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Bancos de dados e cadastros.

Código de Defesa do Consumidor

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Agenda 01/10/2003 às 00:00

INTRODUÇÃO

O Código de Defesa do Consumidor veio revolucionar as relações de consumo brasileiras, brindando os consumidores com uma legislação protecionista, que estabelece uma série de direitos ao hipossuficiente frente as abusividades muitas vezes cometidas, e impondo aos fornecedores, maior qualidade, confiabilidade e segurança, aos produtos e serviços lançados ao mercado.

Sob esta ótica, prescreve na seção VI, mais especificamente o art. 43, sobre os bancos de dados e cadastros de consumidores, que a teor são considerados entidades de caráter público, devendo conter informações clara e objetivas, de livre acesso ao consumidor, o qual tem, inclusive, o direito de ser informado sobre sua inclusão nos referidos arquivos.

Este ensaio pretende esclarecer acerca da importância e principalmente da responsabilidade dos bancos de dados e cadastros de consumidores, assim como de fornecedores, no que pertine as informações neles contidas.


BANCO DE DADOS E CADASTRO DE CONSUMIDORES

O art.43, caput, e §§, do 1.º ao 5.º, do CDC, regulam os bancos de dados e cadastros de todo e qualquer fornecedor público e privado que contenham dados do consumidor, relativos a sua pessoa ou suas ações enquanto consumidor. "Assim, muito embora a ênfase e a discussão em torno das regras instituídas no art. 43 recaiam nos chamados cadastros de inadimplentes dos serviços de proteção ao crédito, a norma incide em sistemas de informação mais ampla". [1]

Dessarte, todo e qualquer banco de dados ou cadastro que contiver informações sobre consumidores em geral, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos às normas materiais e processuais, bem como as sanções, previstas no Código de Defesa do Consumidor.

Cabe aqui, antes de tudo, fazer uma breve distinção acerca do que sejam bancos de dados e cadastros de consumidores. Por cadastro de consumidores, em linguagem simplificada, entende-se o conjunto de dados próprios de um fornecedor ou intermediário, geralmente formado por dados repassados pelo próprio consumidor, para obtenção de crédito pessoal.

Já por banco de dados, define-se um conjunto de informações de fornecedores sobre um determinado consumidor, visam principalmente proteger o mercado, estando a disposição dos fornecedores que realizem operações de crédito para que corram menos riscos. No Brasil os banco de dados, na sua maioria, são negativos, "isto é, a inclusão do nome de alguém se dá pelo fato de essa pessoa estar inadimplente, em relação ao pagamento de uma dívida". [2]

Os bancos de dados brasileiros nasceram com a criação do primeiro SPC (SISTEMA DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO), em 1955, em Porto Alegre/RS, que seria uma associação civil, formada por empresas comerciais que praticavam venda a credito, para defesa de interesses comuns, tendo como principal função fichar os maus clientes, evitando assim, negociações de risco [3], sendo que a proteção é dirigida especificamente aos fornecedores.

Posteriormente, em 1968 surge o SERASA – CENTRALIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE BANCOS S/A. que considerando a próprio razão social desta, revela tratar-se de empresa, uma das maiores do mundo, em informações e analises econômico-financeiras, que tem como finalidade, dotar o sistema bancário de um instrumento eficaz de consulta quanto aos devedores em geral.

É de se admitir, que os bancos de dados e cadastros desempenham uma função positiva na sociedade de consumo mas, a inscrição de um consumidor neste tipo de arquivo, principalmente dos inadimplentes, deve ser feita de maneira responsável, de modo a se evitar um lançamento precoce e abusivo.

Ocorre que, inúmeras abusividades são cometidas pelos chamados órgãos de proteção ao crédito, entre eles os já citados SPC, SERASA e ainda o CADIN, em desfavor ao consumidor, em que pese a proibição veementemente de tais práticas pelo art. 42 do CDC, que dispõe que na cobrança de débitos, o consumidor não poderá ser submetido a qualquer constrangimento ou ameaça.

