4. REPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA
4.1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
Neste terceiro capítulo, iremos abordar a responsabilidade civil médica em relação aos seus pacientes. A profissão médica é uma área extremamente delicada, pois um erro profissional pode resultar até mesmo em óbito do paciente, por isso, se faz necessário a presença de alguns requisitos para o exercício da atividade, como um diploma universitário e estar inscrito no órgão de classe.
Segundo Venosa (2007), a relação de médico e paciente costumava ser de confiança, pois o profissional cuidava de toda a família e de suas enfermidades, no entanto, com o desenvolvimento da nossa sociedade e com a seguinte crise da prestação dos serviços médicos, essa espécie de relação foi se deteriorando e sendo substituída pelo atendimento massificado, em particular nos serviços públicos.
Araújo (2011 apud SANTOS, p.181), explica como se deu essa mudança na nossa sociedade:
(...) a pressa no atendimento, para diminuir as enormes filas nos atendimentos daqueles que esperam que a ciência lhe dê a mínima chance para que continuem vivendo, isentos de algum mal que lhes acometem o corpo ou a mente, torna a medicina difícil de ser exercitada e seus médicos poucos propensos, diante da dificuldade de matéria e de outros meios, a fornecer um mínimo de cuidado para que o paciente receba tratamento adequado.
Observa-se que o surgimento de demandas judiciais sobre esta temática, tratando-se da má prestação de serviço médico, se deu após essa substituição por um atendimento massificado, não só no nosso país como também mundialmente.
4.2. A RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA E A OBRIGAÇÃO DE MEIO DO MÉDICO
A responsabilidade civil do médico trata-se de uma responsabilidade civil subjetiva. O médico deve atuar de forma diligente, utilizando-se de todos os meios adequados, como um cuidado objetivo. Na sua situação jurídica, a sua responsabilidade gira na órbita de natureza contratual com obrigação de meio, ou seja, não tem a obrigação de curar o paciente, mas sim de prestar seus serviços de forma consciente de acordo com a evolução da medicina.
Ainda que atualmente, já esteja pacificado que a natureza jurídica da responsabilidade é contratual, tratando-se de um contrato de prestação de serviços, nos casos eletivos, e passando a ser extracontratual nos casos de urgência, fornecendo atestado médico falso e nos casos daqueles que são servidor público ou contratado por uma empresa, para atender os empregados, tendo em vista que nesses casos mencionados o paciente não teve escolha do profissional, o atendimento é obrigatório.
Para Araújo (2011), o contrato médico é intuitu personae, bilateral, oneroso, contínuo, e de consumo. Por ser fundado na confiança, admite-se a resilição unilateral por qualquer uma das partes, a qualquer tempo, observando certas restrições em relação à desistência por parte do médico. Surge uma discussão quanto ao nomen juris do pacto, ou seja, o tipo de contrato firmado entre o profissional e seu cliente. Parte da doutrina entende que se trata de um contrato de prestação de serviços regular, enquanto outra corrente sustenta que está diante de um contrato sui generis (SILVA, 2013).
Salienta-se, que não é de grande importância, pelo menos para os objetivos deste estudo, o questionamento acerca de qual nome se dá ao contrato em discussão, sendo mais relevante, no momento, estabelecer o tipo de obrigação do profissional de saúde, se será de meio (quando a prestação exige que o agente empregue determinados meios na conquista de um resultado sem obrigá-lo, contudo garanti-lo); ou de resultado (só será cumprida quando determinado resultado for alcançado).
Ademais, a doutrina e a jurisprudência, intensificaram um debate em relação a essa caracterização da obrigação médica como de meio ou de resultado, principalmente, quando é relacionada à medicina estética. Todavia, hoje, é quase pacífico o entendimento que a obrigação do profissional de medicina é de meio, tendo como exceção as especialidades médicas como a cirurgia plástica estética, os anestesistas e os exames laboratoriais, os hospitalares e clínicas. Para estes casos, de profissionais e instituições, presume-se a culpa.
