I – A NECESSIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLITICAS PÚBLICAS PELO JUDICIÁRIO NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou no dia 27 de agosto do corrente o julgamento de cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, na qual o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) pede que se reconheça a violação de direitos fundamentais da população carcerária e seja determinada a adoção de diversas providências no tratamento da questão prisional do país. Após o voto do relator da ação, ministro Marco Aurélio, concedendo parcialmente a cautelar, o julgamento foi suspenso.
O relator votou no sentido de determinar aos juízes e tribunais que lancem, em casos de determinação ou manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não aplicam medidas alternativas à privação de liberdade; que passem a realizar, em até 90 dias, audiências de custódia, com o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão; que considerem, fundamentadamente, o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de concessão de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal; e que estabeleçam, quando possível, penas alternativas à prisão. À União, o relator determina que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização na finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos.
O ministro Marco Aurélio observou que o tema do sistema prisional está na “ordem do dia” do Tribunal, e tem sido matéria de várias ações, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5170, que discute direito de indenização de presos por danos morais, o RE 592581, que discute a possibilidade de o Judiciário obrigar os estados e a União a realizar obras em presídios, e a ADI 5356, sobre a inconstitucionalidade de norma que estabelece o bloqueio de sinal de rádio e comunicação em área prisional.
De acordo com o ministro, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, que ultrapassava, em maio de 2014, 711 mil presos. “Com o déficit prisional ultrapassando a casa das 206 mil vagas, salta aos olhos o problema da superlotação, que pode ser a origem de todos os males”, disse, assinalando que a maior parte desses detentos está sujeita a condições como superlotação, torturas, homicídios, violência sexual, celas imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida imprestável, falta de água potável, de produtos higiênicos básicos, de acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, bem como amplo domínio dos cárceres por organizações criminosas, insuficiência do controle quanto ao cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gênero e de orientação sexual.
Diante disso, segundo o relator, no sistema prisional brasileiro ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade. “O quadro é geral, devendo ser reconhecida a inequívoca falência do sistema”, afirmou.
Nesse contexto, o ministro declara que, além de ofensa a diversos princípios constitucionais, a situação carcerária brasileira fere igualmente normas reconhecedoras dos direitos dos presos, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção contra a Tortura, além da própria Lei de Execução Penal. De acordo com o relator, a violação aos direitos fundamentais nas prisões tem reflexos também na sociedade e não serve à ressocialização. “A situação é, em síntese, assustadora: dentro dos presídios, violações sistemáticas de direitos humanos; fora deles, aumento da criminalidade e da insegurança social”, disse.
Para o ministro Marco Aurélio, o afastamento do estado de inconstitucionalidade pretendido na ação só é possível diante da mudança significativa do Poder Público. “A responsabilidade pelo estágio ao qual chegamos não pode ser atribuída a um único e exclusivo Poder, mas aos três – Legislativo, Executivo e Judiciário –, e não só os da União, como também os dos estados e do Distrito Federal”, afirmou. Há, segundo ele, problemas tanto de formulação e implementação de políticas públicas quanto de interpretação e aplicação da lei penal. “Falta coordenação institucional”.
Para o ministro, o papel do Supremo diante desse quadro é retirar as autoridades públicas do estado de letargia, provocar a formulação de novas políticas públicas, aumentar a deliberação política e social sobre a matéria e monitorar o sucesso da implementação das providências escolhidas, assegurando a efetividade prática das soluções propostas. “Ordens flexíveis sob monitoramento previnem a supremacia judicial e, ao mesmo tempo, promovem a integração institucional”, concluiu.
II – A ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL
Pode-se entender que a arguição de descumprimento de preceito fundamental brasileira, tal como posta no texto constitucional, tem raízes na Verfassungsbeschwerd, do direito alemão, que funciona como meio de queixa jurisdicional perante o Bundesverfassungericht, almejando a tutela de direitos fundamentais e de certas situações subjetivas lesadas por um ato da autoridade pública.
A discussão que trago à colação diz respeito ao que o artigo 1º da Lei 9882/89 chama de ato do poder público.
.Diz Alexandre de Moraes[1] deve-se ver os fundamentos e objetivos fundamentais da República de forma a consagrar maior efetividade às previsões constitucionais.
