RESUMO: A pretensão deste trabalho é analisar a Política Pública de Assistência Social, como serviço público especificamente na Proteção Especial de Média Complexidade, por meio do Centro de Referência Especializada de Assistência Social – CREAS e o papel do advogado no Sistema Único de Assistência Social, para que possa atuar como agente de acesso aos direitos sociais, executando os serviços socioassistenciais na gestão e nos equipamentos socioassistenciais, conforme preconiza a Política Nacional de Assistência Social – PNAS.
Palavras chaves: Advogado. CREAS. Assistência Social
1 INTRODUÇÃO
É notória a incorporação da Assistência Social no tripé da seguridade social, em conjunto com a saúde e previdência social, estabelecidas na Constituição Federal (CF) de 1988 (BRASIL, 1988), desencadeando a Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS/1993 (BRASIL, 1993) e sucessivamente outros marcos normativos. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por meio da Norma Operacional Básica – Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS) e a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos NOB-RH/SUAS, procura fomentar novas discussões sobre a gestão do trabalho e principalmente dos trabalhadores que compõem as equipes técnicas.
A Política de Assistência Social, na perspectiva do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), baseia-se na garantia de direitos sociais, defesa da justiça social e de comprometimento profissional, na qualidade dos serviços prestados a usuários, sendo que para alcançar estes ideais é fundamental ter um corpo técnico funcional e específico na gestão do SUAS, além de qualificado, para que haja o rompimento com a histórica subalternidade.
Neste viés, ressalta-se então a necessidade de discutir o papel do advogado na gestão do SUAS, em destaque o papel do advogado na Proteção Social Especial de média complexidade no Centro Especializado de Assistência Social – CREAS.
Busca-se no presente projeto identificar a importância da atuação do advogado na Gestão do SUAS como um dos técnicos que podem garantir o acesso aos direitos socioassistenciais, além de identificar qual a demanda de atuação do advogado na estrutura da gestão do SUAS.
Dispõe o artigo 3º da Resolução Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), nº 17 de 20 de junho de 2011: “São categorias profissionais de nível superior que, preferencialmente, poderão compor a gestão SUAS: (...) Advogado (...)” sendo exigido no art. 4º o diploma do curso devidamente credenciado pelo Ministério da Educação e o registro profissional no respectivo Conselho.
No entanto, existem muitos desafios na temática que envolve os trabalhadores no SUAS para a concretização da política de assistência social. Entre eles o desafio das Secretarias Municipais de Assistência Social de inserir o advogado na Gestão do SUAS para auxiliar no acesso a direitos socioassistenciais de forma indireta, pois este profissional, atuando de maneira interdisciplinar com assistentes sociais e psicólogos, proporciona uma qualificação nos serviços oferecidos pelo órgão gestor da assistência.
Para que isso se concretize é necessária à qualificação e perfil adequado do advogado, para exercer a função de advogado social. Para ultrapassar esta barreira faz-se necessária a inclusão nas universidades e faculdades de direito a matéria obrigatória sobre o Sistema Único de Assistência Social, pois raramente existe o foco de estudo nesta área, o que dificulta a inserção do advogado nas equipes de gestão.
2. DIREITO E ASSISTÊNCIA SOCIAL
A Assistência Social é uma política pública que foi debatida por muito tempo pelos profissionais da Psicologia e do Serviço Social. Nos últimos anos os operadores do direito foram se inserindo lentamente no debate.
Esta política tem a sua formação, como já foi explanado na Constituição Federal de 1988, e seu aprimoramento por meio das Conferências Municipais, Estaduais e Nacional, que trazem as propostas de melhoria desta política pública para o debate em todas as esferas da sociedade.
Vista muitas vezes com o caráter “assistencialista”, ou “política pública para os pobres”, a assistência social não despertava interesse dos operadores do direito, o que é de se espantar, considerando que essa política visa à garantia de direitos, mas não é discutida no mundo acadêmico. Leis como Maria da Penha, Estatuto do Idoso, Estatuto da Criança e adolescente, Lei Orgânica da Assistência Social, Política Nacional de Integração da Pessoa com Deficiência, dentre outras, na maioria das vezes, passam despercebidas ou são pouco comentadas nos anos percorridos pela graduação.