Na verdade, a ilegalidade da inscrição de nome de pessoa no cadastro de restrição ao crédito fere o direito à imagem da pessoa e até a sua moral, pelo constrangimento que muitas vezes ocasiona, haja vista que o comércio, o sistema bancário e afins, dispõem de meios outros para cobrar débitos, sendo a conduta – inscrição no cadastro de restrição ao crédito – medida odiosa e coercitiva e, por outro, representa proteção àqueles que da vida mercantil em geral vivem. [4]

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Assim, qualquer dos chamados sistemas de proteção ao crédito – SPC, SERASA e afins, não podem representar intransponível obstáculo para realização de transações financeiras ou comerciais, que pretendam realizar aqueles que têm o seu nome registrado, os quais ficam impotentes diante do cadastro restritivo.

Felizmente, a jurisprudência pátria vem se posicionando favoravelmente, coibindo as práticas abusivas dos cadastros de inadimplentes, sendo precedente do STJ a impossibilidade de inscrição negativa do consumidor que discute o débito frente ao poder judiciário, "constitui constrangimento e ameaça vedados pela Lei 8.078/90, o registro do nome do consumidor em cadastros de proteção ao crédito, enquanto tramita ação em que se discute a existência da dívida ou a amplitude do débito". [5]

Por assim dizer, o legislador ao instituir norma protecionista ao consumidor, assegurou que a existência e divulgação de cadastros e banco de dados, que guardem informações pessoais e particulares sobre os mesmos, se daria em conformidade com os parâmetros legais de forma a repelir abusividades na cobrança aos consumidores, visando "garantir, por ordem constitucional, a dignidade de toda e qualquer pessoa, quer ela tenha dívidas ou não" [6]. Destarte, sendo indevida a inscrição, configura-se verdadeiro ato ilícito, ensejador da devida reparação, seja do dano moral, material ou mesmo de ambos, como forma coibir e desencorajar o ofensor o cometimento de novos atentados contra o patrimônio moral e material dos consumidores.

Nos termos da jurisprudência pátria "a operação dos bancos de dados, se não exercida dentro de certos limites, se transforma em dano social", [7] e como tal, deve ser veementemente repelido e punido.


Das Informações Contidas Nos Cadastros

O Código de Defesa do Consumidor Brasileiro – lei 8.078/90, mais especificamente no seu art. 43, é claro ao afirmar que o consumidor terá acesso livre a todas às informações existentes em qualquer cadastro ou banco de dados sobre a sua pessoa, bem como sobre sua fonte, face ao princípio da transparência das relações de consumo [8].

O consumidor tem direito a tomar (imediata e gratuitamente) amplo conhecimento de informações suas constantes de cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados a seu respeito (informatizados ou manuais, setoriais ou abrangentes), assim como sobre as respectivas fontes. [9]

Outro aspecto importante, é a garantia estatuída no § 2.º, do artigo 43, do CDC, que assegura ao consumidor o direito de ser informado, por escrito, sobre sua inclusão em todo e qualquer banco de dados ou cadastro, "não só de modo a possibilitar-lhe a exigência da imediata correção das inexatidões, mas também de molde a proporcionar-lhe a oportunidade de evitar o abalo de seu crédito, no mercado de consumo, purgando a mora o mais cedo possível". [10]

Cabe destacar que, é pacífico o entendimento do Colendo STJ, no sentido de que "a pessoa natural ou jurídica que tem seu nome inscrito em cadastro de devedores tem o direito a ser informado do fato. A falta dessa comunicação poderá acarretar a responsabilidade da entidade que administra o banco de dado", [11] bem como de que "a indevida inscrição ou manutenção no SPC, gera direito à indenização por dano moral, independentemente da prova objetiva do abalo à honra e à reputação sofrida pelo autor". [12]