Na linha de Klaus Schlaich[2], Alexandre de Moraes observa que devem ser admitidas arguições de descumprimento de preceitos fundamentais contra atos abusivos do Executivo, Legislativo e Judiciário, desde que esgotadas as vias judiciais ordinárias, em face de seu caráter subsidiário.
Em síntese, ainda André Ramos Tavares[3] entende que esse controle abarcaria a fiscalização e possível correção do ato normativo ou do comportamento tido como inconstititucional, inclusive o não normativo, mas oriundo do Estado, seja o Poder Público, como tal, como mais longe, como atuando como particular, quando se despe de suas prerrogativas, equiparando-se a uma entidade privada.
Não há prazo, no Brasil, de ordem decadencial, para o ajuizamento de tal medida de controle constitucional, ao contrário da Alemanha, onde deve ser ajuizada em um mês da violação dos direitos fundamentais. Tal prazo para ajuizar o recurso próprio é de 6(seis) meses a contar da prática, na Áustria.
O Ministro Gilmar Mendes[4] dá exemplos de hipóteses de objeto e de parâmetros de controle:
a) direito pré-constitucional;
b) lei pré-constitucional e alteração de regra constitucional de competência legislativa(incompetência legislativa superveniente)[5]
c) O controle direto da constitucionalidade do direito municipal em face da Constituição Federal;
d) Pedido de declaração de constitucionalidade(ação declaratória) do direito estadual ou municipal e arguição de descumprimento;
e) A lesão a preceito decorrente de mera interpretação judicial;
f) Contrariedade à Constituição decorrente de decisão judicial sem base legal(ou fundada em falsa base legal);
g) Omissão legislativa e controle da constitucionalidade no processo de controle abstrato de normas e na arguição de descumprimento de preceito fundamental[6];
h) Norma revogada[7];
i) Medida Provisória rejeitada e relações jurídicas constituídas durante a sua vigência[8];
j) O controle do ato regulamentar.[9]
Interessa-nos, sobremaneira, a lesão a preceito decorrente de mera interpretação judicial.
Aqui, o ato judicial de interpretação direta de um preceito fundamental poderá conter uma violação de norma constitucional. Nessa hipótese caberá a propositura de arguição de descumprimento de preceito fundamental para afastar a lesão a preceito fundamental resultante de ato judicial do Poder Público. Tal remédio, de lege ferenda, poderia ser ajuizado a par de eventual recurso extraordinário, questionando-se aí a subsidiariedade da medida a tomar.
No caso da contrariedade à Constituição decorrente de decisão judicial sem base legal(ou fundada em falsa base legal), trago, outrossim, a lição do Ministro Gilmar Ferreira Mendes[10], quando diz que se se admite, como expressamente estabelecido na Constituição, que os direitos fundamentais vinculam todos os Poderes e que a decisão judicial deve observar a Constituição e a lei, considera-se que a decisão judicial desprovida de base legal afronta algum direito individual específico, pelo menos na vertente do princípio da legalidade.
Tal decisão haverá de ser insustentável, à luz do sistema juridico vigente, afrontando, frontalmente, direitos e garantias constitucionais.
Presta-se a arguição de descumprimento de preceito fundamental a atacar a interpretação arbitrária da norma legal.
Ainda o Ministro Gilmar Ferreira Mendes[11], à luz do que disse Rüdiger Zuck[12], alude que essa concepção foi estudada pela Corte Constitucional na Alemanha, levando-se à formulação de uma teoria sobre os graus ou sobre a intensidade da restrição imposta aos direitos fundamentais, que admite uma aferição de constitucionalidade tanto mais intensa quanto maior for o grau de intervenção no âmbito de proteção aos direitos fundamentais.
Será o caso de uma decisão judicial transitada em julgado, onde se desconsidere frontalmente, o estatuto constitucional do contribuinte, seja em agressão ao princípio da legalidade, da igualdade, da anualidade, não havendo possibilidade de ajuizamento de ação rescisória.
Aqui não haveria a necessidade de prequestionamento, requisito extrínseco quanto ao ajuizamento de eventual recurso extraordinário.
Tem-se pela leitura do artigo 10, § 3º, da Lei nº 9.882/99, que a decisão de mérito proferida na ADPF terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público.
Registro que uma norma já declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, pode, posteriormente, até em sede de ADPF ser questionada, observando-se o instituto da mutação constitucional. Isso se dá diante de mudanças das concepções jurídicas dominantes, dentro do que se tem como cláusula rebus sic stantibus.