O direito, que antes era visto como um “favor” está cada vez mais se solidificando como direito fundamental implementado no cotidiano das famílias brasileiras e amparado pela legislação, muito embora haja um distanciamento entre o direito previsto e o implementado no cotidiano.
O direito social está sempre em um processo de avanço, permeados pelas discussões: “se o Direito Social é norma de eficácia plena contida ou restrita e se têm aplicabilidade imediata”, como observa Coutinho (2014, p. 49) em sua análise do papel do direito e do jurista na assistência social. O autor ainda defende a negligência entre as normas constitucionais e as políticas públicas:
[...] Existe outra parte, na qual os constitucionalistas – e aí faço a primeira provocação – em geral, negligenciam ou não mostram muito interesse, que é a relação entre princípios e normas constitucionais e as políticas públicas. Porque, afinal de contas, sem políticas públicas bem implantadas, não há eficácia qualquer do direito social. De modo que, a Constituição não passa de uma bela declaração de boa vontade (COUTINHO, 2014, p. 49).
Destarte, que mesmo havendo em nossa Constituição um capítulo específico sobre direito social, não havia o interesse dos operadores do direito em avançar na discussão das políticas públicas de assistência social, o que começa a ocorrer somente em 1993, com Lei Orgânica da Assistência Social e continua percorrendo o seu caminho até hoje em dia, agora com a inserção dos operadores também na discussão.
Sob essa ótica nasce o Direito Social no âmbito da assistência social, que poderá ser exercido pelo advogado social, assim como existe o psicólogo social.
O advogado social irá atuar para defender a garantia dos direitos dos usuários da política de Assistência Social, seja na Proteção Básica ou na Proteção Especial, visando otimizar os custos e benefícios desta política, realizando com os encaminhamentos e acompanhamento as demais políticas públicas.
Coutinho (2014) define direito social como o debate cheio de dilema sobre a justiça distributiva de maneira pública e transparente, considerando os arranjos institucionais e as políticas públicas, sempre considerando os custos e benefícios da política.
Ainda segundo Coutinho (2014), o Direito Social tem como função os encaminhamentos para a rede intersetorial e rede socioassistencial de atendimento, em uma das ferramentas de acesso, devendo estas redes conversarem entre si para que possam ter a eficiência e eficácia no serviço público prestado ao cidadão/usuário.
A ligação entre os serviços socioassistenciais e o direito administrativo são muito fortes, uma vez considerado um direito fundamental. Justen Filho conceitua:
Direito fundamental consiste em um conjunto de normas jurídicas, previstas primariamente na Constituição e destinadas a assegurar a dignidade humana em suas diversas manifestações, de que derivam posições jurídicas para os sujeitos privados e estatais. (JUSTEN FILHO, 2014, p. 175).
O Direito Social busca, por meio das normas norteadoras, a garantia de dignidade humana, determinando os direitos e obrigações do Estado nas esferas municipais, estaduais e Federal, bem como do próprio usuário da Política de Assistência Social.
Portanto, o autor trata muito bem a concepção de direitos fundamentais sociais, trazendo as responsabilidades da comunidade, entidades públicas e entidades privadas, com a finalidade de reduzir as desigualdades. A Constituição, em seu artigo 3º, I, remete a uma sociedade solidária, porém, é algo muito abstrato, que irá se concretizar com a política pública de assistência social, que se utiliza dos programas, projetos, serviços e benefícios assistenciais, como exemplo o Programa Bolsa Família do governo federal.
No Art. 3º, III, da Constituição Federal de 1988, a eliminação da pobreza e a redução das desigualdades são preconizadas, a fim de realizar a integração de categorias econômicas, e esta depende de uma convivência harmônica no território onde a comunidade/usuário da assistência social está inseridos, que geralmente é de vulnerabilidade e risco social.
Garantia de acesso aos direitos é outra ferramenta que é instrumentalizada pela legislação pertinente ao Sistema Único de Assistência Social – SUAS.
3. POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
A noção de políticas públicas se estabelece ao longo do trajeto histórico e cultural até chegar ao modelo que conhecemos hoje, onde o sistema capitalista influencia diretamente a relação entre mercado e o Estado e ainda a maneira que os indivíduos se organizam na sociedade em que vivem.
Nota-se que na segunda metade do século XX surge o neoliberalismo, que determina a conglobação de capital. Segundo Branco (2005, p. 21), “caracteriza-se por defender a liberdade individual [...], o individualismo, a propriedade privada absoluta e incondicional e uma estrutura política na qual o predomina um Estado Mínimo”.
