem, assume uma obrigação, um dever jurídico originário. Se não cumprir a obrigação (deixar de prestar serviços), violará o dever jurídico originário, surgindo daí a responsabilidade, o dever de compor o prejuízo causado pelo não cumprimento da obrigação. Em síntese, em toda obrigação há um dever jurídico originário, enquanto que na responsabilidade há um dever jurídico sucessivo [...] (CAVALIERI FILHO, 2010, p.02).

O tema é controverso e não é um assunto recente, desde a antiguidade é discutido. O que a história narra é que antes não havia proporcionalidade entre o erro médico e a pena/vingança que ele sofria por parte do paciente e de seus familiares. Essa vingança privada desproporcional em consequência do erro médico só mudou depois do Código de Hammurabi (2067-2025 a.C).

A leitura do Código de Hammurabi esclarece como era delicada a prática médica naqueles tempos. Seguem in verbis os parágrafos da Lei XLII do referido código direcionados aos profissionais da medicina:

215 - Se um médico trata alguém de uma ferida com lanceta de bronze e o cura ou se ele abre a alguém uma incisão com a lanceta de bronze e o olho é salvo, ele deverá receber dez siclos.

216 - Se é um liberto, ele receberá cinco siclos.

217 - Se é o escravo de alguém, o seu proprietário deverá dar ao médico dois siclos.

218 - Se um médico trata alguém de uma grave ferida com lanceta de bronze e o mata, ou lhe abre uma incisão com a lanceta de bronze, e o olho fica perdido, dever-se-lhe-á cortar as mãos.

219 - Se o médico trata o escravo de um liberto de uma ferida grave com a lanceta de bronze e o mata, deverá dar escravo por escravo.

Avançando no tempo, chegamos à modernidade e percebemos que os erros médicos são mais frequentes, porém as soluções são outras.Não só no Brasil, mas também no mundo, a cada dia que passa, crescem as demandas jurídicas por parte de pacientes insatisfeitos com os serviços prestados por seus médicos. Desse modo, esse tema vem ganhando status de tema jurídico polêmico.

No Brasil, em particular, diante dos inúmeros casos que o Judiciário recebe diariamente, a legislação empregada para a solução de tais casos é a Civil, especificamente a que se denomina Responsabilidade Civil. Infelizmente, nosso Código Civil não trata sistematicamente da responsabilidade civil por erro médico especificamente.

Desse modo, é preciso que a relação problemática que existe entre paciente e médico seja sanada nos campos do Direito Civil e do Direito do Consumidor. Nesse sentido, pessoas que antes eram deixadas à mercê por parte do Poder Público diante de erro médico, atualmente são amparadas pelo referido poder e pela própria sociedade.

Os erros médicos têm se apresentado com índices cada vez maiores, ações contra médicos que cometem erros em seus atendimentos e procedimentos abarrotam e assoberbam o Judiciário, não concebível que o Estado e a sociedade ignorem o que está acontecendo.

O erro médico, segundo precisas e técnicas lições de Grácia Cristina Moreira do Rosário, pode ser tipificado em seis modalidades:

I - erros e acidentes de anestesia (o risco da anestesia não pode ser maior que o risco da cirurgia);

II - erros de diagnóstico (operar uma mulher grávida, como portadora de fibroma, levando-a à morte);

III - erros de tratamento (continuar tratamento que cause perturbações neurológicas ao doente);

IV - erros de prognósticos;

V - erros de perícia médica (prognóstico que formula, em perícia a incapacidade laborativa do paciente por seis meses, quando, na realidade, a incapacidade em razão das lesões ocorridas deverá permear um período de dois anos);

VI - a falta de higiene (a omissão das regras de higiene após o procedimento cirúrgico). (MOREIRA DO ROSÁRIO, 2004, p.119).

Por fim, o Conselho Federal de Medicina prevê a responsabilidade civil de seus profissionais, nos seguintes termos:

“Capítulo III – É vedado ao médico

Art. 1º - Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.

Parágrafo único.A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida” (CFM, 2009).

Por tudo isso, importa cobrar do Conselho Federal de Medicina mais atenção e cuidado por parte da entidade, passando ela a orientar melhor seus membros, exigindo também que o Código de Ética Médica seja respeitado, e não passe apenas de mais uma legislação que não é cumprida como deveria no Brasil.

REFERÊNCIAS

BAÚ, Marilise Kostelnaki. O contrato de assistência médica e a Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

BLOISE, Walter. A Responsabilidade Civil e o Dano Médico. Legislação, Jurisprudência, Seguros e o Dano Médico. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2010

COUTO FILHO, Antônio Ferreira; SOUZA, Alex Pereira. A improcedência no Suposto Erro Médico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999.

FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 10.ed.Revisada, atualizada e ampliada. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de Direito Civil, volume III: responsabilidade civil.14.ed.Editora Saraiva. 2012.

GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade Médica – As obrigações de meio e resultado: avaliação, uso e adequação.Curitiba: Juruá, 2002.

ROSÁRIO, Grácia Cristina Moreira do. Responsabilidade Civil na Cirurgia Plástica. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004.

Sobre o autor
Rodrigo Fagundes Portella

Acadêmico do 10º período do curso de Direito (Faculdade Luciano Feijão - Sobral/CE) e professor de Língua Portuguesa...

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Investigar na doutrina e na jurisprudência o conceito de responsabilidade civil, uma vez que ela é a principal legislação aplicada em casos de erro médico; Entender como se procedia na antiguidade diante de algum ato médico que resultasse em dano físico ou moral contra o paciente.

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