A decisão em arguição de descumprimento de preceito fundamental é dotada de eficácia contra todos.
Realmente o Poder Judiciário não pode se omitir quando os órgãos competentes comprometerem a eficácia dos direitos fundamentais individuais e coletivos.
Há uma situação de calamidade que faz com que as penitenciárias brasileiras se transformassem em “verdadeiros depósitos de pessoas”.
Não há que falar em princípio da separação de poderes uma vez que deve ser levado em conta o principio da inafastabilidade da jurisdição, a teor do que se expressa no artigo 5, XXXV, da Constituição.
III – PROVIDÊNCIAS QUE PODERIAM SER TOMADAS NA SOLUÇÃO DA CRISE DO SISTEMA: IMPLEMENTAÇÃO DE AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA E PENAS ALTERNATIVAS
A superlotação das celas, sua precariedade e sua insalubridade tornam as prisões num ambiente propício à proliferação de epidemias e ao contágio de doenças. Todos esses fatores estruturais aliados ainda à má alimentação dos presos, seu sedentarismo, o uso de drogas, a falta de higiene e toda a lugubridade da prisão, fazem com que um preso que adentrou lá numa condição sadia, de lá não saia sem ser acometido de uma doença ou com sua resistência física e saúde fragilizadas.
Os presos adquirem as mais variadas doenças no interior das prisões. As mais comuns são as doenças do aparelho respiratório, como a tuberculose e a pneumonia. Também é alto o índice da hepatite e de doenças venéreas em geral, a AIDS por excelência. Conforme pesquisas realizadas nas prisões, estima-se que aproximadamente 20% dos presos brasileiros sejam portadores do HIV, principalmente em decorrência do homossexualismo, da violência sexual praticada por parte dos outros presos e do uso de drogas injetáveis.
A isso se soma que, nos casos da lei antitóxicos, portadores de drogas estão sendo tratados como traficantes, quando deviam ser um problema de saúde pública e não estar no sistema penitenciário.
Duas alternativas devem ser vislumbradas. Uma, a curto prazo,, com as chamadas audiências de custódia; outra, com a efetivação das chamadas penas restritivas de direito, no sentido do esvaziamento das penitenciárias, independente de outras medidas e entendimentos que se voltem, de forma estrutural, para a melhoria das condições de vida do povo brasileiro, com eficiência na educação, na saúde etc.
O art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos (também denominada de Pacto de São José da Costa Rica), prescreve que “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (...)”. No mesmo sentido, assegura o art. 9.3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que “Qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais (...)”.
O Brasil aderiu à Convenção Americana em 1992, tendo-a promulgada, aqui, pelo Dec. 678, em 6 de novembro daquele ano. Igualmente, nosso país, após ter aderido aos termos do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) naquele mesmo ano, o promulgou pelo Dec. 592.
A doutrina considera que a denominada audiência de custódia consiste, basicamente, no direito de (todo) cidadão preso ser conduzido, sem demora, à presença de um juiz para que, nesta ocasião: (i) se faça cessar eventuais atos de maus tratos ou de tortura e, também, (ii) para que se promova um espaço democrático de discussão acerca da legalidade e da necessidade da prisão.
O procedimento significa realmente uma mudança cultural que é necessária para atender às exigências dos arts. 7.5 e 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos, mas também para atender, por via reflexa, a garantia do direito de ser julgado em um prazo razoável (art. 5.º, LXXVIII da CF), a garantia da defesa pessoal e técnica (art. 5.º, LV da CF) e também do próprio contraditório recentemente inserido no âmbito das medidas cautelares pessoais pelo art. 282, § 3.º, do CPP. Em relação a essa última garantia – contraditório – é de extrema utilidade no momento em que o juiz, tendo contato direto com o detido, poderá decidir qual a medida cautelar diversa mais adequada (art. 319) para atender a necessidade processual. Mas discute-se: Há realmente necessidade de contraditório na chamada fase inquisitorial, de natureza investigatória?