Na obrigação de meio, o paciente, no caso do resultado esperado não tenha sido alcançado, terá que provar que o agente do dano não agiu com diligência ou não usou todos os meios disponíveis para atingir o resultado. Portanto, deve o médico usar de todos os meios avançados da ciência médica e agir de forma diligente, prudente e hábil, como tomar todas as precauções para evitar danos previsíveis.
Por fim, já foi demonstrado que a responsabilidade civil do médico é subjetiva, devendo haver sempre apuração da culpa do agente, sua sustentação está no nexo causal entre a conduta do autor do dano e o resultado ocorrido. O profissional só terá a obrigação de indenizar quando for comprovado por parte da vítima que o mesmo agiu com imprudência, imperícia ou negligência, e que sua ação ou omissão, teve nexo de causalidade com o dano.
Há quem afirme, que no caso de cirurgias estéticas, por ser uma atividade de resultado, a responsabilidade civil médica seria objetiva. Contudo, o que realmente ocorre, é que, nesses casos, a responsabilidade é ainda subjetiva, mas ocorre a inversão do ônus da prova.
4.3. EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA
Dar-se-á início, com as determinadas situações que agem sobre o nexo causal do evento danoso, extinguindo ou atenuando a relação de causalidade, ato contínuo e o dever de indenizar caso comprovem uma das excludentes de responsabilidade civil, que são: o caso fortuito, a força maior, a culpa exclusiva da vítima e o fato de terceiro.
Salienta o autor Rodrigues (2014, p.87), sobre as excludentes da responsabilidade civil:
[...] o evento danoso pode derivar de culpa exclusiva ou concorrente da vítima; no primeiro caso desaparece a relação de causa e efeito entre o ato do agente causador do dano e o prejuízo experimentado pela vitima; no segundo, sua responsabilidade se atenua, pois o evento danoso deflui tanto de sua culpa, quanto da culpa da vítima.
Conceitua-se caso fortuito como os fatos estranhos ao procedimento médico que ocorrem apesar da conduta correta do mesmo e que não poderiam ser previstos ou evitados pelo profissional, no qual acaba causando danos ao paciente. São exemplos: greves, motins, guerras, como também uma prescrição de um medicamento de uso corrente ou um procedimento habitual, que provoque uma reação inesperada no paciente.
A segunda excludente trata-se da força maior, são ocorrências extraordinárias alheias à vontade e a ação do profissional, em relação ao qual o agente em nada pode fazer para evitá-lo, ainda que previsível. Este elemento cessa a obrigação médica de indenizar, pois o médico poderia até prever o dano, mas não teria condições de impedi-lo.
A terceira excludente é a ocorrência de um evento exclusivo da vítima, é quando o paciente isenta o médico de qualquer responsabilidade pelo dano sofrido a ele. Tem-se como exemplo: após uma cirurgia ortopédica o médico prescreve ao seu paciente, que por determinado tempo, ele caminhe somente com auxílio de muletas e faça sessões de fisioterapias, entretanto, o paciente descumpre todas as recomendações, não as cumprindo ou fazendo de forma errôneas, resultando em uma má cicatrização ou até mesmo uma atrofia muscular. Neste caso não há o que se falar em culpa médica, nem mesmo em reparação do dano, uma vez que se tratou da culpa exclusiva do paciente.
E para concluir as espécies de excludentes da responsabilidade médica, será abordada o último caso, a intervenção de terceiros, que se configura na omissão ou a prática por pessoas estranha, à relação no caso entre médico e paciente, ou seja, qualquer pessoa que não seja o paciente e que não mantenha qualquer ligação com o corpo médico. Podendo ser ato exclusivo de terceiros ou concorrente ao dano sofrido pela vítima. Como por exemplo, o dano ocasionado por interferência de algum familiar do paciente, por um farmacêutico ou até mesmo por um laboratório.