Portanto, é este molde de Estado que estabelece as regras de renda e a acessibilidade dos indivíduos aos bens de consumo, ao direito à habitação, educação, à alimentação, assistência social e saúde.
A sociedade busca uma transformação, mas precisa de agentes que sejam os facilitadores desta alteração com o intuito de quebrar antigos paradigmas e trazer novas ideias para a administração pública para assegurar o acesso à política pública de assistência social como um direito social de interesse coletivo.
Com a Constituição de 1988, institui-se oficialmente o sistema de seguridade social brasileira. A seguridade constitui-se pelo tripé: saúde, previdência e assistência social.
No que se refere à Política de Assistência Social, foco deste estudo, no Art. 203 da Constituição Federal, a assistência social é prestada a quem dela precisar, independente da contribuição, esse preceito obriga o Estado a garantir a todos os cidadãos o direito à proteção social.
Em 1993, a Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS – nº 8.742 foi aprovada. A assistência social inicia seu trânsito para um campo novo: o campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal, conforme estabelecido pela Constituição Federal. Portanto, buscando romper com a lógica do atendimento da assistência social na perspectiva assistencialista, paternalista e caridosa, prestada em especial pela igreja e pelas primeiras-damas.
Foi instituída em 1998, a Política Nacional de Assistência Social – PNAS – com o intuito de organizar o sistema descentralizado e participativo. No entanto, pode-se observar que ainda assim, o perfil da Assistência Social apresentava aspectos de desarticulação, fragmentação e focalização das ações socioassistenciais.
No caso brasileiro, onde se registra um acúmulo histórico de desigualdade social, a inclusão social implica na organização de políticas públicas por meio da oferta de serviços universalizantes e de redistribuição de renda e, no caso específico da Assistência Social, ações que promovam a igualdade, a acolhida, o convívio e o rendimento das famílias em situação de vulnerabilidade social.
A política pública de Assistência Social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, considerando as desigualdades socioterritoriais.
A intersetorialidade deve expressar a articulação entre as políticas públicas, por meio de ações conjuntas destinadas à proteção social básica e especial e ao enfrentamento das desigualdades sociais identificadas nas distintas áreas (COUTO, 2010, p. 39).
Nota-se que essa articulação entre as políticas públicas deve garantir várias ações podem ser planejadas em conjunto para que atendam as necessidades dos usuários da Política Pública de Assistência Social, que não deixam de estar inseridos nas demais políticas, pois quem utiliza a assistência social, utilizam-se também da educação, saúde, cultura, esporte e lazer. A Política Nacional de Assistência Social estabelece quem são as pessoas que podem ser atendidas:
Constituem o público usuário da Política de Assistência Social cidadãos e grupos que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos, tais como: famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnicos, culturais e sexuais; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e/ou, no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advinda do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social. (BRASIL, 2004, p. 33).
A abrangência de atendimento não leva em consideração apenas os indivíduos que possuem renda baixa, mas toda e qualquer pessoa que esteja em situação de risco social e/ou violação de direitos, independentemente de sua classe social, grupo étnico e gênero. Em resumo, a Política Pública de Assistência Social está à disposição de quem dela precisar, sem a necessidade de nenhum tipo de contribuição. Para atender este escopo, houve a necessidade de vários avanços a fim de garantir o acesso.
O Sistema Único de Assistência Social (SUAS), cujo modelo de gestão é descentralizado e participativo, constitui-se na regulação e organização em todo território nacional dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais, de caráter continuado ou eventual, executados e providos por pessoas jurídicas de direito público, sob critério universal e lógica de ação em rede hierarquizada, e em articulação com iniciativas da sociedade civil.
O SUAS permite especialmente, a articulação de serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais, a universalização de acessos territorializados e a hierarquização de serviços por níveis de complexidade e porte de municípios, com repactuação de responsabilidades entre os entes federados (BATTINI, 2007, p. 61).
A partir da articulação entre serviços, programas, projetos e benefícios, destacamos que os benefícios socioassistenciais ofertados na política de assistência social deverão, necessariamente, estar integrados/articulados ao atendimento/acompanhamento das famílias nos serviços, programas e projetos. Não é possível a continuidade da concessão de benefícios eventuais às famílias, na lógica do SUAS, sem a articulação com os serviços.