Fala-se que “são inúmeras as vantagens da implementação da audiência de custódia no Brasil, a começar pela mais básica: ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos . Confia-se, também, à audiência de custódia a importante missão de reduzir o encarceramento em massa no país, porquanto através dela se promove um encontro do juiz com o preso, superando-se, desta forma, a “fronteira do papel” estabelecida no art. 306, § 1º, do CPP, que se satisfaz com o mero envio do auto de prisão em flagrante para o magistrado”, como ensinam Aury Lopes Jr e Caio Paiva.[13]
Em diversos precedentes, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem salientado que o controle judicial imediato assegurado pela audiência de custódia consiste num meio idôneo para evitar prisões arbitrárias e ilegais, já que no Estado de Direito corresponde ao julgador “garantir os direitos do detido, autorizar a adoção de medidas cautelares ou de coerção quando seja estritamente necessário, e procurar, em geral, que se trate o cidadão da maneira coerente com a presunção de inocência”. Já decidiu a Corte IDH, também, que a audiência de custódia é – igualmente – essencial “para a proteção do direito à liberdade pessoal e para outorgar proteção a outros direitos, como a vida e a integridade física”, advertindo estar em jogo, ainda, “tanto a liberdade física dos indivíduos como a segurança pessoal, num contexto em que a ausência de garantias pode resultar na subverção da regra de direito e na privação aos detidos das formas mínimas de proteção legal”, como ainda ensinam Ary Lopes Jr. e Caio Paiva[14]
Argumenta-se que não somente por disposições legislativas podem os direitos previstos na Convenção Americana restar protegidos, senão também por medidas ‘de outra natureza’. Tal significa que o propósito da Convenção é a proteção da pessoa, não importando se por lei ou por outra medida estatal qualquer (v.g., um ato do Poder Executivo ou do Judiciário etc.). Os Estados têm o dever de tomar todas as medidas necessárias a fim de evitar que um direito não seja eficazmente protegido.
Hoje é comum dizer que a prisão é um inferno. Nada mais real e patético. Mas dela não se abre mão nos casos de criminosos dotados de alta periculosidade, que, sob o regime da prisão processual, passam pela prisão preventiva, nos moldes dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.
Mas, a prisão não pode ser vista como uma vingança social.
Pode ser a prisão: perpétua[15], expressamente proibida no Brasil, ou ainda temporária.
Ora, a prisão, tão defendida pelos defensores do chamado direito penal máximo, convive com a certeza de sua patologia, onde cenas dantescas são vistas, em que a chamada ¨lei do mais forte¨é a constituição, como se vê de um caso em que um detento decapitou um colega de cela, comeu literalmente o fígado e depois espalhou suas vísceras pelas paredes.
O caos instalado no sistema penitenciário brasileiro não é novo no cenário nacional. O Brasil, com mais de quinhentos e quarenta e oito mil presos, ostenta a quarta maior população prisional do mundo.
As trezentas e dez mil vagas existentes no sistema carcerário nacional são poucas para um vasto exército de excluídos, para quem tem, de forma cotidiana, negado o acesso à cidadania. Desses presos, 40% são detidos provisoriamente, pois sujeitos a prisão em flagrante, prisão temporária e a prisão preventiva, que surgem antes da decisão condenatória transitada em julgado e são precipuamente instrumentais.
A Exposição de Motivos a Parte Geral do Código Penal, Lei 7.209/84, produto das ideias de luminares do Direito Penal , uma obra que engrandece a cultura jurídica pátria, via, de forma visionária, os inconvenientes das chamadas penas privativas de liberdade, arrolando argumentos importantes: a) o tipo de tratamento penal frequentemente adotado e quase sempre pernicioso; b) a inutilidade dos métodos até agora adotados no tratamento de deliquentes reincidentes; c) as consequências maléficas para os infratores primários, ocasionais, ou responsáveis por delitos de pequena significação, que terão uma vida perniciosa, voltada para a perda paulatina da aptidão para o trabalho, serão submetidos pelos próprios ¨colegas de infortúnio¨, a sevícias, à corrupção.
O chamado Movimento da Lei e Ordem, que tanto planeja e cultiva a criação de novos tipos incriminadores, é o grande defensor da recomendação para agravação das penas já cominadas, preconizando a supressão de direitos penais públicos subjetivos da liberdade dos delinqüentes, como se lê dos comentários de João Marcello de Araújo.[16]
Por sua vez, há um modelo alternativo(direito penal mínimo) que recomenda a adoção de um direito penal de intervenção mínima, com fundamento na teoria da prevenção geral e especial.
Louve-se o sistema da reforma de 1984, com a edição da Lei 7.209, onde o legislador introduziu no artigo 59 do Código Penal a finalidade preventiva da pena: O juiz, em sua fixação, deve atender ao que for suficiente para a reprovação e prevenção do crime¨, adotando-se um sistema misto: retributivo, na reprovação; preventivo, na prevenção genérica e específica.