Dessa maneira, entende-se que as excludentes apresentadas têm a finalidade de romper com o nexo causal, elemento indispensável para responsabilização do agente responsável pela atividade ou causador do dano, como meio de isenção do dever de indenizar. O que percebe-se disso tudo é que o médico não será responsabilizado por dano ao paciente, se no decorrer de sua atuação surgir uma das excludentes de responsabilidade.
4.4. A CULPA MÉDICA E NEXO CAUSAL
Como vimos anteriormente, a responsabilidade civil dos médicos é de natureza subjetiva, na culpa stricto sensu decorrente da culpa comprovada do agente. Desse modo, se não for provada a imperícia, nem a imprudência ou a negligência, fica afastada a culpa do profissional da medicina.
Conforme Diniz (2007), na sua distinção entre a culpa e o dolo, que o dolo é uma violação refletida, consciente e intencional de um dever jurídico, por outro lado à culpa, a atitude do agente não tem a intenção de causar prejuízo a vítima, mas com seu ato negligente, imperito ou imprudente causa dano a outrem.
A culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo que é a violação intencional do dever jurídico, a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever. Portanto, não se reclama que o ato danoso tenha sido realmente, querido pelo agente, pois ele não deixará de ser responsável pelo fato de não se ter apercebido do seu ato nem medido as suas consequências (DINIZ, 2007, p.40).
Da narrativa até o presente momento, podemos concordar que a conduta culposa do profissional médico se caracteriza quando este não age com competência, diligência ou cautela dando espaço para o aparecimento das três modalidades de culpa, são elas: negligência, imprudência e a imperícia. Das quais discorreremos a seguir.
4.4.1. NEGLIGÊNCIA
A negligência médica ocorre quando se procede sem o cuidado e respeito a que se está limitado, sua principal característica é a omissão, ou seja, deixa de atuar de forma procedente, tratando-se de uma renúncia da conduta médica recomendada para a ocasião.
Salienta-se que este fato ocorre quando alguém que deveria tomar conta para que um determinado acontecimento não ocorra, não tem a devida atenção requerida e deixa acontecer.
São várias as situações que levam à negligência médica, como o exemplo, o excesso de horas de trabalho, turnos consecutivos, redução de membros em cada equipe médica, redução de recursos, pressão, e por muitas vezes a falta de revisão.
4.4.2. IMPRUDÊNCIA
A imprudência é comissiva, ou seja, o agente age de forma precipitada, não presume as consequências refletidas deste ato praticado. Age de forma intempestiva, atuando de forma imprudente, sem a devida atenção exigida no momento da atividade profissional.
Conceitua-se imprudente aquela pessoa que não toma os cuidados normais que qualquer outra pessoa tomaria, consciente no tamanho do risco envolvido na atividade, mas mesmo assim, insiste em prosseguir acreditando ser possível a realização sem prejuízo a outrem, tendo como principal característica uma ação imprudente.
4.4.3. IMPERÍCIA
A imperícia assim como a imprudência, também resulta de uma conduta comissiva, está característica é utilizada para representar a incapacidade técnica para o exercício da profissão, ou seja, consiste no desconhecimento dos meios utilizados na medicina, considerado incapacitado à profissão.
Configura-se a imperícia quando a pessoa não tem técnica, conhecimento, falta de habilidade, ou até mesmo não domina cumprimento de determinada tarefa, assunto, função relacionado à profissão.
Um exemplo simples, para uma melhor compreensão, é quando um médico que não é especialista em cirurgia plástica realiza uma operação e causa deformidade no paciente.
4.5. OS DEVERES DO MÉDICO
A responsabilidade civil do médico sempre foi um assunto bastante polêmico. No decorrer deste trabalho pode ser verificado que é base da responsabilidade civil do médico as teorias subjetivas, portanto, conclui-se que para caracterizar essa responsabilidade a fim de reparação, é necessário decorrer de uma ação ou uma omissão por parte do profissional de medicina.
