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A mudança paradigmática do CPC de 2015 à luz do princípio do estímulo estatal à autocomposição

Agenda 17/08/2015 às 16:31

Com o advento do CPC de 2015, e, à luz do princípio do estímulo estatal à autocomposição, a audiência de conciliação ou mediação ganha protagonismo na nova sistemática processual civil pátria.

INTRODUÇÃO

Ao iniciar a leitura do Novo Código de Processo Civil (Lei 13105/2015), é possível observar que o Capítulo I, do Título Único, do Livro I, se dedica a apresentar, ao longo dos seus doze artigos, as normas fundamentais sobre as quais se assentará a nova sistemática processual civil brasileira, a vigorar a partir de 18 de março de 2016.

No rol destas normas fundamentais estruturantes, é possível extrair diversos princípios, a exemplo do princípio da duração razoável do processo (art. 4º), da boa-fé objetiva (art. 5º), da cooperação (art. 6º), da isonomia (art. 7º), dentre outros.

Ao lado destes princípios, surge com ineditismo na sistemática processual civil pátria, o princípio do estímulo estatal à autocomposição, outrora denominado princípio da conciliabilidade (de vasta aplicabilidade na seara trabalhista), que se traduz num esforço do Estado, demonstrado através de expressa letra normativa, no sentido de privilegiar a negociação acima do conflito.

Decerto, no elenco das normas fundamentais que dão sustentação à nova sistemática processual civil, o princípio do estímulo estatal à autocomposição se extrai do texto dos parágrafos 2º e 3º, do art. 3º, do CPC/2015. Vejamos o que estabelecem estes dispositivos:

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito

§1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.

2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

A concretização material do princípio do estímulo estatal à autocomposição se observa em diversas regras espalhadas pelo CPC/2015. Contudo, uma dessas regras merece especial destaque, uma vez que representa, de maneira clara, a mudança paradigmática que o novo código proporciona, à luz do referido princípio, em relação à sistemática processual adotada no CPC de 1973.

A AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU DE MEDIAÇÃO

O art. 334 do Novo Código de Processo Civil, que disciplina a audiência de conciliação ou de mediação, cuja designação passa a ser o primeiro ato do magistrado que recebe a petição inicial apta a dar início ao procedimento judicial. Vejamos a redação do caput do aludido verbete:

Art. 334 Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

Para efeito de comparação, acerca da mesma temática, vejamos o texto do art. 285 do CPC de 1973:

Art. 285 Estando em termos a petição inicial, o juiz a despachará, ordenando a citação do réu, para responder; do mandado constará que, não sendo contestada a ação, se presumirão aceitos pelo réu, como verdadeiros, os fatos articulados pelo autor.

Com efeito, ao confrontar os dois dispositivos transcritos acima, é possível perceber, com tranquilidade, a mudança paradigmática impressa pelo CPC/2015, na medida em que o caput do art. 334 escancara a preferência do legislador pela autocomposição.

Assim, a partir da entrada em vigor do CPC/2015, ao contrário do quanto previsto no CPC/1973, o primeiro ato do magistrado ao receber a petição inicial apta a inaugurar a marcha processual, não mais será o quase monossilábico despacho “Cite-se”. Ao invés disto, caberá ao juiz designar audiência de conciliação ou de mediação, oportunizando às partes, devidamente acompanhadas de seus advogados ou defensores públicos (vide §9º, do art. 334 do CPC/2015), um primeiro contato antes do oferecimento da contestação.

Nesta audiência, o protagonismo absoluto é das partes (podendo ser constituído representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir, nos termos do §10, do art. 334) que deverão aproveitar a oportunidade para tentar solucionar a questão de acordo com a autonomia da vontade de cada um.

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Além das partes, a audiência de conciliação ou mediação deverá contar com a atuação necessária de conciliadores ou de mediadores, conforme o caso, profissionais capacitados (mediante cursos de formação) em cada uma das modalidades de autocomposição, que deverão auxiliar as partes, de maneira imparcial, no sentido de se alcançar a solução autônoma do conflito, que se obtida, deverá ser reduzida a termo e homologada por sentença (§11º, do art. 334 do CPC/2015).

Neste particular, caso se faça necessária a realização de mais de uma rodada de negociação com o objetivo de pôr fim ao processo mediante a autocomposição, o §2º do art. 334 do CPC/2015 prevê expressamente tal possibilidade, condicionando a realização destas rodadas extras de negociação ao prazo, improrrogável, de 02 (dois) meses a contar da data de realização da primeira sessão.