Um sistema prisional que se preze deve impor ao preso o trabalho obrigatório, remunerado e com as garantias e os benefícios da Previdência Social(artigo 39). Isso porque se está diante de um dever social e condição da dignidade humana, que se impõem ao Estado.
Para isso, aplausos ao instituto da remição da pena[17], que foi uma feliz proposta inserida no bojo da Lei 7.210/84, e que tem por finalidade expressiva abreviar, pelo trabalho e pelo estudo, parte do tempo de condenação. Nessa linha, mais elogios à Lei 12.433/2011, que entrou em vigor em 29 de junho de 2011, alterando, de forma sensível, o panorama da remição de penas no Brasil, instituto sensivelmente ligado ao princípio constitucional da individualização da pena.
A remição, além de propiciar pelo trabalho e estudo a reintegração social do apenado, é medida salutar de política criminal que milita em favor da adequada administração da questão penitenciária. Isso mesmo diante da trágica e patética constatação no Brasil, que tem um Fundo Penitenciário[18], engordado por dotações orçamentárias da União, fianças, multas, três por cento do montante arrecadado dos concursos de prognósticos, sorteios e loterias no âmbito do governo federal e, de outro lado, a superpopulação dos presídios, com presos de mais e vagas de menos.
Com a remição permite-se descontar a pena pelo trabalho e pelo estudo e ainda permitir a rotatividade do sistema prisional e a liberação gradual das vagas existentes, num incentivo ao bom comportamento do sentenciado. O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos(artigo 128).
Com a redação dada ao artigo 126 da Lei 7.210/84(Lei de Execuções Penais) a remição passou a ser um direito subjetivo do preso cautelar, dos condenados em regime aberto, semiaberto ou fechado, ou ainda dos que estão sujeitos ao benefício do livramento condicional, de descontarem parte da pena por cumprir pelo trabalho ou estudo efetivamente realizado ou não(nos casos de acidente). Assim a contagem do tempo de trabalho é de um dia de pena a cada três dias de trabalho(artigo 126, § 1º, da Lei 7.210/84). O estudo permitirá descontar um dia de pena a cada doze horas de frequência escolar, divididas, no mínimo, em três dias. Tal divisão permitirá impedir que o preso alegue ter estudado doze horas em um único dia, pretendendo fazer o desconto à razão de um dia de estudo por um dia de pena, preservando a lógica de que a remição atende a razão de três por um, seja para o trabalho e seja para o estudo. No parágrafo primeiro do artigo 129 consta o dever do apenado autorizado a estudar fora do estabelecimento penal(condenado em regime fechado ou semiaberto), já que a lei fala em autorização para estudar fora do estabelecimento, de comprovar mensalmente, por meio de declaração da respectiva unidade de ensino, a frequência e o aproveitamento escolar.
Esquecem-se os defensores do direito penal máximo, que, no Estado Democrático de Direito, não há mais lugar para a função eminentemente retributiva da pena, como disse Jorge de Figueiredo Dias.[19]
Está superado o chamado sistema retributivo, onde a pena é imposta como castigo ao autor do fato criminoso, não apresentando sentido utilitário(teorias absolutas). É um mal a quem praticou outro mal. Nada mais enganoso, nesse modelo do Código de 1940, erigido sob o Estado Novo.
Apresenta o sistema retributivo as seguintes características:
a)aplica um castigo;
b)a posição da vítima é secundária;
c)representa o poder do Estado.
Fora do chamado sistema retributivo, já objetivo de anacronismos, veio o chamado sistema reabilitador ou ressocializador. Esse modelo vem com a prisão(meio de reinserção do delinquente), mas a ela se somam, em campo próprio, as chamadas medidas e penas alternativas, quais sejam: prestação de serviços à comunidade, limitação de fins de semana, dentre outras medidas, objetivando a ressocialização do apenado.
São suas características:
a)a reinserção social do autor da infração penal;
b)a posição da vítima é secundária;
c)admissão da progressão da pena consoante o comportamento do condenado.
Nesse modelo reabilitador aplicam-se medidas[20], de modo a ver a prisão como a última ratio, limitando em parte o poder de locomoção do condenado embora não sejam estes recolhidos à prisão.