Para que haja a reparação do evento danoso ao paciente, é necessário comprovar a culpa por parte do agente, devendo haver conduta imprudente, negligente ou imperita no ato do médico para com o paciente. Salienta-se, uma exceção, que também ocorre responsabilização do médico, nos casos que deva configurar uma obrigação de resultado e não obtenha êxito, como exemplo a especialidade de cirurgião plástico estético.
Segundo Araújo (2011), os deveres dos médicos são de três espécies: de conselhos, de cuidado e de abstenção de abuso ou desvio de poder. A primeira espécie está ligada a prestação de instruções sobre as condutas essenciais que devem ser tomadas pelo paciente para melhorar a sua enfermidade, assim como os riscos que o tratamento ou cirurgia recomendado podem oferecer; em relação à segunda espécie fala do cuidado que se deve ter em respeito à vigilância e a obtenção de consentimento para os procedimentos a serem realizados; e por fim a última espécie abstenção ao abuso de poder, diz que não é lícita ao médico a realização de experiências científicas com o paciente, bem como atuar fora dos limites contratuais.
Será analisado essas espécies de forma mais detalhada, iniciando assim com o dever de informação, que consiste no dever do médico oferecer todas as informações importantes relacionadas ao tratamento ou intervenção cirúrgica que for realizado pelo paciente. O médico deverá orientar quanto aos riscos, possíveis efeitos da medicação prescrita, consequências do tratamento, preços e todas as informações necessárias em relação ao serviço a ser prestado, e principalmente, informar qual é a sua área de especialização médica.
De acordo com Araújo (2011), as informações prestadas aos pacientes devem ser de forma clara e compreensível para os leigos, além disso, deve ser relatada também aos familiares e acompanhantes, com o objetivo de esclarecer o tratamento ou a cirurgia a ser realizado, bem como a conduta que deverá ser adotada pelo paciente para que ele próprio colabore no processo de cura.
Segundo Silva (2013), o dever de indenizar decorrente do descumprimento do dever de informar ocorre toda vez que o paciente toma uma decisão que lhe cause danos, por ter sido mal informado. Pois, se não for informado de forma correta os riscos, o paciente acaba aceitando algo sem saber o que realmente está se submetendo, portanto, quem deverá responder pelos danos será o profissional.
A segunda espécie é o dever de cuidados com o paciente, ou seja, o médico tem que aconselhar, assistir, colaborar com seu paciente da melhor forma possível, procedendo da seguinte maneira: iniciando com o histórico clínico do mesmo fazendo-lhes as perguntas necessárias, em seguida desenvolver um diagnóstico, definido o quadro clínico irá prescrever o tratamento correto. É nessa última fase que surgi à importância desta espécie, o dever de cuidar do paciente, o médico além de passar a medicação indicada ou qualquer terapia, deverá acompanhar a progressão da cura do paciente da melhor forma possível.
A terceira espécie é sobre abstenção de abuso de poder, o médico não deve visar apenas os lucros, mas basear-se nos princípios do código de ética na sua atuação, para isso é necessário o consentimento do paciente para realização de tratamento e intervenção cirúrgica, e não apenas assegurar-se na relação de confiança existente no contrato de prestação de serviços, ao menos que se trata de uma situação emergencial.
Verifica-se, portanto, a importância do consentimento do paciente, para que não ocorra o abuso de poder por parte do profissional. Este consentimento do paciente pode-se dar de forma tácita ou expressa, se o procedimento vier a causar danos graves, aconselha-se proceder de forma expressa. Entretanto, alguns casos poderá submeter o paciente a tratamento sem seu consentimento, como no caso de doença contagiosa que necessite de uso de vacinas ou medicamentos, neste caso prevalecerá o interesse da coletividade.
Para uma melhor compreensão, faz mister, o exemplo mencionado por Araújo (2011), nos casos de transfusões de sangue em relação aos adeptos da religião “Testemunhas de Jeová” são orientados a não realizar a transfusão de sangue, surge um confronto entre dois princípios constitucionais: direito à vida e direito à crença.
