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Do sistema de propriedade por tempo compartilhado ou time-sharing

Agenda 08/09/2015 às 17:20

Aborda os principais aspectos jurídicos do instituto da multipropriedade por tempo compartilhado.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por escopo apresentar, em linhas gerais, os principais aspectos jurídicos do instituto da multipropriedade por tempo compartilhado, cujos mecanismos de direito positivo que a constituem, ainda que circunscritos na seara dos direitos reais – mais precisamente dos condomínios edilícios-, efetivamente possuem peculiaridades que merecem uma elucidação técnica preliminar que o distingue das demais modalidades de domínio ou propriedade, sobretudo por não haver previsão expressa desta forma de propriedade no nosso hodierno Código Civil, de tal sorte que ela se concretiza na realidade social pátria através de mecanismos jurídicos que não lhe são próprios, como se verá a seguir.


CONCEITO

O sistema time-sharing ou multipropriedade imobiliária configura-se como uma nova e complexa modalidade de condomínio, na qual o titular do imóvel pode dele usufruir e gozar, durante certo lapso temporal estipulado pelos comproprietários, os quais detêm esse mesmo direito de uso exclusivo e perpétuo, cada qual em sua fração temporal específica. Em muitos países a multipropriedade imobiliária é administrada pela figura do trustee, que mantém o imóvel em nome desses comproprietários.

Tal modelo de compropriedade nasceu na Europa pós II Guerra Mundial (isto é, a partir da segunda metade do séc. XX), decorrente da crescente demanda de um imóvel sazonal para fins de lazer por parte de uma classe média que ganhava certa robustez mas que, considerada individualmente, não detinha poderio econômico para arcar com as despesas de mais de um imóvel. Desta feita, nota-se que o sistema de time-sharing (por vezes denominado timeshare) é pertinente a imóveis precipuamente destinados ao lazer.


MODALIDADES

A multipropriedade visa tanto o uso de imóvel situado em área turística, como pode envolver troca de uso dos direitos habitacionais ao local de férias, direitos condominiais, participação em sociedade com direito a ações e direitos pessoais serviços relacionados à utilização do bem (p. ex. de hotelaria). Surgem então quatro modalidades, segundo as lições de Gustavo Tepedino elencadas pela professora Maria Helena Diniz (2013):

a)         A acionária ou societária, pela qual uma sociedade, proprietária de imóvel de lazer, emite ações ordinárias e ações preferenciais, sendo que aquelas, por representarem a propriedade daquele imóvel, ficam em poder dos seus efetivos proprietários, enquanto as preferenciais serão vendidas a sócios-usuários para que tenham direito de uso por turnos. É uma modalidade entendida como de investimento, portanto;

b)         A do direito real de habitação periódica, com característica de direito real de fruição sobre coisa alheia, pelo qual o multiproprietário pode usar do bem por prazo determinado correspondente a uma semana por ano. Para facilitar a transferência desse direito emite-se um certificado predial, lavrado em registro público. É modalidade muito utilizada Portugal;

c)         A imobiliária ou de complexo de lazer, pela qual cada multiproprietário obtém uma quota ideal alusiva ao solo; à edificação, ao complexo de lazer comum, aos serviços de apoio (lavanderia, lanchonete, restaurante etc.) e aos móveis existentes, com direito de uso restrito a uma época predeterminada do ano;

d)        a hoteleira que, objetivando o crescimento do setor homônimo, configura direito de uso habitacional temporário de unidade ou apartamento de um hotel, incluindo-se, ou não, numa rede hoteleira, pertencente a um único proprietário ou a uma sociedade administradora proprietária da qual participam os multiproprietários, o incorporador, o organizador ou os hoteleiros. Além do direito de utilizar, em seu devido turno, o apartamento do hotel, o multiproprietário tem direito aos serviços de hotelaria e pode ceder seus direitos a terceiros, visando retorno pecuniário. Tal modalidade pode se dar, também, enquanto multipropriedade hoteleira imobiliária, com a venda de frações ideais do imóvel e seu terreno, concedendo-se o uso exclusivo da unidade durante períodos de 7 dias em cada ano.


