3. RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE
3.1. CONCEITO
Iniciaremos o segundo capítulo com a conceituação da teoria da perda de uma chance, após breves comentários sobre a responsabilidade civil percebe-se o surgimento de uma nova forma de reparação de dano, baseada na probabilidade de uma certeza, que a chance seja realizada e que a vantagem perdida resulte em prejuízo.
Para um melhor entendimento do assunto a necessidade de conhecer o significado da palavra “chance”, que no seu sentido jurídico, é a possibilidade de obter lucro ou de evitar uma perda, ou seja, oportunidade. Assim, consagra o termo utilizado pela doutrina e jurisprudência, a expressão perda de uma chance, que deve ser vista, como a perda de uma possibilidade de se obter o resultado esperado ou de se evitar um possível dano, valorizando as possibilidades que se tenha para conseguir o resultado esperado ou de se evitar um possível dano valorizando as possibilidades que se tinha para conseguir o resultado, para, assim serem ou não relevantes para o direito (Silva, 2013).
Nessa teoria não existe a pretensão de indenizar a perda do resultado e sim da oportunidade, não havendo a necessidade de provar se a vítima teria ou não, o resultado almejado.
3.2. ORIGEM
A responsabilidade civil pela perda de uma chance trata-se de uma nova vertente na responsabilidade civil, conhecida como perte d’une chance, tendo sua origem na França, por volta da década dos anos 60, numa relação médico e paciente, conforme citado pelo autor Silva (2013), o profissional fez com que o paciente perdesse a chance de ser curado de uma doença, devido à omissão de determinado procedimento que se fazia imprescindível para a possibilidade de cura da doença.
O referido caso ocorreu na Corte de Cassação Francesa, em 14 de dezembro de 1965, onde decidiu que o médico que tratou de uma criança de oito anos, tirou desta as chances de cura diagnosticando erroneamente uma fratura no braço. Outro caso semelhante, ocorrido em março de 1965, onde a Corte de apelação de Paris decidiu condenar o médico pela perda de 80% de chance de sobrevivência de uma grávida que após o parto foi vítima de uma forte hemorragia, não tendo este tomado os devidos cuidados com ela.
Houve vários outros casos semelhantes de pessoas que perderam a chance de cura ou sobrevivência devido à falta de cuidados imprescindíveis do tratamento destas doenças por parte do médico. Sendo assim a França despertou em outros países discussões doutrinárias, contribuindo, assim, para a evolução do instituto da Responsabilidade Civil, com essa nova espécie de dano indenizável, a perda de uma chance.
Logo, a perda de uma chance ganhou espaço por toda Europa, América e posteriormente, no Brasil, como forma de indenizar a vítima pela perda de uma chance, visto que anteriormente, só havia a possibilidade de reparação por aquilo que se perdeu ou deixou de ganhar, e em nada de reparar pela probabilidade perdida advinda de uma chance frustrada.
Tal entendimento só demonstra que a teoria da perda de uma chance, dá vantagem a quem vê seu direito lesado, pela possibilidade perdida derivada por algum fator que não tenha sido gerado por si próprio, ou seja, na verdade será reparada a própria chance que deixou de existir, e não o resultado final, que consiste no que foi perdido ou a parte que deixou de ganhar, desenvolve-se um estudo de probabilidade para se chegar num valor aproximado do dano, como forma indenizatória e para isso é necessário preencher todos os pressupostos da perda de uma chance.
3.3. A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO BRASIL
No Brasil esta teoria é relativamente nova e vem ganhando muitos adeptos têm sido fundamentada na doutrina e na jurisprudência, ressaltando que no Código Civil Brasileiro de 2002 não traz referência quanto a sua imposição. A teoria da perda de uma chance teve início em nosso país no ano de 1990, através de uma Conferência no Rio Grande do Sul, do professor François Chabas, que é um grande estudioso Francês desde instituto (Silva, 2013).
Por muito tempo esta teoria foi ignorada pelo Direito Brasileiro, devido não responsabilizar o autor pela perda de alguém obter uma oportunidade de chance ou de evitar um prejuízo, argumentando que aquilo que nunca aconteceu não pode ser objeto de certeza, para fins de reparação.
A teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro não tem ainda sua aplicação de forma pacífica, seja esta na doutrina ou na jurisprudência. Ressaltando que na doutrina tradicional sua aplicação não é reconhecida, pois inexiste a possibilidade de identificar o resultado final. Não se cogita esta teoria por esta recair no âmbito do dano hipotético.
Com o devido respeito aos doutrinadores que não reconhece a teoria da perda de uma chance, entendendo que a indenização não está relacionada com o resultado final, mas sim com a perda da possibilidade de obter um benefício ou evitar um prejuízo.
