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O novo CPC e os princípios constitucionais: um avanço da pós-modernidade

Agenda 16/09/2015 às 17:30

Este artigo busca analisar os impactos causados pelas normas fundamentais do novo Código de Processo Civil, a Lei nº 13.105/2015, nas decisões judiciais.

1. Introdução  

Tudo muda ao longo do tempo. O Filósofo Pré-Socrático, Heráclito, o “pai da dialética”, já nos ensinava isso, pontuando que “ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontram as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou.” Assim, acontece com a sociedade, e consequentemente com as suas leis. O surgimento do Novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 2016, é uma clara demonstração da necessidade de acompanhamento do conteúdo normativo as mudanças ocasionadas pelo tempo. Afinal, se as leis foram criadas para a sociedade, e essa por sua vez muda, aquelas precisam também sofrer mudanças.

O Código de Processo Civil de 1973 precisou sofrer diversas reformas para acompanhar as mudanças da sociedade, no entanto, essas alterações sucessivas ocasionaram a quebra da coerência do sistema normativo. Além disso, com a Constituição Federal de 1988, mandamento do direito pátrio, o antigo código demonstrou-se desconexo com os preceitos constitucionais. Nesse diapasão, foi concebido o Novo CPC, uma mudança profunda no Processo Civil Brasileiro.


2. O Novo CPC e a Constituição Federal da República

Como já foi dito, a entrada da Constituição Federal de 1988 criou uma situação desarmoniosa entre a Carta Magna e a Lei Ordinária, o Código de Processo Civil. O Novo CPC surgiu para adequar as normas de processo civil as mudanças sociais e também corrigir esse liame. Assim, o Novo CPC precisou incluir expressamente princípios constitucionais, em seu aspecto processual. Muitas regras foram implantadas, dando materialidade a esses princípios. Neste ponto, importante destacar o posicionamento do Jurista Elpídio Donizetti, um dos membros da comissão alteradora do Código de Processo Civil, que pontuou acerca da introdução dos princípios constitucionais no texto legal da Lei nº 13.105/2015, ato tratado pelo jurista como positivação do “totalitarismo constitucional”, in verbis:

“Vale ressaltar que esse dispositivo consiste na materialização das características do neoconstitucionalismo: normatividade da constituição (força normativa), superioridade (material) da constituição, centralidade da constituição (a constituição está no centro do ordenamento jurídico), rematerialização da constituição (constituições mais prolixas, já que tratam de diversas matérias), ubiqüidade da constituição (onipresença da constituição em todos os ramos do Direito), constelação plural de valores (adoção de diversos princípios não homogêneos), onipotência judicial (no lugar da autonomia do legislador ordinário), valoração dos princípios (utilização maior da ponderação). 

Esse totalitarismo não deve ser entendimento de forma depreciativa, afinal conforme já foi notado, todo o ordenamento jurídico tem como corolário a Constituição. Hans Kelsen, nos mostra que a Constituição, em seu sentimento jurídico, é a norma hipotética fundamental. 


3. Definição de Princípios e distinção em face das regras

É importante conceituar os princípios e distingui-los das regras, evitando uma interpretação equivocada. Roque Antonio Carazza mostra que o significado da palavra princípio vem do latim principium, principii, sendo definido como começo, origem, base. Assim, os princípios são fontes basilares para qualquer ramo do direito, influenciando desde a sua formação e aplicação. Para melhor compreensão, é fundamental apresentar outras conceituações acerca da palavra princípios. 

Para o Jurista Bandeira de Mello, os princípios são “mandamentos nucleares de um sistema, verdadeiros alicerces dele, disposições fundamentais que se irradiam sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que reside a intelecção da diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.” Para Bonavides “os princípios são a alma e o fundamento de outras normas”, sendo que “uma vez constitucionalizados, se fazem a chave de todo o sistema normativo”. 