Ademais, é abusivo o registro de débitos após serem objeto de discussão. Aliás, como já referido anteriormente, o CDC, artigo, 42, dispõe que na cobrança de débitos o consumidor jamais poderá ser submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Muitas vezes, "a existência do registro de débito em um cadastro é uma ameaça, uma coação, para que se pague sem questionar, sem até refletir, porque haverá inúmeras restrições na vida diária, quotidiana, econômica ou não". [13]

Ainda, vale acrescentar que é assegurado o livre acesso às informações contidas, nos bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, uma vez que, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público, a teor do artigo 43, § 4.º, do CDC e, como nos ensina Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, um dos autores do anteprojeto, isto significa "que seu funcionamento e administração apresentam particular interesse para a sociedade como um todo (= interesse público), conferindo-se a esta certos direitos especiais", [14] sendo que, "por estarem publicizados, cada indivíduo, solitária ou coletivamente, ganha o direito de questiona-los da maneira o mais ampla possível, tanto nos procedimentos que utilizam, como no conteúdo do que mantêm". [15]

É de se destacar, que quanto ao conteúdo contido, os bancos de dados e cadastros de consumidores estão sujeitos a concessão habeas data (art. 5.º, XLXXII, da CF/88), que se configura em decisão para assegurar o conhecimento de informações pessoais constantes de registros ou banco de dados oficiais ou de caráter público, inclusive para retificá-las ou complementá-las.

O habeas data tem por objeto a proteção do direito líquido e certo do impetrante em conhecer todas as informações e registros relativos à sua pessoa e constantes de repartições públicas ou particulares acessíveis ao público, para eventual retificação de seus dados pessoais. [16]

Ainda, é assegurado ao consumidor, pelo disposto no § 3.º, do artigo comentado, que encontrando inexatidão nos seus dados, o direito de exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas, sob pena de infringir o direito constitucional à imagem.

Portanto, cabe às entidades credoras que fazem uso dos serviços de cadastro de proteção ao crédito mantê-los atualizados, de sorte que uma vez recebido o pagamento da dívida, devem providenciar, em breve espaço de tempo, o cancelamento do registro negativo do devedor, sob pena de gerarem, por omissão, lesão moral, passível de indenização.


Da Prescrição Das Informações

De outra banda, cabe uma análise especial, ao § 1º, do art. 43, que estabelece claramente, que os banco de dados e cadastros de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, "vedada, portanto, a utilização de símbolos, códigos ou idioma estrangeiro", [17] não podendo conter informações negativas referentes a período superior a 5 (cinco) anos, prazo este, que deve ser entendido em conformidade com o preceituado no § 5.º, deste mesmo artigo legal.

§ 5º. Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.

Cabe destacar que para inserção do consumidor em bancos de dados ou cadastros que guardem informações negativas, é necessário que a dívida esteja vencida, seja líquida e certa e que esteja baseada em um título, contudo nenhuma informação negativa pode permanecer por período superior a cinco anos ou depois de consumada a prescrição relativa à cobrança do débito, sendo que a inobservância de ditas regras gera o dever de reparar os danos causados ao consumidor, por quem assim agiu por absoluta má-fé.

Trata-se de norma cuja violação pode gerar indenizações por dano moral e material, a serem pleiteados contra a empresa ou a organização mantenedora do cadastro e diante daquela que pediu a inclusão dos dados. Portanto, independentemente de requerimento, é dever dessas entidades proceder ao cancelamento dos registros negativos do consumidor, logo após o decurso de 5 anos, ou antes disso, assim que estiver prescrita a ação de cobrança correspondente ao débito. [18]

Cabe esclarecer que o legislador do CDC fixou dois prazos, um genérico (lapso de 5 anos), outro específico (lapso de prescrição da ação de cobrança), para a vida útil dos dados arquivados sobre o consumidor. Nas palavras de Tavares Guerreiro, "vale o que ocorre primeiro, o prazo de cinco anos, a que se reporta o § 1.º do art. 43, ou o lapso prescricional da ação de cobrança do débito do consumidor". [19]

Dessarte, como já dito, ao analisarmos concomitantemente o previsto nos §§ 1.º e 5.º, do art. 43, verificamos que, como alguns títulos prescrevem em prazos menores, como é o caso do cheque, cujo prazo é fixado em 6 meses, para a ação executória e em 2 anos para a ação de enriquecimento ilícito, [20] o prazo de permanência das informações negativas, relativas a tal título, é igualmente menor.