A doutrina hoje aceita a verdade da chance perdida, reconhecendo esta teoria, apesar da grande maioria ainda tratar de forma superficial, sendo motivos de muitas controvérsias. A perda de uma chance vem sendo ligado à ideia de dano, para efeitos de ressarcimento. Como mostra Silva (2013), em sua conceituação da chance perdida.
A chance representa uma expectativa necessariamente hipotética materializada naquilo que se pode chamar de ganho final ou dano final, conforme o sucesso do processo aleatório. Entretanto, quando esse processo aleatório é paralisado por um ato imputável, a vítima experimentará a perda de uma probabilidade de um evento favorável. Esta probabilidade pode ser estatisticamente calculada, a ponto de lhe ser conferido um caráter de certeza (SILVA, 2013,p. 13).
Destacamos também o entendimento de Venosa (2007), o qual cita como exemplo em sua obra.
Veja como exemplo elucidativo de perda de uma chance, o fato ocorrido nas Olimpíadas de 2004, quando um atleta brasileiro que liderava a prova da maratona foi obstado por um translouco espectador, que o empurrou, o retirou do curso e suprimiu-lhe a concentração. Discutiu-se se o nosso compatriota deveria receber a medalha de ouro, pois conseguiu a de bronze, tendo chegado em terceiro lugar da importante competição. Embora tivesse ele elevada probabilidade de ser o primeiro, nada poderia assegurar que, sem o incidente, seria ele o vencedor. Caso típico de perda de chance, chance de obter o primeiro lugar, mas sem garantia de obtê-lo. Um prêmio ou uma indenização, nesse caso, nunca poderia ser o equivalente ao primeiro lugar na prova, mas sim em razão da perda dessa chance. Tanto assim é que os organizadores da competição acenaram-lhe com um prêmio alternativo (VENOSA, 2007, p. 30).
Gagliano (2009), em sua obra sobre responsabilidade civil, também acolhe a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance. Descreve a responsabilidade do médico causada na atividade médica, encontrando guarita no CC-16 em seu art. 1.545, que estabelecia:
Art. 1.545. Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência, ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimento.
Percebe-se que há também a incidência dessa teoria na jurisprudência brasileira, como veremos a seguir:
PROCESSUAL CIVIL. RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. CONDENAÇÃO A RESSARCIR DANO INCERTO. PROCEDÊNCIA.
[...]
A teoria da perda da chance, caso aplicável à hipótese, deveria reconhecer o dever de indenizar um valor positivo, não podendo a liquidação apontá-lo como igual a zero.
Viola literal disposição de lei o acórdão que não reconhece a certeza do dano, sujeitando-se, portanto, ao juízo rescisório em conformidade com o art. 485, V, CPC. Recurso Especial provido
(STJ - REsp: 965758 RS 2007/0145192-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 19/08/2008, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/09/2008)
Segundo o autor Silva (2013), o primeiro julgado a tratar a temática da indenização pela perda de uma chance é noticiado como sendo o acórdão publicado em 12 de junho de 1990, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, onde houve a conclusão pela não aplicação da Teoria ao caso julgado.
Em síntese, a teoria da perda de uma chance ganhou espaço nos tribunais brasileiros, podendo ser verificadas diversas decisões sobre a aplicação da mencionada teoria, desde que as “chances” sejam reais e sérias.
Desta forma, o Brasil encara a teoria da perda de uma chance com certa timidez, mas desde as suas primeiras aparições, de forma lenta, está sendo aprofundada e discutida na doutrina e na jurisprudência pátrias, apesar de que ainda não exista expressa previsão normativa na legislação civil brasileira.
Tendo em vista os fatos apresentados, percebe-se que no ordenamento jurídico brasileiro assim como o italiano e o francês, admitem a aplicação da responsabilidade civil pela perda de uma chance.
3.4. REPARAÇÃO DA PERDA DE UMA CHANCE
Atualmente nossos tribunais pátrios, vêm deparando-se com situações nas quais demandantes tiveram retirado de si o direito a uma chance de obter vantagem ou de evitar prejuízo, deparando-se com um dano definitivo senão fosse à conduta de outrem. No entanto, em alguns casos levando em consideração a legislação vigente e os pressupostos da responsabilidade civil não seria reparado o dano em prol da vítima.
Entretanto, diante da evolução já mencionada neste trabalho é possível verificar que no instituto da responsabilidade civil, torna-se provável, mediante uma interpretação das suas funções, princípios e regras do ordenamento jurídico brasileiro, sendo possível à aceitação da reparação de danos antes desconsiderados e não previstos na legislação vigente.
