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A constitucionalização da moralidade administrativa e a sua importância na definição do conceito da improbidade administrativa

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Agenda 17/09/2015 às 14:59

Resumo: O presente artigo tem como ponto central demonstrar a importância da moralidade a partir da sua constitucionalização em 1988 e como esse novo status constitucional contribuiu na evolução e na concretização das sanções aos comportamentos antiéticos

A moralidade administrativa no Brasil surgiu, em norma de equivalência constitucional, com o Decreto n.19.398/30, que instituiu o Governo Provisório da República dos Estado Unidos do Brasil quando a revolução de Outubro do mesmo ano dissolveu o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas Estaduais até que fosse estabelecida a reorganização institucional com a convocação da Assembleia Constituinte que resultou na Constituição de 1934, estabelecido no artigo 7º.[1]

No entanto, é com a Constituição de 1988 que o princípio ganha destaque entre os pressupostos máximos do sistema constitucional. A moralidade administrativa é explicitada “pela primeira vez em textos constitucionais do País, ou seja, constitucionalizada, cominando-se, no mesmo artigo, a suspensão dos direitos políticos e perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, por atos de improbidade administrativa” (MOREIRA NETO, 1999, p. 131).

Entre os princípios básico a que deve obediência a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, Estado, Distrito Federal e Municípios, o artigo 37 elenca o princípio da moralidade, consoante no artigo 37.[2]

Vê-se que o constituinte, desta maneira, estabeleceu nítida distinção ao juridicizar a ‘moralidade’, definindo-a como princípio, juntamente com a legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, colocando-a como princípio constitucional expresso.

Na lição do Ministro Demócrito Ramos Reinaldo (apud SARAIVA FILHO, 1998, p. 129, Constituição Comentada), “a distinção é evidente e necessária. A moralidade administrativa integra o Direito como elemento de observância indeclinável (irretorquível), mas não está ínsita na legalidade, nem desta constitui corolário. O legislador constituinte, ao instituir o princípio, não cuidou do mero ‘reenvio’ da norma legal à norma moral, mas, atribui à moralidade administrativa relevância jurídica positiva que caracteriza a legalidade da ordem jurídica positiva que caracteriza a moralidade – ambas compondo a mesma ordem jurídica integral – porque nem tudo que é ‘legal é moral’.”

A autonomia da moralidade em relação à legalidade permitiu que a imoralidade administrativa produzisse efeitos jurídicos, pois, como já salientado, acarreta a invalidade do ato, invalidade esta que pode ser decretada pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário.[3] 

A moralidade administrativa (e seus desdobramentos) também foi incluída em outros dispositivos, como a norma do art. 85, V, que considera como crime de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a probidade administrativa; no §4º do art. 37 fica determinado que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”; o artigo 5º, inciso LXIII, que inclui a ofensa à “moralidade administrativa” como caso de cabimento de ação popular; o artigo 15, inciso V, que inclui a improbidade administrativa entre as hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos.

Para o professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1999, p. 104) “a expressa admissão do princípio da moralidade administrativa no texto da Constituição de 1988 provocou, como seria de prever, um ressurgimento dos estudos do tema ético no Direito e na Administração Pública”.

Especificamente, quanto ao dever de moralidade da Administração Pública, o professor destaca os seguintes dispositivos constitucionais que enunciam um princípio cardeal (art. 37, caput) e nove preceitos:

1º -  A garantia do habeas corpus contra abuso de poder (além do caso de ilegalidade) de autoridade pública ou agende de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art. 50, LXVIII);

2º - A garantida do mandado de segurança contra abuso de poder (além do caso de ilegalidade) de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (art. 50, LXIX);

3º - A atribuição de legitimação a qualquer cidadão para propor ação popular que vise anular ato lesivo à moralidade administrativa (art. 5º, LXXXIII);

4º - A submissão de toda Administração Pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ao princípio da moralidade (art. 37, caput);

5º - A suspensão dos direitos políticos, indisponibilidade de bens e ressarcimento ao erário em caso de ato de improbidade administrativa (art. 37, §4º);

6º - A instituição de julgamento de indignidade para o oficialato, com perda de posto e patente, compreendida a hipótese anterior, de improbidade administrativa, como quaisquer outras de caráter nitidamente deontológico (art. 42, §7º);

7º - A sustação, pelo Congresso Nacional, por proposta do Tribunal de Contas da União, de despesa irregular, assim entendida aquela que despassa do conceito de despesa ilegal, cuja anomalia jurídica só pode ser suscetível de apreciação sob o prisma da moralidade administrativa (art. 72, §2º).

8º - A atribuição de legitimação ao cidadão, partido político, associação ou sindicato para denunciar irregularidades (tanto quanto ilegalidades) ao Tribunal de Contas da União (art. 74, §2º).