A implantação da PNAS e do SUAS tem liberado, em todo o território nacional, forças políticas que, não sem resistência, disputam a direção social da assistência social na perspectiva da justiça e dos direitos que ela deve consagrar, a partir das profundas alterações que propõe nas referências conceituais, na estrutura organizativa e na lógica de gestão de controle das ações na área (COUTO, 2010, p. 38).
Além disso, o SUAS define e organiza os elementos essenciais e imprescindíveis à execução da política pública de assistência social, possibilitando a normatização dos padrões nos serviços. Esses padrões nos serviços, programas e projetos possibilitam a qualidade no atendimento na Política de Assistência Social e a participação do usuário.
Nesta perspectiva, as estratégias e procedimentos técnicos adotados requisitam processos de politização geral e modalidades interventivas consistentes [...], com impacto político-pedagógico nos projetos de vida que, em detrimento do reforço e controle das identidades subalternizadas socialmente, ativem [...] potencialidades na realidade cotidiana que favorecer patamares superiores de saberes e práticas com protagonismo popular. (BATTINI, 2007, p. 160).
O SUAS foi organizado em proteção social básica e proteção social especial de média e alta complexidade. A proteção social básica com foco na prevenção e trabalho social com famílias. A proteção social especial de média complexidade atende as famílias com violação de direitos, já a proteção social especial de alta complexidade atende as famílias, quando do rompimento do vínculo familiar.
3.1 GESTÃO DEMOCRÁTICA DO SUAS
A gestão do SUAS possui como elementos democratizadores os indicadores de avaliação, como por exemplo, o registro mensal de atendimento, censo SUAS, aplicados pelo monitoramento e avaliação, que muitas vezes não são eficazes no sentido de apresentar um panorama fidedigno da realidade e com toda esta estrutura existe a necessidade também da verificação de sua eficiência e eficácia, ou seja, até que ponto está de fato havendo uma modificação nas vidas dos usuários, quais são os instrumentos utilizados na gestão democrática e como os profissionais desta organização (SUAS - Sistema Único de Assistência Social) atuam de forma a garantir o acesso a direitos aos usuários?
Segundo Nogueira (2011, p. 199) as organizações estão em constante mudança e muitas vezes não conseguem atingir o objetivo de agregar os integrantes de forma digna e produtiva, causando assim o “sofrimento organizacional”.
Estarão as organizações hoje, neste mundo que não cessa de se reconfigurar, sendo capazes de vincular seus integrantes, de dar a eles um direcionamento consistente e uma vida profissional minimamente digna e produtiva, preenchendo ao mesmo tempo os requisitos básicos para cumprir alguma função social merecedora de registro? (NOGUEIRA, 2011, p. 199).
O sofrimento organizacional, segundo Nogueira (2011), ocorre quando as coisas não funcionam da forma que deveriam e não existe força para modificar, a incerteza e a insegurança são fatores que bloqueiam a criatividade, tornando as rotinas dos profissionais improdutivas; nada mais é que um círculo vicioso organizacional.
O “sofrimento organizacional” não é mais que um subproduto do mal-estar geral em que se parece viver. Não anuncia a morte nem o caos inevitável, mas convulsiona a vida cotidiana, as consciências individuais e as culturas organizacionais. Para ser enfrentando de modo positivo, requer assimilação de novos hábitos e procedimentos, uma conversão nos termos mesmos da vida organizada, uma recuperação de certas tradições perdidas e, antes de tudo, a produção em série de recursos humanos inteligentes. (NOGUEIRA, 2011, p. 200).
O sofrimento organizacional está relacionado à cultura complexa das organizações e não necessariamente a organizações mal estruturadas, mas sim pelo fato da não interação do aparato administrativo com os profissionais que atuam na organização, que consequentemente mergulham em um mal-estar coletivo, com a sensação de que nada funciona e que não há nada a fazer, logo deixando de garantir o acesso aos direitos dos usuários que busca na organização (SUAS) um meio de acessar a política pública de assistência social.
Como exemplo de sofrimento organizacional, pode-se citar a insuficiência de investimentos compartilhados; manutenção de vínculos precarizados, baixos salários, demandas territoriais ampliadas devido à falta de planejamento, o que gera uma superexploração; práticas gerenciais burocráticas, falta de estrutura física para execução dos serviços, a inexistência de mesa de negociações, a falta de condições institucionais para a garantia de direitos no atendimento aos usuários, dentre outros.