Como bem disse Jesus Maria Silva Sánchez[21] o sistema reabilitador, em suas feições originais, teve apenas vinte anos de glória, durante os quais pretendeu atribuir legitimidade ao direito penal. Após, começou, na pratica, a se perceber a inexistência de efeitos positivos de prevenção especial reabilitadora.
Mas, para o Estado Democrático de Direito, parece ser o sistema a ele mais compatível o da Justiça Reparadora, que poderá ser aplicada em alguns casos de crimes patrimoniais, como é o caso do furto simples e em algumas causas de aumento de pena(artigo 155, parágrafo segundo), apropriação indébita, estelionato, delitos onde não há grave ameaça ou violência à vítima, no futuro Código Penal[22]. São características desse sistema, que alcança a multa(que deve ser aplicada principalmente se o delito trouxe prejuízo à vítima), e medidas restritivas de direito: a reparação do dano como ponto central de sua atuação; o fato de se dar à vítima posição preponderante[23]; a satisfação das partes, seja a vítima seja o autor do crime[24], delinquente. Daí os sensatos elogios feitos a ele por René Ariel Dotti.[25]
Essa tendência voltada a escolha pela Justiça Reparadora é observada na redação do Anteprojeto do Código Penal onde se coloca a perda de bens com pena autônoma(artigos 45, IV, e 66). Mas, tal opção veio com inconvenientes como será mostrado.
Os autores da reforma penal de 1984, ao estudar fórmulas para substituição da prisão, imaginaram as penas restritivas de direito, sanções autônomas, que substituem as chamadas penas privativas de liberdade(reclusão, detenção, prisão simples)[26], com certas restrições ou obrigações, quando preenchidas as condições legais para a sua substituição. Por sua vez, a Lei 9.714, de 25 de novembro de 1998, ampliou essas espécies. São elas previstas no artigo 43 do Código Penal: prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; interdição temporária de direitos; limitação de fim de semana.
Num passo seguinte, temos as chamadas penas alternativas que podem ser classificadas dentro de metodologia proposta por Damásio E. de Jesus[27]:
a)restritivas de liberdade, como a limitação de fim de semana;
b)restritivas de direitos, como as interdições provisórias de direito;
c)pecuniárias, como a multa e a prestação pecuniária.
Há, por certo, vantagens e desvantagens nessas penas alternativas. São consignadas como vantagens:
a)diminuem o custo do sistema repressivo;[28]
b)permitem ao juiz adequar à reprimenda penal à gravidade objetiva do fato e às condições pessoais do condenado;
c)evitam o encarceramento do condenado nas infrações penais de menor potencial ofensivo;
d)afastam o condenado do convívio com outros deliquentes;
e)reduzem a reincidência;
f)o condenado não precisa deixar a sua família ou comunidade, abandonar as suas responsabilidades e perder o emprego;
Mas, há os inconvenientes, citados por doutrinadores e estudiosos;
a)não reduzem o número de encarcerados;
b)não apresentam um conteúdo intimidativo, mais parecendo meios de controle pessoal ou medidas disciplinadores do condenado; [29]
Em face do rol de penas alternativas nos Códigos Penais, o legislador é induzido a criar novas normas incriminadoras, aumentando o número de pessoas sob controle penal e ampliando a rede punitiva;
Com as penas alternativas, fugimos do velho sistema da prisão, que fracassou, com seus vários e anacrônicos sistemas penitenciários.[30]
Nas hipóteses do artigo 76 da Lei 9.099/95, onde se tem a previsão da transação penal, o Ministério Público poderá(há, aqui, um direito subjetivo público do autor do fato) poderá propor aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, que deverá obedecer aos critérios do artigo 49 do Código Penal. Aqui a pena máxima não poderá ser superior a dois anos, não poderá ser o autor do fato reincidente e nem receber nos últimos cinco anos os benefícios da transação penal por outro delito.
Próximo a esse tratamento, tem-se o regime aberto, que, pelo artigo 46, parágrafo único, c, deverá ser objeto de cumprimento fora do estabelecimento penal, para condenados por crime sem violência ou grave ameaça, não reincidentes, cuja pena seja superior a dois anos e igual ou inferior a quatro anos.
O artigo 32 do Código Penal proclama, na redação que foi dada pela Lei 7.209/84, que as penas são: [31]
a)privativas de liberdade;
b)restritivas de direito;
c)multa.
De toda sorte, aguardemos o desenrolar do julgamento que ocorre perante o Supremo Tribunal Federal de extrema importância para a cidadania.