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9º - A capitulação como crime de responsabilidade do Presidente da República, atos que atentam contra a probidade na administração (art. 85, V);

10º - A atribuição ao Senado Federal, depois da autorização da Câmara dos Deputados para tal, do processo e do julgamento do Presidente da República e dos Ministros de Estado, nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles (art. 52, I).

A Constituição, portanto, introduziu de forma ampla a moralidade administrativa e preceitos que dela derivam. Isso garante mais estabilidade e eficácia ao princípio. O papel do Judiciário no controle da Administração, no entanto, fica mais evidente.[4]Principalmente com a Lei Federal n.8.429/1992 de delimitou objetivamente o conceito de improbidade administrativa, destacando em seu artigo 11 que improbidade existiria quando ferissem os princípios constitucionais administrativos, dentre os quais, destacamos o princípio da moralidade administrativa. Assim, percebemos que a norma infraconstitucional que define improbidade a tipifica quando há infração a princípio constitucional. Em suma, há uma correlação entre as normas para acharmos a definição da improbidade administrativa do artigo 11 da lei em comento.

Os conceitos de improbidade e moralidade estão correlacionados. Acerca da improbidade, o Professor Marcelo Figueiredo recorre à raiz etimológica: “Do Latim improbitate. Desonestidade. No âmbito do Direito o termo vem associado à conduta do administrador amplamente considerado. Há sensível dificuldade doutrinária em fixar-se os limites do conceito de ‘improbidade’. Assim, genericamente, comete maus-tratos à probidade o agente público ou o particular que infringe a moralidade administrativa.” (2000, p.23).

Em sentido inverso ao proposto por Marcelo, o jurista Fábio Medina Osório parte da moralidade para chegar à improbidade.[5]

No Brasil, o comando do artigo 37, §4º da Constituição Federal, que trata sansões impostas aos que praticam atos de improbidade administrativa, foi atendido pela Lei 8.429/92, que “dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”. Conhecida por Lei de Improbidade Administrativa, em seu art. 4º é feita nova menção ao princípio da moralidade, segundo o artigo 4º.[6]

Para Juarez Freitas, a probidade administrativa representa um princípio derivado do princípio da moralidade administrativa - e muitas vezes confundido com este (1996, p.70). O princípio da probidade administrativa veda a prática de atos desonestos e desleais para com a administração pública. “Enquanto a improbidade administrativa, atentado ao subprincípio da probidade administrativa, refere-se especialmente a conduta do agente público, acarretando o estabelecimento de sanções jurídicas para a repressão do desvio de comportamento do titular do múnus público, a imoralidade administrativa, que viola o princípio geral da moralidade administrativa, mais amplo e hierarquicamente superior, provoca a incompatibilidade jurídica entre o ato imoral e o regime jurídico-administrativo”. (Apud FRANÇA, 2012, p. 331).

No entanto, para Moreira Neto (apud FRANÇA, 2012, p. 331) é precário falar em princípio de probidade administrativa, por não bastar por si só para gerar efeitos jurídicos concretos, necessitando de prévia tipificação legal para sua concretização. E mais: a leitura do texto constitucional mostra que o conceito de improbidade administrativa – termo encontrado nos artigos 15, V e 37, §4º - não é confundível com o conceito de imoralidade administrativa, depreendido a contrario sensu dos artigos 5º, LXXIII, e 37, caput.

Para José Afonso da Silva (2005, p. 669) a moralidade administra é um conjunto de regras de conduta extraídas da disciplina interior da Administração, enquanto a probidade administrativa “é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial pela Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, §4º). A probidade administrativa consiste no dever de o funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer”.

O constitucionalista tece ainda comentários sobre a improbidade administrativa, afirmando ser esta uma imoralidade administrativa qualificada, conceituando-a como “uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem”, e por isso “é tratada ainda com mais rigor, porque entra no ordenamento constitucional como causa de suspensão dos direitos políticos do ímprobo”. (SILVA, 2002, p.646, Curso de Direito Constitucional).

Acerca da suspensão dos direito políticos, com especial ênfase nos casos de inelegibilidade, é medida necessária para tentar conter o ingresso na vida política daqueles que se mostram inaptos aos cargos eletivos. O sistema eleitoral é, portanto, um bom braço na contenda contra a improbidade administrativa.[7]

Observe-se que, no âmbito do processo eleitoral, com as alterações da Lei Complementar 64/90 advindas da Lei Complementar 135/10 (Lei Ficha Limpa), foram incluídas novas hipóteses de inelegibilidade. Entre as novas hipóteses está a inelegibilidade dos os condenados à suspensão dos direitos políticos por ato doloso de improbidade administrativa.[8]

Como espécie do gênero imoralidade administrativa, a improbidade é qualificada pela desonestidade de conduta do agente público, onde há enriquecimento ilícito e vantagem indevida para si ou para outrem. “É essa qualificadora da imoralidade administrativa que aproxima a improbidade administrativa do conceito de crime, não tanto pelo resultado, mas principalmente pela conduta, cuja índole de desonestidade manifesta a devassidão do agente” (ALVARENGA, p.107).