Diante deste contexto, cabe fomentar a discussão sobre a realidade dos advogados e sua atuação no SUAS, sobre as determinações dos processos de precarização das condições de trabalho e as estratégias necessárias para a ampliação da gestão democrática, identificando as dificuldades de inserção do advogado na Proteção Social Especial, especificamente no Centro de Referência Especializada de Assistência Social – CREAS, para que seja sujeito garantidor de acesso aos direitos assistências pelos usuários da política pública de assistência social.
3.2 ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAIS
Cabe ressaltar que a Assistência Social é originalmente uma prestação de serviços públicos, o que se revela imprescindível para a consolidação dos direitos socioassistenciais à luz da ordem jurídica. Outro não é o entendimento sustentado no estudo sobre serviços públicos no Brasil, realizado pelo Prof. Augusto Neves Dal Pozzo (POZZO, 2012, p. 42):
[...] todos os serviços públicos que se prestam a tornar efetivos os direitos sociais ganham importância transcendente. Com efeito, à medida que os direitos sociais são alçados à condição de direitos fundamentais, cria-se paralelamente, para o Estado, o dever de concretizá-los, por meio da prestação dos serviços públicos de educação, de saúde, de previdência, de lazer, entre outros.
Como serviço público não pode haver interrupções, ou seja, deve ser ofertado de forma continuada para garantia de seu acesso, considerando o princípio da continuidade, onde o gestor público/administração não tem a prerrogativa de optar na oferta ou não de determinado serviço, deverá cumprir a lei e garantir que a população tenha à sua disposição os serviços organizados pela Política Pública de Assistência Social.
O princípio da continuidade estabelece que a prestação dos serviços públicos deve ser contínua e que a continuidade consiste em estímulo ao Poder Público para que persiga o aperfeiçoamento e a extensão dos serviços.
Neste particular, o princípio da continuidade dos serviços públicos deve ser observado em conjunto com o princípio da eficiência. Além disso, esse princípio veda a interrupção dos serviços públicos, o que causaria verdadeiro colapso em diversas atividades particulares; no entanto, o princípio da continuidade não é absoluto, submetendo-se a determinadas exceções, a saber: o inadimplemento do usuário na hipótese de serviço público singular remunerado por tarifa; a interrupção dos serviços em hipóteses de necessidade de reparos e obras; e o direito de greve dos servidores públicos; que revelam controvérsia na doutrina e na jurisprudência brasileira.
Especificamente sobre os serviços na política de assistência social, a definição feita pela Lei. 8.742/1993 Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (BRASIL, 1993) que estabelece a divisão de ações da assistência social em Gestão dos serviços e Proteção Social:
3.2.1 A gestão dos serviços
Considerando que o SUAS é um sistema público não contributivo, descentralizado e participativo é de atribuição da Secretaria Municipal de Assistência Social, assim como os demais entes federados (União, Estados e DF), a responsabilidade de implementar, regular, cofinanciar e ofertar serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social em todo o território nacional, como dever do estado e direito dos usuários dos serviços.
3.2.2 Proteção Social Básica – PSB
Dedicada a prevenir riscos sociais e pessoais, fomentar o desenvolvimento de potencialidade e aquisições, visa ainda fortalecer vínculos familiares e comunitários, ofertando os programas, projetos, serviços e benefícios aos usuários dos serviços e suas famílias, quando se encontram em situação de vulnerabilidade social. Estas ações têm como foco a matricialidade familiar e a territorialidade e são ofertados nos equipamentos sociais denominados CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, por meio do Serviço de Proteção Integral à Família (PAIF).
3.2.3 Proteção Social Especial – PSE
Tem como propósito o atendimento a famílias e/ou usuários que estejam em situação de risco, tendo seus direitos violados por meio de episódios de maus-tratos, abandono, abuso sexual, uso e abuso de drogas, violências, dentre outras situações.
A PSE subdivide em PSE de média complexidade e de alta complexidade. De média complexidade possui o equipamento que oferta os serviços, o CREAS, por meio do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI).