NATUREZA JURÍDICA

A natureza jurídica da multipropriedade é matéria controversa na doutrina jurídica de todo o globo. Frise-se que os primeiros passos nessa discussão se deram na Europa, berço do time-sharing. Segundo Oliveira Jr. e Christofari (2000), tal sistema é por vezes considerado direito pessoal, direito real, forma de comunidade de bens, propriedade quatridimensional ou mesmo como um novo regime jurídico imobiliário. Ainda na esteira das lições dos autores supramencionados, vejamos:

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a)         Multipropriedade como direito pessoal, considerando tanto a perspectiva de um pacto entre os comproprietários de quotas indivisas de determinado imóvel (inclusive de apartamento em regime de propriedade horizontal), quanto no âmbito de uma sociedade civil, cooperativa ou mesmo uma S/A.

b)         Multipropriedade como forma de comunidade de bens, ideia sustentada por doutrinadores espanhóis, no qual a multipropriedade derivaria do instituto das comunidades de bens, constante do ordenamento jurídico espanhol;

c)         Multipropriedade como direito real, posto que o domínio, segundo a doutrina clássica do direito das coisas, contém em si uma série de direitos como usar, gozar, fruir e dispor, ainda que restritos a um determinado lapso temporal no caso do time-sharing;

d)        Multipropriedade como um novo regime jurídico imobiliário, já que a intenção perene e a prática repetitiva de utilização sazonal do imóvel configuraria o que se denominou posteriormente de “turnos de utilização/habitação”;

e)         Multipropriedade como propriedade quatridimensional, teoria esta eminentemente italiana, que considera o tempo de uso do imóvel como uma quarta dimensão da propriedade. O direito dos multiproprietários sobre o imóvel, bem delineado pela conjugação dos fatores espaciais e temporais, não configuraria uma co-titularidade, visto que o fator temporal permitiria individualizar o direito de propriedade de cada um dos multiproprietários.


PREVISÃO JURÍDICA

É cediço que a maioria dos estados europeus não redigiu legislação específica para o sistema de time-sharing, o qual não obedece a um padrão contratual especial, mantendo-se as discussões sobre a presença de um direito obrigacional ou um direito real nessa modalidade condominial. A Grécia regulamentou a multipropriedade imobiliária como modalidade de locação, sendo um dos primeiros países a fazê-lo, em 1986.

Assim como em boa parte dos estados europeus, não há legislação específica a tratar do timeshare no Brasil. Uma vez que o instituto de multipropriedade imobiliária é considerada por alguns doutrinadores como uma espécie de condomínio, analogamente se usam certos conceitos do Código Civil Brasileiro, em seu capítulo de Condomínio Edilício.

Há no caso pátrio, ainda, a Deliberação Normativa nº 378 da Embratur (Instituto Brasileiro de Turismo), publicada em 12 de agosto de 1997. Embora não tenha densidade normativa, tal documento versa sobre o regulamento do sistema de timeshare em meios de hospedagem e turismo, bem como seu funcionamento e os direitos e obrigações das partes nesse sistema, observada a sua crescente utilização em todo o mundo.

Imperioso transcrever os arts. 1º e 9º da referida Deliberação Normativa, no afã de ilustrar neste artigo o teor do sistema de time-sharing em meios de hospedagem e turismo:

Art. 1º. É reconhecido, para todos os efeitos, o interesse turístico do sistema de tempo compartilhado em meios de hospedagem e turismo, por meio da cessão pelo prazo mínimo de 05 (cinco) anos e a qualquer título, do direito de ocupação de suas unidades habitacionais, por períodos determinados do ano.

Art. 9º. Contratos de tempo compartilhado são instrumentos, públicos ou privados, pelos quais o empreendedor, por si próprio ou por meio do comercializador, cede, por períodos, o direito de ocupação de unidades habitacionais equipadas em meios de hospedagem de turismo de seu domínio ou posse, permitindo o uso de seus espaços, bens e serviços comuns, e assumindo, por si ou por terceiro, a sua operação.


BIBLIOGRAFIA

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Vol. 4, 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

OLIVEIRA JR, Dario da Silva; CHRISTOFARI, Victor Emanuel. Multipropriedade (Timesharing) – Aspectos Cíveis e Tributários. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - Direitos Reais, 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.

Outras referências:

Deliberação Normativa nº 378 da Embratur, disponível em http://www.mrtimeshare.com.br/?page_id=165.

Sobre o autor
Ricardo Gonçalves e Sousa

Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e advogado

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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