Entretanto, são dadas algumas alternativas e soluções para este impasse, como: o médico deve optar por um tratamento alternativo mesmo que não seja o mais indicado; se o paciente estiver inconsciente, mas a transfusão é essencial e seus parentes querem impedir o procedimento, prevalecer o direito à vida e o médico deverá realizar a transfusão de sangue mesmo contra a vontade da família, se possível buscar uma autorização judicial, esta mesma situação deve ser aplicada nos casos onde o enfermo é incapaz (relativo ou absoluto); se o paciente estiver consciente, mas a situação não é emergencial, porém se faz necessário à transfusão, e o mesmo recusa aceitar, deverá o doente assinar um termo de responsabilidade perante autoridade policial ou judicial, e o médico deverá respeitar mesmo sabendo que em longo prazo, levará a morte do enfermo.
Conclui-se que havendo perigo à vida do paciente, o médico não poderá ser responsabilizado por ter realizado este método no tratamento, mesmo que no final não surta o efeito pretendido, o paciente venha a falecer. Ademais, o consentimento do paciente sempre que possível se faz necessário para que o profissional não seja responsabilizado por abuso de poder.
4.6. A PERDA DE UMA CHANCE
A teoria da perda de uma chance na seara médica é a responsabilidade civil pela perda de uma chance de cura ou sobrevivência do paciente na atividade médica. Caracteriza-se, pela omissão do médico de qualquer dos seus deveres, podendo o paciente perder a chance de cura da sua enfermidade, ou seja, o médico não utilizou de todos os meios possíveis para cura ou sobrevivência, ensejando indenização por perda da chance.
Inicialmente, é questionada a possibilidade da aplicação da teoria da perda de uma chance no campo da medicina, levando em consideração ausência do nexo causal entre a conduta (o erro médico) e o dano (lesão gerada pela perda da vida), uma vez que o prejuízo causado se deu pela evolução da própria doença, de forma direta e imediata e não por erro médico. Mas, o que há de se questionar é a atitude do médico no evento danoso, se houve ato ilícito ou se a doença seguiu seu curso natural em razão do tratamento realizado não ter surtido efeito.
Silva (2013) faz questionamento sobre o tema. Para ele, é preciso analisar as predisposições patológicas do paciente e se tais indicam uma potencialidade para enfermidades. A partir disso, pode-se perquirir se a atuação do médico foi ou não adequada às predisposições identificadas.
Por isso, nesses casos, o agente não responde pelo resultado pela qual sua conduta tenha contribuído, mas pela chance que ele privou a vítima, desde que comprove que elas sejam reais, concreta e com probabilidades de evitar prejuízos ou obter benefícios.
Salienta-se que esta sendo tratado de um tema que gera várias contradições doutrinárias, assim como a francesa e a americana, segundo Silva (2013), onde a primeira entende que há a necessidade de comprovar a responsabilidade entre a conduta do agente e dano causado por ele, portanto, se o nexo entre a conduta e o dano for comprovado à reparação deve-se dar de forma integral, caso contrário nenhuma indenização será devida. Todavia, a segunda corrente doutrinária analisando os princípios econômicos do direito, ver a chance perdida como um direito autônomo, ou seja, se houver o nexo entre a conduta do réu e a perda desse direito autônomo a chance, será passível a indenização.
Os tribunais brasileiros vêm aplicando cada dia mais esse novo gênero da responsabilidade civil, a teoria da perda de uma chance, servindo de alerta para os profissionais da seara médica. São alvo dessa nova forma de reparação, atualmente, como exemplo clássico, o paciente portador de doença grave, que é submetido ao um tratamento equivocado e vem a falecer em razão daquela doença pré-existente ao tratamento.