PSE de alta complexidade consiste no Serviço de Acolhimento Institucional, ofertado nos abrigos Institucionais, casas-lar, casa de passagem, residências inclusivas e repúblicas. Cada Proteção Social tem os seus respectivos serviços, que estão definidos pela Resolução nº 109 de 11 de novembro de 2009, a Tipificação nacional dos Serviços Socioassistenciais (BRASIL, 2009). Este documento é de suma importância uma vez que delimita as ações de assistência social.
3.3 O PAPEL DO ADVOGADO NO CREAS
Antes de debater sobre o papel do advogado nos Centros de Referências Especializados de Assistência Social, cabe entender a função social do Advogado. Como o advogado é indispensável para administração da justiça, pode-se declarar que é o responsável pela manutenção do organismo social, pois promove a prestação jurisdicional, realizando a interpretação do ordenamento jurídico da sociedade brasileira.
Porto (2008) refere-se ao advogado como: “instrumento social de convivência comunitária” e “médico do organismo social”, expressões estas que traduzem a grande responsabilidade do advogado dentro da sociedade, pois, com seu vasto conhecimento técnico consegue difundir as leis na vida dos indivíduos.
O autor ainda afirma que os sistemas jurídicos, após a Revolução Francesa, tiveram como prerrogativas defender os interesses individuais, deste modo, cabe ao advogado proteger a sociedade civil, principalmente com A decadência do liberalismo em face do Estado do Bem Estar Social (Well Fare State) essa proteção amplia-se a classes, grupos sociais e profissões; nasce aí a tutela dos direitos difusos ou coletivos.
Na esteira do triunfo e de uma luta eterna pela garantia dos direitos, sempre considerando os princípios e garantias constitucionais, o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, reconhece o advogado como profissional importante para efetivação dos direitos socioassistenciais em parceria com assistentes sociais e psicólogo/as, com o intuito de interação com as demais políticas públicas.
No caso concreto, qual o papel do advogado no CREAS? Como ainda não existe um estudo específico que possa fundamentar-se para responder ao questionamento, a resposta terá como base a pesquisa realizada e apresentada a seguir. A mesma aponta algumas das atribuições do profissional no CREAS:
· Orientação jurídico-social à equipe referência;
· Estudo de caso dos serviços junto à equipe de referência;
· Realização de acompanhamento especializado, por meio de atendimentos familiar, individual ou em grupo;
· Realização de visitas domiciliares às famílias acompanhadas pelo CREAS, quando necessário;
· Trabalho em equipe interdisciplinar;
· Participação em capacitações e formação continuada da equipe do CREAS, reuniões de equipe, estudos de casos e demais atividades correlatas;
· Participação de reuniões para avaliação das ações e resultados atingidos e para planejamento das ações a serem desenvolvidas, para a definição de fluxos, instituição de rotina de atendimento e acompanhamento dos usuários, organização dos encaminhamentos, fluxos de informação e procedimentos;
· Ações de mobilizações e enfretamento;
· Acompanhamentos dos casos junto ao Sistema de Garantias de Direitos.
Esses são alguns papéis exercidos pelo advogado nos CREAS do Estado de Santa Catariana, muito embora existam outros papéis que equivocadamente estão sendo realizados pelo advogado:
· Ingresso de ações na área da família, tais como, investigação de paternidade; alimentos; execução de alimentos; divórcio (sem bens a partilhar); dissolução de união estável (sem bens a partilhar); Guarda; responsabilidade e Tutela.
· Ingressar com pedido de Medidas Protetivas Lei Maria da Penha, ações de Interdição, bem como, realizar defesa em Ações de Destituição do Poder Familiar.
Defende-se neste trabalho que não é papel do advogado ingressar com ações enquanto profissional da equipe de referência do CREAS, devido a violações de direitos, sendo necessária uma discussão ampla com os profissionais.
Pois, uma vez que não havendo o entendimento da política pública a qual está inserido, poderá confundir com a atuação em escritórios de advocacia, o que não é o caso.
4 CONSIDERAÇÕES
O arcabouço normativo da Assistência Social vem sendo construído e aprimorado, por isto a importância de estudos deste processo, inclusive na área do Direito, a fim de resguardar os cidadãos na aquisição das garantias socioassistenciais afiançadas pela Constituição Federal e subsequentes determinações legais.
Ademais, o papel do advogado neste contexto é fundamental para salvaguardar que estes direitos afiançados sejam ofertados na perspectiva da proteção social.