Também é fundamental apresentar a visão do Professor Humberto Ávila, a qual conceitua com maestria os princípios e o distingue claramente das regras. Neste diapasão, Ávila preceitua: “…enquanto as regras são normas imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser adotada, os princípios são normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas para cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos (normas-do-que-fazer). Os princípios são normas cuja finalidade frontal é, justamente, a determinação da realização de um fim juridicamente relevante (normas-do-que-deve-ser), ao passo que a característica dianteria das regras é a previsão do comportamento.”

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4. Análise dos artigos 1º ao 12º do Novo CPC

O artigo primeiro do Novo CPC é a nítida sinalização de conexão do conteúdo normativo do código aos princípios constitucionais da Carta da República. “Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.” Assim, o Legislador adotou explicitamente a Teoria do Direito Processual Constitucional. Doutrinadores a exemplo do Francês Nicolò Trocker, Italiano Milano Giuffrè, e Argentino August Morello, já consolidaram o entendimento teórico, no qual, o Direito Consitucional é o tronco da árvore, e o Direito Processual é um de seus ramos. Portanto, não é possível a existência de uma regra processual sequer que não tenha inspiração na Constituição. 

Com a seguinte redação: “Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte, nos casos e nas formas legais, salvo exceções previstas em lei, e se desenvolve por impulso oficial.”, o artigo segundo repete um ordenamento já consagrado, mantendo o famoso Princípio Dispositivo, também chamado de Princípio da Demanda ou da Inércia. Esse entendimento fortalece a imparcialidade do Magistrado. 

O artigo terceiro com o enunciado: “Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, ressalvados os litígios voluntariamente submetidos à solução arbitral, na forma da lei” reproduz o princípio estabelecido no artigo 5º, inciso XXV da Carta da República, ressalvando em face da arbitragem, a qual é regulada pela Lei nº 9.307/96.

O princípio da duração razoável do processo, previsto no inciso LXXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, está também coadunado no artigo 4º do Novo CPC, o qual estabelece: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.” Com a adoção da postura intervencionista do Estado nas relações privadas, o aparato estatal passou a reservar para si, a condição de dizer o direito, e consequentemente utilizar a Jurisdição no intuito de proferir uma solução justa para as partes conflitantes. É nesse sentido que Nicoló Trocker aponta que "justo é o processo que se desenvolve em respeito aos parâmetros fixados na Constituição e nos valores da sociedade”.

Hoje, a questão central está na lentidão da prestação jurisdicional, afinal, justiça e morosidade são elementos imiscíveis, os quais acabam proporcionando um descrédito na Justiça Brasileira. É claro que essa atuação estatal precisa contar com o apoio das partes conflitantes, e foi com essa visão que o artigo 6º do Novo CPC estabeleceu a cooperação com o julgador, o magistrado, preceituando que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

A isonomia e igualdade processual, entendidos como garantias fundamentais do processo, estão previstos no artigo 7º do Novo CPC: “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.” A igualdade é corolário do princípio do devido processo legal, também entendido como base dos aspectos democráticos, consagrado pelo Legislador Constituinte de 1988, ao assegurar indistintamente a igualdade de todos em face do conteúdo normativo. 

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana também recebeu destaque no texto do Novo CPC. Esta é mais uma nítida constatação da influência dos Princípios Constitucionais no referido código. Encontra-se sedimentado no artigo 8º do Novo CPC que pontua: “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.” Deste dispositivo desdobra-se um elemento fundamental: resposta rápida para o conflito, novamente evidenciando a preocupação do legislador para o aspecto da celeridade processual,  tendo em vista, que esse pilar contemporâneo já havia sido assegurada no artigo 4º do mesmo código. 

“Sem contraditório, não há processo”, assim pontuam importantes doutrinadores, a exemplo de Elio Fazzalari e Cândido Rangel Dinamarco. É nesta diapasão que o artigo 9º do Novo CPC estabelece “Não se proferirá sentença ou decisão contra uma das partes sem que esta seja previamente ouvida, salvo se se tratar de medida de urgência ou concedida a fim de evitar o perecimento de direito.”. Previsto também no artigo 5º, inciso LV da Constituição de 1988, o princípio do contraditório impõe que ao longo do caminho processual, sejam observados os fatos trazidos ao processo pelas partes, as quais devem participar ativamente no processo de formação do convencimento do magistrado.