O STJ, na terceira turma aplicou a teoria da perda de uma chance e reduziu indenização por erro médico, como pode ser visto no REsp 1254141 / PR , a redução da indenização se deu o valor de R$ 120.000,00 (cento e vinte e mil) para R$ 96.000,00 (noventa e seis mil reais), à ser paga por médico oncologista em virtude de erro profissional, em tratamento de câncer de mama.
DIREITO CIVIL. CÂNCER. TRATAMENTO INADEQUADO. REDUÇÃO DAS POSSIBILIDADES DE CURA. ÓBITO. IMPUTAÇÃO DE CULPA AO MÉDICO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE. REDUÇÃO PROPORCIONAL DA INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O STJ vem enfrentando diversas hipóteses de responsabilidade civil pela perda de uma chance em sua versão tradicional, na qual o agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Nessas situações, há certeza quanto ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna aplicável o critério de ponderação característico da referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes. [...]
3. Conquanto seja viva a controvérsia, sobretudo no direito francês, acerca da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance nas situações de erro médico, é forçoso reconhecer sua aplicabilidade. Basta, nesse sentido, notar que a chance, em si, pode ser considerada um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente econômico, a exemplo do que se defende no direito americano. Prescinde-se, assim, da difícil sustentação da teoria da causalidade proporcional.
4. Admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução proporcional.
5. Recurso especial conhecido e provido em parte, para o fim de reduzir a indenização fixada
(REsp 1254141/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 20/02/2013).
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso julgado mencionado anteriormente, aplicou a teoria da perda de uma chance no seu voto, defendendo que “não há necessidade de se apurar se o bem final, a vida objeto deste caso, foi tomado da vítima, o fato é que a chance de viver lhe foi subtraída e isso basta”, devendo ser levado em consideração a chance perdida da vítima, devido à conduta improcedente do agente, suficiente para retirar a oportunidade de obter sucesso ou evitar um prejuízo.
Ainda sobre este julgado, verificamos a forma que se dá a fixação da indenização, conclui que se trata de uma modalidade autônoma de reparação, passível nas situações que não puder verificar a responsabilidade direta do agente pelo dano final, respondendo assim apenas pela chance de que ele privou a paciente. Esta teoria entra em confronto com a regra do Art. 403. do CC/02 que: “veda a indenização de danos indiretamente gerados pela conduta do réu”, o que gera várias controvérsias.
Por isso, os tribunais têm entendido que o simples fato do paciente ser impedido de ter o tratamento correto, ainda que somente em tese, poderá trazer chances de cura ou benefícios, representa um dano que deve ser indenizável, o quantum será fixado de acordo com a probabilidade de obter essa vantagem. Como a “chance” jamais poderá alcançar o valor do bem perdido é necessário fixar de forma equivalente, assim como ocorreu neste caso do julgado, uma redução proporcional, ou seja, de forma moderada.
Para que ocorra a responsabilidade civil pela perda de uma chance na seara médica, é necessário que ocorra o nexo de causalidade entre o dano e a conduta, deverá verificar se o falecimento da vítima tem relação com o tratamento realizado pelo médico, se este foi prescrito de forma correta ou de forma equivocada, ou se o óbito foi decorrente da doença pré-existente, seria inevitável independente do erro médico, o fato deverá ser analisado, para que ocorra a reparação do dano, levando sempre em consideração o procedimento utilizado e a conduta imposta pelo profissional, e não o resultado final, o falecimento da vítima.
A responsabilidade civil por perda de uma chance, fundada em erro médico, é matéria tratada constantemente pela doutrina e jurisprudência dos nossos tribunais, várias discursões e questionamentos, analisando diversos prismas propiciados por este tema. Como já foi visto julgados favoráveis à teoria da perda de uma chance, diante disso, também nota-se julgados contrários.