De se registrar, ainda, que as hipóteses de não realização desta audiência inaugural de conciliação ou mediação possuem expressa previsão (taxativa) no §4 do art.334 do CPC/2015, de modo que somente não ocorrerá quando a demanda não admitir autocomposição ou quando as partes, autora e ré (inclusive em caso de litisconsórcio), expressamente, manifestarem desinteresse na composição consensual (vide, a propósito, os §§ 5º e 6º do aludido verbete).

Para finalizar, importante destacar o §8º do art. 334 do CPC/2015, que consolida o esforço estatal no sentido de introjetar na sociedade a cultura da solução de conflito mediante a autocomposição. Vejamos a sua redação:

Art. 334 [...]

§1º [...]

[...]

§8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.

[...]

A respeito da ausência injustificada da parte à audiência de tentativa de conciliação, oportuno registrar que esta regra do §8º acima transcrito, representa mudança radical em relação à atual construção jurisprudencial majoritária até então, que interpreta a ausência injustificada da parte como mera manifestação tácita de desinteresse em conciliar, conforme se demonstra, a título meramente exemplificativo, o julgado abaixo transcrito, in verbis:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. TAXAS CONDOMINIAIS. NÃO COMPARECIMENTO À AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. DESINTERESSE NA COMPOSIÇÃO AMIGÁVEL DA LIDE. TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL VIA PROCURAÇÃO. AUSÊNCIA DE REGISTRO. DÉBITO EXIGÍVEL DO LEGÍTIMO PROPRIETÁRIO. 1. CONQUANTO SE TENHA POR CONFIGURADA A DESÍDIA EM FACE DO NÃO COMPARECIMENTO DO AUTOR À AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO, A TEOR DO ART. 51, INC. I DA LEI 9.099/95, EM SE TRATANDO DA JUSTIÇA COMUM, AINDA QUE A CAUSA COMPORTE O PROCEDIMENTO SUMÁRIO, NÃO EXISTE DISPOSIÇÃO LEGAL ESPECÍFICA, E A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DESTE TRIBUNAL É NO SENTIDO DE QUE A AUSÊNCIA DO AUTOR OU DO SEU ADVOGADO APENAS DENOTA A AUSÊNCIA DE INTERESSE NA COMPOSIÇÃO AMIGÁVEL. 2. A OBRIGAÇÃO DE PAGAR AS TAXAS CONDOMINIAIS, ENQUANTO NÃO TEM O CONDOMÍNIO CONHECIMENTO ACERCA DA TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL, PERMANECE COM A PESSOA QUE FIGURA NO REGISTRO IMOBILIÁRIO COMO PROPRIETÁRIO. 3. RECURSO DESPROVIDO.[1]

Assim, com a entrada em vigor do CPC/2015, fica expressamente superado este entendimento, passando a ausência injustificada da parte à audiência inaugural de conciliação ou mediação a ter consequências negativas, de natureza pecuniária, aos interesses da parte faltosa.

CONCLUSÃO

O Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) inaugura uma nova sistemática processual civil no país, fundada a partir de normas fundamentais elencadas do art. 1º ao 12º do novo codex.

Das referidas normas, é possível extrair alguns princípios fundamentais que influenciam na interpretação das regras estabelecidas ao longo do código, dentre eles o princípio do estímulo estatal à autocomposição, cuja concretude material se encontra expressa no art. 334 do novo código, que disciplina a audiência de conciliação ou de mediação.

Referido verbete e seus parágrafos, representam importante mudança paradigmática trazida pelo Novo CPC, à luz do referido princípio do estímulo estatal à autocomposição, na medida em que a audiência de conciliação ou de mediação, deixou de ser mero figurante e passou a ser importante personagem no sistema processo civil pátrio.


[1] TJ-DF - APL: 57947220108070004 DF 0005794-72.2010.807.0004, Relator: MARIO-ZAM BELMIRO, Data de Julgamento: 01/06/2011, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: 16/06/2011, DJ-e Pág. 109

Sobre o autor
Pedro Henrique Silva Santos de Braga

Advogado, Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Baiana de Direito, Membro do Conselho Consultivo dos Jovens Advogados da OAB/BA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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