É perceptível a classificação, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, da moralidade administrativa como gênero, do qual a probidade é espécie.[9]

Enfatizadas as diferenças, é possível afirmar que um agente público pode afrontar o princípio da moralidade, entendido no seu sentido jurídico-administrativo, sem que incorra em ato de improbidade pela ausência de comportamento desonesto, atributo que diferencia a espécie “improbidade” do gênero “imoralidade”.

A este respeito, questiona-se o teor do artigo 10 da Lei 8.429/92 ao possibilitar a caracterização da improbidade administrativa em conduta culposa. É o caso dos juristas Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior na obra Improbidade Administrativa – Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público (1999, p.63).[10]

No mesmo sentido, leciona Aristides Alvarenga (2003, p. 108).{C}[11]

No entanto, o jurista reconhece que o legislador, “além da questão sobre a possibilidade de se ver caracterizada improbidade administrativa em conduta simplesmente culposa, o que se desejou, primordialmente, foi fixar a distinção entre improbidade e imoralidade administrativas”. Com isso, o legislador admite haver casos em que a imoralidade administrativa não adquire contornos de improbidade, já que, para que esta reste caracterizada, “há de ter índole de desonestidade, de má-fé, nem sempre presentes em condutas ilegais, ainda que causadoras de dano ao erário”. (ALVARENGA, 2003, p. 108).

Fábio Medina (2007, p.89) sintetiza em clara lição o que foi exposto sobre a moralidade administrativa e a probidade.[12]

É válido ressaltar que “o princípio da moralidade exige que os agentes administrativos envolvidos em licitação pública atuem de boa-fé, de maneira proba e honesta, sem esconder dados ou informações, sem pretender receber vantagens indevidas, ainda que favoráveis à Administração. O princípio impõe tratar licitantes e outros com honestidade, sem pretender prejudica-los” (NIEBUHR,2011, p. 45).

Acerca das licitações, é notável que seja um dos âmbitos onde mais se esvai o patrimônio público. De acordo com o art. 3º, Lei 8666/93, “a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”. 

Quis o legislador, mais uma vez, enfatizar o caráter jurídico da moralidade no âmbito administrativo, juridicidade que se tornou inquestionável tanto na doutrina quanto na jurisprudência.[13]

Fato é que, acerca da moralidade administrativa, o tema central no seu estudo é o dever da boa administração. É um imperativo moral do administrado público o zelo por ser um bom administrador.[14]

É inegável que uma das grandes conquistas da ciência do Direito foi a positivação e inserção de conteúdo ético nos sistemas jurídicos pelos princípios. Tais princípios contribuem fortemente para o controle social da atuação estatal e o controle jurisdicional da atividade administrativa, não só baseando-se no princípio da legalidade.  

Assim, “tendo em vista que a Administração Pública deve pautar-se pela obediência aos princípios constitucionais a ela dirigidos expressamente mas também aos demais princípios fundamentais, tem-se que, em sua atuação, deve ser capaz de distinguir o justo do injusto, o conveniente do inconveniente, o oportuno do inoportuno, além do legal do ilegal.” (MENDES, 2011, p. 862).

A expansão e a influência do exercício da função administrativa do Estado exige meios para regulá-la e orienta-la para a finalidade do Estado de Direito. Deve haver uma moral própria da administração pública, institucionalizada, uma moralidade que determine a conduta e o desempenho da atuação dos administradores públicos.

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

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Fábio Medina Osório, Improbidade Administrativa, 2ª ed. Porto Alegre, Síntese, 1998.

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ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA, “Reflexões sobre Improbidade Administrativa no Direito Brasileiro”, Improbidade Administrativa, questões polêmicas e atuais, 2ª. Ed. Malheiros Editores, São Paulo-SP, 2003.

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Sobre o autor
Jacob Paschoal

É Procurador do Município de Guarulhos lotado na Secretaria de Transportes e Mobilidade Urbana. Foi Chefe na Procuradoria de Licitações e Contratos deste Município de 2013-2016.Ex- Oficial titular de Registro Civil no Estado de São Paulo (2007-2009). Especialista em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral pela Escola Judiciária Eleitoral Paulista do Tribunal Regional Eleitoral -SP. Pós graduando em Gestão Pública com ênfase em Cidades pela Fundação Getúlio Vargas- FVG. Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP. Mestrando em Cidades Inteligentes- UNINOVE. Coordenador Jurídico do Fórum Paulista de Secretários e dirigentes de mobilidade Urbana do Estado de SP.(2020-2021). Advogado e Consultor

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