O Superior Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a Terceira Turma, rejeitou a adoção dessa teoria em razão desta relacionar-se em um juízo de possibilidade, no caso em tela, o apelante passou por um procedimento cirúrgico, para retirada de apêndice, e por erro médico e pelo mesmo não ser especializado na área, ocorreu uma infecção nas paredes do abdômen, levando o paciente novamente a sala de cirurgia, o médico não reconhece sua imprudência, alegando anos de experiência, conforme observado na decisão abaixo:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - ERRO MÉDICO - MORTE DE PACIENTE DECORRENTE DE COMPLICAÇÃO CIRÚRGICA - OBRIGAÇÃO DE MEIO - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO MÉDICO - ACÓRDÃO RECORRIDO CONCLUSIVO NO SENTIDO DA AUSÊNCIA DE CULPA E DE NEXO DE CAUSALIDADE - FUNDAMENTO SUFICIENTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO DO PROFISSIONAL DA SAÚDE - TEORIA DA PERDA DA CHANCE - APLICAÇÃO NOS CASOS DE PROBABILIDADE DE DANO REAL, ATUAL E CERTO, INOCORRENTE NO CASO DOS AUTOS, PAUTADO EM MERO JUÍZO DE POSSIBILIDADE - RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio, sendo imprescindível para a responsabilização do referido profissional a demonstração de culpa e de nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano causado, tratando-se de responsabilidade subjetiva; II - O Tribunal de origem reconheceu a inexistência de culpa e de nexo de causalidade entre a conduta do médico e a morte da paciente, o que constitui fundamento suficiente para o afastamento da condenação do profissional da saúde; III - A chamada "teoria da perda da chance", de inspiração francesa e citada em matéria de responsabilidade civil, aplica-se aos casos em que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável; IV - In casu, o v. acórdão recorrido concluiu haver mera possibilidade de o resultado morte ter sido evitado caso a paciente tivesse acompanhamento prévio e contínuo do médico no período pós-operatório, sendo inadmissível, pois, a responsabilização do médico com base na aplicação da "teoria da perda da chance"; V - Recurso especial provido
(STJ - REsp: 1104665 RS 2008/0251457-1, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento: 09/06/2009, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/08/2009).
Nesse entendimento, a teoria da perda de uma chance não deverá ser adotada quando esta não comprovar a existência de nexo causal entre a conduta (o erro do médico) e o dano (a lesão gerada pela perda da vida), portanto, se o prejuízo causado pela morte do paciente tiver causa direta e imediata da própria doença, e não o erro médico, não se aplica. Cabe-se somente nos casos que o erro médico tenha reduzido chances concretas e reais que poderiam ter sido colocadas ao paciente.
Os julgados anteriormente mencionados só comprovam o que já foi abordado, ou seja, discussão tanto na doutrina quanto na jurisprudência sobre a aplicabilidade da teoria da perda de uma chance, tanto na clássica como na seara médica, em meio a tantas controvérsias, não há como negar a importância desta teoria, e sua evolução no nosso ordenamento jurídico.
Diante de tudo exposto, verifica-se a possibilidade, do questionamento que a temática deste trabalho foi dada, apesar das controvérsias, é possível a aplicação da teoria da perda de uma chance, na Responsabilidade Civil, tornando-se uma nova forma de reparação, fundamentada na possibilidade de obter vantagem ou evitar um prejuízo, porém, ainda há necessidade de analisar o caso concreto, pois se o judiciário indenizar todos os casos surgirá um sentimento de incerteza, se realmente há essa possibilidade, e se não der para nenhum, pessoas ficarão não ressarcidas.
Por fim, percebe-se a importância da aplicação desta teoria nos casos demandados nos tribunais, e desta forma para que possa ser acompanhada a evolução da sociedade brasileira. Conclui-se que a teoria da perda de uma chance, tanto na sua forma clássica como na seara médica, necessita de um tratamento mais aprofundado dos juristas, tanto no judiciário como na doutrina, verificando no decorrer destas discussões, divergentes correntes doutrinárias e jurisprudenciais. Entretanto, foi possível verificar a possibilidade da aplicação da teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro e a recepção desta na doutrina e na jurisprudência, não obstante a ausência de previsão legal específica.