Ocorre que, muitos, na tentativa de desvirtuar o estabelecido no Código de Defesa do Consumidor, no particular, alegam haver divergência entre estes dois prazos, o que é um equívoco, e representa apenas uma tentativa frustrada das entidades credoras e dos próprios bancos de dados ou cadastros, para justificar o descumprimento do estabelecido. Inexiste qualquer antinomia entre os dois prazos, que não se opõem ou divergem, apenas se completam, devendo ser analisados em conjunto e não isoladamente.

Assim, vale a regra de que os registros negativos junto a bando de dados ou cadastro de consumidores devem ser cancelados após o decurso do prazo de 5 anos, se antes disso não ocorreu a prescrição da ação de cobrança. Aliás, dito entendimento encontra-se pacificado pelo Colendo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através de sua Súmula 13 "a inscrição do nome do devedor no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) deve ser cancelada após o decurso do prazo de cinco (5) anos se, antes disso, não ocorreu a prescrição da ação de cobrança (art. 43, §§ 1º e 5º, da Lei nº 8.078/90), revisada a Súmula nº 11.

CDL – CANCELAMENTO DE INFORMAÇÕES NEGATIVAS – Inteligência da Súmula 13 desta Corte e do art. 43, §§ 1º e 5º, do CDC. Os registros negativos junto a CDL devem ser cancelados após o decurso do prazo de 5 anos, se antes disso não ocorreu a prescrição da ação de cobrança. Desta forma, decorrido o prazo de seis meses para aforamento da ação executiva cambial referente aos títulos cadastrados (cheques – Lei nº 7.357/85, art. 59), a inscrição do nome da devedora deve ser cancelada. Sentença de improcedência. Provimento do apelo da autora. (TJRS – APC 70001858406 – 6ª C.Cív. – Rel. Des. Osvaldo Stefanello – J. 16.05.2001)

CANCELAMENTO DE REGISTRO NEGATIVO – Cadastros de serviços de proteção ao crédito – Ato que deve realizar-se após o lapso de 5 anos ou antes disso, se consumada a prescrição cambiária – Interpretação do art. 43, §§ 1º e 5º, da Lei 8.078/90. (TJRS, Ap. 598087880, 3ª Câm., Rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, j. 25-06-1998). [21]

Na mesma linha, a posição do STJ: "Não podem constar, em sistema de proteção ao crédito, anotações relativas a consumidor, referentes a período superior a cinco anos ou quando prescrita a correspondente ação de cobrança." [22]

Por derradeiro, aproveitando as palavras do ilustre autor do anteprojeto, Antônio Herman de Vasconseclos e Benjamin, vale dizer que

o CDC, ao cuidar dos arquivos de consumo, não pretendeu, nem mesmo remota ou indiretamente, legitimar sua atuação e presença no mercado. Deles não tratou para lhes conferir extensão maior; ao revés, foi seu intuito limitar, sob o manto de uma rígida disciplina, a discricionariedade e irresponsabilidade legal absoluta que os caracterizava, impondo-lhes regras claras, sempre com os olhos na proteção dos consumidores e, através deles, na garantia de direitos fundamentais inalienáveis, que a todos aproveita. [23]

E, o que é mais importante, o consumidor deve ter claro que os bancos de dados e cadastros, respondem pelas irregularidades que cometem nas suas operações, podendo ser responsabilizados tanto civil, como administrativamente, sem falar é claro da esfera penal, pelos prática ilícitas (crimes) descritas no CDC.

Sobre a autora
Márcia Nicolodi

advogada, especializanda em Direito Privado pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICOLODI, Márcia. Bancos de dados e cadastros.: Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 90, 1 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4263. Acesso em: 5 nov. 2024.

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