No artigo 10º está uma das principais inovações do Novo CPC: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual tenha que decidir de ofício.” É o respeito ao contraditório e a ampla defesa, estabelecidos no inícios LV do artigo 5º da Carta da República. O parágrafo único, do artigo 9º, apresenta a exceção das hipóteses da tutela de urgência, as quais, poderão ser prolatadas sem a observância do contraditório prévio. 

O caráter público dos processos foi mantido, exceto nos casos de segredo de justiça. O artigo 11º do Novo CPC traz consigo dois grandes princípios presentes na Carta Maior da República: a Publicidade e a Fundamentação das Decisões Judiciais. Uma decisão justa e equânime é aquela bem fundamentada. Esse aspecto é um dos requisitos da sentença, para que o ato processual seja considerado no mundo jurídico como válido. 

O último dispositivo, o artigo 12º estabelece uma ordem cronológica de conclusão, bloqueando modificações na ordem de chegada dos autos processuais ao processo cognitivo do magistrado. Autoexplicativo, o referido artigo também prevê hipóteses para as quais a ordem cronológica é dispensada, seja por relevância do direito individual ou pela repercussão universal do julgamento. 


5. Conclusão 

Os avanços trazidos pelo Novo Código de Processo Civil são visíveis. Agora essas inovações serão sentidas pelo beneficiário direito: as pessoas que recorrem a tutela jurisdicional para solucionar um conflito. De início, a busca pela harmonização do texto normativo com a Constituição é fundamental, haja vista, que em um sistema jurídico, qualquer norma desconexa com a Carta Maior, coloca em prova o próprio aparato estatal. Afinal, harmonia no sistema é condição sine qua non para uma prestação jurisdicional justa e equânime. Além de buscar essa conexão com a Carta da República, o Novo CPC absorveu e incorporou alguns princípios e regras da Lei maior. Essa introdução fica evidente na parte geral do Novo Código e fortalecem a segurança jurídica. Favorecer e garantir a inércia da jurisdição, a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal é elevar o grau de justiça na prestação da tutela jurisdicional. Proporcionar a celeridade, respeito a dignidade da pessoa humana, moralidade, publicidade e razoabilidade é assegurar uma prestação jurisdicional eficiente. São inovações importantes e marcam um novo período do Processo na Justiça Brasileira.


REFERÊNCIAS

BITTAR, Eduardo C. B.. O Direito na Pós-Modernidade, Forense Universitária, Rio de janeiro, 2005.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14.ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio de. Elementos de Direito administrativo. São Paulo: RT, 2014.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 12.ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno, volume I. São Paulo: Malheiros, 2014.

DONIZETTI, Elpídio. <http://atualidadesdodireito.com.br/elpidionunes/2012/04/11/expressa-constitucionalizacao-do-direito-processual-civil-positivacao-do-%E2%80%9Ctotalitarismo-constitucional%E2%80%9D/> 15 de setembro de 2015.

EXPOSIÇÃO DOS MOTIVOS DO ANTEPROJETO DO NOVO CPC. Disponível em www.senado.gov.br, acesso em 15/09/2015.

LEI 13.105, 17/03/2015. Disponível em www.senado.gov.br, acesso em 15/09/2015.

FAZ­ZALARI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale, 8ª ed. CEDAM: Padova, 2010.

MARINONI, Luiz Guilherme. A Jurisdição no Estado Contemporâneo. Direito Processual Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

MACHADO, Hugo de Britto. O novo CPC. Disponível em: http://opovo.uol.com.br/app/o-povo/opiniao/2010/06/30/int_opiniao,2015486/o-novo-cpc.shtml, acesso em 15/09/2015.

TROCKER, Nicolò. Il Nuovo Articolo 111 della Constituizone e il "giusto processo" in materia civili: profili generali, in Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 2001.

Sobre o autor
Afonso Mendes Santos

Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB); Consultor Legislativo com extensão em Processo Legislativo Municipal, Lei Orgânica Municipal e Orçamento Público Avançado pelo Instituto Brasileiro Legislativo (ILB).

Informações sobre o texto

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