Ao analisar os dados coletados e percebendo o referencial teórico desta pesquisa, pode-se perceber a importância da inserção do advogado na Política Pública de Assistência Social, em especial nos Centros de Referência Especializada de Assistência Social - CREAS.
Observou-se que o trabalho do advogado, em parceria com assistentes sociais, psicólogo/as, e demais profissionais do SUAS, proporcionam a interação da assistência social com as demais políticas públicas (saúde, previdência, educação, trabalho, lazer, meio ambiente, segurança, habitação, alimentação e outras), para acesso dos cidadãos aos seus direitos sociais, incluso civis e políticos.
A presente pesquisa tem o objetivo de aproximar o advogado para que compreenda seu papel neste contexto da Assistência Social e do SUAS.
É importante estabelecer, minimamente, um conjunto de atribuições e parâmetros voltados ao desenvolvimento de ações de prevenção, promoção, proteção e de desenvolvimento do restabelecimento do direito ameaçado ou violado dos usuários, além do que, a pesquisa pode ofertar subsídios técnico-jurídicos às Prefeituras Municipais, quando definirem o perfil do advogado para ocupar as funções na Política Pública de Assistência Social.
Os advogados comparados com os profissionais da psicologia e do serviço social aparecem em menor número e com forma de vínculos e contratação fragilizados, que não garantem a continuidade dos serviços.
Outro ponto que não foi objeto de pesquisa, mas que deve ser debatido e analisando é o fato de que as universidades e faculdades de direito, em seus cursos de graduação e pós-graduação, não preparam os acadêmicos para atuação na Assistência Social.
O objetivo desta pesquisa, portanto, é evidenciar o papel do advogado no Sistema Único de Assistência Social e, além disso, encontrar as fragilidades para uma maior inserção deste profissional nesta Política. Contudo, acredito que esta pesquisa abre precedentes para a reflexão da formação do advogado, podendo assim contribuir em um ensino mais significativo, por meio da política pública de assistência social, oportunizando a reflexão e redefinição de conceitos que abrangem o contexto dos direitos sociais.
Nesta ótica, como membro da Comissão de Assistência Social da Ordem dos advogados do Brasil – Santa Catarina (OAB-SC) (CAS/OAB/SC), e trabalhador da gestão do SUAS no município de Criciúma, participo da discussão, que visa estabelecer o papel do advogado no SUAS; fomentar os concursos públicos para advogado, com fins específicos para política pública de assistência social e por último, a inserção de conteúdos pertinentes nos cursos de graduação e pós-graduação.
Existem ainda muitos desafios de pequeno, médio e longo prazo para serem discutidos com os três entes federados. Esta discussão se dá por meio das Conferências de Assistência Social nos três níveis, das Conferências surgem demandas muito importantes, como o repasse regular do cofinanciamento federal e estadual aos municípios, o aumento do cofinanciamento, pois na maioria os município arca com a maior parte do recursos.
Ainda, existe uma grande necessidade de adequação das equipes técnicas de todos os serviços, que muitas vezes não estão de acordo com a NOB/RH SUAS, o motivo das não contratações e/ou realização de concursos públicos esbarram na Lei de responsabilidade fiscal, onde as folhas de pagamento dos municípios estão no limite, o que ocasiona a precarização dos serviços e, por consequência, o sofrimento organizacional.
Muitos municípios apresentam a dificuldade de um sistema informatizado específico para assistência social, pois em pleno século XXI ainda existem cadastros, Plano Individuais, dentro outros relatórios e documentos feitos de maneira manuscrita e o motivo é a falta de estrutura física (computadores, internet) que dificultam este avanço.
Pelo motivo dos equipamentos estarem em áreas de vulnerabilidade social (periferias), a exclusão digital também é um grande desafio para as equipes e, consequentemente para os usuários dos serviços, que ficam prejudicados pela desqualificação e demora na prestação de serviços.
Outro desafio é a necessidade de apoio técnico aos municípios, por meio de ações da gestão estadual e da gestão federal, com intuito de instrumentalizar ações para a melhoria da gestão municipal de assistência social, como por exemplo: a apoio na implantação dos conselhos municipais, vigilância socioassistencial, mesa de negociações, fórum de trabalhadores, enfim, todos os itens descritos na legislação do SUAS.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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