Tenho me manifestado, seguidamente, sobre a possibilidade jurídica do compartilhamento da guarda de filhos menores depois da ruptura conjugal ou da união estável, como um modelo de guarda capaz de minorar os efeitos negativos que vivenciam os chamados filhos do divórcio em situação de conflito entre os genitores. Vale lembrar aqui sua noção: é uma modalidade de guarda na qual ambos os genitores têm a responsabilidade legal sobre os filhos menores e compartilham, ao mesmo tempo e na mesma intensidade, todas as decisões importantes relativas a eles, embora vivam em lares separados.
Minha convicção está ancorada no texto do art. 229, da Constituição Federal, que impõe aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, independentemente de conviverem ou não no mesmo lar. O Estatuto da Criança e do Adolescente confirma o preceito maior ao incumbir aos pais o dever de sustento, guarda e educação de seus filhos, sem discriminar ou condicionar o exercício da guarda à convivência dos genitores. Estas disposições convergem aos postulados da Convenção sobre os Direitos da Criança, que lhe proclama uma proteção especial e o pleno direito de ser cuidada por seus pais. [1]
A doutrina brasileira [2] sempre proclamou que o que realmente importa na decisão sobre guarda de filhos menores é o superior interesse destes, preponderantemente sobre eventuais direitos que se arroguem os pais, proclamação esta que encontra eco em vetusta jurisprudência. [3] Das poucas regras concernentes à guarda de filhos menores, Sérgio Gischkow Pereira, já nos idos de 1986, dissertando sobre o tema e reconhecendo a tendência prevalente no direito moderno, que impõe se verifique, antes de tudo, o interesse do menor, identificava no sistema dispositivo de grande expressividade a respeito, o art. 13, da antiga Lei do Divórcio: "Se houver motivos graves, poderá o juiz, a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais." [4] Esta regra conferia ao juiz ampla liberdade para resolver sobre a guarda de filhos menores e por tal prerrogativa podia o juiz determinar a guarda compartilhada, mais proveitosa ao desenvolvimento da personalidade do menor.
Estas ponderações são suficientes para identificar no plano técnico-jurídico nacional a existência de dispositivos que autorizam a aplicação do modelo compartilhado quando se cogita de determinar sobre a guarda de filhos menores.
Ao disciplinar o poder familiar, o novo Código Civil manteve o mesmo conteúdo do anterior, com pequenas modificações na redação de alguns dispositivos. A alteração mais significativa ficou por conta da separação tópica entre a disciplina do exercício do poder familiar quanto à pessoa dos filhos menores (Seção II do Capítulo V, do Título I – Do Direito Pessoal; art. 1.634) e a do exercício do poder familiar quanto aos bens de filhos menores (Subtítulo II, do Título II – Do Direito Patrimonial; arts. 1.689 a 1.693), que ao tempo do Código de 1916 constituiam seções (II e III) de um mesmo capítulo, o relativo ao Pátrio Poder.
Embora topograficamente em territórios distintos – direito pessoal de família e direito patrimonial de família -, a matéria continua sendo relativa ao exercício do poder familiar, ônus que ao pai e a mãe incumbem em virtude da parentalidade, no interesse dos filhos, como afirma Paulo Luiz NETTO LÔBO, pois a inclusão de artigo neste último capítulo "prevendo a representação dos filhos menores de 16 anos e a assistência aos filhos entre 16 e 18 anos é de natureza pessoal, não se atendo apenas às questões de cunho patrimonial." [5]
Outra lição não se extrai do parágrafo único do art. 1.690, que atribui aos pais decidirem em comum as questões relativas aos filhos e as questões relativas a seus bens, como efeito da conjunção aditiva que une as duas orações. Assim, compete aos pais decidirem em comum as questões relativas a pessoa dos filhos (criação, educação, companhia e guarda, autorização para casar, representação e assistência) e também decidirem em comum as questões relativas aos bens de filhos (usufruto e administração).
É, pois, dever jurídico comum dos pais, encargo que a lei lhes atribui, decidirem sobre a vida e o patrimônio de seus filhos, tanto durante como depois da separação, cabendo ao juiz cobrar-lhes o exercício do múnus desta forma, compartilhadamente. Eis aí o fundamento normativo da guarda compartilhada no novo Código Civil.
Notas
01. GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada – um novo modelo de responsabilidade parental, 2ª ed. São Paulo: RT, 2003.
02. Escreve, por todos, Caio Mário da Silva PEREIRA: "O que lhe serve de inspiração é o interesse dos filhos, sobre quaisquer outras ponderações de natureza pessoal ou sentimental dos pais." Instituições de direito privado, vol. V, 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2002, p. 170.
03. Consta da ementa do RE 60.265-RJ, do qual foi relator o Min. Eloy da Rocha: "O juiz, ao dirimir divergência entre pai e mãe, não se deve restringir a regular visitas, estabelecendo horários em dia determinado da semana, o que representa medida mínima. Preocupação do juiz, será propiciar a manutenção das relações dos pais com os filhos. É preciso fixar regras que não permitam que se desfaça a relação afetiva entre pai e filho, entre mãe e filho. O que prepondera é o interesse dos filhos, e não a pretensão dopai e da mãe." RTJ 44/43-46.
04. PEREIRA, Sérgio Gischkow. A guarda conjunta de menores no direito brasileiro. Ajuris 36, mar-86, pp. 53-64.
05. NETTO LÕBO, Paulo Luiz. Do poder familiar. In: Direito de família e o novo Código Civil. DIAS, Maria Berenice Dias; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Belo Horizonte: Del Rey, 2001, pp.144-145.