Segundo Gondim (2010), na sua dissertação de mestrado, ressalta que a reparação da chance perdida não é admitida de forma unânime nos ordenamentos jurídicos, mesmo aqueles semelhantes e influenciados no âmbito da responsabilidade civil pela legislação francesa. Como já foi dito nesta pesquisa, no nosso ordenamento jurídico brasileiro, teve sua aplicação de forma tardia e tímida, e de forma lenta vem ocupando relevante papel nas decisões judiciais que versam sobre o tema da responsabilidade civil.
Encontra-se amparo para este pensamento na obra do autor Silva (2013, p. 215):
(...) a aceitção da perda de uma chance como uma espécie de dano certo, aparece como o caminho que o direito nacional segue e continuará a seguir, eis que, no ordenamento brasileiro não se encontra qualquer dispositivo que possa tornar-se um óbice para a aplicação da teoria da perda de uma chance. Também se acredita que as propostas sobre a quantificação do dano, bem como as diferenciações em relação a modalidades de responsabilidade pela criação de riscos, estão em total conformidade com o nosso direito positivo e poderão enriquecer o modelo jurídico nacional da teoria da perda de uma chance.
Como também já foi visto inicialmente neste trabalho, o dano para ser reparável deve ser certo, não podendo ser meramente hipotético, entretanto, como analisar os requisitos para se chegar a essa certeza, quando se trata de uma vantagem que se esperava alcançar e não alcançou, são situações que para os resultados finais sejam obtidos dependem de diversos fatores para acontecer, não sendo possível saber se chegaria ou não ocorrer.
Utilizaremos o exemplo dado por Gondim (2010), no caso de um cavalo que não inicia a corrida hípica porque seu transportador atrasa o transporte, não chegando a tempo. O prêmio perdido é incerto e por isso não será reparável, mas antes do início da corrida já era possível prever as chances do animal alcançar uma boa colocação. Neste caso, não levamos em consideração o prêmio final por ser algo incerto, mas sim a chance do animal obter uma boa colocação.
Salienta-se que a teoria deste estudo esta fundamentada nessa chance que mencionamos no exemplo anteriormente, e para ser reparável ela deve apresentar as características e requisitos de um dano, ou seja, lesão ao interesse jurídico com existência certa e comprovada.
Ademais, analisaremos o requisito, “chance” para fins de reparação, não o seu resultado final, qual já sabemos que é incerto, mas as probabilidades que a vítima possuía em obter vantagem. Dessa forma, quando se perde uma chance concreta, surge a “certeza” exigida como requisito para sua reparação, que seria possível alcançar o resultado final.
A partir desse entendimento, vê-se que a chance é um dano de si mesma com caráter de certeza, assim iremos analisar o dano como uma chance perdida e não perante o resultado final. Assim deverão estar presentes: o dano, representado pela chance, a conduta que o causou e o nexo causal entre essa e o prejuízo, entendido como a perda sofrida, como já visto nos demais casos da responsabilidade civil.
Portanto, no caso a perda é que será o objeto a ser reparável independente do resultado final. A reparação refere-se não ao que se esperava obter como vantagem, mas as chances que existiam de conseguir essa vantagem.
Faz mister a frase citada por Gondim (2010,p.76): “ligada não à vida, mas à sobrevivência, não a perda de um processo, mas ao seu êxito e não a permanência de uma enfermidade, mas de sua cura”.
Percebe-se então que para ocorrer à responsabilidade civil pela perda de uma chance deverá demonstrar de forma efetiva a perda de uma chance. Atualmente, são utilizados novos meios tecnológicos para se calcular probabilidades, capazes de exibir estatísticas que não levam em consideração o acaso, a sorte e as situações aleatórias, mas demonstram que aquela chance perdida tinha grande possibilidade de acontecer ou era quase nula.
Podemos citar como exemplo, um caso em que se a vítima obtivesse êxito na chance perdida sua vantagem econômica seria de R$ 100.000,00 (cem mil reais), e com todo o conjunto de fatos e provas chega-se à conclusão que a vítima teria 75% de chance de auferir tal vantagem, assim a indenização pela perda desta chance seria de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais).
Conclui-se que, caso alguém perca uma chance plausível, pela conduta de outrem, será configurado responsabilidade civil pela perda de uma chance, sendo possível a reparação desta chance perdida. Portanto, devemos entender que a indenização é concedida ao ofendido pela perda da possibilidade de alcançar uma vantagem, e não pela vantagem perdida, sendo reparado de acordo com o valor da chance perdida, ressaltando que este valor será definido pelo juiz, baseando se na doutrina que concorda, decidindo se a chance era provável o bastante para ser reparada e qual o valor perante tal incerteza.